Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
em Língua Portuguesa
Material Teórico
Literatura Angolana
Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Silvia Albert
Literatura Angolana
• Pepetela;
• José Eduardo Agualusa;
• Ondjaki.
OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Identificar semelhanças e singularidades da literatura angolana, re-
fletindo sobre suas condições de produção em diferentes contextos.
· Identificar questões pertinentes a cada autor que estudaremos nessa
unidade: Pepetela, Agualusa e Ondjaki.
· Apreender as possíveis e declaradas “conversas” entre o autor ango-
lano Ondjaki e o poeta brasileiro Manoel de Barros.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.
Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.
Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.
Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Literatura Angolana
Pepetela
Pepetela é o pseudônimo de Artur Pestana, um militante do MPLA (Movimen-
to popular pela libertação de Angola). Foi um ativo combatente contra a domina-
ção do colonizador. Foi nomeado vice-ministro da Educação em 1975. É descen-
dente de portugueses, nascido em Angola. O escritor cresceu num ambiente da
classe média, mas frequentou uma escola primária com crianças de várias raças
e classes. Ele diz que a cidade de Benguela lhe deu mais oportunidades para
conhecer angolanos de todas as raças porque era a cidade angolana mais multir-
racial daquela época. Pepetela frequentou o curso de engenharia, em Lisboa, a
partir de 1958, no Instituto Superior Técnico, mas transferiu-se para o curso de
letras na Universidade de Lisboa, em 1960. E, em 1961, tornou-se militante do
MPLA, o que mudaria o rumo de sua vida e marcaria sua obra. Ganhou o prêmio
Camões em 1997.
Assista ao vídeo em que Pepetela comenta sobre o romance Mayombe, com imagens da
Explor
Mayombe foi escrito por Artur Maurício Pestana Dos Santos (Pepetela), no ano
de 1970 quando o autor estava na guerrilha em Cabinda, durante a luta pela In-
dependência de Angola. O livro foi publicado em 1980 e é um dos seus romances
mais conhecidos.
8
A pesquisadora Rita Chaves comenta:
Pepetela fará anos mais tarde uma espécie de balanço dessa geração que
apostou na independência e que, enquanto grupo, se esfacela na experiência
complicadíssima de gerir o país que a utopia queria ter construído. Em “A
geração da Utopia”, livro publicado em 1992, os fantasmas de certa forma
anunciados já em Mayombe tomam forma, ganham nomes e tornam dissolu-
ta a ideia de nação. Agora, identificado com o período de gestação da liberda-
de, o passado não é nem glorificado, nem rejeitado. Transforma-se em objeto
de reflexão mesmo para quem tão vivamente participou desse itinerário.
(CHAVES, Rita. “Pepetela: romance e utopia na história de Angola”. In: via atlântica n. 2 jul. 1999.)
Disponível em: <https://goo.gl/rNu7LL> (último acesso em 25/06/2018)
Sua literatura é cheia de interrogativas. Já disse que escreve para tentar enten-
der o mundo, ao menos seu mundo íntimo e, que, continua a escrever porque as
questões nunca se esgotam. Percebe como a questão da identidade, num país jo-
vem como Angola, é importante. Parece que para uma minoria, na qual se coloca,
essa é, e sempre será, uma questão fundamental, sempre será confrontado com
isso pela própria história, que não coloca os contornos como para povos estabele-
cidos há mais tempo e que pertencem ao mainstream. Pertencer à minoria, leva a
pensar, a se questionar, a se afirmar, e isso pode ser bom para a literatura e todas
as restantes expressões artísticas, disse numa entrevista.
1
MATA, Inocência. “Pepetela: um escritor (ainda) em busca da utopia”. In: SCRITA, Belo Horizonte, v.3, n 5, p.243-
259, 2 sem.1999. Disopnível em: <https://goo.gl/dPjD5e>.
9
9
UNIDADE Literatura Angolana
Logo no início dessa narrativa, há a citação da letra de uma canção, que resume
bem a problemática do enredo: Nada passa, nada expira / O passado é um rio que
dorme / e a memória uma mentira multiforme.
A vida de Félix anda muito bem, até que uma noite recebe a visita de um estran-
geiro à procura de uma identidade angolana. E, então, numa vertigem, o passado
irrompe pelo presente e o impossível começa a acontecer. Sátira feroz à atual
sociedade angolana, O Vendedor de Passados é uma reflexão sobre a construção
da memória e seus equívocos.
Há um estudo de Ana Cristina Pinto Bezerra2 sobre essa narrativa: é uma obra
marcante de Agualusa, encenando uma leitura social a partir da figura enigmática
de um vendedor de passados, nomeado simbolicamente por uma osga – imagem
reencarnada de uma vida anterior, de uma memória anterior. Tal leitura procurará
compreender como o passado, trazido ao presente e com ele dialogando intensa-
mente nessa narrativa, revive os signos e/ou fragmentos de uma tradição.
“Felix Ventura (...) articula, via projeto escrito, o apagamento da tradição africa-
na e a invenção dos moldes europeus para essa parcela da população que reconhe-
ce reinscrever-se segundo o aval português”. (Bezerra, 2011)3.
2
disponível em: <https://goo.gl/2r9uVq>.
3
BEZERRA, A. C. P. Entre memórias e tradições na escrita de “O vendedor de passados, de Agualusa”. Revista
Estação Literária, Londrina, v. 8A, p. 132-141, dez. 2011. P. 133. Disponível em: <https://goo.gl/2r9uVq>.
Acesso em: 27 mar. 2014.
10
A questão da língua em África de língua portuguesa nos faz pensar: antes da
presença do colonizador, havia um universo tradicional permeado pela oralidade;
depois um complexo de silêncio e reescritas que marca a forte presença do colo-
nizador, trazendo a língua dele, marca inclusive no momento em que se pensa de
uma “pós-colonização”.
Quem está no poder, no presente, vai tentando alterar o passado. Isso é uma
coisa muito evidente em Angola. Angola é um país que sofreu uma série de
transformações políticas: primeiro, o regime colonial, logo a seguir, um regime
marxista e depois essas mesmas pessoas que construíram esse regime marxista
desmontaram-no e hoje estão interessadas em reescrever esse passado. E estão
a fazê-lo. Como já tinham reescrito o passado colonial. Inclusive, criando he-
róis, criando personagens que na altura eram necessários (REVISTA LER, 10
mar. 2011).
Assista na íntegra o Programa da Roda Viva com José Eduardo Agualusa - 04/07/2011.
Explor
Com livros traduzidos em mais de 20 idiomas, o escritor angolano José Eduardo Agualusa é
o convidado Roda Viva. Disponível em: https://youtu.be/VXrQFxhuI5w
11
11
UNIDADE Literatura Angolana
Outra marca da presença da oralidade em sua obra, é a trama tecida pela osga
que revive o fluxo da tradição, assim as vozes das personagens dispostas a narrar seus
passados se torna audível no texto, circunstância que indica a fragmentação do vivido
no mesmo instante que insinua o mosaico de imagens de que se compõe a memória.
Assista ao Mar de Letras – Mia Couto e José Eduardo Agualusa, disponível em:
Explor
https://youtu.be/3J2zbbux8mY
Ondjaki
Ndalu de Almeida, o Ondjaki, é o mais jovem dos três escritores. Nasceu depois
da independência de Angola, portanto não viveu o período colonial, embora tenha
sofrido os efeitos dele nos anos de guerra civil, logo depois da autonomia política.
A seguir, leia a entrevista em que Luara Pinto Minuzzi conversa com Ondjaki e
o apresenta assim:
Ondjaki, por sua vez, traz um olhar diferente para a realidade angolana
com seus narradores crianças dos romances Bom dia camaradas e Avó-
Dezanove e o segredo do soviético e do livro de contos Os da minha
rua. Porém, apesar da visão mais inocente, seus textos não deixam de
12
ser críticos e de mostrar a realidade de um país assolado pela Guerra Ci-
vil – o que acontece é a não folclorização: Ondjaki consegue apresentar
uma África que passa sim por muitos problemas, mas que não é aquela,
mostrada nos veículos de comunicação, onde só desastres e calamidades
ocorrem. Em Luanda, cidade onde os personagens vivem, é possível brin-
car, rir e sonhar – e não apenas sofrer e desesperar.
Vamos as perguntas:
O – Eu realmente ainda penso que a escrita vem das ideias literárias. O co-
meço. A raiz. É por aí que eu gosto de começar. E o tom dos ‘transparen-
tes’ é diferente porque a própria ideia literária é diferente, é um projecto
bem distinto de Bom dia camaradas ou Os da minha rua. Mas também
porque se acumularam algumas coisas em mim e que foram rebentar nes-
sa direcção que aparentemente traz mais pessimismo. Ou mais realismo.
Eu não pude escrever outro livro com os materiais que eu tinha dentro de
mim. Tentei agarrar-me à beleza do Vendedor De Conchas e de Odonato,
13
13
UNIDADE Literatura Angolana
Quatro olhares sobre Angola: entrevistas com Boaventura Cardoso, Pepetela, José Eduardo
Explor
Vamos ler o primeiro conto, “o voo do jika”, do livro “Os da minha rua”, de
Ondjaki:
O Voo do Jika
O Jika era o mais novo da minha rua. Assim: o Tibas era o mais velho, de-
pois havia o Bruno Ferraz, eu e o Jika. Nós até às vezes lhe protegíamos
doutros mais velhos que vinham fazer confusão na nossa rua.
— Sim, tá.
— Mô Jika, comé?
— Diz.
— Ao 12h30min, Jika.
Deixei a porta aberta. O Jika devia voltar sem demora quase nenhuma.
Gritou contente, cá de baixo, na direção da janela do quarto da mãe dele:
14
fingiu que já tinha mudado, veio a correr numa transpiração respirada.
Contente. Olhos do miúdo que ele era. Fosse o melhor programa da se-
mana dele. E eu, mesmo miúdo candengue, fiquei a pensar nas razões do
Jika não gostar nada de almoçar na própria casa dele.
Depois do almoço, o Jika disse que ia à casa dele buscar “uma coisa”. Eu
fiquei à espera, no portão aberto. Prometeu não demorar. Voltou com a
tal coisa escondida debaixo do braço, e entramos rapidamente na minha
casa. Subimos ao primeiro andar, fomos até ao quarto da minha irmã
Tchi, e saltamos da varanda para uma espécie de telhado. Aproximamo-
-nos da berma. Lá em baixo estava a relva verde do jardim. O Jika abriu
um muito, muito pequenino guarda-chuva azul.
Saltamos.
— Não, Jika, desculpa\lá. Vais saltar sozinho, eu já num vou saltar mais
de guarda-chuva.
— Nem num bem grande que tenho, daqueles da praia, antissol e tudo,
colorido tipo arco-íris?
— Nem esse!
— Diz, Jika.
15
15
UNIDADE Literatura Angolana
Vamos ler também o conto “um pingo de chuva” que tem um trecho que
descreve, da perspectiva de uma criança, a despedida de professores cubanos que
tinham terminado sua missão em Angola:
“Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma
saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos
arrumar essas coisas dentro do nosso coração.”
Um Pingo de Chuva
16
como sempre, eram o Bruno e o Cláudio. As meninas já tinham chegado,
ficamos ali no campo de futebol a olhar a escola quase vazia.
Eu tinha que fingir que sim e engolir com os olhos todas as lágrimas. A
escola estava vazia e, sem ninguém dizer nada, todos tínhamos medo
daquela sensação. O fim da sétima classe: a incerteza sobre quem ainda
íamos encontrar no ano seguinte. As pautas já tinham saído, todos tínha-
mos passado com boas notas e muitos estavam contentes por causa das
férias grandes. Eu não.
17
17
UNIDADE Literatura Angolana
Era uma tarde quase bonita numa cor amarela e castanha que o Sol ti-
nha posto dentro do apartamento pequeno deles. Serviram chá para nós,
um chá aguado, mas doce, cheio de ternura. Quase ninguém tinha pala-
vras de falar — nem eles, nem nós. Depois o camarada professor Ángel
explicou-nos, com palavras um bocadinho difíceis, que a missão deles em
Angola tinha terminado e que se iam embora muito em breve. O Bruno
coçava a garganta e olhava para a janela, também impressionado com as
cores daquele amarelo-sol. A Petra, a Romina e eu vimos a camarada pro-
fessora María chorar escondida na cozinha e tivemos de fazer força para
parar as lágrimas. O camarada professor Ángel continuava a falar e, sem
querer, dizia coisas que nos emocionavam muito. Nas despedidas aconte-
ce isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a
saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas
coisas dentro do nosso coração.
• Recomendo a resenha desse livro escrita por Alexandre Gomes Neves para “revista cri-
Explor
18
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Sites
Oxalá cresçam pitangas (2006). Direção e argumento de Ondjaki e Kiluange
https://goo.gl/1F62Ht
Vídeos
A Lusofonia vista por Ondjaki
Neste vídeo o escritor angolano, Ondjaki, dá-nos a conhecer o que para si representa
o conceito de Lusofonia, num debate conduzido por Luís Aguilar no âmbito do Festival
Internacional de Literatura “Metropolis Bleu”, realizado em maio de 2014.
https://youtu.be/01ZR7H9hyBM
Entrevista com Ondjaki
O escritor angolano Ondjaki fala sobre a influência de Luanda em sua literatura, o mais
novo livro infantil, “O Leão e o Coelho Saltitão” e o encanto pelo Rio de Janeiro.
https://youtu.be/0cTQ52tleN8
AvóDezanove e o Segredo do Soviético
Ondjaki comentando seu livro e lendo um trecho.
https://youtu.be/iLvotSYU90Y
Entrevista com o escritor Ondjaki - Parte 1
Bom – tem música (5:58)
https://youtu.be/lXuXGJ2NYbY
Roda Viva | Ondjaki | 15/01/2007
https://youtu.be/lJIrqHFgFQk
RED AFRICA Lisboa - África, Socialismo, Guerra Fria - Parte 3/3
O que Ondjaki comenta sobre África, Socialismo e o segredo soviético
https://youtu.be/6nJsEMdi7rU
Leitura
Quatro olhares sobre Angola: entrevistas com Boaventura Cardoso, Pepetela, José Eduardo Agualusa e Ondjaki
Entrevista com quatro escritores angolanos, por Luara Pinto Minuzzi:
https://goo.gl/Tukaiz
19
19
UNIDADE Literatura Angolana
Referências
AGUALUSA, José Eduardo. Estação das chuvas. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2012.
CHAVES, Rita. “Pepetela: romance e utopia na história de Angola”. In: via atlântica
n. 2 jul. 1999. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/
viewFile/48795/52871>. Acesso em 23/06/2018.
MINUZZI, Luara Pinto. “Quatro olhares sobre Angola: entrevistas com Boaventura
Cardoso, Pepetela, José Eduardo Agualusa e Ondjaki”. Disponível em: <http://
dx.doi.org/10.15448/1983-4276.2017.1.28355>.
NEVES, Alexandre Gomes. “os da minha rua Ondjaki”. Revista Crioula, São
Paulo: USP – no 3 – maio de 2008. Disponível em: <www.periodicos.usp.br/
crioula/article/download/54026/57958>. Acesso em 23/06/2018
ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua geral, 2007. (Coleção ponta
de lança)
20
Sites acessados
Programa da Roda Viva - José Eduardo Agualusa - 04/07/2011 <https://
www.youtube.com/watch?v=VXrQFxhuI5w&t=2890s> (acesso em 22/06/2018)
<https://www.youtube.com/watch?v=SgSsuOBU7ZQ&t=281s>
<http://www.kazukuta.com/ondjaki/ondjaki.html>
<http://www.kazukuta.com/ondjaki/a_bicicleta.html>
<https://prefaciocultural.wordpress.com/2011/11/24/entrevista-com-
ondjaki-2/> (acesso em 22/06/2018)
21
21