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Literatura Africana

em Língua Portuguesa
Material Teórico
Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Drª Vivian Steinberg

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Silvia Albert
Literatura Africana nos Países
de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

• Noções Sobre a Visão da África no Nosso Imaginário;


• Noções Sobre a Língua Portuguesa na África;
• Momentos da Literatura Africana de Língua Portuguesa;
• Concluindo.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Identificar as diferenças de perspectivas de cada região do mundo,
em relação às ideias já concebidas, possibilitando a ampliação de
conceitos sobre o continente africano.
· Identificar as diferentes possibilidades da língua portuguesa e asso-
ciá-las a questões históricas, antropológicas e sociais.
· Identificar semelhanças e singularidades das literaturas de língua
portuguesa, refletindo sobre suas condições de produção em dife-
rentes contextos.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

Noções Sobre a Visão da


África no Nosso Imaginário
Abordar a literatura dos países africanos de língua portuguesa requer discutir ques-
tões históricas que englobem a colonização portuguesa. Podemos dizer que o passado
está presente nas literaturas africanas com uma de suas matrizes de significado.

A África está presente no imaginário brasileiro como um continente distante


e, ao mesmo tempo, próximo por questões ancestrais que nos ligam: uma lín-
gua em comum, o português, importada do colonizador europeu, no caso dos
países africanos que têm a língua portuguesa como língua oficial, e uma história
entrelaçada a um aspecto deplorável de nossa narrativa que é a escravidão, ou
seja, há muitos brasileiros descendentes de homens escravizados e retirados do
continente africano, não necessariamente dos mesmos países. Esses são apenas
dois aspectos do porquê é importante estudarmos as literaturas africanas de lín-
gua portuguesa. Na continuidade desta disciplina, outros aspectos igualmente
relevantes serão apresentados.

CABO
VERDE

GUINÈ-BISSAU

SÃO TOMÉ
E PRÍNCIPE

ANGOLA

MOÇAMBIQUE

Figura 1
Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

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Para compreendermos a visão que temos sobre a África a partir do Brasil e
da contemporaneidade, vamos escutar uma pequena entrevista com a professora
de história da África da FFLCH/ USP, Leila Leite Hernandes para a rádio USP.
Ela esclarece por que a região é tão simplificada e negligenciada quando vista pelos
olhos da América e da Europa e explica que até a divisão territorial foi feita pelos
vários países europeus que colonizaram a África.
Explor

Vamos escutar: https://goo.gl/qwB7qm

A partir dessa perspectiva, entendemos que muitos preconceitos envolvem nosso


olhar sobre a África porque nos baseamos no olhar do homem europeu e colonizador.

O filósofo Kwame Anthony Appiah, nascido na Inglaterra e criado em Gana, fala sobre a
Explor

representação da África no Ocidente, ele fez do diálogo entre culturas o tema central de sua
obra. Para saber mais, acesse: https://goo.gl/iQ57io

Kwame Anthony Appiah


Nascido na Inglaterra, em 1954, criado em Gana, terra de seu pai, e radicado
há três décadas nos Estados Unidos, o filósofo Kwame Anthony Appiah fez do
diálogo entre culturas o tema central de sua obra, em livros influentes como Na
casa de meu pai: a África na filosofia da cultura (Contraponto, tradução de Vera
Ribeiro) e Cosmopolitanism: ethics in a world of strangers (inédito no Brasil).
Professor da Universidade de Princeton e autor do recém-lançado O código de
honra (Companhia das Letras, tradução de Denise Bottmann), Appiah avalia, em
entrevista por telefone, como intelectuais de origem africana buscaram, de meados
do século XIX ao período pós-colonial, transformar a maneira como o continente
é visto no resto do mundo.

Vamos ler a entrevista?


Em Na casa de meu pai, você fala sobre como, a partir do século XIX,
intelectuais de origem africana tentaram moldar uma imagem distinta do con-
tinente e do que significava ser “africano”. Quais foram as principais contri-
buições deles para esse debate e quais eram suas limitações, na sua opinião?

Kwame Anthony Appiah: No mundo anglófono e até certo ponto no fran-


cófono, foram intelectuais americanos e caribenhos que começaram a construir
um discurso sobre a África. O Pan-Africanismo foi moldado no século XIX por
caribenhos como Sylvester Williams e americanos como W.E.B. DuBois. Já no sé-
culo XX, houve o movimento Negritude, impulsionado por caribenhos francófonos
como Aimé Césaire e Frantz Fanon. A principal contribuição deles foi, em primeiro
lugar, conceituar a África como um todo, de modo a criar uma outra maneira de

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UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

falar sobre o continente. Antes disso, não havia qualquer razão para os africanos
pensarem em si mesmos como “africanos” em um sentido coletivo. Em segundo
lugar, esses intelectuais conceituaram o povo da África em termos raciais. Ou seja,
eles fizeram da África um só lugar e dos africanos um só povo, pertencente à raça
negra. Isso forjou uma unidade possível, mas também trouxe problemas. Mesmo
que você pense que o conceito de raça é útil, uma visão racializada da África exclui
porções significativas do continente, como as populações de origem árabe do Ma-
grebe, por exemplo.

Mas esses movimentos tiveram desdobramentos importantes, como nas


lutas anticoloniais. Qual foi a dimensão política deles?

Kwame Anthony Appiah: Em todas as colônias africanas, foi importante haver


uma base racial para a unidade e a solidariedade. Por exemplo, a leitura dos textos
do Négritude foi essencial para militantes angolanos como Agostinho Neto. E o Pan-
-Africanismo teve impacto também no norte da África, onde as mobilizações antico-
loniais eram ligadas ao Pan-Arabismo. Mas um problema dessa abordagem é que ela
se propõe a sustentar a unidade com o conceito de raça, que por si só não garante
unidade alguma. Se queremos unidade e solidariedade política na África temos que
trabalhar por isso, elas não vão vir naturalmente só porque “somos todos negros”.
Explor

Para ler a entrevista na íntegra, acesse: https://goo.gl/bZYxKE

A partir dessa entrevista, o que podemos inferir?


Chamo a atenção para os termos discutidos na entrevista: pan-africanismo,
no século XIX por Sylvester William, do Caribe e W.E.B.Dubois, americano e, no
século XX, negritude, o conceito que Aimé Césaire e Frantz Fanon apresentaram,
caribenhos francófanos. Em como esse nomear forjou uma unidade possível, mas
essa visão racializada da África exclui, por exemplo, as populações de origem
árabe do Magreb. Apesar de limitar, o conceito de negritude influenciou militantes
angolanos, como Agostinho Neto.
Um aspecto fundamental para pensar esse continente é o expresso pelo escritor
nigeriano Chimie Achebe e citado por Appiah: “a identidade africana ainda está
em formação”, não está dado de antemão. E, para desfazer estereótipos, Appiah
aconselha a ler a literatura africana contemporânea, porque eles não estão criando
narrativas em torno de selvas e animais, assim como assistir filmes produzidos por
africanos, ambientados na África real e não na imaginária criada por Hollywood.
Appiah lembra da importância da ideia de cosmopolitismo – que nada mais é
do que o diálogo intercultural cosmopolita, - lembrando que cosmopolita está rela-
cionado à metrópole - é o cidadão da metrópole - , é aquele em que nos tratamos
como cidadãos de um mundo compartilhado – termo que nos coloca em diálogo.
Dito isso sobre a África como um continente, vamos nos restringir à África colo-
nizada pelos portugueses, essa que gerou as literaturas ditas de língua portuguesa.

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Noções Sobre a Língua
Portuguesa na África
Gosto de pensar que estudar as literaturas africanas de língua portuguesa é uma
oportunidade de descentralizar essa perspectiva de uma literatura universal, onde
os inícios estão locados nas epopeias gregas e latinas, nas tragédias e comédias
clássicas. Visão que compara e divide, que escolhe e julga literaturas maiores e
menores, canônicas ou periféricas. Em outras palavras, é a abertura de novos
espaços e da construção de um novo outro, numa recusa de “alteridade tradicional”
imposta pela lógica colonial e imperial.
A professora especialista em literaturas africanas de língua portuguesa, Inocência
Mata (2003, p.46), escreveu que:
O processo que decorre da descolonização ao pós-colonial exige, assim,
um novo método de abordagem e diálogo com o mundo global, porque
nessa nova conjuntura impõe-se a “lógica do gesto de abrir novos espaços”
(Appiah, 1996, p.63).

Ou seja, as literaturas africanas de língua portuguesa se constituem posterior-


mente à saída do colonizador, período denominado de pós-colonialismo, em outras
palavras, a literatura, como entendemos, é uma construção em que a própria ideia
de literatura traz conceitos estipulados pela civilização na qual estamos inseridos.
São questões levantadas para ampliarmos essa conversa ao redor do tema proposto.
Primeiramente a língua portuguesa nesses países é a língua do colonizador que
abafou e proibiu as diversas línguas nativas. Assim ela foi imposta, tornando-se a
língua da totalidade da África colonial. Por ora, não faremos um paralelo com a
nossa literatura e as questões que englobaram a colonização portuguesa no Brasil,
focaremos a problemática dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Dito isso, vamos problematizar um pouco mais: pensar em literatura africana em
língua portuguesa como um todo não me parece que abranja toda a sofisticação
de questões particulares de cada país. Tendo em vista a língua portuguesa como
a oficial e unificadora das diferenças, com todas as sequelas que a abrangem,
seria um caminho possível, mas, assim mesmo, preferimos chamar de literatura
angolana, moçambicana, cabo-verdiana, são-tomeense e guineense. Por outro
lado, poderemos pensar em questões comuns à literatura africana de língua oficial
portuguesa, como a pesquisadora Josilene Silva Campos denominou. Ou seja,
para tentar adentrarmos nesse universo particular, primeiramente teremos que
pensar em situações formadoras das várias literaturas, que, a princípio é a língua
portuguesa e as questões que envolvem o colonialismo.
Antes de entrar propriamente no assunto, e para aprofundar questões so-
bre o colonialismo, sugerimos a leitura de Orientalismo: o Oriente como
invenção do Ocidente e Cultura e Imperialismo de Edward Said. É um
livro que já tem 40 anos, outros autores dialogaram com Said, mas o que
aponta é transformador.

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UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

Embora o autor não se refira à África, seu olhar para a problemática do


colonialismo é incontornável.

O autor começa o texto escrevendo: “O oriente é quase uma invenção eu-


ropeia” e: “Orientalismo – um modo de resolver o Oriente que está baseado
no lugar especial ocupado pelo Oriente na experiência ocidental europeia”.

É possível encontrar entrevistas com Edward Said na internet: O orientalismo


de Edward Said.
Explor

Uma resenha do livro “ORIENTALISMO, de Edward W. Said “ em: https://goo.gl/jQPGmY

Em relação às literaturas africanas de língua oficial portuguesa, consultamos


principalmente estudos de Maria Nazareth Soares da Fonseca, Terezinha Taborda
Moreira, Carmem Tindó Secco, Laura Cavalcante Padilha, Rita Chaves, Inocência
Mata. Em relação à história relacionada à literatura, pesquisamos, sobretudo, as
autoras Josilene Silva Campos e Leila Leite Hernandez.

Além da questão sobre colonialismo e pós-colonialismo, e concomitante a ela,


precisaremos refletir sobre a questão da legitimidade. É uma questão que traz, embu-
tida a ela, o fato de ser escrita na língua do colonizador e, devido a isso, poder ser vis-
ta como uma espécie de subproduto neocolonial. Campos (2008, p.5) ressaltou que:
Há uma cobrança para que o autor represente em sua obra formas de
expressão reconhecidas como “autenticamente” africano pelos não-
africanos. Como o tocar de tambores, a natureza selvagem, o velhinho
sentado na beira da fogueira, os dúbios orixás, os mortos que não mor-
rem, e todas as “excentricidades” que envolvem os continentes. As nar-
rativas que por ventura não tiverem essas características não podem ser
consideradas “legitimamente” africanas”.

Importante! Importante!

A possibilidade de estudar a literatura africana de língua oficial portuguesa, nos pre-


para para novas perspectivas em relação a visões de mundo, apenas ao romper com
estudos preconcebidos poderemos acionar a potência dessas literaturas, além de con-
tribuir significativamente na renovação da língua portuguesa. O lugar dessa literatura
traz uma problemática importante e renovadora, a possiblidade de um deslocamento
de olhares consumidos pela inércia de valores conhecidos e assumidos pela cultura
europeia, assim, o olhar precisa ser redimensionado, deslocado dessa perspectiva
estanque, moralizante, ou seja, que analisa a partir de referências pré-estabelecidas.

Por isso, ao nos depararmos com uma literatura que trabalha a língua de forma
inovadora, a língua portuguesa e as literaturas só poderão se gratificar com isso e
nós, como leitores, ampliaremos nosso mundo, nosso horizonte. Aproximaremos
desse lugar com atenção redobrada, assim percorreremos rapidamente alguns as-
pectos históricos e sociais dessa sociedade com um alerta – não vamos generalizar

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todos os países africanos de língua portuguesa, cada um tem suas particularidades,
assim como cada escritor, mas por absoluta falta de tempo e de espaço, vamos falar
sobre aspectos semelhantes a todos esses países baseados na história e na questão
que nos traz aqui, a língua portuguesa que nos une, de alguma forma.
O escritor africano, principalmente na sociedade colonial, vivia entre dois mun-
dos, ou duas realidades, a sociedade colonial e a africana, assim sua escrita regis-
trava a tensão nascida entre o uso da língua portuguesa em uma realidade bastante
complexa. Então, ao produzir literatura, os escritores transitavam pelos dois espa-
ços, “pois assumiram as heranças oriundas de movimentos e correntes literárias
da Europa e das Américas e as manifestações advindas do contato com as línguas
locais”, de acordo com as estudiosas Maria Nazareth Soares Fonseca e Terezinha
Tabada Moreira, em trabalho citado na bibliografia.
Esse embate, mencionado acima, que aconteceu no campo da linguagem
literária, foi o empenho gerador do projeto literário característico dos cinco países
africanos que têm o português como língua oficial: Moçambique, Angola, Cabo-
Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Há uma abrangência de problematização em torno da língua portuguesa nos
países africanos. A língua portuguesa nesses países é a língua oficial que convive
com outros idiomas e é um fator de privilégios.
Sobre a questão da diversidade das línguas e a importância da língua portuguesa
nos países africanos de língua oficial portuguesa, as acadêmicas Inocência Mata (São
Tomé e Príncipe) e Inês Machungo (Moçambique) dão uma entrevista esclarecedora
sobre essa problemática diferente da situação linguística do Brasil.
Vamos assistir ao vídeo e prestar atenção na diversidade da língua portuguesa: o
entrevistador é português, Inocência Mata é de São Tomé e Príncipe, porém mora
em Portugal, o que transforma a língua, ou melhor, em sua voz há outras, e Inês
Machungo é de Moçambique e lá vive.

As Entrevistas com as académicas Inocência Mata (São Tomé e Príncipe) e Inês Machungo
Explor

(Moçambique) no âmbito do Simpósio Mundial de Estudos da Língua Portuguesa em Macau


em 2011. (5/setembro/2011). Em: https://youtu.be/7nugl3nigIg

Inês Machungo discute a valorização das línguas de Moçambique, chamadas de


banto, e comenta que não é uma dicotomia entre a língua portuguesa e as línguas
moçambicanas de origem banto, mas sim uma interpenetração, uma complemen-
tariedade entre as línguas e acrescenta que a língua oficial é o português que con-
vive, então, com diversas línguas de origem banto, e essas não são consideradas
criolo, como em outros países africanos.

Inocência Mata diz que em São Tomé e Príncipe 50% da população tem o por-
tuguês como língua materna e os outros 50% são discriminados. Ela coloca que o
governo deveria ter um olhar atento a essa questão porque crianças que não falam o
português em casa terão problemas na escola, quanto a isso é preciso criar políticas

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UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

públicas de estabelecer a língua portuguesa como segunda língua em regiões de


Moçambique e aceitar como um estado multilíngue ou plurilíngue, onde cidadãos
interagem nas várias línguas e não apenas na língua portuguesa.

Momentos da Literatura
Africana de Língua Portuguesa
Inocência Mata considera as literaturas a partir de um lugar ideológico do poder e
do contra poder. Propõe uma enunciação mais interrogativa do que avaliativa sobre
algumas das recorrências (temáticas e técnico-compositivas) das atuais literaturas
africanas. Cita como marcas estéticas as geradas sob a punção da condição pós-
colonial. Continua sua reflexão avaliando que essa situação evolui da condição
nacionalista para a exigência da condição de cidadania plena.

Manuel Ferreira, professor de Inocência Mata, criador da cadeira “Literatura


africanas de expressão portuguesa” na Universidade de Lisboa, através do artigo
citado no mesmo trabalho de Fonseca e Moreira1, descreve quatro momentos da
literatura africana de língua portuguesa.

No primeiro, destaca o teórico em que o escritor está em estado quase absoluto


de alienação. Os seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte
do mundo: é o momento da alienação cultural. Ao segundo momento corresponde
a fase em que o escritor manifesta a percepção da realidade. O seu discurso revela
influência do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: a dor de
ser negro, o negrismo e o indigenismo. O terceiro momento é aquele em que o es-
critor adquire a consciência de colonizado. A prática literária enraíza-se no meio so-
ciocultural e geográfico: é o momento da desalienação e do discurso da revolta. O
quarto momento corresponde à fase histórica da independência nacional, quando
se dá a reconstituição da individualidade plena do escritor africano: é o momento
da produção do texto em liberdade, da criatividade e do aparecimento de outros te-
mas, como o do mestiço, o da identificação com África, o do orgulho conquistado.

A literatura em língua portuguesa produzida na África tem suas particularidades


que são importantes compreendê-las. O escritor africano oriundo de países que
tem a língua portuguesa como oficial, sabe que é preciso “peneirar” algo meio es-
trangeiro, não aceitar como no primeiro momento, nem rejeitar como um segundo
momento, e não é mais o momento nem revolta que torna a literatura ressentida.
Hoje podemos falar de uma literatura nacional, independente, em que cada país
tem sua experiência literária, “é o momento da produção do texto em liberdade” e
de reconstituição de individualidades. Há a consciência de valores que se perderam
e que é necessário resgatá-los.

1. FONSECA, M. N. S.; MOREIRA, T. T. Panorama das literaturas de língua portuguesa. Cadernos CESPUC de
pesquisa, Série Ensaios, n. 16: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Belo Horizonte, set. 2007, p. 2. Dispo-
nível em: <https://goo.gl/ox2T4B>. Acesso em : 1 de julho de 2018.

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Patrick Chabal, citado no mesmo trabalho, numa perspectiva mais historicista,
também considera quatro fases abrangentes das literaturas de língua portuguesa:

A primeira é denominada assimilação, e nela se incluem os escritores africa-


nos que produzem textos literários imitando, sobretudo, modelos de escrita euro-
peus. A segunda fase é a da resistência. Nessa fase o escritor africano assume a
responsabilidade de construtor, arauto e defensor da cultura africana. É a fase do
rompimento com os moldes europeus e da conscientização definitiva do valor do
homem africano. Essa fase coincide com a conscientização da africanidade, sob a
influência da negritude de Aimé Césaire, Léon Damas e Léopold Senghor. A ter-
ceira fase das literaturas africanas de língua portuguesa coincide com o tempo da
afirmação do escritor africano como tal e, segundo o teórico, verifica-se depois da
independência. Nela o escritor procura marcar o seu lugar na sociedade e definir a
sua posição nas sociedades pós-coloniais em que vive. A quarta fase, da atualidade,
é a da consolidação do trabalho que se fez em termos literários, momento em que
os escritores procuram traçar os novos rumos para o futuro da literatura dentro das
coordenadas de cada país, ao mesmo tempo em que se esforçam por garantir, para
essas literaturas nacionais, o lugar que lhes compete no corpus literário universal2.
“Em outras palavras, desvincular a língua portuguesa da tradição europeia
foi o primeiro passo dado por autores que ansiavam encontrar a pala-
vra precisa, transgressora e fundadora de um novo lirismo com marcas
próprias”3. (Oliveira, 2009).

Em Moçambique, por exemplo, Mia Couto, Luís Carlos Petraquim, Paulina Chi-
ziane, entre outros, assumem um tom individual e intimista para narrar a experiên-
cia pós-colonial, desviando-se do viés coletivo que até então imperava.

Portanto para se pensar a literatura escrita em língua oficial portuguesa, vamos


considerar os autores africanos de nascimento ou estrangeiros que adotaram algum
país do continente africano como sua pátria e esteja alinhado com as posturas crí-
ticas em relação ao imperialismo. Excluiremos, portanto, a literatura colonial.

Voltando ao continente europeu, e à sua perspectiva histórica, sabemos que


no final do século XIX, Portugal desenvolveu a ideia de que o país não poderia
sobreviver sem o Império devido ao perigo de ser absorvido pela Espanha, deven-
do, portanto, criar um novo Brasil. Houve a “Conferência de Berlim”(1884-1885)
para regulamentar a expansão das potências coloniais na África. Assim, Portugal
efetivamente ocupou suas colônias na África, perpetuando a ideia de que Portugal
só poderia existir se mantivesse e ocupasse suas colônias.

2. FONSECA, M. N. S.; MOREIRA, T. T. Panorama das literaturas de língua portuguesa. Cadernos CESPUC de
pesquisa, Série Ensaios, n. 16: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Belo Horizonte, set. 2007, p. 3-4.
Disponível em: <https://goo.gl/5nrcpN>. Acesso em: 1 de julho de 2018.
3. OLIVEIRA, J. J. de. A poesia contemporânea nos países africanos de língua portuguesa. Revista Augustus, Rio
de Janeiro, , v. 14, n. 27, p. 21-27, fev. 2009. p. 22. Disponível em: <https://goo.gl/51i6Np>. Acesso em:
1 de julho de 2018.

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UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

Portanto, de um lado havia a vontade europeia de expansão de territórios, por


outro uma África que foi colonizada, ou seja, havia uma África anterior à ocupação,
com línguas e valores culturais diferentes dos portugueses. Para estudarmos as pe-
culiaridades desse continente, devemos nos lembrar dessas marcas.
Então, depois de um longo período colonial – não nos deteremos em questões
históricas, mas aconselhamos a leitura de, por exemplo, A África na sala de aula,
que tratará principalmente da história contemporânea, e traz um bom embasamen-
to do processo todo, passaremos para depois da libertação porque, como dito aci-
ma, é essa literatura que nos interessará, por motivos já apontados anteriormente.
Analisando a literatura africana de língua portuguesa, pós-colonial, e tendo
presente a questão de resgate de valores anteriores à ocupação portuguesa no
território africano, o que deveremos evidenciar é a presença da oralidade. É um
elemento fundamental na estratégia de desconstrução da imagem produzida pelo
ocidente em relação à África. “A incorporação dessa forma discursiva nas obras
literárias é a maneira que os autores encontraram de evidenciar características lin-
guísticas presentes nas culturas locais, que foram inferiorizadas pelo colonizador,
buscavam com essa medida uma maior identificação com as referências nacionais”.
(Campos, 2008, p. 10-11).
“É fundamental pensar a oralidade e o seu papel transformador nas análises
feitas sobre as literaturas africanas”. (Campos, 2008)4. O escritor Mia Couto, em
2002, declarou que o português sozinho não consegue transmitir a realidade afri-
cana, há que se usar as potencialidades da língua portuguesa e trabalhá-la inserindo
elementos que possam representar os significados da África.
Rita Chaves frisou que a invasão das nações europeias no continente africano é
de fato uma parte da história da África, mas não é a história em si.
Enquanto os modernos escritores europeus estão voltados para a descoberta de
um “eu” que seja objeto de uma viagem interior de descobrimento, os escritores
africanos, por sua vez, estão preocupados com o “nós”. O seu problema consiste
em descobrir um papel público, sua luta é para desenvolver suas culturas. Escreveu
Kwame Anthony Appiah, em Na casa de meu pai. (CAMPOS, p.21).
Mia Couto escreveu “Preciso ser um outro para ser eu mesmo (...)”
Então para reforçar as questões mais pertinentes das literaturas africanas, pro-
curando uma unidade, poderemos considerar a oralidade, o passado e o sentido da
história para ser nação, questões que se permeiam.
Sobre essas questões, vale a pena ler a entrevista que Inocência Mata deu à
revista Crioula.

4. CAMPOS, J. S. A historicidade das literaturas africanas de língua oficial portuguesa. Goiânia, 2008. 28
f. Trabalho acadêmico – Pós-graduação em História, Universidade Estadual de Goiás. p. 13. Disponível em:
<https://goo.gl/fj7smV>. Acesso em: 1 de agosto de 2018.

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Explor
Inocência Mata: a essência dos caminhos que se entrecruzam.
Revista Crioula – Conte-nos sobre seu percurso acadêmico como professora e pesquisadora da área de
Literaturas Africanas de Língua Portuguesa.
Inocência Mata – Bem, logo depois do 25 de Abril, mesmo no Liceu, houve aquele momento de uma
visão entusiástica, aquilo era nosso. Mas, de fato, o estudo sistemático e sistematizado foi feito em
Portugal, aqui na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o Prof. Manuel Ferreira, que, como
sabe, foi o introdutor desta cadeira de Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa – era assim que
se chamava na universidade portuguesa. Portanto, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
foi pioneira do estudo das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, designação com a qual eu
não concordo, mas que na altura realmente foi uma grande revolução. Muita gente pensava, e ainda
pensa, ainda vê as literaturas africanas como literaturas ultramarinas, como um apêndice da literatura
portuguesa. Até há pouco tempo, havia uma universidade em que essa era a designação...
Para ler a entrevista na íntegra, acesse: https://goo.gl/5tZ2SP

Concluindo
Estudamos primeiramente a perspectiva mais comum de onde, até então, olha-
mos para o continente africano. Ao nos aproximarmos mais desse estudo, percebe-
mos que construímos um imaginário a respeito desse continente que foi fabricado
através de filmes hollywodianos, de expressões artísticas, de narrativas folclorizadas,
distantes de uma realidade cosmopolita e moderna.
Em seguida, vimos a questão da língua portuguesa como a língua do coloni-
zador, portanto é mais uma língua falada nos países de língua oficial portuguesa,
que convive com outras tantas línguas e isso é fundamental para compreendermos
a grandiosidade dessas literaturas porque ampliam a língua portuguesa mas que,
para isso, novamente, precisamos nos dar conta que a língua portuguesa é apenas
mais uma língua, apesar de ser um fator que afeta questões sociais e políticas em
Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, cada país
com questões próprias.
Como uma terceira parte, estudamos questões referentes à literatura e as várias
fases de formação, entendemos que as literaturas africanas são consideradas a par-
tir da saída do colonizador, no caso, o português, assim consideramos literaturas
africanas de língua portuguesa as escritas pós colonialismo.
Podemos falar em fases dessa literatura. Na primeira, o escritor está em estado
de quase absoluta alienação; a segunda corresponde à fase que o escritor manifesta
a percepção da realidade; a terceira é aquela em que o escritor adquire a consciên-
cia de colonizado; e a quarta corresponde à fase histórica de independência nacio-
nal. Essas fases, de acordo com o especialista Manuel Ferreira, são mais ou menos
equânimes nos cinco países africanos de língua portuguesa. Para Patrick Chabal,
numa perspectiva mais historicista, há quatro fases denominadas de: assimilação,
resistência, afirmação e independência.
Sendo assim, a partir dessas considerações preliminares, poderemos nos aden-
trar em particularidades de cada literatura e de cada autor, o que veremos a partir
da próxima unidade.

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UNIDADE Literatura Africana nos Países de Língua Portuguesa:
Contextualização Histórica e Sociocultural

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Por mais que eu te leve pelos caminhos
Pensando ainda nas convenções, preconceitos, perspectivas, e no pensamento de Ap-
piah, sugiro o curta-metragem produzido pelo Fronteiras do Pensamento em parceria
com a Okna Produções faz uma reflexão sobre a conexão entre as pessoas na contem-
poraneidade. O filme de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher mostra pessoas que
caminham nas ruas, perdidas sob o olhar do teórico cultural Kwame Anthony Appiah.
Estamos todos juntos, mas nem sempre percebemos.
https://goo.gl/cmyXAY

 Leitura
Revoluções Morais no Século XXI
Ler o resumo da palestra que o professor e escritor Kwame Anthony Appiah proferiu
em Fronteiras do Pensamento, no Brasil em 2013. O segundo semestre do Fronteiras
do Pensamento em 2013 tem início com a conferência de Kwame Anthony Appiah.
Nascido na Inglaterra, o escritor foi criado em Gana e aborda em suas obras questões
como racismo, identidade e moral. Atualmente, é professor na Universidade de Prin-
ceton nos Estados Unidos, onde leciona Filosofia. Em sua conferência, Appiah propôs
a reflexão sobre as potencialidades revolucionárias contemporâneas se apoiando em
estudos de caso do passado que evidenciam avanços morais significativos.
https://goo.gl/fnv9ou
Contracorrente Entrevista Entrevista com Inocência Mata
Para aprofundar os estudos pós-coloniais, é importante ler a entrevista que a pesqui-
sadora e professora Inocência Mata concedeu ao professor Mário César Lugarinho,
em ContraCorrente: revista de estudos literários e da cultura Na entrevista a seguir,
Inocência Mata discorre sobre alguns temas fundamentais para a crítica das literaturas
africanas de língua portuguesa, sobre o tema da lusofonia e sobre os estudos pós- co-
loniais – matéria na qual suas reflexões, sempre críticas, são referências para os estu-
diosos das literaturas de língua portuguesa.
https://goo.gl/4xtRZF

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Referências
CAMPOS, J. S. A historicidade das literaturas africanas de língua oficial
portuguesa. Goiânia, 2008. 28 f. Trabalho acadêmico – Pós-graduação em História,
Universidade Estadual de Goiás. p. 13. Disponível em: <http://pos.historia.ufg.br/
uploads/113/original_26_JosileneCampos_AHistoricidadeDasLiteraturas.pdf>.
Acesso em: 27 mar. 2014

FONSECA, M. N. S.; MOREIRA, T. T. Panorama das literaturas de língua


portuguesa. Cadernos CESPUC de pesquisa, Série Ensaios, n. 16: Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa, Belo Horizonte, set. 2007, p. 3-4. Disponível em:
<http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf>. Acesso em: 1
de julho de 2018.

OLIVEIRA, J. J. de. A poesia contemporânea nos países africanos de língua


portuguesa. Revista Augustus, Rio de Janeiro, , v. 14, n. 27, p. 21-27, fev. 2009.
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MATA, Inocência. “A condição pós-colonial das literaturas africanas de língua


portuguesa: algumas diferenças e convergIencias e muitos lugares comuns”. In:
Contatos e ressonâncias – Literaturas africanas de língua portuguesa. Org.:
Ângela Leão. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2003.

________. “ Inocência Mata: a essência dos caminhos que se cruzam”. Entrevista.


Revista Crioula, nº 5, maio de 2009. Disponível em: http://www.periodicos.usp.
br/crioula/article/viewFile/54948/58596. Acesso em 1/7/2018.

STEINBERG, Vivian. “ Noções de literatura africana de língua portuguesa”. In:


Literatura estrangeira em língua portuguesa. Curitiba: Intersaberes, 2015.

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