Você está na página 1de 30

Azevedo Netto, C. X; van Havre, G. (Org.

De Ingá à Arqueologia
Inclusiva: Novas Linguagens
Volume II
Arqueologia e Humanidades
Digitais

NDIHR - UFPB
João Pessoa - 2021
Azevedo Netto, C. X; van Havre, G. (Org.)

De Ingá à Arqueologia
Inclusiva: Novas Linguagens
Volume II
Arqueologia e Humanidades
Digitais

NDIHR - UFPB
João Pessoa - 2021
A994d De Ingá a Arqueologia inclusiva: novas linguagens volume 2 /
Carlos Xavier de Azevedo Netto, Grégoire van Havre
(Organizadores). – João Pessoa: Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional da Universidade Federal da
Paraíba, 2021.
218 p. ; 2 v. : il.
Conteúdo: v. 2. Arqueologia e Humanidades Digitais.
ISBN 978-65-00-26743-3 (v. 2).

1. Arqueologia do Nordeste. 2. Arqueologia Digital.


3. Humanidades Digitais. I. Azevedo Netto, Carlos Xavier de. II. van
Havre, Grégoire. III. Título.

CDU 902
Organização
Carlos Xavier de Azevedo Netto (UFPB)
Grégoire van Havre (UFPI)
Comissão cientı́fica
Grégoire van Havre (UFPI)
Leandro Surya (UNIVASF)
Danielle Samia Gomes (UFPI)
Conselho editorial
Carlos Alberto Etchevarne (UFBA)
Danielle Samia Gomes (UFPI)
Fabiana Comerlato (UFRB)
Grégoire van Havre (UFPI)
Igor Morais Mariano Rodrigues (USP)
Leandro Surya (UNIVASF)
Maria do Amparo Alves de Carvalho (UFPI)
Mariana Zanchetta Otaviano (UFPE)
Mônica Almeida Araújo Nogueira (IPHAN)
Sergio Francisco Serafim Monteiro da Silva (UFPE)
Suely Gleyde Amancio Martinelli (UFS)
Viviane Maria Cavalcanti de Castro (UFPE)

Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional


Universidade Federal da Paraı́ba
Lista de
ilustrações

Figura 1 – Tirinha do Spacca . . . . . . . . . . . . 22


Figura 2 – A orbe da Comunicação Visual . . . . . 29
Figura 3 – Modelo simplificado de transmissão de
informação cartográfica . . . . . . . . . 31
Figura 4 – Localização de sı́tios arqueológicos no
Estado de Alagoas . . . . . . . . . . . . 36
Figura 5 – Localização de sı́tios arqueológicos no
Estado do Piauı́ . . . . . . . . . . . . . 38
Figura 6 – Localização de sı́tios arqueológicos no
litoral do Estado do Piauı́ . . . . . . . . 41
Figura 7 – Classificação dos modelos geográficos . . 66
Figura 8 – Guia classificatório dos modelos em Sis-
temas de Informações Geográficas . . . 68
Figura 9 – 61 pontos notáveis encontrados . . . . . 90
Figura 10 – Localização de Aruazes e Caatinguinha 92
Figura 11 – Destaque da Vila da Mocha . . . . . . . 93
Figura 12 – Mapas históricos mostrando a localização
de Oeiras . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Figura 13 – Mapa georreferenciado . . . . . . . . . . 100
Figura 14 – Localização da área de estudo . . . . . . 106
Figura 15 – Índice de Vegetação de Diferença Nor-
malizada – NDVI . . . . . . . . . . . . . 109
Figura 16 – Mapa de declividade . . . . . . . . . . . 110
Figura 17 – Mapa Geomorfológico . . . . . . . . . . 111
Figura 18 – Primeiro agrupamento . . . . . . . . . . 113
Figura 19 – Mapeamento final das unidades de pai-
sagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
Figura 20 – Relação dos elementos que compõem o
processo de engenharia reversa . . . . . 125
Figura 21 – Resistivı́metro e Eletrodos . . . . . . . . 128
Figura 22 – Abertura dos Cortes Testes . . . . . . . 130
Figura 23 – Construção dos cortes-teste . . . . . . . 131
Figura 24 – Croqui dos cortes-teste 01 e 02 . . . . . 135
Figura 25 – Modelo tridimensional interativo . . . . 145
Figura 26 – Modelo Digital de Superfı́cie . . . . . . 150
Figura 27 – Modelo Digital de Terreno . . . . . . . . 151
Figura 28 – Ortomosáico . . . . . . . . . . . . . . . 152
Figura 29 – Mapa de Declividade . . . . . . . . . . . 153
Figura 30 – Mapa de Orientação das vertentes . . . 154
Figura 31 – Mapa de Direção de Fluxos . . . . . . . 155
Figura 32 – Mapa de Fluxos Canalizados . . . . . . 156
Figura 33 – Ortomosaico com os Fluxos Canalizados 157
Figura 34 – Detalhe dos fluxos canalizados que in-
terferem no pacote deposicional . . . . . 161
Figura 35 – Visualizações de todos os episódios . . . 169
Figura 36 – Análise das visualizações por tipo de
dispositivo . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 37 – Visualização por tempo de exibição em
cada dispositivo . . . . . . . . . . . . . 171
Figura 38 – Relação do sexo dos expectadores . . . 172
Figura 39 – Idade dos espectadores . . . . . . . . . . 174
Figura 40 – Relação taxa de clique x impressões . . 175
Lista de tabelas

Tabela 1 – Nomenclatura utilizada . . . . . . . . . 88


Tabela 2 – Teste de erro médio . . . . . . . . . . . 89
Tabela 3 – Topônimos das oito localidades . . . . . 95
Tabela 4 – Distância sedes municipais para seus
respectivos locais no mapa de Galúcio . 95
Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Leandro Surya — Danielle Samia Gomes — Grégoire van
Havre
1 Usuários Intuitı́vos . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Danielle Samia Gomes
2 Modelos Preditivos Espaciais . . . . . . . . . . 46
Grégoire van Havre — Kleython de Araujo Monteiro —
Rute Ferreira Barbosa

3 Cartografia Histórica Aplicada à Prospecção


Arqueológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Yan Dias Ferreira — Ângelo Alves Côrrea — Danielle Samia
Gomes — Grégoire van Havre

4 Unidades de Paisagem em Área de Sı́tios Ar-


queológicos no Municı́pio de Mata Grande, Ala-
goas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Laı́s Susana de Souza Gois — João Paulo da Hora Nasci-
mento — Kleython de Araújo Monteiro

5 Arqueologia Reversa . . . . . . . . . . . . . . . 120


Leandro Surya — João Vitor da Silva Santos — Iara Ribeiro
Barros

6 Formação do Sı́tio Arqueológico Pedra do Ale-


xandre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
Pétala Quaresma Zeferino Nascimento — Demétrio da Silva
Mutzenberg

7 Divulgando a Arqueologia em Meio a Pandemia162


Daniele Liberato — Lucas Bonald

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
Autoras e Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
Apresentação

Leandro Surya
Danielle Samia Gomes
Grégoire van Havre
8

Desenvolver um simpósio totalmente remoto sobre


as relações entre o fazer arqueológico e as tecnologias
digitais é um motivo para ficar feliz1 . O motivo, no
entanto, o isolamento social num momento trágico de
pandemia global, no qual perdemos amigos e pessoas
queridas por todo o mundo, não pode ser esquecido.
As Humanidades nos levam também, necessariamente,
ao questionamento sobre o nosso papel de pesquisa-
dores na atualidade.
Este foi o elemento principal, o vetor das ações,
que transformou este simpósio num momento acolhe-
dor, algo que verdadeiramente faz diminuir, mesmo
que por alguns instantes, toda a distância fı́sica. Du-
rante as apresentações, através das discussões e dos
comentários descontraı́dos, perdemos de vista a tela
do computador, não sentimos a frieza do contato re-
moto. Nos aproximamos de outras pessoas que, tão
dedicadamente, aceitaram arriscar e experimentaram
algo relativamente novo para o mundo acadêmico.
Não podemos deixar de lado a importância de
realizar um simpósio sobre tecnologias digitais na
Arqueologia do Nordeste 2 . Historicamente, a região
é tratada como um fundo de quintal, na retaguarda
do Brasil. A população nordestina é constantemente
discriminada e suas capacidades postas em questão.
Ainda no século XXI ouvimos comentários raciais,
1 Os arquivos do evento estão disponı́veis em: hhttps://sabne2020.
hcommons.orgi.
2 Simpósio temático realizado em 3 de dezembro de 2020. Disponı́vel
em: hhttps://www.youtube.com/watch?v=369HkzSI-sQi.
9

ambientais ou econômicos, perpetuando relações de


poder coloniais.
Pelo seu conteúdo e pelo nı́vel das discussões, a
organização do simpósio demonstrou fatual e materi-
almente o contrário, durante as mais de quatro horas
on-line do evento. Com o empoderamento social das
tecnologias, permitiu assim que novas propostas não
sejam simples reproduções daquilo que foi desenvol-
vido em outro lugar. Neste sentido, uma Arqueologia
verdadeiramente decolonial significa também um livre
domı́nio sobre as ferramentas, conceituais e práticas,
que possam ser utilizadas por e para a própria po-
pulação.
Geifance Abreu Santos iniciou as apresentações
com o “Mapeamento dos Sı́tios Tupi do Maranhão”
(SANTOS; CORRÊA, 2020), uma proposta de espa-
cializar as ocupações de populações tupi nesta parte
do então Estado do Maranhão-Grão-Pará, e as suas
relações com o presente.
As duas falas de Yan Dias Ferreira, “O Georreferen-
ciamento Absoluto Aplicado ao Piauı́ Colonial” (FER-
REIRA; CORRÊA; VAN HAVRE, 2020) e “Carto-
grafia Histórica Aplicada à Prospecção Arqueológica”
(FERREIRA; CORRÊA; SAMIA, 2020), continua-
ram a questão da espacialidade no perı́odo colonial.
Discutiu assim as relações entre Cartografia histórica
e Prospecção arqueológica. Apresentou as diferenças
entre os métodos relativo e absoluto de georreferen-
ciamento, que podem ser aplicados em documentos
10

cartográficos produzidos no passado, com resultados


diferentes.
Kleython de Araújo Monteiro apresentou “Mo-
delos Preditivos Espaciais: Arqueologia e Geografia
em Perspectiva” (VAN HAVRE; MONTEIRO; BAR-
BOSA, 2020) na interface entre duas Ciências que
seguiram trajetórias paralelas com a introdução da in-
formática e da teoria dos sistemas. Discutiu os funda-
mentos teóricos permitem interpretar unidades da pai-
sagem e questionar as suas relações com as ocupações
humanas. Mostrou como a modelagem parte do enten-
dimento do contexto como um fenômeno complexo,
e quais algoritmos, necessariamente simplificadores,
foram geralmente utilizados na literatura.
Lucas Bonald Pedrosa de Souza continuou com
“Modelo Preditivo Baseado em Algoritmos de Clas-
sificação: Uma Primeira Aplicação para Sı́tios com
Grafismos Rupestres da Região da Serra Vermelha,
Flores – PE” (SOUZA; MUTZENBERG, 2020). Nesta
apresentação, buscou compreender a relação espacial
entre sı́tios com grafismos rupestres, com a introdução
da inteligência artificial. Para isso, aplicou um algo-
ritmo de florestas aleatórias e de rede neural artificial.
Lais Suzana de Souza Gois aprofundou ainda a
questão com “Unidades de Paisagem em Área de Sı́tios
Arqueológicos no Municı́pio de Mata Grande, Alagoas”
(GOIS; NASCIMENTO; MONTEIRO, 2020) no qual
o modelo de unidades da paisagem foi debatido em
relação à padrões espaciais, arranjos espaciais adja-
5
Arqueologia
Reversa:
Experimento em
Resistividade
Elétrica no Clima
Semiárido

Leandro Surya
João Vitor da Silva Santos
Iara Ribeiro Barros
121

Introdução

Desde o inı́cio da Arqueologia, muitos métodos e


técnicas foram desenvolvidos para oferecer mais pra-
ticidade ao entendimento dos materiais contidos em-
baixo da terra. Todavia, para a compreensão de subsu-
perfı́cie, o único método desde então, era a escavação
arqueológica, caracterizada por ser invasiva e destru-
tiva. Para se visualizar e compreender a subsuperfı́cie
do sı́tio, os arqueólogos poderiam apenas escavar,
destruir para encontrar artefatos do passado (LEROI-
GOURHAN, 1984). A partir de uma perspectiva mais
próxima das noções de conservação com a mı́nima
intervenção (RODGERS, 2004), surgiu a necessidade
de buscar outros métodos não invasivos que pudessem
diminuir a destruição ou direcioná-la.
O uso de prospecções geofı́sicas permite delimi-
tar, descrever e estruturar imagens de evidências ar-
queológicas numa perspectiva não destrutiva. São
métodos de sensoriamento remoto, que auxiliam pro-
jetos em diferentes formas: ampliar as áreas a serem
estudadas nos sı́tios, ou potencializar as possibilidades
de compreensão, para além de artefatos e outros res-
tos. E, por outro lado, auxilia os arqueólogos com in-
formações prévias que permitem aperfeiçoar recursos
e aumentar a efetividade das escavações (SALA; GAR-
CIA; TAMBA, 2012; GATER; GAFFNEY, 2003).
Os métodos geofı́sicos têm sido desenvolvidos desde
o final do século XIX. Seu uso pioneiro na Arqueolo-
122

gia ocorreu com Pitt Rivers (1827-1900), que utilizou


uma forma incipiante de sensoriamento remoto em
1883 na cidade de Dotse, no Reino Unido. Clarke
(1990) descreve que o tenente-coronel Augustus Pitt
Rivers bateu no chão com uma picareta, para iden-
tificar uma vala a partir da variação do som. Esse
fato ficou conhecido como a primeira aplicação da
Geofı́sica na arqueologia. Em 1956, ainda no Reino
Unido, surgiu o primeiro equipamento especı́fico para
trabalhos arqueológicos: o “medidor de resistividade
Martin-Clark” foi usado na cidade romana de Cunetio
por Martin Aitken e Edward Hall, do Laboratório de
Pesquisa para a História da Arte e Arqueologia da
Universidade de Oxford (CLARKE, 1990).
Desde então, os trabalhos de geofı́sica se espalha-
ram pelo mundo. Foram introduzidos na Arqueologia
brasileira no ano de 1977 por Alves (1979), que re-
alizou trabalhos na Amazônia, com resultados exce-
lentes na ilha de Marajó. No Sı́tio Teso dos Bichos,
foram encontrados objetos arqueológicos constituı́dos
por vasilhas, fragmentos cerâmicos e urnas funerárias
elaborados com argila com base em métodos de levan-
tamento de medidas magnéticas e de resistividade. A
partir daı́, os métodos geofı́sicos começaram a ser mais
amplamente utilizados, principalmente na Amazônia
(FIGUTI; MENDONÇA; BLASIS, 2000; FIGUTI;
MENDONÇA, 2001) e em sambaquis no sul do paı́s
(BRITO-SCHIMMEL et al., 2002). Na Região do
semiárido brasileiro, ainda carecem as pesquisas en-
123

volvendo a Arqueologia e os métodos de sensoriamento


remoto como o magnetômetro e o resistivı́metro.
Esta pesquisa foi inspirada nos princı́pios da En-
genharia Reversa, uma área das Engenharias que
tem como objetivo, compreender o funcionamento de
dispositivos, reconstruı́-los, corrigi-los e duplicá-los.
De forma prática, a Engenharia Reversa busca “des-
montar” máquinas, softwares ou ideias no intuito de
replicar os processos pelos quais foram criadas. Neste
sentido, o fluxo de trabalho é invertido: parte-se do
produto final e por meio de uma metodologia própria,
sua essência e seus princı́pios são identificados. Não
se trata de copiar; em determinadas circunstâncias,
replicar um produto pode ser necessário para analisar
seus processos, suas ideias e consequências.
Assumimos, a partir de então, o método geofı́sico
da resistividade elétrica como nosso objeto de estudo
e buscamos na Engenharia Reversa um caminho para
estudar o método, as técnicas e os arranjos envolvidos.
Utilizamos uma analogia - Arqueologia Reversa. Este
conceito foi anteriormente proposto (CORRÊA, 2014;
CORRÊA, 2017) num sentido de:
buscar meios que permitam
a construção de cronologias
que gradativamente recuem no
tempo, consorciadas com estu-
dos tecnológicos no que pode-
mos chamar de uma Arqueolo-
gia Reversa. Para que isto seja
possı́vel, dados cronológicos or-
ganizados são de fundamental
importância. Apesar de sim-
124

ples em conceituação, a Ar-


queologia Reversa exige muita
dedicação dos pesquisadores e
longos anos para render frutos.
No entanto, é uma forma sis-
temática e produtiva para esta-
belecer uma arqueologia como
história de longa duração das
populações indı́genas, permi-
tindo a arqueologia cumprir
um papel social frente às co-
munidades, ao mesmo tempo
em que esclarece problemas
fundamentais na compreensão
dos processos de formação e
ocupação do espaço pelos po-
vos indı́genas ao longo do
tempo (CORRÊA, 2017, 402).

No caso desta pesquisa o intuito foi de expressar


o desejo de inserir na pesquisa os mesmos elemen-
tos conceituais da Engenharia Reversa (Figura 20),
listados a seguir:

1. Nı́vel de abstração, o estudo do fenômeno a


partir de camadas ou nı́veis de abstrações, que
tornam as informações mais compreensı́veis;

2. Completitude do processo, forma com a qual os


detalhes são fornecidos a cada nı́vel de abstração;

3. Interatividade, nas engenharias a interatividade,


o grau de participação do ser humano em cada
processo (em nosso caso, a interatividade deverá
aumentar conforme cada nı́vel de abstração); e
125

4. Direcionalidade, o sentido das informações no


processo estudado (único, indica que a in-
formação extraı́da é utilizada nas atividades
de manutenção; duplo, ou contrário, indica que
a informação será utilizada para potencializar
possı́veis reformulações, adequações, melhorias).

Figura 20 – Relação dos elementos que compõem o pro-


cesso de engenharia reversa. Adaptado de
Braga (2006)

A ideia, portanto, foi de inverter o fluxo de traba-


lho tradicional de uma pesquisa envolvendo arqueo-
logia e geofı́sica. Ao invés de aplicarmos os métodos
e técnicas em um sı́tio arqueológico, para depois in-
vestigarmos os seus conteúdos, optamos por construir
um experimento simulando um sı́tio. Partimos então
de um espaço no qual conhecemos todos os elementos
identificáveis, artefatos, contextos, sedimentos e suas
concentrações no plano espacial. Este experimento nos
permitiu investigar o método da eletrorresistividade
126

de forma detalhada, isto é, repetindo a exaustão di-


versos testes e estabelecer uma maneira mais próxima
para nós arqueólogos.
No primeiro nı́vel de abstração, investigamos o
método de eletrorresistividade de forma panorâmica.
Pode ser expresso em questões do tipo: o que é? Para
que serve? Como a completitude é baixa, uma breve
descrição é suficiente para responder. A eletrorresis-
tividade funciona a partir da injeção de uma cor-
rente elétrica no solo, que é depois utilizada para
a caracterização geológica, a determinação de estra-
tos geológicos e o mapeamento de plumas de conta-
minação orgânica (BORGES, 2007). O pesquisador
“injeta” uma carga de energia no terreno (utilizando
baterias ou outros portadores de energia), criando
campos elétricos artificiais que permitem deduzir ca-
racterı́sticas geológicas ou minerais do subsolo. São
empregadas tanto a corrente contı́nua quanto a cor-
rente alternada. É um método de baixo custo. O prin-
cipal problema encontrado neste método é quando se
injeta a corrente no solo, ao passar através dos materi-
ais a dimensão varia, e a diferença do meio que engloba
o solo, rochas intercaladas e o nı́vel freático influência
a rocha subjacente. Podendo gerar distorções e fal-
sas interpretações. O principal problema encontrado
neste método é quando se injeta a corrente elétrica
no solo, a partir do resistivı́metro, a dimensão desta
corrente varia devido a diferentes fatores que nem
sempre são fáceis de se identificar. Por exemplo, a di-
127

ferença formada entre aos valores da corrente elétrica


que em seu trajeto é alterada por varios tipos de ma-
teriais (sedimentos e rochas) e seus tamanhos (seixos,
calhaus, matacões), umidade do solo, compactação,
entre outros pode sofrer distorções induzindo a falsas
interpretações. O sistema de medida é disposto da
seguinte forma: são quatro eletrodos (varas com boa
condutividade elétrica feitas em cobre, alumı́nio ou o
condutor da preferência do pesquisador, desde que ele
conduza energia), dois usados para enviar corrente
elétrica (I) ao solo (eletrodos A e B), e os outros dois
(M e N) que medem a diferença de potencial (V) entre
eles (BORGES, 2007). Esse sistema é conectado a
um aparelho chamado resistivı́metro, representado na
Figura 21, que é responsável pela injeção de energia
no solo e leitura das variáveis.
No segundo nı́vel de abstração, começamos nosso
experimento construindo dois cortes-teste que funcio-
naram como um sı́tio arqueológico simulado. Foi es-
perado que pudéssemos manter o controle em relação
aos conteúdos e suas proveniências espaciais (eixos x,y
e z). A completude aumentou, assim como a interati-
vidade, e a direcionalidade foi invertida. A construção
dos cortes-teste foi feita no sentido contrário ao pro-
cesso natural: removemos os sedimentos, colocamos
os vestı́gios, e depois recolocamos os sedimentos no-
vamente.
O terceiro nı́vel de abstração envolveu a escolha
dos materiais a serem enterrados nos cortes-teste. Na
128

Figura 21 – Resistivı́metro e Eletrodos. Neste modelo de


resistivı́metro dois multı́metros (com três ca-
sas decimais de precisão) são utilizados para
visualizar os dados. Na figura da esquerda tem-
se um exemplo dos eletrodos fincados na terra
e conectados ao resistivı́metro

literatura sobre eletrorresistividade, já é conhecida


a resistência elétrica de diversos tipos de materiais
como metais preciosos, água, minerais de interesse co-
mercial ou rochas. No caso da Arqueologia, não existe
uma tabela de referência indicando a resistência de
materiais arqueológicos. Portanto, precisamos identi-
ficar, para cada um dos materiais escolhidos, qual o
valor médio de sua resistência elétrica. Buscamos sele-
cionar materiais que são mais geralmente encontrados
nos sı́tios; separamos amostras de cerâmica variada,
como telhas e potes, materiais orgânicos como ossos,
129

fibras vegetais e carvões, além de rochas variadas. A


completude aumentou novamente porque cada tipo de
material representa um conjunto próprio em relação
às variáveis estudadas e às dinâmicas do solo.
No quarto nı́vel de abstração, estão as relações
espaciais dentro de cada um dos cortes-teste. Bus-
camos entender o comportamento dos materiais em
duas situações: em amostras isoladas e em amostras
sobrepostas. O problema a ser respondido é: as sobre-
posições causam leituras diferenciadas nos mesmos
tipos de amostras? Ou seja, o volume é uma variável
relevante? Existe um tamanho mı́nimo de amostra
para ser detectado pelo método?
O quinto nı́vel de abstração envolveu a escolha
do método de caminhamento da eletrorresistividade.
Levamos em conta a literatura estudada e diferentes
testes efetuados em campo. A pergunta condutora foi
sobre o tipo de caminhamento mais adequado para
a pesquisa arqueológica. Qual tipo de caminhamento
poderia ler amostras pequenas em pouca profundi-
dade?
O sexto nı́vel de abstração relaciona o tratamento
dos dados coletados em campo e o seu processamento
computacional. Poderı́amos desenvolver os códigos
em linguagem R para o tratamento dos dados? Em
que medida a interação e a automação no processo
computacional poderiam ser relacionados?
130

Resultados e Discussão

A construção dos cortes-teste representou um grande


desafio por envolver um grande volume de sedimento.
O Corte-Teste 01 possui 23 metros de comprimento
x 1 metro de largura, e o Corte-Teste 02, 17 me-
tros de comprimento x 1 metro de largura. Ambos
tiveram aproximadamente dois metros de profundi-
dade. O sedimento original da área é composto por
uma cascalheira originaria das movimentações do rio
Piauı́ no passado. A área atual faz parte do vale do
mesmo rio, no qual esta implantado o Campus da
Universidade Federal do Vale do São Francisco. Para
facilitar o experimento, optamos por substituir o sedi-
mento original, após o posicionamento das amostras
dos diversos materiais, por areia fina. Na Figura 22,
podemos ver o processo de abertura dos cortes-teste
com o auxı́lio de uma retroescavadeira.

Figura 22 – Abertura dos Cortes Testes. (a) Retroescava-


deira em ação e (b) Cortes-teste finalizados

Os materiais das amostras foram pesados e fo-


131

tografados antes de serem posicionados dentro dos


cortes-teste. Em seguida, colocamos porções de areia
e determinamos diferentes profundidades em relação
a superfı́cie. O material ósseo foi composto de restos
de ossos bovinos adquiridos em açougues da região.
As telhas e potes cerâmicos foram doações dos parti-
cipantes do projeto. Fizemos também uma fogueira,
da qual recolhemos os carvões, no interior do Corte-
Teste 01. A Figura 23 apresenta parte do processo
de distribuição das amostras. Todos os materiais fo-
ram plotados com teodolito e registrados em desenho
técnico.
Figura 23 – Construção dos cortes-teste, (a) Exemplo das
amostras e (b) Disposição das mesmas no
corte-teste 01

O passo seguinte consistiu na montagem e treina-


mento com o resistivı́metro, e na coleta dos dados
132

de cada corte-teste, para observar os resultados e


avaliar assim os eventuais erros e acertos. Nessa fase
do projeto, realizamos repetidas montagens e cole-
tas de dados experimentais, buscando aperfeiçoar o
método aplicado. Portanto, as leituras foram reali-
zadas durante e após cada etapa do processo, o que
permitiu identificar erros nas medições. A partir dessa
observação, se tornou necessário repetir as medidas
até a exaustão na busca da aplicação técnica correta.
De certa forma, o uso do resistivı́metro pareceu um
pouco com o processo de medição com equipamen-
tos topográficos, dada as proporções. Em ambos os
casos, é preciso concentração e persistência, além de
disposição para rever, a todo instante, possı́veis erros.
Neste momento de testes, aproveitamos e praticamos
diferentes tipos de arranjos dos quais a utilização do
dipolo-dipolo mostrou-se mais eficiente. De acordo
com Gallas (2000) a grande vantagem da utilização
deste arranjo “é o fato de se tratar de um arranjo
simétrico, sendo mais fácil a interpretação de uma
pseudo-seção, principalmente para se determinar com
segurança a posição de uma anomalia”.
Assim que aperfeiçoamos a prática do caminha-
mento lateral dipolo-dipolo, realizamos atividades de
campo para coleta efetiva de dados. Obtivemos uma
série de leituras de resistividade, todas devidamente
registradas. Durante essa fase do projeto, produzi-
mos um formulário eletrônico, que organiza a coleta
e registro dos dados. A planilha do Corte-Teste 02
133

possui 380 leituras de medidas com um espaçamento


entre os eletrodos de 0,5 metro. Uma menor distância
entre os eletrodos nos permitiu concentrar os pontos
de estudo mais próximos a superfı́cie. Quanto maior
o distanciamento entre AB e MN, mais profundo é o
alcance da leitura. Com o exemplo em trabalhos de
hidrologia, utilizam-se distâncias de 50 a 100 metros
entre os eletrodos.
No que diz respeito ao caminhamento, a dificul-
dade se encontra na falta de informação prática na
literatura. As informações existentes são de caráter
teórico, e pouco falam sobre a aplicação do método
ou mesmo sobre a técnica de campo. No que concerne
à condutividade do solo, percebemos que o solo árido
tem uma maior resistência a condutividade. Percebe-
mos que, ao molharmos o sedimento, a condutividade
aumenta, e os resultados são melhores. Para isto, co-
locamos em cada um dos eletrôdos um pouco de água
em sua base fincada no chão, não foram medidas as
porções, mas algo em torno de 200ml por eletrôdo. Ou-
tro fator que levamos em conta foi fazermos leituras
no dia seguinte as primeiras chuvas após a estiagem
dos meses secos no semiárido.
A Figura 24 apresenta os croquis dos Cortes-
Teste 01 e 02, com todos os conteúdos e amostras
distribuı́das espacialmente. Através dos croquis, é
possı́vel ter uma noção da escala dos experimentos.
Tentamos nos aproximar da realidade em termos de
área de um verdadeiro sı́tio arqueológico. A simulação
134

em Arqueologia possui, como caracterı́stica positiva, a


criação de situações ideais para contextos, sequências
e relações esperadas de serem encontrados em es-
cavações, no dia a dia do profissional.

Considerações finais

O uso dos métodos geofı́sicos, enquanto processos


aplicáveis a Arqueologia, despontam como área de es-
tudo que requer o investimento de esforços. A criação
de Corte-Testes representa uma pequena parcela de
investimento desses esforços para a identificação de ar-
tefatos e de vestı́gios arqueológicos através de técnicas
menos invasivas.
Futuros investimentos envolvem o desenvolvimento
de técnicas computacionais para tratamento dos dados
coletados, e geração dos modelos de inversão reais.
Já estamos trabalhando nos scripts em linguagem
R para o tratamento matemáticos automatizados, a
aplicação das fórmulas e a interpolação dos dados.
Quando estes modelos forem melhor desenvolvidos,
poderemos fazer novos testes em sı́tios arqueológicos,
e colaborar no planejamento, organização e execução
de processos de escavação.
135

Figura 24 – Croqui dos cortes-teste 01 e 02

Você também pode gostar