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Rio de Janeiro
2020
C2020ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitida a transcrição parcial de textos do
trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
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de responsabilidade do autor e não
expressam qualquer orientação
institucional da ESG
_________________________________
MARGARETE ROCHA
“O que voltou a ser sem nunca deixar de ter sido”: o julgamento do militar
das Forças Armadas por crime doloso contra a vida de civil no contexto de
ações militares constitucionalmente delegadas / Margarete Rocha. - Rio
de Janeiro: ESG, 2020.
71 f.
CDD – 343.8101
1 INTRODUÇÃO................................................................................................10
6 CONCLUSÃO..................................................................................................61
REFERÊNCIAS...............................................................................................69
1 INTRODUÇÃO
1 Divisão não só administrativa, mas, também, de Jurisdição – extensão territorial em que atua um juiz,
se compara a Comarca da Justiça Comum.
2 Terminologia modificada pela Lei nº 13.774/18, de 19.12.2018, na Lei de Organização da Justiça
titulada “dos tribunais e juízes militares”, estabelece como órgãos da JMU, o Superior
Tribunal Militar e os tribunais e juízes militares instituídos por lei.
Neste ponto é importante ressaltar que a Justiça Militar a que se referem os
artigos 122 a 124 da CF/88, bem assim o objeto do presente trabalho, é a JMU, a
qual compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, relativamente às
Forças Armadas, pelo que se entende, inclusive, que seria salutar houvesse esta
denominação na Carta Magna. E, ainda à guisa de esclarecimento, o § 3º do artigo
125, que trata dos Tribunais e Juízes do Estado, estabelece que “A lei estadual
poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual...” e,
no § 4º, “compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados,
nos crimes militares definidos em lei...”, neste caso, os militares são, precisamente,
os policias militares e bombeiros militares.
Cumpre iluminar que a expressão registrada pelo constituinte no inciso II, do
artigo 122, quando se refere a “juízes militares”, resta equivocada, posto que, o que
pretendeu o legislador foi referir-se aos “juízes-auditores”, do modo como o fez no
inciso II do artigo 123, designação esta que, por sua vez, restou alterada, em 2018,
como se verá mais adiante.
A lei que dispõe sobre a organização, o funcionamento e competência da JMU,
conforme o parágrafo único do artigo 124, é a Lei nº 8.457/92, conhecida como
LOJMU. O repertório legal inicia-se com a estrutura da JMU, dispondo:
Cada Auditoria tem dois juízes, um Juiz Federal da Justiça Militar - chamado
comumente de Juiz Titular - e um Juiz Federal Substituto da Justiça Militar, pelos quais
são divididos, igualmente, todos os feitos aforados na Auditoria, que podem, ou não,
tornar-se um processo. Estes juízes ingressam na magistratura por meio de concurso
público de provas e títulos e detém o conhecimento técnico-jurídico.
Os processos são julgados pelo Conselho de Justiça, que é um escabinato
composto por cinco membros, sendo um juiz civil - retro referidos - e quatro militares,
dos quais não se exige conhecimento jurídico, posto que a função destes é contribuir
com a experiência da caserna e das atividades militares. Os Conselhos, conforme o
artigo 16 da LOJMU, são de duas espécies : o Conselho Especial de Justiça (CEJ),
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que é composto por um juiz civil e quatro oficiais mais antigos que o acusado para
processar e julgar os oficiais, exceto oficiais-generais – e o Conselho Permanente de
Justiça (CPJ), composto por um juiz civil e quatro oficiais superiores para processar
e julgar praças.
O Conselho permanente de Justiça é instituído e dissolvido trimestralmente. A
cada três meses os oficiais são sorteados, pelo Juízo de cada Auditoria, dentre os
militares em serviço ativo, incluídos em uma relação encaminhada pelos comandos
da Marinha, Exército e Aeronáutica para a formação do Conselho respectivo de cada
Força e atuam somente nas audiências e julgamentos que ocorrerem no trimestre,
tudo na forma dos artigos 19, 21 e 24 da LOJMU
O Conselho especial de justiça é constituído para cada processo, existindo
enquanto perdurar o feito, nos termos dos artigos 20 e 23 da LOJMU.
Os Conselhos atuam nas audiências, julgamentos e tem competência para as
decisões estabelecidas no artigo 28 da LOJMU, sendo os demais atos processuais de
competência monocrática do juiz civil, a quem cabe, também monocraticamente, o
processamento e julgamento dos réus civis. Neste aspecto, dos acusados civis, é
comum causar surpresa a quem não é afeto ao tema. Diferentemente da justiça militar
estadual, que só processa e julga militares, a JMU tem competência para julgar civis
que pratiquem crimes militares.
Uma situação que cria uma certa exceção acerca do julgamento monocrático de
civis pelo juiz civil, é o caso de militares que praticaram o delito e passam a ostentar
a condição de civil no curso do processo. Conforme decisão do Superior Tribunal
Militar, de 16.05.2019, que fixou jurisprudência sobre a aplicação da Lei nº 13.774/18,
é de competência dos Conselhos de Justiça julgar ex-militares.
Cada Conselho atua, exclusivamente, nos processos que se originaram de delitos
que atingiram bens jurídicos tutelados concernentes a sua Força. Veja-se, o comum
é que o réu seja julgado por um Conselho formado pela Força a qual pertence, mas
não é isso que estabelece a sua composição. Para ilustrar a questão: caso um militar
da Aeronáutica, sendo filho de uma pensionista do Exército, passar a receber,
indevidamente, após o falecimento daquela, a sua pensão, ele responderá a processo
perante o Conselho permanente ou Especial do Exército, pois praticou um delito em
detrimento da Administração do Exército brasileiro.
A comunidade vinculada a Justiça Miliar da União tem a tarefa de disseminar às
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O cerne do direito penal militar é a tutela dos valores éticos e morais específicos
da caserna, sobretudo os princípios da hierarquia e disciplina que constituem a base
das organizações militares, mas é importante lembrar que as condutas delituosas
podem não estar diretamente relacionadas a estes princípios e valores, mas,
entendeu o legislador que, de alguma modo, foram afetados, o que ocorre,
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normalmente, nos delitos relativos aos crimes impropriamente militares, praticados por
civis ou pelos próprios militares.
A matéria militar esteve preceituada praticamente em todas as Constituições
brasileiras. O artigo 124 da Lei Maior vigente dispõe que “à Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Esta lei é o CPM, instituído
pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.69, que entrou em vigor em 1º.01.70 e tem
aplicabilidade tanto para a JMU quanto para a JME.
O CPM divide-se em parte geral e parte especial e tem, ainda, um livro destinado
aos crimes militares em tempo de guerra. Este estatuto, além de possuir institutos
jurídicos iguais ou semelhantes ao Código Penal Brasileiro, estabelece condutas
delitivas que são irrelevantes para a sociedade em geral, tais como: crime de
deserção, abandono de posto, desrespeito a superior, recusa de obediência, etc, que
tem como bens jurídicos tutelados a autoridade e disciplina militar, o serviço e o dever
militar.
O valor dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Militar fica explícito quando
se observa a ordem assentada dos artigos da parte especial, comparada ao Código
Penal Brasileiro. No estatuto penal militar a tipificação das condutas inicia-se no “título
I – dos crimes contra a segurança externa do país”, com o artigo 136. Hostilidade
contra país estrangeiro; seguindo-se de motim, violência contra superior,
insubordinação, insubmissão, deserção, abandono de posto, dentre outros,
tipicamente militares, até o artigo 204, categorizando o Homicídio somente no artigo
205. De outro modo, o Código Penal Brasileiro inicia a parte especial no “título I - dos
crimes contra a pessoa”, com o artigo 121, que tipifica o homicídio simples.
Em conclusão acurada, Antônio Pereira Duarte (2015, p.42), infere:
De fato, na esteira da intelecção do autor retro citado, o Direito Penal Militar é uma
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A Constituição Federal, no artigo 5º, LXI, dispõe que “ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei”, bem como o código penal comum, no inciso II, do artigo 64, quando
trata da reincidência, “não se consideram os crimes militares próprios e políticos”, o
que torna imprescindível a diferenciação das espécies. Porém, a lei ordinária não
define esta diferença, o que ficou ao encargo dos doutrinadores do Direito Militar.
A classificação dos crimes quanto aos bens jurídicos tutelados fica ao encargo dos
doutrinadores, os quais, em sua maioria, dividem em propriamente e impropriamente
militar, entretanto, uma subdivisão mais acurada é delineada pelos professores
(CRUZ; MIGUEL, 2013, p.3).
- Crime propriamente militar - aquele que só pode ser praticado por militar.
Exemplos: deserção (artigo187), abandono de posto(artigo 195) e
desrespeito a superior(artigo 160);
- Crime tipicamente militar - aquele que só está previsto no Código Penal
Militar. Exemplos: deserção (artigo 187), insubmissão (artigo 183) e o furto
de uso (artigo 241);
- Crime impropriamente militar - encontra-se definido da mesma forma no
Código Penal Militar e no Código Penal Comum. Exemplos: homicídio (artigo
205), furto (artigo 240) e lesão corporal (artigo 209).
comum que não existem na legislação penal militar, mas, episodicamente, constituem-
se crimes militares quando preenchem um dos requisitos do inciso II do art. 9º do
CPM” (ASSIS apud ROTH, 2019), tais como os crimes de Abuso de Autoridade,
Tortura, Lei Maria da Penha e Organização Criminosa.
Vale destacar que o requisitos do inciso II, acima citado, referem-se aos militares,
por conseguinte, constata-se que o civil poderá cometer somente os crimes
tipicamente militares (pouco comum de ocorrer) e os impropriamente militares.
A atividade pela qual o Estado-Juiz decide o direito, soluciona litígios e aplica a lei
e, também, a área territorial dentro da qual este poder pode ser exercício, é a
Jurisdição do Juiz/Juízo.
Os professores (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2004, p.49) ensinam
que a função jurisdicional, que é uma só e é atribuída abstratamente a todos os
Órgãos do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização até
chegar-se à determinação do juiz competente para o processo: por meio de regras
constitucionais e legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com
referência à dada categoria de causa (regras de competência), excluem os demais
órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la em concreto.
Uma destas regras de competência acima mencionadas pela professora Ada é a
definição da competência pela natureza da infração, como a Justiça Militar e a Justiça
Eleitoral ou pela natureza da relação, como a Justiça do Trabalho, o que as tornam
uma Justiça Especializada. Outro exemplo é a competência em função de
determinadas funções públicas do acusado, que gera o foro especial por prerrogativa
de função.
As regras de competência em estão estabelecias na Constituição Federal, no
Código de Processo Civil e em leis ordinárias.
A doutrina concebeu a divisão da competência em absoluta e relativa.
A competência absoluta não pode ser modificada, ela é determinada por lei e está
relacionada ao interesse público. Pode ser fixada em razão da matéria (civil ou penal),
da pessoa (relação entre as partes) ou funcional (relacionada a função do órgão
julgador) e deve ser declarada a qualquer momento, tanto pelo juiz quanto pelas
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Dito isto, se passa a refletir acerca do tema no tocante à JMU. O julgamento dos
civis na JMU é de competência monocrática do juiz civil, na primeira instância e, em
sede de recurso, pelo Superior Tribunal Militar, órgão colegiado de composição mista.
Quanto ao julgamento dos militares, é realizado pelo escabinato, composto pelo Juiz
Federal da Justiça Militar e quatro oficiais das Forças Armadas, o que gera polêmica
quanto a falta de investidura no cargo de juiz de direito dos militares, em face do
princípio da identidade física do juiz inserida no código penal brasileiro (DECRETO-
LEI, 1940), considerando que, em razão da temporalidade da constituição trimestral
dos Conselhos Permanentes de Justiça, instituído no artigo 24 da Lei 8.457/92 –
LOJMU (1992), é comum que os oficiais do Conselho Permanente que instruiu o
processo não o julgue.
Nada obstante, o Superior Tribunal Militar, reiteradas vezes, decidiu acerca da
4Expressão utilizada para se referir a uma situação na qual findou o prazo para recurso ou por não
caber mais qualquer recurso relativo a uma decisão judicial
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Neste encalço, sobre o tema, Jorge Cesar de Assis e Mariana Queiroz Aquino
Campos (ASSIS; AQUINO, 2015, p. 24), transcrevem parte de Acórdão prolatado pelo
STM em Embargos de Declaração:
5 Decisão proferida por um Órgão colegiado de um Tribunal Superior, que cria um padrão para
solucionar casos análogos;
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4.1 Da constitucionalidade
A lei nº 13.491/17, desde que foi promulgada, tem trazido muitos debates no teatro
do Direito Militar brasileiro, como destaca o Professor Jorge Cesar de Assis, a Lei nº
13.491, sancionada em uma sexta-feira 13, do mês de outubro de 2017, viria a alterar
sensivelmente o art. 9º, do CPM, que é o dispositivo que prevê as circunstâncias em
que ocorrem os crimes militares em tempo de paz. Desde sua edição, a nova lei tem
ensejado a discussão em vários aspectos que envolvem o crime militar e seu
consequente processo” (ASSIS, 2019, p.7)
policiais militares envolvidos com o extermínio seria, muitas vezes, permeado pelo
corporativismo, que geraria verdadeiro sentimento de impunidade nos criminosos
fardados.
O projeto acima referido resultou na promulgação da Lei nº 9.299/96, que que
introduziu o parágrafo único no artigo 9º do CPM, estabelecendo que “Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da
competência da justiça comum”, e, ainda, o § 2° no artigo 82 do CPPM, “Nos crimes
dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos
do inquérito policial militar à justiça comum."
Faz-se uma ressalva ao artigo 82 do CPPM para destacar que este crime nunca
perdeu a natureza jurídica de crime militar, o que pode ser revelado na referência da
instauração de inquérito policial militar e de que a Justiça Militar encaminharia os autos
à Justiça comum, sendo, assim, aquela, competente para decidir se o crime seria, ou
não, crime militar.
Em 2011, novamente sua redação foi alterada pela Lei nº 12.432 (conhecida como
“Lei do Abate”) que fixou a competência da JMU para os crimes dolosos contra a vida,
praticados no contexto de ação militar realizada na forma do artigo 303 da Lei 7.565/86
– Código Brasileiro de Aeronáutica, o que revela que já havia exceção com relação
ao júri.
Enfim, no ano de 2017, a Lei nº 13.491, originária do PL nº 44/16 (Senado), de
autoria do Deputado Federal Esperidião Amin (Projeto nº 2801, da CPI, na Câmara
dos Deputados), veio, mais uma vez, revolver o artigo 9º do CPM, ampliando o rol de
crimes militares e inserindo o § 2º que restituiu para a JMU o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, praticados contra civil. Importantíssimo destacar que, há uma
percepção equivocada, principalmente de indivíduos que não tem proximidade com a
Direito Penal Militar, de que esta norma é para todos os militares de forma geral, o
que não o é, conforme se vê no parágrafo 1º. A competência afeta a JMU só se dará,
estritamente, no contexto dos incisos I a III do § 2º.
Dito isto, volte-se aos dois tipos de inconstitucionalidade sobre os quais foram
falados no início deste tema. Quanto a inconstitucionalidade formal, entende-se que
nada há que ser questionado, posto que, a lei decorreu do devido processo legislativo,
seguindo o rito estabelecido no artigo 59 e seguintes da Constituição Federal, bem
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Razões do Veto
As hipóteses que justificam a competência da Justiça Militar da União,
incluídas as estabelecidas pelo projeto sob sanção, não devem ser de caráter
transitório, sob pena de comprometer a segurança jurídica. Ademais, o
emprego recorrente das Forças Armadas como último recurso estatal em
ações de segurança pública justifica a existência de uma norma permanente
a regular a questão. Por fim, não se configura adequado estabelecer-se
competência de tribunal com limitação temporal, sob pena de se poder
interpretar a medida como o estabelecimento de um tribunal de exceção,
vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição.
uma lei que não pode produzir qualquer efeito jurídico. Ao final, infere: É imperioso
concluir que, diante da inconstitucionalidade manifesta de instituir-se um juízo das
olimpíadas e da contradição lógica estabelecida pela referencia temporal já
ultrapassada, só restava uma alternativa ao Presidente da República: vetar o
dispositivo inconstitucional e que impedia a eficácia da lei a ser sancionada.
Por fim, o veto nº 34/17 voltou para votação pelos parlamentares nos termos do
artigo 66, § 4º, da Constituição Federal, c/c os artigos 43, parágrafos 1ª e 2º e artigo
106-B, ambos do Regimento Comum do Congresso Nacional, apurada por cédula,
iniciando-se pela Câmara dos Deputados; não tendo sido necessário o
encaminhamento para o Senado, posto que, de acordo com o Regimento Comum
Congresso Nacional, os votos da outra Casa somente serão apurados se o veto for
rejeitado na primeira e, no caso, os Deputados, por maioria de votos (298 – sim, 108
– não), votaram pela manutenção do veto.
Deste modo, constata-se que todo o processo legislativo seguiu, rigorosamente,
os trâmites estabelecidos na CF/88, na LC nº 95/98 e no Regimento Comum do
Congresso Nacional (REGIMENTO COMUM, 1970), tendo, inclusive, o veto
presidencial sido chancelado pelo Congresso Nacional na Sessão Conjunta nº 23
(VETO nº 34, 2017), restando mantido.
Assim sendo, o Poder Legislativo cumpriu sua função típica de Estado, em atuação
legítima dos representantes eleitos pela vontade soberana do povo.
Debelada a questão quanto à inexistência de vício de procedimento, se passa a
analisar a (in) constitucionalidade material.
Entende-se que a questão é de Constitucionalidade Originária e Competência. A
competência da JMU é absoluta, jamais pode ser modificada, e o seu descumprimento
gera nulidade absoluta e insuperável.
Ao contrário, a competência do tribunal do júri não é absoluta, considerando
competências especiais estabelecidas na própria Constituição, e a competência
especial prevalece sobre a geral do tribunal do júri.
A Constituição Federal de 1988 instituiu a competência da JMU no artigo 124, para
julgar crimes militares definidos em lei. No mesmo passo, a Lei Magna instituiu o júri
no artigo 5ª, inciso XXXVIII, “é reconhecida a instituição do júri, com a organização
que lhe der a lei, assegurados:” “letra d) a competência para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida”. Portanto, sendo as duas normas constitucionalmente
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é ou não doloso contra a vida, da mesma forma que a Polícia Judiciária Militar é a
competente para investigar o delito por meio de Inquérito Policial Militar. Ou seja, o
crime militar doloso contra a vida de civil “voltou a ser de competência da Justiça
Militar, sem nunca deixar de ter sido”
Mesmo aqueles que não compartilham deste raciocínio, não podem imputar à
norma em comento inconstitucionalidade material, posto que, a instituição do júri tem
a mesma origem e a mesma hierarquia que a competência especial da Justiça Militar,
conferida pelo Poder Constituinte. Por conseguinte, as normas tem que ser
compatibilizadas, nesta esteira, o STF reconhece que a instituição do júri cede à
especialidade da competência
4.2 Da Convencionalidade
11http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/notas-tecnicas/notas-tecnicas-1/nota-
tecnica-no-08-2017-pfdc-mpf-2a-e-7a-ccrs-e-pfdc.pdf
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porque o agente militar usou arma militar”. Ocorre que, pelo que parece, a afirmação,
embora tenha sido publicada em obra de 2006, baseia-se na alinea “f”, do artigo 9º
do CPM, que foi revogada pela Lei nº 9.299, em 1996.
Em outro momento, os subscritores lançam mão da Súmula 297 do STF, datada
de 1963, sob a vigência da Constituição de 1946. Sequer seria necessário, mas
existem várias decisões, já antigas, do STF, no sentido de que o Enunciado da
Súmula 297 já foi há muito tempo superada (HC 82142, 2002).
Prosseguindo numa reflexão “jurídico saudosista12”, os propositores destacam
duas decisões do STF afirmando que a suposta posição de restringir a competência
da Justiça Militar persiste “na atualidade”, conforme se destacamos:
CC 7030 - JULGADO em 02/02/1996 > tratava-se de debate sobre a natureza
da atividade de policiamento naval, a qual, tendo sido entendida como atividade
subsidiária, não se amoldaria ao disposto na alínea “d”, do início III, do artigo
9º, do CPM. De fato, para caracterizar crime militar a conduta delituosa deve
se amoldar ao artigo 9º do CPM, portanto, o que se pretendia não era restringir
a competência da Justiça Militar, até mesmo porque, isso é afeto ao Poder
Legislativo. O que o STF buscou, como sempre busca, é a correta aplicação
da norma penal, o que foi feito, com acerto, naquele mês de fevereiro de 1996,
considerando que a conduta delituosa não caracterizava crime militar, de
acordo com a legislação vigente à época. Ocorre que, em agosto do mesmo
ano, foi promulgada a Lei º 9.299 que alterou a redação da alínea “c”, do inciso
III, do artigo 9º do CPM, o que, certamente, inverteria a decisão.
12 Gosto exagerado ou tendência para valorizar coisas que não existem mais.
48
diversos países, mas não é do caso do Brasil. Observa-se que as decisões de Cortes
ou Tribunais Internacionais colacionadas são sempre relativas a países que
constituem Cortes Marciais, numa inadequada comparação à Justiça Militar brasileira.
É perceptível que os organismos internacionais desconhecem o sistema jurídico
penal militar brasileiro e não há interesse de se esclarecer, ou é resultado do próprio
apedeutismo doméstico.
Ainda no discurso acerca dos direitos humanos, é recorrente a defesa de garantir
ao réu ser julgado por tribunal competente e independente. O debate aqui é acerca
do julgamento dos militares das Forças Armadas. Além de todo o arcabouço legal já
apresentado, as próprias instituições militares e seus componentes tem a percepção
de que a JMU é o órgão competente e justo para o seu julgamento, então, qual é a
garantia que se busca em defender o julgamento dos militares das FA pelo Tribunal
do Júri ?
Extraímos duas afirmações da Nota Técnica do MPF:
O Ministério Público Militar, por sua vez, por meio da Nota Técnica 02/2017/MPM13,
posicionou-se em favor da aprovação do projeto.
O posicionamento do MPM se coaduna com o nosso entendimento em todos os
seus aspectos. Assim sendo, destaca-se apenas alguns itens que ainda não foram
apontados ou esgotados até então. Uma situação de grande consideração é a
registrada nos pontos dez e onze.
De fato, este realmente é uma fator de grande incoerência que, ao mesmo tempo,
gera curiosidade pelo fato de não ser tema dos contendedores nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade. Ou seja, não há qualquer questionamento quanto ao julgamento
do civil na Justiça Castrense por homicídio doloso contra a vida de militar.
No que concerne a atuação das atividades constitucionalmente outorgadas às
Forças Armadas, o órgão Ministerial deslinda nos itens relacionados abaixo
17. Em todas estas hipóteses, o militar das Forças Armadas, embora não atue
em missão beligerante, reservada à função de defesa do Estado contra o
inimigo externo, também não atua como policial. Ele age como militar, com
formação e propósito militares, sujeito aos princípios da hierarquia e
disciplina, e no momento em que os órgãos de segurança pública mostraram-
se incapazes de solucionar o conflito.
13 http://www.mpm.mp.br/portal/wp-content/uploads/2017/09/nota-tecnica-2-2017.pdf
50
ADEPOL é a disputa com a Polícia Militar pelo Inquérito Policial. Praticamente todas as
decisões transcritas são relacionadas a questões de competência para instauração de
inquérito. Havendo, até mesmo, citação de decisão desfavorável ao propósito da
própria Associação, na qual destaca, tão somente, o voto vencido do Ministro Celso de
Mello, porém, como pode-se observar da Ementa copiada, o veredito do Pleno do STF
foi no sentido reconhecer a validade do Inquérito Policial Militar.
Pelo que se alcança captar, somente, talvez, o confuso item 6.13. da petição inicial
se refira à questão de competência da Justiça Militar, porém, aponta somente a
Justiça Militar do Estado e, ainda, se fundamenta na extremamente desatualizada
Súmula 297, de 1963, editada sob a égide da Constituição de 1946, já cancelada
formalmente pela Suprema Corte.
A respeito desta ADIN, o professor Jorge Cesar de Assis, com vasta obra publicada
sobre Direito Penal Militar, sempre atualizado e atento a todos os debates acerca do
tema, relata:
Ao final, necessário revelar que o Relator Min. Gilmar Mendes não concedeu a
medida cautelar requerida pela impetrante, em sede liminar, na ADI n" 5.804,
mantendo vigentes os dispositivos legais impugnados, até ulterior deliberação14.
Esta ação foi impetrada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. Como já foi
citado algumas vezes, a falta de conhecimento acerca do Direito Penal Militar e da
Justiça Castrense causa muitos manifestações equivocadas.
O impetrante traz à colação decisão em Habeas Corpus16 no sentido de que só
podem ser excepcionados do Tribunal do Júri as hipóteses previstas na própria
Constituição. Ocorre que, a competência da JMU é prevista na constituição, é
constitucionalmente originária, tanto que, foi necessário a promulgação da Lei nº
9.299/96 e, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45/04 para, ao contrário,
estabelecer a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a
vida de civil praticados por militares do estado. Também transcreve pronunciamento
de Maria Lúcia Karam sobre a essência do júri, sem qualquer conexão com a matéria
em debate.
O poder constituinte derivado revisor, instituído pelo Poder Constituinte Originário,
possibilitou a revisão da Constituição Federal de 1988, em até cinco anos após a sua
promulgação. Somente seis Emendas Constitucionais de Revisão foram editadas, em
1994, se houvesse qualquer intenção neste sentido, e conforme exposto, não há mais
possibilidade de revisão, visto que, o Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua
eficácia exaurida.
A uma, porque não é crível que o Congresso Nacional brasileiro envide todo o
esforço e o tempo que requer um processo legislativo para a promulgação de uma
Emenda Constitucional, somente para aclarar uma dúvida, a duas, porque, se resta
tão claro, como entende o impetrante, a competência absoluta do júri, o que teria a
ser aclarado?
Poder Constituinte Derivado Revisor
Instituído pelo Poder Constituinte Originário, possibilita, após 5 anos da
promulgação da Constituição Federal de 1988, uma única revisão.
A revisão, realizada mediante votação por maioria absoluta do Congresso
Nacional, realizada em sessão unicameral (art. 3° do ADCT).
O Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua limitação disposta nas cláusulas
pétreas (art. 60, §4°, CF/88). Somente seis Emendas Constitucionais de revisão foram
editadas em (1994), e conforme exposto, não há mais possibilidade de revisão, visto
que, o Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua eficácia exaurida.
Ao contrário do raciocínio supra, acerca da EC nº 45/04, o requerente afirma que
o constituinte derivado “apenas para aclarar” promulgou a referida Emenda. O
argumento não parece sensato.
Ainda no tema da EC nº 45, o próprio subscritor afirma que o dispositivo se aplica
apenas aos militares estaduais. Em seguida, transcreve o parágrafo primeiro, do artigo
9º, do CPM, afirmando que o próprio dispositivo já estabelecia que os crimes dolosos
contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum,
fazendo um observação entre parênteses (texto vigente à época). Cabe esclarecer
que o texto continua vigente e a regra geral para estes delitos continua sendo do júri.
Quanto a questão aventada sobre a hierarquia das normas, vale destacar que a
competência da Justiça Militar foi estabelecida na mesma Constituição Federal de
1988 que institui o júri.
Consignar que a suposta modificação trazida pela Lei nº 13.491/17 é contrária ao
devido processo legal, que é necessário a observância das regras processuais
vigentes, garantia da ampla defesa, do contraditório e dos procedimentos formais
inerentes ao processo, beira ao desrespeito com os Juízes Federais da Justiça Militar,
membros do Ministério Público da União, Defensores Públicos Federais, advogados
que atuam junto à Justiça Militar e servidores públicos que servem neste órgão do
Poder Judiciário, pelo que, se quer crer, mais uma vez, total desconhecimento acerca
desta Justiça Especializada.
Os princípios do devido processo legal são extraídos dos incisos LIV e LV, do artigo
5º, da Constituição Federal.
O devido processo legal é o princípio que assegura a todos o direito a um processo
com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais (BOUDIN,
1932). Se no processo não forem observadas as regras básicas, ele se tornará nulo.
É considerado o mais importante dos princípios constitucionais, pois dele derivam
todos os demais. Ele reflete em uma dupla proteção ao sujeito, no âmbito material e
formal, de forma que o indivíduo receba instrumentos para atuar com paridade de
condições com o Estado-persecutor.
Ricardo Lewandowski, ministro do STF, vai um pouco além, e afirma que não é só
54
no plano formal que o devido processo legal encontra expressão, não basta que os
trâmites, as formalidades e os procedimentos, previamente explicitados em lei sejam
observados pelo julgador. É preciso também que, sob o aspecto material, certos
princípios se vejam respeitados. Nenhum valor teria para as partes um processo
levado a efeito de forma mecânica ou burocrática, sem respeito aos seus direitos
fundamentais, sobretudo os que decorrem diretamente da dignidade da pessoa
humana, para cujo resguardo a prestação jurisdicional foi instituída (LEWANDOWSKI,
2017).
A Justiça Miliar da União observa o devido processo legal formal e material, na
apropriada concepção do Ministro Lewandowski, não só porque, como qualquer outro
órgão do Poder Judiciário brasileiro está submetida a diversos sistemas de controle,
tais como, Corregedoria, Conselho Nacional de Justiça, os juízes ao Estatuto da
Magistratura, o Ministério Público na função de custus legis (fiscal da lei), etc. Mas
também, por ser um ramo do Poder Judiciário de reconhecida transparência,
celeridade, fácil acessibilidade e urbanidade.
Em outro momento os autores chegam ao desatino de se referir a um tribunal de
exceção (!?) e acusar a autoridade processante e julgadora de imparcialidade (!?).
Neste ponto, invertem o discurso que, anteriormente era de garantia do devido
processo legal para o acusado, agora se transforma na alegação de suposto privilégio
do acusado. Neste aspecto, como já foi repisado neste trabalho, não se trata de
privilégio, mas de prerrogativa e competência originária constitucional, tendo a novel,
usando as palavras do próprio demandante, vindo apenas a aclarar a dubiedade
gerada pela malsinada lei nº 9.299/96.
Posteriormente segue aventando o suposto descumprimento genérico de tratados
internacionais sobre direitos humanos. Até então, durante toda a elaboração deste
trabalho, não foi encontrado quem definisse qual ou quais tratados, em que ou em
qual parte estariam sendo descumpridos. Este tema também já foi rebatido, contudo,
tecem-se mais algumas considerações.
Após a juntada das já conhecidas decisões da CIDH em casos de países que não
possuem um sistema jurídico penal militar como do Brasil e em casos totalmente
desconexos, copia-se uma nota que teria sido emitida por um escritório de
Organizações de Direitos Humanos sem nominar o seu autor ou fazer referência à
publicação, que é eivada de incorreções. No contexto geral percebe-se que o autor
55
O criminalista Luiz Flávio Gomes não tem dúvidas quanto a isso: “Como
garantia constitucional contemplada no artigo 5º da Constituição, é cláusula
pétrea intocável. Pode-se discutir seu procedimento, sua competência etc,
mas jamais a sua existência Para ele, as partes trabalham quase que às
cegas: debatem e expõem seus pontos de vista, fazem apreciações
subjetivas, religiosas, jurídicas e filosóficas, sem saber a quem endereçam
seu discurso: “o ato de julgar acaba tendo, muitas vezes, cunho
eminentemente ideológico ou classista ou, porque não dizer, racista”
(BARBOSA, 2012).
jurídico na maioria das vezes, também julgam civis como eles. Da mesma maneira,
os Tribunais de Justiça nos Estados podem iniciar procedimentos legais e julgar juízes
e promotores, assim como deputados estaduais, todos civis.
Outro ponto indispensável a ser considerando é a incongruência de que o militar
pudesse ser julgado pelo júri e o civil que comete crime doloso contra a vida de militar
em atividade militar, ser processado e julgado na Justiça Militar da União
Cumpre destacar que, neste debate, quase nunca é mencionado a atuação do
Ministério Público Militar, ramo do Ministério Público da União, com integrantes civis
de carreira, aprovados por concurso público de provas e títulos, que atuam na
apuração dos crimes militares e no controle externo da atividade policial judiciária
militar, na proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos e na
proteção dos direitos constitucionais no âmbito da administração militar.
Ao Ministério Público Militar compete, ainda, consoante o artigo 116 da LC 75/93,
o exercício das seguintes atribuições perante os Órgãos da Justiça Militar: a)
promover, privativamente, a ação penal pública; b) promover a declaração de
indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato; c) manifestar-se em qualquer
fase do processo, acolhendo solicitação do juiz ou por si a iniciativa, quando entender
existente interesse público que justifique a intervenção; d) Requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial-militar, podendo acompanhá-los e
apresentar provas; e) Exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária
militar.
Por outro lado, de atuação contumaz, é a Defensoria Pública da União que conta
com um Núcleo Criminal Militar junto à JMU, destacando Defensores Públicos
Federais que atuam, exclusivamente, na esfera penal militar. A DPU atua em defesa
tanto dos militares quanto dos civis. A instituição constituiu as Defensoras e
Defensores Regionais de Direitos Humanos (DRDHs) que exercem suas funções nas
unidades da DPU nas capitais dos Estados e no Distrito Federal.
A propósito, de acordo com a lição de Paulo Ivan de Oliveira Teixeira
(ASSIS;CAMPOS apud TEIXEIRA, 2015), a Defensoria Pública da União teve sua
origem na Advocacia de Ofício da Justiça Militar que integrava o quadro funcional do
STM. Já era previsto desde o antigo Código de Justiça Militar, estatuído pelo Decreto-
Lei 925/1938, prevendo que o Advogado-de-Ofício era nomeado mediante concurso
público.
59
Uma das decisões que contribuiu para a reflexão do memorável jurista foi a
concessão do primeiro habeas corpus que se tem notícia na história do país,
concedido pelo STM. Foi um ministro da Corte, o almirante-de-esquadra José
Espíndola, quem concedeu a liminar, ou seja, analisado o pedido de forma urgente
antes de seu mérito (HC nº27/27.200/ Estado de Guanabara), em 31 de agosto de
1964. Os ministros do STM, em 23 de setembro de 1964, confirmaram a liminar
em habeas corpus por unanimidade, aceitando o voto do ministro relator. Desde
então, esta ferramenta jurídica ganhou corpo e hoje é amplamente apreciada em
todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro.
Para relembrar mais um momento histórico que revela a atuação pioneira e
imparcial da Corte Castrense, a Ministra Maria Elizabeth Rocha, em discurso de
inauguração da Exposição Vozes da Defesa, no museu da JMU, em 2015, com a
participação do Presidente Nacional da OAB, declamou:
Mas nada se compara ao Acórdão exarado nos autos da Apelação nº 41.264,
em 19 de outubro de 1977, no qual este Tribunal, por unanimidade, externou
em longo voto “seu repúdio, sua revolta e sua condenação às torturas e
sevícias aplicadas aos presos e acusados de práticas de crimes, por
constituírem um eloquente atestado de afronta e desrespeito à dignidade da
criatura humana”, segundo seus próprios termos, único órgão do Poder
Judiciário a fazê-lo. Está-se diante de uma jurisprudência dignificante que, ao
sobrepor-se às pressões políticas, deixou significativo legado ao
democratismo estatal (ROCHA, 2014).
6 CONCLUSÃO
militares nos casos de homicídio doloso praticado por milirar das FA contra a vida de
civil, nas hipóteses delineadas pela Lei. Entretanto, nada obstante a Lei ter sido
sancionada, estar em pleno vigor e sendo aplicada, encontra-se tramitando no STF
duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que atacam a novel.
A inclusão do § 2ª no artigo 9º do CPM, trouxe segurança jurídica aos
demandados, tendo em conta a ambiguidade gerada pela lei nº 9299, de 1996, e a
insegurança produzida pela ilimitada oscilação de jurisprudências que veio a reboque.
Conforme foi citado na concepção do Ministro Ricardo Lewandowski, o
cumprimento do devido processo legal deve ser obedecido não só no aspecto formal,
mas, também, no aspecto material. Neste aspecto, entende-se que se inclui a garantia
ao réu de extreme certeza, antecipadamente, acerca da competência judicial do seu
processamento e julgamento.
Por outro lado atendeu, também, ao princípio da isonomia, já que a Lei
12.432/2011, conhecida como Lei do Abate, trouxe essa segurança jurídica aos
militares da Força Aérea, quando no desempenho de missão de tiro de destruição,
previsto na Lei 7.565/1986, não podendo permanecer os militares das outras duas
Forças com normas penais diferenciadas, quando em atividade militar.
Mais que isso, pode-se dizer que também encerrou uma enorme incongruência,
pois o civil que comete um homicídio doloso contra a vida de militar em atividade
militar, tendo praticado um crime militar, é julgado pela JMU..
É imperioso destacar e deixar bem claro que, para ser julgado pela Justiça
Castrense, o militar deverá estar em atividade de natureza militar, o que guarda o
sentido ontológico17 da lei, pois a eles são impostas normas, regulamentos, valores
rígidos e atuação singular que impõem e embasam o julgamento pela justiça
especializada e para isso criada, tais como a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral.
Em qualquer outro caso, mesmo vestindo a farda, mas que não se enquadre nas
situações estabelecidas pela norma, será julgado pelo Tribunal do Júri, conforme
dispõe o parágrafo primeiro da Lei 13.491/17 “Os crimes de que trata este artigo,
quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da
competência do Tribunal do Júri”. Portanto, não há qualquer privilégio dirigido a uma
classe, o militar, fora das suas missões em atividades militares, é um homem comum.
17O ontológico diz respeito ao se, ao que está por trás e além do fenômeno. O ontológico pressupõe
sair do comum e buscar enxergar o que nem todo mundo vê.
63
Nada obstante algumas reações em contrário, o dispositivo legal coisa alguma tem
de inconstitucional ou inconvencional, conforme foi amplamente evidenciado neste
trabalho.
Assim, a despeito de a Constituição Federal relegar à norma infraconstitucional os
critérios de fixação da competência da JMU, não é qualquer crime que pode a ela ser
submetido, senão o crime militar, seja ele praticado por militar ou por civil.
Entrementes, quanto ao controle de convencionalidade, resta claro que os
Organismos de Direitos Humanos nacionais e internacionais, tando quanto os
operadores do direito, muito pouco, ou quase nada, conhecem do sistema judiciário
penal militar brasileiro e das Forças Armadas do Brasil e, ao que tudo indica, não
parece haver interesse de alguns organismos domésticos, ou ânimo político, de que
seja esclarecido a distinção. É explícito que os julgados internacionais apresentados
nas ADIs são relacionados a Cortes Militares e Tribunais de Exceção, totalmente
diversos da Justiça Militar.
Além disso, em momento algum, as petições iniciais das duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade ou qualquer outro documento que diga respeito à suposta
inconvencionalidade da Lei nº 13.491/17 apontam o dispositivo de tratado ou
convenção internacional de Direito Humanos que estivesse sendo violado pela
legislação ordinária. Referem-se, tão somente, à recomendações genéricas feitas no
âmbito de Comissões internacionais, num discurso sofismático18 que não pode ser
utilizado de forma a embasar uma declaração de inconstitucionalidade, ao menos em
sede de controle concreto de constitucionalidade, uma vez que devem se referir a
casos específicos e não a uma norma de caráter geral. Não se trata de ser uma
negação prática ou teórica da importância do Direito Internacional, mas certo é que
há de haver, de fato, uma violação concreta à Tratado ou Convenção ratificado pelo
Brasil, o que não é o caso.
Nas palavras do eminente ex-ministro civil do STM, Flavio de Sá Bierrenbach, A
Justiça Militar funciona a partir de regras internacionalmente reconhecidas, assegura
a igualdade de todos perante a lei, respeita os princípios do Estado Democrático de
Direito e observa os Direitos Humanos. "Enfim, está perfeitamente conforme os mais
exigentes critérios de imparcialidade, integridade e independência estabelecidos nos
18Os sofistas eram considerados mestres nas técnicas de discurso, fazendo com que o interlocutor
acreditasse rapidamente naquilo que falava, sendo verdade ou não.
64
20 Poder constituinte derivado é o poder que é legado pelos cidadãos aos seus representantes
legislativos que terão a tarefa de atualizar ou então inovar a Ordem Jurídica Constitucional.
21 Disponível em: http://portal.trf2.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp. Acesso em: 15 set. 2020.
66
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ANEXOS
71