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Literatura Africana

em Língua Portuguesa
Material Teórico
Literatura Moçambicana

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Vivian Steinberg

Revisão Textual:
Prof. Me. Claudio Brites
Literatura Moçambicana

• Mia Couto;
• Palestra de Mia Couto;
• Entrevista com Mia Couto.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer o panorama da literatura moçambicana.
· Identificar perspectivas do autor moçambicano Mia Couto em seu
contexto histórico e social.
· Apreender temas e contextos das narrativas de Mia Couto, em seus
livros e entrevistas.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Literatura Moçambicana

Mia Couto
Mia Couto é o pseudônimo de António Emílio Couto. Adotou Mia como primeiro
nome por dois motivos: um mais familiar, seu irmão caçula assim o chamava porque
não conseguia pronunciar o nome inteiro; e o segundo, mais poético, porque combi-
na com seu gosto por gatos – aliás, dizia à sua mãe que queria ser um deles.

Nasceu em Beira, Moçambique, em 5 de julho de 1955. Em 1971, mudou-


-se para a capital, Lourenço Marques, hoje, Maputo. Depois do 25 de abril de
1974, exerceu a profissão de jornalista. Em 1983, publicou Raiz de orvalho,
seu primeiro livro de poesia. Dois anos depois, demitiu-se do cargo de diretor
da revista Tempo para se dedicar a seus estudos universitários em Biologia. É o
escritor moçambicano mais traduzido e ganhou muitos prêmios, inclusive o Prê-
mio Camões, que é o prêmio mais respeitado das literaturas lusófonas, em 2013,
pelas mãos do presidente de Portugal, Cavaco Silva, e da presidente do Brasil,
Dilma Rousseff.

Na introdução de seu livro Estórias abensonhadas, publicado em 2004, em


Portugal, pela editora Caminho, e no Brasil, em 2012, pela editora Companhia
das Letras, Mia Couto escreveu:
Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as
armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me sur-
giram entre as margens da mágoa e da esperança. Depois da guerra, pen-
sava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo pensado,
definitivo e sem reparo.

Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu semente,
sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais inacessível
de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a barbárie não ti-
nha acesso. Em todo este tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes.
Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro
permaneceram lunares.

Estas estórias falam desse território onde nos vamos refazendo e vamos
molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse terri-
tório onde todo o homem é igual, assim: fingindo que está, sonhando que
vai, inventando que volta. (COUTO, 2012)

Estórias abensonhadas, livro escrito vinte anos após Terra sonâmbula – esse
um dos mais célebres romances de Mia Couto, considerado um dos melhores ro-
mances africanos do século XX – retrata a tentativa de renascimento e da pos-
sibilidade de sonhar. Capta um país em transição. São histórias que traçam um
retrato afetivo e mágico de Moçambique, onde o fantástico faz parte do cotidiano
e a música reside na fala das ruas. Enquanto no livro mais antigo o cenário é a de-
vastação do conflito que se seguiu à independência de Moçambique, em Estórias
abensonhadas, trinta anos depois de uma guerra que custou milhares de vidas, o
cenário é a esperança, vista como algo novo nas pessoas: “Onde restou o homem
sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo” (COUTO, 2012).

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As histórias de Mia Couto entrelaçam fantasia e realidade. O autor declarou
que o homem não pode perder o sonho, assim é feita sua literatura, de fiapos, ou
pequenas frestas para o sonho, para a esperança; ao mesmo tempo, resgata tradi-
ções e a história de seu país.
Sua escrita transforma o linguajar das ruas em poesia e carrega de magia a dura
realidade. Isso não quer dizer que “ele doura a pílula”, mas que entrevê e entremos-
tra o sonho que sobrevive.
Em uma entrevista para o programa Roda Viva, TV Cultura, durante a FLIP de
2007, em Paraty, Mia Couto conversou sobre questões pertinentes à sua poética,
disse que a oralidade é uma outra lógica que mantemos dentro de nós, mesmo que
esteja subjugada à lógica da escrita, e continuou:
Em certo momento, esse universo da escrita em nós ocupa um espaço
quase hegemônico, e nós não permitimos que aquilo que seja o lado da
abordagem poética, o lado da abordagem mais íntima das coisas, com a
possibilidade de deixar conviver dentro de nós diferentes tipos de lógicas.
Esta que, para mim, é a briga, não como escritor, mas como pessoa que
quero ter uma relação com a vida que passa por esse partilhar de lingua-
gens com as coisas, com os animais, com as plantas. (RODA VIVA, 2007)

Temos duas características marcantes da poética de Mia Couto: por um lado,


a possibilidade de ter esperança onde sobrevive o homem, há a possibilidade de
inventar a terra depois da chuva, água abensonhada – uma mistura de abençoada
e sonhada, isso em relação ao conteúdo; por outro lado, em relação à linguagem,
à estrutura de suas histórias, às palavras “inventadas”, pertencentes a uma tradição
oral ou, como nos esclareceu, à oralidade, essa é uma outra lógica que mantemos
dentro de nós e que precisamos estar aptos, ou disponíveis, para escutar aquilo que
são as formas de casamento.
O escritor contou que, para a água abensonhada, tem uma memória marcante,
disse que quando foi anunciado o fim da guerra pelas primeiras páginas dos jornais
não houve comemorações, não houve nenhuma festa; uma semana depois, cho-
veu, e aí as pessoas festejaram. Aí, Mia Couto criou a palavra abensonhada, como
se a chuva estivesse trazendo as boas novas – não foram os jornais ou revistas que
trouxeram a notícia, mas sim a chuva, abençoada e sonhada ao mesmo tempo.
Ainda relacionado às línguas faladas em Moçambique, e à presença do portu-
guês como língua oficial, esclareceu, na mesma entrevista, que:
Moçambique vive uma situação muito particular, em que a maior parte das
pessoas são de outra língua e estão visitando o português. São de línguas
banto [conjunto de línguas do grupo nigero-congolês oriental faladas na
África] e têm o português como segunda língua. Isso cria uma situação
favorável [para o escritor]: é um privilégio conviver com essa situação em
que o português está quase em flagrante nascimento. E isso é feito com
uma situação de grande ausência de complexo: as pessoas estão mui-
to livres para assaltarem o português, namorarem na rua, na poeira, de
noite, de dia. É difícil [portanto] não ser um escritor que use esse tipo de
construção e desconstrução. (RODA VIVA, 2007)

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UNIDADE Literatura Moçambicana

A questão da língua portuguesa como língua oficial, ou seja, estabelecida por


questão política, a partir de questões de colonização, imposta pelas autoridades
europeias, é um dado importante para pensarmos essa literatura, como já mencio-
nado acima na introdução a essas literaturas.

Mia Couto diz dessa língua que está em “quase flagrante nascimento” e que pos-
sibilita a construção e desconstrução da linguagem. Em relação à própria poética,
disse que faz uma espécie de fratura que quer fazer no muro, que quer abrir no
muro, para ver se do outro lado há uma outra luz, uma outra claridade. E é essa
claridade que lhe interessa: “quer dizer, o que surge dessa outra sociedade, dessas
outras sociedades, como uma sugestão para apreender o mundo”. Dá um exemplo
de um aspecto particular que está presente em sua poética:
[...] e a relação com a morte, com os mortos, esta é uma coisa que eu
acho que a África tem, embora eu resista muito à ideia de que a África
tem coisas, digamos assim, que são tipicamente únicas, quer dizer, que os
outros não têm. Eu acho que essa religiosidade, essa relação não com a
morte, mas com os mortos, é uma coisa da África, o sentimento do tem-
po, o sentimento da eternidade, a maneira como o mundo é governado
por harmonias. Isso eu quero que surja nos meus textos e acho que essa
é a minha grande aposta. (RODA VIVA, 2007)

Ainda na entrevista que fez ao programa Roda viva, Mia Couto resumiu ques-
tões históricas que marcam profundamente Moçambique e o continente africano
como um todo. Disse, a partir da pergunta do jornalista, sobre seu livro Um rio
chamado tempo, uma casa chamada terra (2002), e a questão que aparece a
partir da personagem que volta para o enterro do avô, surge, assim, um “hiato
de gerações”:
Há um hiato de gerações e há um hiato que resulta de um certo golpe.
Nós tivemos, de uma maneira dramática, acontecimentos que provoca-
ram um desmoronar da teia de relações sociais, familiares. Nós tivemos
duas guerras consecutivas (a Guerra da Libertação, entre 1964-1975,
e a Guerra Civil Moçambicana, entre 1976-1992). Mais da metade da
minha vida foi passada em guerra, e isso, de fato, condensou aquilo que
acontece em outros países também. Este fenômeno não é exclusivo dos
países que sofrem guerra. O que acontece na guerra é que isso é feito de
uma maneira completamente crispada, condensada. O conflito de gera-
ções, esse distanciamento daquilo que são os laços de solidariedade que
eram muito presentes na sociedade rural africana, são hoje uma condição
quase dramática, porque se perdeu aquele mundo e não temos um outro,
vivemos em uma espécie de nuvem de um período de transição. (RODA
VIVA, 2007)

Generalizando, a literatura africana tem a marca de um resgate do passado mais


remoto, uma profunda relação com a natureza, o sentimento do tempo, o senti-
mento da eternidade e uma colocação importante é sobre a possibilidade da África
contar sua própria história, assim fugindo de uma visão europeísta. Mia Couto, em
um debate reproduzido parcialmente pelo jornal português Público, em setembro
de 2013, chamou a atenção para esse aspecto e declarou que, “sem querer, os

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africanos, nessa missão de se libertarem, incorporaram muito dos fundamentos da
imagem de África criada pela visão dos europeus”1.

Caminhar pelas páginas dos livros narrativos poéticos de Mia Couto também nos
resgata de um olhar padronizado para a língua portuguesa e para a visão europeísta
da linguagem. Temos que repensar, além da língua, além da sonoridade, além da
visão de literatura e de história partilhada e divulgada pelo ocidente. Há necessidade
de uma quebra de valores estagnados, para podermos adentrar em outra escritura.

Citaremos duas epígrafes que Mia Couto usou em Terra Sonâmbula:


Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens
dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam,
os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela
noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho.

Crença dos habitantes de Matimati

O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada


permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem
parentes do futuro.

Fala de Tuahir

(COUTO, 2017).

Mia Couto ouve as vozes que lhe veem além do estar acordado, consciente; assim
como os habitantes de Matimati, povo que ele emprega à epígrafe para um de seus
mais conhecidos romances, o sonho apresenta fiapos de narrativas desconhecidas,
porém, possíveis e herdadas; como se através dos sonhos se pudesse vislumbrar ou
escutar outras vozes, de outras eras. O sonho representa mais esse escutar de traços
de antepassados do que o desejo de algum porvir diferente. Por outro lado, a segun-
da epígrafe, a fala de Tuahir, liga o passado ao futuro, justamente pelo sonho, essa
estrada que vem do passado, atravessa o presente e caminha para o futuro. Nessa
única palavra, o tempo e suas possibilidades se encontram, numa via única, porém
equívoca, ou seja, não com uma leitura única, ou unívoca, mas muitas encruzilhadas.

Sugerimos como acesso à literatura de Mia Couto o romance Terra Sonâmbula, é im-
portante ler o texto na íntegra. Só a leitura individual provocará as próprias questões.
Indicamos ainda o já citado Estórias abensonhadas, o livro de contos do autor cuja
apresentação é:
Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos
as armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos
me surgiram entre as margens da mágoa e da esperança. Depois da
guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo.
Tudo pesando, definitivo e sem reparo.

1
Disponível em: <https://goo.gl/xA97rd>.

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UNIDADE Literatura Moçambicana

Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu se-
mente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais
inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a
barbárie não tinha acesso. Em todo este tempo, a terra guardou, in-
teiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram
de mundo. No escuro permaneceram lunares.
Estas estórias falam desse território onde nos vamos refazendo e va-
mos molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada.
Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que está,
sonhando que vai, inventando que volta.
Disponível em: https://goo.gl/NjWTcS.
Ou ainda pode ler O Fio das miçangas, também de contos poéticos do autor.

Sugerimos como acesso à literatura de Mia Couto o romance Terra Sonâmbula, é


importante ler o texto na íntegra. Só a leitura individual provocará as próprias questões.

Palestra de Mia Couto


OS SETE SAPATOS SUJOS 

Começo pela confissão de um sentimento conflituoso: é um prazer e uma


honra ter recebido este convite e estar aqui convosco. Mas, ao mesmo
tempo, não sei lidar com este nome pomposo: “oração de sapiência”.
De propósito, escolhi um tema sobre o qual tenho apenas algumas, mal
contidas, ignorâncias. Todos os dias somos confrontados com o apelo
exaltante de combater a pobreza. E todos nós, de modo generoso e pa-
triótico, queremos participar nessa batalha. Existem, no entanto, várias
formas de pobreza. E há, entre todas, uma que escapa às estatísticas e aos
indicadores numéricos: é a penúria da nossa reflexão sobre nós mesmos.
Falo da dificuldade de nós pensarmos como sujeitos históricos, como lu-
gar de partida e como destino de um sonho.

[...]

O primeiro sapato: a ideia que os culpados são sempre os outros e


nós somos sempre vítimas

Nós já conhecemos este discurso. A culpa já foi da guerra, do colonia-


lismo, do imperialismo, do apartheid, enfim, de tudo e de todos. Menos
nossa. É verdade que os outros tiveram a sua dose de culpa no nosso
sofrimento. Mas parte da responsabilidade sempre morou dentro de casa.

[...]

Segundo sapato: a ideia de que o sucesso não nasce do trabalho

Ainda hoje despertei com a notícia que refere que um presidente africano
vai mandar exorcizar o seu palácio de 300 quartos porque ele escuta ruí-

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dos “estranhos” durante a noite. O palácio é tão desproporcionado para
a riqueza do país que demorou 20 anos a ser terminado. As insônias do
presidente poderão nascer não de maus espíritos, mas de uma certa má
consciência.

[...]

Infelizmente olhamo-nos mais como consumidores do que produtores. A


ideia de que África pode produzir arte, ciência e pensamento é estranha
mesmo para muitos africanos. Ate aqui o continente produziu recursos
naturais e força laboral.

Produziu futebolistas, dançarinos, escultores. Tudo isso se aceita, tudo isso


reside no domínio daquilo eu se entende como natureza”. Mas já poucos
aceitarão que os africanos possam ser produtores de ideias, de ética e de
modernidade. Não é preciso que os outros desacreditem. Nós próprios
nos encarregamos dessa descrença.

[...]

Terceiro sapato- O preconceito de quem critica é um inimigo 

Muitas acreditam que, com o fim do monopartidarismo, terminaria a in-


tolerância para com os que pensavam diferente. Mas a intolerância não
é apenas fruto de regimes. É fruto de culturas, é o resultado da História.
Herdamos da sociedade rural uma noção de lealdade que é demasiado
paroquial. Esse desencorajar do espírito crítico é ainda mais grave quando
se trata da juventude. O universo rural é fundado na autoridade da idade.
Aquele que é jovem, aquele que não casou nem teve filhos, esse não tem
direitos, não tem voz nem visibilidade. A mesma marginalização pesa so-
bre a mulher.

[...]

Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade

Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição so-
bre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado
negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o
meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava
a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário
dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos
como cego, surdo, gordo, magro, etc.

Quinto sapato A vergonha de ser pobre e o culto das aparências

A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de


pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve
sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais


de riqueza. Criou-se a ideia que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que
o diferenciam dos mais pobres.

[...]

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UNIDADE Literatura Moçambicana

Sexto Sapato A passividade perante a injustiça 

Estarmos dispostos a denunciar injustiças quando são cometidas contra


a nossa pessoa, o nosso grupo, a nossa etnia, a nossa religião. Estamos
menos dispostos quando a injustiça é praticada contra os outros. Persis-
tem em Moçambique zonas silenciosas de injustiça, áreas onde o crime
permanece invisível. Refiro-me em particular à:

[...]

Sétimo sapato – A ideia de que para sermos modernos temos que


imitar os outros

Todos os dias recebemos estranhas visitas em nossa casa. Entram por


uma caixa mágica chamada televisão. Criam uma relação de virtual fa-
miliaridade. Aos poucos passamos a ser nós quem acredita estar vivendo
fora, dançando nos braços de JanetJackson. O que os vídeos e toda a
sub-indústria televisiva nos vem dizer não é apenas “comprem”. Há todo
um outro convite que é este: “sejam como nós”. Este apelo à imitação cai
como ouro sobre azul: a vergonha em sermos quem somos é um trampo-
lim para vestirmos esta outra máscara.

[...]. (COUTO, 2005).


Explor

É possível ainda escutar essa fala e ver o autor em: https://youtu.be/0RfbeUVUlr4

Entrevista com Mia Couto


Há muitas entrevistas e programas com o escritor Mia Couto, o primeiro é um
Programa da TV Cultura, em 2012, em que ele conversa sobre as línguas que
há em Moçambique, a questão de ser filho de imigrantes portugueses, e branco,
num país de maioria negra e sobre a guerra civil, posterior à guerra de libertação,
e a “obrigação de ser um escritor moçambicano”, visto com estereótipos vindos
do mundo europeu: questões fundadoras para as literaturas africanas. Importante
assistir com atenção porque ele conversa sobre questões fundamentais da Língua
Portuguesa e da literatura moçambicana, assim como aspectos históricos e experi-
ências da vida dele como gente e como escritor.
Explor

Assista ao programa Roda Viva com o escritor, gravação de 2012: https://youtu.be/6v3buePuzbU

Para saber mais, escute o Encontro de Maria Bethânia com Mia Couto, orga-
nizado pela editora do autor no Brasil, a Companhia das Letras, quando o autor
lançou aqui o livro Sombras da água. Nesse encontro, ele afirma que temos vários
passados e não temos uma única versão, a dos vencedores, precisando dar voz a
essas vozes mais silenciadas. Um resumo do encontro:

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No dia 26 de setembro, o Rio de Janeiro recebeu um grande encontro:
Maria Bethânia e Mia Couto encantaram o público com a leitura de tre-
chos de Sombras da água, novo livro do autor moçambicano. O encontro
fez parte da comemoração dos 30 anos da Companhia das Letras. Som-
bras da água dá continuidade à história iniciada em Mulheres de cinzas,
romance histórico encenado à época em que o sul de Moçambique era
dominado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza, no
fim do século XIX. Alternando as vozes da africana Imani e do sargento
português Germano de Melo, Mia Couto apresenta duas visões de mundo
muito diferentes, porém profundamente interligadas nesta trama.

Encontro de Maria Bethânia com Mia Couto: https://youtu.be/4ryBAE7aJok


Explor

Saiba mais: https://goo.gl/1CwXSS

Outros vídeos importantes:


• Mia Couto – Repensar o pensamento

Mia Couto, romancista moçambicano, defende em sua conferência um pensa-


mento que crie pontes e não fortalezas. Vivemos em um tempo de acesso a tudo,
mas confundimos ideias novas e informação recente: “Cada vez mais repetimos o
que já fomos.” Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2012. Sobre a alterida-
de, o autor afirma que, para quem viaja para se perder de si mesmo e reencontrar-
-se nos outros, o Brasil é o melhor destino que ele conhece.
Explor

Mia Couto - Repensar o pensamento, disponível em: https://youtu.be/ahb9bEoNZaU

• Palestra no programa Café filosófico, em 2017

Mia é biólogo, jornalista e autor de mais de trinta obras, entre elas Terra Sonâm-
bula, um dos dez melhores livros africanos do século XX. O escritor moçambicano é
vencedor de diversos prêmios literários, como o Camões, de 2013, e o Neusradt Pri-
ze, de 2014. O programa Café Filosófico Especial foi gravado no dia 26/06/2017,
no Teatro Iguatemi Shopping (Campinas), com mediação da jornalista Fernanda
Mena. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3BbruWdNhf8>.
Explor

Fronteiras do Pensamento, com Mia Couto, disponível em: https://youtu.be/3BbruWdNhf8

• Mia Couto lê Levantado do Chão, de José Saramago.


Texto trada sobre a guerra, a ajuda de Saramago.
Explor

Mia Couto lê “Levantado do Chão”, disponível em: https://youtu.be/JPjvtOPF1rU

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UNIDADE Literatura Moçambicana

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Carta Capital
O premiado autor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa fala sobre a importância
das artes, especialmente a literatura, na identidade cultural do seu país, de inde-
pendência recente
https://goo.gl/42e6WH
Kapulana
O regresso do morto – contos
https://goo.gl/v92cjH
Ba Ka Khosa apresenta Orgia dos Loucos no Brasil
https://goo.gl/E6CXAp

 Livros
Ungulani Ba Ka Khosa
O premiado autor moçambicano fala sobre a importância das artes, especialmente a
literatura, na identidade cultural do seu país, de independência recente.

 Vídeos
Entrelinhas - Ungulani Ba Ka Khosa
O programa Entrelinhas entrevista um dos mais importantes escritores surgidos em
Moçambique após a independência do país. Ungulani Ba Ka Khosa esteve em São
Paulo para participar de um encontro na Casa das Áfricas, onde conversou com Allan
da Rosa.
https://youtu.be/X9K6H5qRXzo
Grande Prémio Sonangol de Literatura 2015
Grande Prémio Sonangol de Literatura 2015: escritor Suleiman Cassamo homenage-
ado em Maputo.
https://youtu.be/LZ3IB_baKLk

 Leitura
Ungulani Ba Ka Khosa: a África que o Brasil não conhece
https://goo.gl/V8XRgx
Suleiman Cassamo: a viva voz do conto
Outro escritor moçambicano relevante que pode ser conhecido por meio do prefácio
de sua edição brasileira escrito por Rita Chaves:
https://goo.gl/a5EFBv

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A vida ancestral em conflito com os processos históricos de Moçambique: uma possível leitura do conto “O Regresso
do Morto”, de Suleiman Cassamo
https://goo.gl/vQFRqc
Ungulani ba ka Khosa: a literatura tem que transportar os valores das culturas e das línguas locais.
https://goo.gl/vswgZ4
Escrita e performance na literatura moçambicana.
https://goo.gl/MVn2t2

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Referências
CAFÉ FILOSÓFICO ESPECIAL. Fronteiras do pensamento, com Mia Cou-
to. (1h32m42s). 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?-
v=3BbruWdNhf8>. Acesso: 4 jul. 2018.

CATRACA LIVRE. Mia Couto lê “Levantado do Chão” de José Saramago


(sobre a guerra, a ajuda de Saramago). (11m39s). 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=JPjvtOPF1rU>. Acesso: 4 jul. 2018.

COMPANHIA DAS LETRAS. Encontro de Maria Bethânia com Mia Couto.


(1h13m44s). 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?-
v=4ryBAE7aJok>. Acesso: 4 jul. 2018.

COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das letras, 2017. (edição
de bolso).

______. O Fio das miçangas. São Paulo: Companhia das Letras, 2016a.

______. As Areias do Imperador – 1: Mulheres de Cinza. São Paulo: Companhia


das Letras, 2016b.

______. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

______. Os sete sapatos sujos. Oração de Sapiência na abertura do ano lectivo


no ISCTEM. Vertical, n. 781, 782 e 783. Mar. 2005. Disponível em: <http://
www.pordentrodaafrica.com/cultura/mia-couto-a-porta-da-modernidade-ha-sete-
sapatos-sujos-que-necessitamos-descalcar>. (último acesso em 3/07/2018)

______. Mar me quer. Lisboa: Caminho, 2001.

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO. Mia Couto – Repensar o pensamen-


to. (18M45S). 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?-
v=ahb9bEoNZaU>. Acesso: 4 jul. 2018.

RODA VIDA. Memória Roda Viva. Mia Couto – a literatura e a cultura africanas
são objetos desta entrevista com o escritor moçambicano, um dos destaques da
Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2007. 2007. Disponível em: <
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia_busca/531/leitura/entrevistados/mia_
couto_2007.htm>. Acesso: 4 jul. 2018.

RODA VIDA. Programa Roda Viva com o escritor Mia Couto. (1h23m10s).
2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6v3buePuzbU>.
Acesso: 4 jul. 2018.

STEINBERG, Vivian. Literatura estrangeira em língua portuguesa. Curitiba:


Intersaberes, 2015.

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