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Representações do capitalismo

em Chapetuba Futebol Clube, de


Oduvaldo Vianna Filho
Luiz Paixão Lima Borges*

Resumo como paixão corrompida e manipula-


da pelo dinheiro, embora este seja o
Chapetuba Futebol Clube, primei- seu tema: a discussão recebe também
ra peça teatral de Oduvaldo Vianna tratamento diferenciado, tanto política
Filho – Vianninha – encenada pelo quanto ideologicamente, pois pretende
Grupo de Teatro Arena, marcou época trazer para o debate a configuração
por seu valor dramatúrgico e por sua social frente aos poderosos mecanis-
importância na análise da realidade mos de persuasão e coerção econômica
social brasileira. No presente traba- do sistema capitalista em nosso país.
lho, visando a ultrapassar a crítica
tradicional, que percebe apenas no Palavras-chave: Dramaturgia brasi-
binômio suborno/corrupção no fute- leira. Oduvaldo Vianna Filho. Teatro
bol o reflexo da sociedade, discutimos engajado.
as configurações dos mecanismos de
opressão capitalista apontados pelo
dramaturgo. Como método de análi-
se, utilizamos a crítica materialista Introdução
e dialética, amparada nos estudos de
Lukács e Adorno, visando a estabe- A ação política do movimento teatral
lecer a relação de mútua determina- brasileiro, na segunda metade da década
ção entre arte e sociedade, tendo no de 1950, pautou-se por uma profunda bus-
condicionamento histórico as bases
da configuração artística. Chapetu-
ca da identidade nacional e entendimento
ba investe no realismo crítico como das relações sociais e formas de luta do
alternativa estética e formal para
tentar compreender um instante de
profundas mudanças sociais, políticas
*
Doutorando em Estudos Literários na Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.
e econômicas ocorridas na segunda E-mail: luizpaixaoteatro@gmail.com
metade dos anos 1950, caracterizadas
como “nacional desenvolvimentismo”.
Data de submissão: jan. 2018 – Data de aceite: fev. 2018
Na peça, o futebol não é visto apenas
http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v14i1.7281

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povo. O teatro, assim como toda a arte e O encontro do grupo amador com o
a cultura brasileiras, em suas mais diver- Teatro de Arena, em 1956, e sua poste-
sas formas de expressão, foi contagiado rior fusão parecem-nos naturais, consi-
pela euforia “juscelinista” e respondeu derando que os objetivos dos dois grupos
positivamente em suas responsabilidades apontavam numa mesma direção; as
sociais. Como se pode constatar, o “nacio- afinidades políticas e ideológicas se pro-
nal desenvolvimentismo” não prevaleceu jetavam na formulação de uma estética
apenas na indústria e setores da economia que buscava o realismo social e crítico
formal. As liberdades democráticas forma- como opção. A necessidade de ampliação
ram um solo fértil para uma diferenciada do raio de influências do PCB, por meio
manifestação do saber e do fazer. As novas de dois de seus militantes – Vianninha
perspectivas, implantadas pelo governo e Guarnieri –, encontra no Arena o
JK, criaram condições objetivas e subje- campo fértil para se desenvolver e, ali,
tivas para uma ação cultural e artística implementar uma reflexão ainda mais
diferenciada e contaminaram o espírito qualificada ideologicamente.
daqueles que acreditavam na afirmação As pesquisas desenvolvidas pelo
e no crescimento do país. Arena – visando à constituição estética
O momento é rico em debates políticos de um modelo – que estabeleciam como
e ideológicos em torno da função do tea- objetivo principal a reflexão sobre as con-
tro. A certeza da necessidade de um tea- dições de vida do homem brasileiro, e a
tro atuante e participativo é marcante na própria sociedade enquanto sistema eco-
formação do grupo amador Teatro Paulis- nômico, político e social, estão inseridas
ta do Estudante (TPE).1 As presenças de num momento decisivo para a própria
Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco história do país. Oduvaldo Vianna Filho,
Guarnieri, ambos militantes ativos do em artigo de 1958, detecta a importância
PCB, são fundamentais para a formu- desse momento ímpar e, ao discutir a
lação da orientação política do grupo e contradição entre “um teatro comercial
podem ser confirmadas em importante ou um teatro brasileiro”, aponta as pers-
documento produzido pelo TPE: pectivas de transformações que orientam
[...] os problemas da cultura não vivem in- o novo fazer teatral:
dependentemente de problemas políticos e O teatro brasileiro atravessa já uma das
econômicos. Um povo entorpecido é um povo fases mais expressivas de todo o seu desen-
que na passividade se encontre à rapina e volvimento histórico. A da definição. Fase
à escravidão. Um povo entorpecido é o que da conscientização diante de realidade que
não ama, não quer, não luta. E a cultura não pode mais ser ignorada. [...] um teatro
destinada a entorpecer um povo é aquela nacional. Um teatro que procure a realidade
que se desliga desse mesmo povo, que se brasileira que apreenda o sentido do seu
desvencilha de seus sentimentos, paixões desenvolvimento e que lute ao lado dele
e aspirações, é a que foge dele, é a que se (PEIXOTO, 1983, p. 23-24).
abstraindo do humano, deturpa e entorpece
(1978 apud MOSTAÇO, 1982, p. 28-29).

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O Arena não é apenas uma experiên- entre suas necessidades e suas possibilida-
cia estética; é, também, uma experiên- des, uma aproximação para compreensão
cia política e ideológica: sua pesquisa, e transformação dessa mesma realidade,
que tem como referência a realidade cujo objetivo final é sua superação.
social do país, observa a aplicação dos
conceitos materialistas de análise e Seminário de dramaturgia
a formalização estética. Colocando-se
em rota de confronto com a realidade Bertolt Brecht afirma que, “sem intro-
cênica dominante, propõe uma ruptura duzir inovações de tipo formal, a literatu-
que se ramifica nos diversos aspectos ra não pode apresentar novos conteúdos e
do espetáculo: dramaturgia, encenação novos pontos de vista para novas camadas
e interpretação dramática. do público” (FISCHER, 1983, p. 131),
O exercício teórico sistemático, imple- e acrescenta: “a realidade se modifica:
mentado pelo grupo a partir da parceria para representá-la, é necessário modifi-
com o TPE e acentuado com a adesão de car também os meios de representação”
Augusto Boal, promove modificações estru- (BRECHT, 1967, p. 119). Existe, portanto,
turais em sua organização. O Arena deixa uma relação dialética entre realidade e
de ser apenas uma companhia que encena sua representação artística, que sempre
espetáculos e adota uma postura que o será dinâmica em sua interação. A defi-
define como um espaço privilegiado para nição por uma forma que melhor traduza
uma discussão qualificada sobre o fazer interesses específicos está condicionada à
teatral e as condições sociais vigentes. Tal especificidade do momento histórico em
experiência se apresenta como um embrião que é produzida. Ou, como bem acentuou
que irá definir os rumos dos seminários de Lukács:
dramaturgia, quando será aprofundada. É o fato de uma obra literária se fundar
Pela primeira vez defrontamo-nos com em uma concepção correta das realidades
uma companhia teatral preocupada em sociais e históricas que lhe permite, por um
lado, assumir um valor autenticamente re-
encontrar nas relações sociais aspectos, alista e, por outro lado, constituir um fator
modos e temas, tornando-os matéria da particular e insubstituível da influência
ação cênica. A pesquisa de um teatro vai que ela deve normalmente exercer; mas,
de qualquer destes pontos de vista, nunca
se afirmando cada vez mais como veículo um conhecimento teórico do mundo, do
de inquietação e transformação na per- homem, etc., poderia inspirar o escritor, a
manente investigação de processos de não ser quando se incorpora inteiramente
em categorias estéticas e quando se deixa
aproximação com a realidade objetiva.
totalmente absorver por elas. [...] para o
Não apenas é uma aproximação por meio escritor, efetivamente, nenhuma teoria,
da empatia com o herói, mas também se nenhum saber, tem outra função que não
manifesta a partir dos conflitos gerados na seja ajudá-lo a descobrir uma maneira mais
profunda de refletir o real no próprio plano
luta pela resolução da contradição básica da arte (LUKÁCS, 2010, p. 141).

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A montagem da peça Eles não usam da identidade nacional, o que começa
black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, a se concretizar com a realização do
em 1958, demonstrou que era possível seminário.
se construir uma dramaturgia brasileira O teatro se transformava para trans-
que apresentasse camadas sociais ainda formar a realidade. A influência do
não representadas em cena. Um novo pensamento socialista, configurado sob
teatro se configurava irreversivelmente, a forma de uma dramaturgia realista,
o nacional e o popular como operadores tornou-se a pedra de toque para a concre-
do novo modelo dramatúrgico respon- tização desse projeto, que se apresentou
diam às necessidades de um momento à sociedade e por ela foi acolhido em
histórico, que encontrava o país aberto e suas inovações estéticas e temáticas.
receptivo aos questionamentos propostos As relações entre público e artista se
tanto no campo social quanto no político efetivaram como resultantes da identi-
e no ideológico. ficação da realidade retratada, tendo o
Chapetuba Futebol Clube, primeira realismo crítico como facilitador dessa
peça produzida como resultado das dis- aproximação e fator de reflexão.
cussões do Seminário de Dramaturgia
do Teatro de Arena, aberto em abril de Chapetuba Futebol Clube
1958, marcaria não só o lançamento de
Oduvaldo Vianna Filho como dramatur- A consolidação de uma dramaturgia
go, mas, sobretudo, a fixação do autor com o propósito investigar a realida-
no teatro brasileiro, demonstrando, de social e transformá-la em matéria
com isso, o acerto da opção do Arena em dramatúrgica, na perspectiva de um
investir numa dramaturgia de cunho aprofundamento na relação teatro-so-
eminentemente nacional, assim como ciedade, será efetivada com a encenação
a concretização de um projeto estético- de Chapetuba Futebol Clube, primeira
-ideológico, que se tornaria referência montagem resultante do Seminário de
no teatro nacional. A proposta de um Dramaturgia do Teatro de Arena. Com o
teatro de caráter popular, tanto em sua propósito de reafirmar o caráter nacional
dramaturgia e sua encenação quanto em e popular que deve orientar o teatro bra-
sua expectativa de estabelecer novas re- sileiro, Vianninha encontra no futebol o
lações com o público, procurava “analisar universo e os elementos propícios para
os problemas sociais do Brasil com uma provocar essa discussão e demarcar o
nova visão, enfocando as classes menos espaço inaugurado por Guarnieri com
privilegiadas, sob seu próprio ponto de Eles não usam black-tie.
vista” (DIONYSOS No. 24, 1978, p. 77). Embora tratando de temas diversos,
Os membros do grupo perseguiam de as duas peças apresentam traço comum
maneira quase obsessiva a afirmação no que diz respeito, particularmente, à

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utilização da dramaturgia realista como e autocrítico, promovido pelo seminário,
instrumento de investigação das realida- que levou seu autor a reescrevê-la sete
des social e econômica do país, vezes.3 A peça responde objetivamente
[revelando] o interesse pela riqueza e varie- aos propósitos estéticos e ideológicos do
dade de cores, pela variabilidade e multipli- grupo, não mais como experiência indivi-
cidade de aspectos da experiência humana. dual e isolada, mas como produto de um
Se a literatura artística de uma época não
consegue encontrar a conexão existente en- processo coletivo de discussão e análise.
tre a práxis e a riqueza de desenvolvimento Estamos diante da afirmação de uma
da vida íntima das figuras típicas de seu dramaturgia nacional, que não se satis-
próprio tempo, o interesse do público se refu-
gia em sucedâneos abstratos e esquemáticos
faz apenas em trazer para a cena temas
(LUKÁCS, 2010, p. 162). brasileiros, reproduzindo uma realidade
estática e determinada. O projeto teórico
Guarnieri traz para a cena o movi-
e dramatúrgico do seminário, observa-
mento operário, enquanto Vianninha
do por Vianninha, tem como objetivo a
revela os mecanismos do suborno e da
análise e o entendimento dessa mesma
corrupção num time de futebol da se-
realidade como um processo dinâmico,
gunda divisão estadual. As duas peças
portanto, sujeito a transformações; uma
se utilizam das técnicas do playwriting2
dramaturgia que pretende discutir um
em suas estruturas dramatúrgicas,
ser humano complexo e capaz de repre-
como construção de personagens, cur-
sentar sua efetiva participação no jogo
vas de tensão, suspense, etc. É quase
das forças sociais, não apenas como re-
inevitável, portanto, estabelecer uma
ceptor passivo, mas, sobretudo, enquanto
comparação estético-ideológica, tendo
condição de resposta a esse sistema.
como referência Eles não usam black-tie,
Um teatro brasileiro, então, para mim,
para se discutir o texto de Vianninha.
será o teatro que vá buscar sua forma e seu
No entanto, com o propósito de evitar conteúdo na realidade específica em que
um esquematismo altamente prejudicial vivemos – não aquele que vai acrescentar
à nossa análise, julgamos necessário vivências e sentimentos a forma que a ex-
primem, inversamente, como originária da
compreender as condições de produção conduta dos homens. Quero fazer um teatro
de cada uma das peças. Portanto, não que pretende enriquecer o instrumento do
formulamos aqui nenhum julgamento homem, com que ele enfrenta a realidade,
permitindo-lhe uma intervenção direta no
de valor entre as duas obras. seio mesmo das próprias condições que ori-
A peça de Guarnieri surgiu de uma ginam sua trágica existência – necessaria-
necessidade pessoal do autor e, sendo mente trágica pelas condições, não porque
submetida à direção do grupo, mereceu suas vontades formam condições; porque as
condições formam vontades. Um teatro que
a encenação. Chapetuba foi escrita com o distinga a realidade da representação e dos
objetivo de ser submetida a uma análise valores que o homem dela tira para a modi-
criteriosa em seus aspectos dramatúrgi- ficação destes mesmos valores, mais aptos
para enfrentar as condições que a origina-
cos e ideológicos. Foi um processo crítico ram (PEIXOTO, 1983, p. 73-74, grifo nosso).

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Em Chapetuba, o futebol não é vis- material temático. Tal postura nos revela
to apenas como paixão corrompida e o perfil de um autor que, ainda jovem,
manipulada pelo dinheiro, embora este não se satisfez com o produto acabado
seja o seu tema: a discussão recebe de sua criação, entendendo-o como um
tratamento diferenciado tanto política processo sempre sujeito à reformulação
quanto ideologicamente, pois pretende e ao crivo de uma severa análise.
debater a configuração social frente aos Chapetuba F. C. tem defeitos graves, de or-
poderosos mecanismos de persuasão e dem essencial, causados pela ingênua satis-
coerção econômica do sistema capitalista fação de muitas vezes permanecer no pito-
resco, no detalhe digestivo. Mas Chapetuba
em nosso país, por meio da discussão em F. C. tem enorme importância atualmente
torno do suborno e da corrupção. O fu- porque, além de nacional, foi escrita numa
tebol torna-se, assim, um pano de fundo tentativa de superar o melodrama jornalísti-
co, a denúncia de efeito, a fala vazia. É cedo
para se discutir aspectos relevantes da para um rendimento satisfatório total. Mas
realidade brasileira. fica a proposta. Tudo que na peça procura
Para não se perder no esquematismo a reação fácil, o que fica superficialmente
exposto, não é característico, é defeito. Falta
e cair numa denúncia que se esgote em
de vida. [...] Nunca pretendi fazer de Chape-
si mesma, a peça incorpora elementos do tuba F. C. uma peça estática que imobilize
realismo psicológico, sem abrir mão de o homem na sua fragilidade e na sua des-
sua força crítica, e analisa uma sociedade confiança. [...] Gostaria de transmitir com
esta peça exatamente o transitório, o eterno
que se encontra em franca transforma- para a frente, o condicionamento destas vi-
ção, revelando mazelas que se escondem das a todo um processo da realidade de hoje
atrás do jogo de interesses capitalistas. (VIANNA FILHO, 1981, p. 82-83).
Seus personagens são dotados de uma A discussão sobre o caráter popular
individuação que os torna capazes de de Chapetuba não pode, portanto, estar
agir e reagir aos obstáculos, que lhes reduzida à introdução do futebol como
são antepostos por situações dramáticas tema dramático e à mera utilização de
muito bem elaboradas e desenvolvidas. representantes das camadas populares
Tudo se explica e tudo está concatenado como personagens centrais – embora
à ação principal do texto, que, gradati- este fato seja de extrema importância ao
vamente, vai ganhando a dramaticidade projeto político e estético do Grupo Arena.
necessária, caminhando para o seu des- O popular se insere, numa relação dialé-
fecho quase trágico. tica com o nacional, como apresentação
Vianna reafirma a pesquisa empreen- e análise de uma realidade complexa e,
dida no processo de feitura da peça, como tal, deve merecer um tratamento
com destacada clareza de propósitos, também complexo. A compreensão dos
acentuando, inclusive, sem perder a fatos, por meio do tratamento dado a eles,
autocrítica, os eventuais defeitos, tanto é fundamental à concretização de uma
de composição quanto de abordagem, do empreitada revolucionária e transfor-

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madora do teatro, enquanto experiência A realização dessa qualidade é facil-
coletiva, e da própria realidade vigente. mente verificável nas obras fundadoras
A arte só se torna transformadora do novo teatro que se inaugura e se
a partir da compreensão de que a rea- pretende no Brasil, tendo como ponto
lidade é transformável, tornando-se, de partida as ações do Grupo Arena. No
assim, ela mesma, a arte, transformável. confronto com a realidade, verifica-se um
Somente a arte de qualidade superior salto qualitativo das nossas dramaturgia
possui o caráter transformador, pois é e encenação, que credencia esse teatro
nela, e somente nela, que o acontecimen- como popular não por seus recursos
to humano se realiza em sua plenitude. rasteiros e de efeitos imediatos, mas por
Em Chapetuba, o popular não se re- uma formalização artística consciente e
baixa para se impor: é apresentado como de indiscutível qualidade.
uma inovadora formalização estética que Aliada a esse reconhecido valor artís-
valoriza esses temas, encarados, agora, tico, é preciso destacar também a quali-
sob uma destacada qualidade dramática, dade argumentativa de uma nova pos-
sem que seja necessário apelar a recur- tura política que passa, então, a figurar
sos de fácil assimilação. A sofisticação em nosso teatro. A apurada consciência
dramática não implica uma eruditização crítica de seus autores é fator determi-
da forma, o que implicaria uma elitização nante na construção de uma dramaturgia
da própria peça e, consequentemente, a inquietante e instigadora, que apresenta
elitização da plateia, descartando, assim, a reflexão política como resultante do
a possiblidade de participação popular confronto de seus personagens com a rea-
no acontecimento teatral. lidade, e não como simples manipulação
A arte, vigorosa, plena, aprofundando o didática de um panfleto. São obras com
conhecimento do homem e da realidade, uma densidade dramática e dramatúrgi-
com imagens e símbolos tirados do mundo ca, que se colocam entre as melhores já
da consciência popular, abre a verdadeira
perspectiva de participação da arte. Não po- construídas pelo teatro brasileiro.
demos aceitar o dilema que frequentemente [...] à atitude criadora que cada vez mais
nos é colocado – para que haja mensagem, caracteriza todo nosso pensamento político,
não é possível fazer arte (VIANNA FILHO, deverá corresponder uma criadora atitude
1981, p. 13). no teatro, que recebe com violência os golpes
imediatos dos fatos, estando em estreito
Constata-se que é possível fazer arte contato artístico e financeiro com platéias
popular com qualidade como que, como nunca talvez, exigem o debate
de sua própria condição, a fundamentação
[...] parte da autoafirmação, da democrati-
de seus objetivos e de sua filosofia que vai
zação de nosso pensamento, da afirmação
sendo arrebanhada no dia-a-dia (VIANNA
do indivíduo, da responsabilização indivi-
FILHO, 1981, p. 87-88).
dual pela sorte da sociedade e tantos outros
valores que são defendidos pela consciência Chapetuba se propõe a realizar uma
popular brasileira (VIANNA FILHO, 1981,
p. 14). investigação da realidade em seus aspec-

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tos condicionantes das relações humanas ta dramatizada revela que uma força
e promove um entendimento sobre alguns superior comanda as relações sociais e
mecanismos de opressão capitalista per- humanas, e encontramos aí os dados que
ceptíveis na sociedade brasileira. Discutir nos permitem compreender os processos
o suborno no futebol é bem mais que dis- capitalistas de dominação: a máquina é
cutir a compra do resultado de um jogo de acionada, e o homem é absorvido e vê os
decisão de campeonato: é revelar fraturas seus sonhos esmagados.
de um sistema que, em suas contradições O que está em jogo é mais do que o
e conivências, não se constrange em des- acesso à divisão de elite do futebol es-
truir sonhos e frustrar esperanças. tadual, é a dignidade humana que não
Para analisar a determinação eco- consegue resistir à força do dinheiro.
nômica sobre o homem, Vianninha en- É o sonho desfeito, que não se realiza
contra num time de futebol da segunda porque uma engrenagem de interesses
divisão os elementos necessários para é colocada em movimento, e ela não
entender essa engrenagem, trazendo conhece, como também não respeita,
para dentro da peça, por meio da confi- sentimentos. O microcosmo que envolve
guração dialética do interno e do externo, o acesso à primeira divisão do futebol
todo um processo social, determinando estadual é um espaço privilegiado para
o comportamento dos personagens e o que as relações dialéticas sonho e reali-
desenvolvimento dos acontecimentos dade, corruptor e corrupto, indivíduo e
dramáticos. Adorno esclarece a relação coletivo se manifestem e se enfrentem
dialética entre arte e realidade no pro- em constante conflito: suas contradições
cesso de representação: são determinadas pelas relações sociais.
A arte nega as determinações categorial- Interesses diversos se manifestam e in-
mente impressas na empiria e, no entanto, duzem a um processo de reflexão sem,
encerra na sua própria substância um ente necessariamente, o autor tomar essa ou
empírico. Embora se oponha à empiria atra-
vés do momento da forma – e a mediação da aquela posição.
forma e do conteúdo não deve conceber-se O dinheiro é, de maneira direta ou
sem a sua distinção – importa, porém, em indireta, o grande articulador de relações
certa medida e geralmente, buscar a media-
ção no fato de a forma estética ser conteúdo
entre personagens e as ações principal e
sedimentado (ADORNO, [197-?], p. 15). secundárias da peça. Dramaticamente,
as relações que envolvem o dinheiro se
Chapetuba, sob a perspectiva do rea-
movem a partir da dependência mais
lismo crítico, método que permite uma
imediata que os personagens manifes-
análise objetiva das relações humanas,
tam, reforçando sua importância, confe-
traz para a cena a representação de
rindo-lhe um status de leitmotiv.4 Chape-
uma sociedade complexa que assimila
tuba é um time de futebol, mas é também
o capitalismo e subordina o homem
uma cidade inteira. O futebol torna-se,
aos seus ditames. A realidade concre-

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assim, uma atividade de interesse pú- Cafuné – Oitenta conto, de dinheiro?
blico, não só em seu aspecto emocional,
[...]
como também no que pode representar
para o futuro daquela comunidade. O Eunápio – Oitenta contos! Oitenta contos!
sonho contamina a todos, e a cidade se
Cafuné – Tudo pra nóis! Ai!
mobiliza por um resultado positivo:
Eunápio – Chapetuba está tremendo, gen- Todos – Ganhando, Funé.
te! Nossa! Nunca vi isso! O orgulho dessa
Chapetuba, sem nada, nunca nada, é vocês, Cafuné – (Transição) Ai... (VIANNA FI-
gentada! (VIANNA FILHO, 1981, p. 97).5 LHO, 1981, p. 97-98).

O dinheiro, porém, não move apenas Outros interesses, porém, estão colo-
as pessoas em suas individualidades: cados, e um jogo paralelo e simultâneo
além do grande destaque que Chapetu- se estabelece na disputa pelo resultado
ba6, a cidade, alcança, tendo o seu time final da partida, agora fora de campo:
disputando jogos nos principais estádios Saboeiro, a cidade do time rival, maior
de São Paulo e recebendo também os e mais rica que Chapetuba, também se
grandes em seus gramados, a decisão do interessa pela vitória do campeonato.
campeonato movimenta a economia, que Nesse quadro, a ordem que se impõe é
vê na conquista do título reais possibili- determinada pelos lucros que se pode
dades de crescimento em seu comércio: obter com o futebol da primeira divisão.
Eunápio – Conheço dois tipos que abrem O poder econômico de Saboeiro, aliado
loja aqui com Chapetuba campeão... (VIAN- aos interesses da federação estadual
NA FILHO, 1981, p. 98).
de futebol, irá lançar mão de todos os
Os jogadores são alçados ao status expedientes disponíveis, no sentido de
de verdadeiros heróis: de sua vitória se favorecer o time Saboeiro. Nessa arti-
escreverá um novo futuro; sua conquista culação, não existe ética.
está para além do título de campeão. Para todo corruptor, em maior ou
As condições são todas favoráveis: a menor escala, haverá alguém que se
decisão é em casa, conta com o apoio da preste a fechar o círculo e permitir que
torcida. O entusiasmo é tanto que até a corrupção se efetive. Benigno é um
mesmo contribuições financeiras foram corrupto profissional – o homem da
conseguidas para premiar os jogadores mala preta. Suas relações com o futebol
– o bicho. envolvem sempre o suborno, a compra
Eunápio – Ninguém largou mão de con- de resultados. Seu alvo mais uma vez
tribuir na lista pro Chapetuba. Olha aí... é Maranhão, goleiro do Chapetuba, que
Lotadinha! O Zé Pidão deu dez mil réis! traz uma nódoa em sua história, pois já
Chapetuba acendeu feito de noite! A última
vez somei oitenta conto... oitenta e três... se vendeu.
há, há!

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Benigno – Já tá perdido, Maranha. Me por aí... A Federação prefere Saboeiro. Café,
entende! Ninguém desconfia, rapaz. Até mais café, e café: dinheiro. Cheguei. A Fede-
hoje em Saboeiro ninguém diz que você se ração prefere Saboeiro.
vendeu! Ninguém desconfiou daquele pulo...
Cê disfarça bem. Pula bonito. A bola entra. [...]
Ninguém diz nada... (VIANNA FILHO,
1981, p. 108). Benigno – [...] O juiz é da Federação, Mara-
nha. Ele come por causa dela...
Embora Maranhão queira dar a volta
por cima, manifestando clara vontade de Maranhão – Uma mentira sua, Benigno.
vencer o campeonato, o seu momento não
Benigno – Eu vinha de Saboeiro menti pra
é o melhor: a oportunidade que se lhe
você, Maranhão? Oitenta quilometro?
apresenta é bastante tentadora. Na pri-
meira tentativa de suborno de Benigno Maranhão – Nenhum juiz vai fazê moamba
sobre “o arqueiro menos vazado da se- nesse jogo. Falta peito.
gunda divisão de profissionais” (VIANNA Benigno – Vem todo mundo de Saboeiro vê
FILHO, 1981, p. 104), podemos verificar o jogo, Maranhão. Eles querem o Saboeiro
que o futebol, na peça colocado como re- no Pacaembu. Querem o São Paulo e o Co-
ríntia em Saboeiro (VIANNA FILHO, 1981,
presentação do macrocosmo social, está
p. 105-108).
pressionado por interesses econômicos
e a eles subordinado. A apresentação Maranhão deve quatro meses de
do conflito principal da peça instaura aluguel à pensão onde mora; deve uma
também, no âmbito dramático, as rela- quantia a Eunápio; e deve ainda mil
ções sociais mais amplas do processo de reis a um tal Tomáz; o que, para os seus
dominação capitalista: padrões atuais, não é uma quantia irrisó-
ria. Durval, em uma das mais importan-
Benigno – Todo mundo quer o Saboeiro na
primeira divisão. tes cenas da peça, lembra o companheiro
da dívida e, como pressentindo alguma
Maranhão – Todo mundo menos eu... coisa, discute também o seu possível
[...] envolvimento com Benigno.
Durval – Um sujeito te procurou no campo.
Benigno – Todo mundo quer o Saboeiro, Que tu deve pra ele...
Maranha. Juro! Saboeiro dá mais renda...
Maranhão – Tomáz.
[...]
Durval – Isso. Tomáz. Muito dinheiro?
Benigno – A Federação não vai aceitar,
Maranha. Ouve... vai dizê assim: “o estádio Maranhão – Mil réis.
do Chapetuba é muito pequeno!”. “Num é,
não!”. “Tá bem”. Então, diz: a inscrição de Durval – Então o escândalo foi de fita! Eu
fulano de tal num corresponde... Vai des- sô como tu, nenê. Dinheiro é pra gastá. A
cobri qualqué coisa até enterrá teu time na gente sempre dá um jeito de se arrumá,
papelada suja. É. Dá vontade de contá tudo não é?

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Maranhão – Que jeito? que se estabelece fora das quatro linhas.
Ao colocar os dois goleiros – titular e
Durval – Tu já trabalhou com o Benigno?
reserva – se enfrentando ludicamente,
Maranhão – Vê lá. Nunca precisei disso. antecipa (ainda que somente o perce-
bamos ao final) uma estrutura que se
Durval – Eu já. Foi besteira que fiz, Ma-
constrói e se efetiva de acordo com inte-
ranhão. Tinha perna pra continuá sozinho.
Depois eles não querem largar, não é? resses específicos. Os dois personagens
(VIANNA FILHO, 1981, p. 116). são transformados em peças de um ta-
buleiro em que as verdadeiras mãos que
A engrenagem não visa apenas a
os manipulam não se revelam.
Maranhão, existe uma rede de corrupção
Maranhão não é o grande vilão da
atuando em torno da decisão do campeo-
peça; tampouco Bila pode ser considera-
nato: a federação tem interesses claros
do culpado pelo resultado que mantém
na vitória de Saboeiro – um estádio
Chapetuba na segunda divisão. Mara-
maior, maior renda; mais renda, maior
nhão e Bila são, cada um ao seu modo,
lucro – e se articula para se garantir. Nos
inocentes úteis, representando o papel
últimos minutos da partida, o árbitro
que lhes cabe nesse jogo impessoal da
marca um pênalti inexistente, que define
corrupção, no qual se manifesta a luta
o resultado. Benigno é apenas um testa
de classes em que, de um lado, temos os
de ferro; Maranhão, apenas uma peça
representantes populares trabalhadores
no tabuleiro, certamente a mais fraca,
e, do outro, o poder econômico repre-
um peão, mas que pode ser decisivo no
sentando a classe dominante. Nessa
xeque-mate. Todo o sistema está prote-
luta, travada no interior do sistema
gido e preparado.
capitalista, o trabalhador é mais uma
No início do segundo ato, Benigno faz
vez derrotado.
uma nova investida e dobra a oferta de
A dimensão humana que desenha os
dinheiro. É sua última participação na
personagens-pivôs é a mesma que se re-
peça e deixa para Maranhão a dúvida.
vela em cada um daqueles jogadores de
O goleiro não é forte o suficiente para
Chapetuba Futebol Clube. Seus persona-
resistir aos assédios e às pressões de
gens são seres humanos esmagados em
Benigno: simula uma contusão e não
seus sonhos, privados de experimentar a
participa do jogo.
vida em sua plenitude, pois sempre vai
A peça inicia-se com um jogo de da-
lhes faltar alguma coisa. Ainda que ten-
mas: Maranhão e Bila disputam uma
tem sonhar, a realidade se lhes apresenta
partida. Maranhão impõe ao goleiro re-
com toda sua aspereza, interrompendo o
serva um curé.7 Bila substitui Maranhão
momento lúdico no qual compartilham
no jogo. Chapetuba perde o campeonato.
frágeis esperanças. Cada um tem sua
Com esta cena de abertura, Vianninha
razão e seus medos, suas expectativas
apresenta o grande jogo da peça: aquele

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e seus mistérios. Todas as ações estão Considerações finais
plenamente justificadas pelo movimento
psicológico dos personagens e pela inte- O capitalismo esmaga todos, mas
gridade dramática da trama. Esse des- nenhuma palavra é dita contra o capi-
velo pelos personagens, cuidando de sua talismo: um dos méritos de Chapetuba é
humanidade, se converte em marca da o de não ceder ao panfletário e assumir
dramaturgia de Vianninha, que sempre uma denúncia escancarada ao suborno e à
permite as mais profundas contradições corrupção, preservando, assim, a autono-
e conflitos humanos às suas criaturas. mia da arte. Sua força dramática supera
Chapetuba definia por antecipação uma das qualquer vacilo nesse sentido: a ação se
vertentes da obra do autor, a mais significa- sustenta nos conflitos humanos e unica-
tiva, que escarafuncha as motivações profun-
das do ser humano, traçando uma radiografia
mente a eles deve o seu desenvolvimento.
solidária do calvário do indivíduo contempo- [Chapetuba...] carrega as preocupações
râneo, fiel aos valores éticos e pressionado por mais duradouras do autor, que considerava
um mundo esvaziado (ZANOTTO, 1981 apud importante a denúncia, mas que nunca se
PATRIOTA, 2007, p. 100). satisfez apenas em denunciar. Um autor
preocupado – mais do que qualquer outro
Mesmo a opção do Arena por uma esté- entre nós – com a origem das “falhas” que
tica realista/naturalista,8 o que acentuaria determinam os conflitos de seus persona-
o caráter nacional e popular das peças, não gens, uma galeria de torturados consigo
mesmos. Maranhão e Durval são apenas os
impediu Vianninha de desenvolver uma primeiros dessa galeria. Os dois chegam a
forma própria de diálogos, imprimindo- carregar um certo “segredo”, particularmen-
-lhes uma identidade formal que marcaria te Maranhão, no sentido de não revelarem
muito abertamente a razão de suas “falhas”.
toda sua dramaturgia. Segundo o autor, há Nem para si mesmos. Vianna quis dar-lhes
clara influência do modo de escrever do seu a inconsciência de suas limitações. Sabem
pai: “eu tenho impressão que a influência que falharam, sofrem por isso, mas não sa-
bem como resolver. Esse tipo de conflito me
é direta até no tipo de tratamento, no tipo
parece típico na obra do Vianna. Mais tarde,
de diálogo, um pouco sincopado, uma série em níveis mais profundos e diferenciados,
de coisas que o meu pai teve como carac- essa mesma necessidade de colocar o homem
terística” (VIANNA FILHO, 1960 apud diante de si mesmo, no espelho, vai aparecer
nas obras mais maduras. Uma característi-
PEIXOTO, 1983, p. 36-37). ca do homem preocupado profundamente
Não é, portanto, esse apuro formal com as dificuldades, com as limitações, com
determinante de um menor apreço pela os obstáculos que o homem brasileiro encon-
tra para levar a cabo com êxito a sua liberta-
humanidade de seus personagens: pres-
ção política e social (XAVIER, 1981, p. 85).
sionados pelas forças sociais, não perdem
sua natureza, como, tampouco, se esque- A realidade refletida e refratada nos
matizam para servir como instrumento seus personagens se materializa enquan-
de denúncia. to arte e, configurada dramaticamente,
revela-nos o seu próprio interior. Os
conflitos dos personagens, o suborno e

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a corrupção, agora dramatizados, estão l’art et la société, ayant dans le con-
subordinados à ação e a ela, exclusiva- ditionnement historique les bases de
la configuration artistique. Chapetu-
mente, devem o seu movimento, sem
ba investit dans le réalisme critique
se colocarem acima dos dramas vividos en tant qu’alternative esthétique et
pelos personagens enquanto discurso do formelle pour essayer de comprendre
autor contra o sistema em questão. un instant de profonds changements
sociaux, politiques et économiques
Participação na arte, para nós, exige em survenus dans la seconde moitié des
primeiro lugar a realização plena da obra
années 1950, caractérisés comme «dé-
de arte. Ou seja, as significações que ela
veloppementalisme national». Dans
pretende extrair do mundo, a mensagem
le jeu, le football est non seulement
que ela pretende deixar, deve estar resolvida
dentro de si mesma, a partir dos estímulos considéré comme passion corrompu
sensíveis que ela organiza. Não há que, em et manipulé par l’argent, bien que ce
nome da participação, baixar o nível artístico soit son thème: la discussion obtient
das obras de arte, diminuir sua capacidade un traitement spécial, à la fois politi-
de apreensão sensível do real, estreitar a ri- quement et idéologiquement, car il a
queza de emoções e significações que ela pode l’intention de discuter de défi contex-
emprestar (VIANNA FILHO, 1981, p. 13).9 te social les mécanismes de persua-
sion puissants et la coercition écono-
mique le système capitaliste dans no-
Représentations du capitalisme tre pays, à travers la discussion sur
la corruption et la corruption.
à Chapetuba Futebol Clube, de
Oduvaldo Vianna Filho
Mots-clés: Drame brésilien. Le théâtre
engajée. Oduvaldo Vianna Filho.
Résumé
Chapetuba Futebol Clube, la premiè-
re pièce de Oduvaldo Vianna Filho
Notas
– Vianninha – organisé par le Grupo 1
Fundado em 05 de abril de 1955.
de Teatro Arena, il se distingue par 2
Conjunto de técnicas específicas da construção
sa valeur dramaturgique et son im- dramatúrgica, como composição de cena, diálogos,
portance dans l’analyse de la réalité personagens, desenvolvimento da ação dramáti-
sociale brésilienne. Dans cet article, ca, etc. Como bem ressalta Pavis, “A escritura
contemporânea, especialmente a pós-dramática
nous essayons de surmonter la criti-
e pós-brechtiana, não mais obedece a uma série
que traditionnelle, qui ne voit que le de regras de composição” (PAVIS, 2011, p. 62-63).
binôme captation / corruption dans 3
Em entrevista a Alfredo Souto de Almeida,
le football reflète la société, pour Vianninha esclarece: “essa peça no Seminário
répondre aux configurations des mé- de Dramaturgia passou por quase sete versões”
canismes de l’oppression capitaliste (PEIXOTO, 1983, p. 39).
nommés par le dramaturge. En tant
4
Leitmotiv é o tema central da peça, que pode se
manifestar de diversas maneiras, por meio de
que méthode d’analyse, nous utilisons
gestos que se repetem, ou de temas ou de atitu-
la critique matérialiste et dialectique, des de personagens. No caso em questão, cabe
soutenue par les études de Lukács ressaltar que a discussão em torno do dinheiro
et Adorno, visant à établir la rela- é um traço marcante na obra de Vianninha. Vá-
tion de détermination mutuelle entre rias de suas peças – como, por exemplo, Bilbao

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via Copacabana; A mais-valia vai acabar, seu GUARNIERI, Gianfrancesco. Teatro de
Edgar; Corpo a corpo; Allegro desbum – terão Gianfrancesco Guarnieri 1. Rio de Janeiro:
o dinheiro como agente de grande destaque em Civilização Brasileira, 1978.
suas tramas.
5
Embora a ABNT estabeleça e as normas da FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. 9.
revista determinem que toda citação com me- ed. Trad. Leandro Konder. Rio de Janeiro:
nos de quatro linhas seja integrada ao corpo Zahar, 1983.
do texto, optamos por, no caso das citações de
diálogos da peça, colocarmos em recuo visando LUKÁCS, György. Marxismo e teoria da lite-
a manter as características específicas da lite- ratura. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
ratura dramatúrgica. MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e política: Arena,
6
Sempre que nos referirmos à peça e ao time de Oficina e Opinião – uma interpretação da
futebol, utilizaremos a grafia em itálico, Cha- cultura de esquerda. [São Paulo]: Proposta
petuba; para designar a cidade, utilizaremos Editorial, 1982.
Chapetuba, em grafia normal. Utilizaremos a
mesma diferenciação para Saboeiro (cidade) e PATRIOTA, Rosangela. A crítica de um teatro
Saboeiro (time). crítico. São Paulo: Perspectiva, 2007.
7
Em jogo de damas, significa deixar a pedra do
adversário sem possibilidade de saída. Equivale PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. 3. ed.
ao xeque-mate no xadrez. Trad. J. Guinsburg et al. São Paulo: Pers-
8
A opção por uma dramaturgia realista/natura- pectiva, 2011.
lista pode ser verificada nas duas peças – Eles
não usam black-tie e Chapetuba Futebol Clube PEIXOTO, Fernando (Sel., org. e notas).
– não só na temática, mas também na estrutura Vianinha – teatro, televisão, política. São
dramatúrgica: ambas são compostas em três Paulo: Brasiliense, 1983.
atos, com a utilização do tradicional desenvol-
VIANNA FILHO, Oduvaldo. Oduvaldo Vian-
vimento linear e cronológico da ação dramática
e da construção psicológica dos personagens. na Filho/1: teatro. Org. Yan Michalski. Rio
9
Marx e Engels já haviam alertado para o perigo de Janeiro: Edições Muro, 1981.
da instrumentalização da arte em detrimento WILLIAMS, Raymond. Marxismo e litera-
da qualidade artística e a utilização do engaja-
tura. Trad. Valtensir Dutra. Rio de Janeiro:
mento como desculpa: “Torna-se cada vez mais
um hábito, particularmente dos tipos inferiores
Zahar, 1979.
de literati, compensar a falta de inteligência XAVIER, Nelson. A necessidade de ser
de suas produções com alusões políticas que brasileiro. In: VIANNA FILHO, Oduvaldo.
certamente atraem a atenção. Poesia, roman- Oduvaldo Vianna Filho/1: teatro. Org. Yan
ces, críticas, drama, toda produção está cheia
Michalski. Rio de Janeiro: Edições Muro,
do que era chamado de tendência” (1851 apud
WILLIAMS, 1979, p. 198). 1981. p. 81-85.

Referências
ADORNO, Theodor W. Teoria estética. Trad.
Artur Morão. Lisboa: Edições 70, [197-?].
BRECHT, Bertolt. Teatro Dialético. Trad.
Luiz Carlos Maciel. Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 1967.
DIONYSOS N o. 24. Especial: Teatro de
Arena. Rio de Janeiro: MEC/DAC-Funarte/
SNT, 1978.

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