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CENA II - Meia-noite e meia. Final de baile no Clube Paranhos,
) Continuei ouvindo o programa, pois aquela mlisica me interes­
quase dentro do Morro do Alemão, perto da Penha. Espero a carona
) sava mais do que tudo que as discotecas da Zona Sul, ou as rádios
prometida pelo DJ Batata. Já no carro, aconteceu o imprevisto: um
que tentavam atingir um pdblico de Zona Sul, divulgavam. Um dia
) garoto do morro roubou o cigarro que Batata tinha dado para um
escutei o anúncio de um baile que a própria Tropical estava organi­
nxndigo conhecido por todos no baile. Batata reage: sai do carro e
) zando no clube do Sindicato dos Fumagciros, na Tijuca. Achei que a
onlena que o garoto devolva o cigarro. O garoto está com sua tunna
) de amigos, na entrada principal para o morro, sempre notícia nos oportunidade era imperdível. Recrutei um amigo e acabamos che­
gando cedo demais na festa, tanto que ganhamos brindes (cu, uma
\ jornais cariocas pelos constantes tiroteios entre gangues de ttafican­
camiseta; meu amigo, um disco do Menudo) reservados para os 50
tes. Um deles Jogo colocou a mão dentro da bennud�, como se fosse
tirar uma arma. Notando que a situação estava ficando perigosa, primeiros compradores de ingressos.
O baile era muito "exótico". Fui revistado ao passar pela ro­
') Batata disse que nossos amigos, no carro de trás, "estavam trepa­
leta que dava acesso ao ginásio de esporte, onde estava armado o
dos". Nunca tinha ouvido essa gíria, mas não demorei muito para
entender que trepado, nesse contexto, significava annado. Depois de imenso equipamento de som. Num palco improvisado ficavam dois

li) uma pequena discussão, o cigarro foi devolvido. No caminho de toca-discos e aJguns microfones. No comando da festa se reveza­
volta, até a Leopoldina, a conversa girava cm tomo de um único vam discotecários dos quais eu nunca tinha tido notícia. No campo
1) assunto: violência, violência e mais violência. Como sempre. Mais de fute!Jol de salão, convertido cm pista de dança, grupos de deze­
wna vez me perguntei: que é que eu estou fazendo aqui? Dava tudo nas de pessoas repetiam os mesmos passos, a mesma coreografia.
1 Nos momentos mais animados, todos os dançarinos entoavam refrões
para, num piscar de olhos, voltar para minha "tranqüila e segura"

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1, Zona Sul.
pornográficos. Não tinha sentido dançar da maneira que cu estava
) acostumado nas festas da Zona Sul. Tentei aprender os passos mais
'i simples e desisti. Não consegui me divertir muito, era apenas um es­
pectador. A mdsica que os discotecários estavam tocando era um
.)
funk mais antigo, que não me interessava tanto. Saí do baile um
) pouco frustrado, mas com o sentimento de missão cumprida.
Só voltei a outra festa funk um ano e meio depois dessa pri­
meira investida. Por engano. Fui à quadra da Escola de Samba Está­
cio de Sá levando um amigo americano que queria ver um show de
�ando entrei pela primeira vez num baile funk, cu não estava à
Martinho da Vila. Sabia que ia ter baile tam�m. mas nosso objetivo
procura de um objeto de estudo. Curiosidade? Nem tanto. Queria es­
principal era o show. Alam,c faJso. Só tinha o baile. Mas, dessa vez,
rutar boa música, participar de uma grande festa. Tinha ouvido falar
era a festa que eu esperava. Os discotecários tocavam os llltimos
dos bailes quando parei na Tropical FM, que na época transmitia um 1
lançamentos do hip hop. Só dava funk eletrônico na terra do samba. '
programa diário de funk, sempre às 10h da noite. Nos intervalos en­
As coreografias na pista de dança eram mais empolgantes. O samba ;
tre os módulos de música, o locutor anunciava dezenas de festas que
( seriam realizadas nos próximos fins de semana. Não sabia onde fi­
cavam aqueles endereços, aqueles clubes, aqueles bairros. O Rio,
não fez falta. E eu não me incomodava mais de ser s6 espectador de
uma festa que não era minha.
Semanas depois escrevi um pequeno artigo para o Jornal do
para mim, se limitava à Zona Sul, Centro, Tijuca, Quinta da Boa
Vista, locais de estudo ou "escapadas" ocasionais. Não sabia
Brasil falando da mdsica negra internacional e sua influência no
carnaval de Salvador e nos subúrbios cariocas. Era a primeira vez,
nem como me locomover no Méier, muito menos em Bangu ou Pen­
depois que os jornais fizeram alarde em tomo do fenômeno Black
dotiba.
Rio, em 1976, que alguém escrevia na imprensa sobre essas numero-

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