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MARGARETE ROCHA MASSINI

“O QUE VOLTOU A SER SEM NUNCA DEIXAR DE


TER SIDO” - O JULGAMENTO DO MILITAR DAS
FORÇAS ARMADAS POR CRIME DOLOSO CONTRA
A VIDA DE CIVIL NO CONTEXTO DE AÇÕES
MILITARES CONSTITUCIONALMENTE DELEGADAS

Trabalho de Conclusão de Curso -


Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola
Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos
Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: Professor Dr.Guilherme


Sandoval Góes

Rio de Janeiro

2020
C2020ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitida a transcrição parcial de textos do
trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho são
de responsabilidade do autor e não
expressam qualquer orientação
institucional da ESG

_________________________________
MARGARETE ROCHA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R672q Rocha, Margarete

“O que voltou a ser sem nunca deixar de ter sido”: o julgamento do militar
das Forças Armadas por crime doloso contra a vida de civil no contexto de
ações militares constitucionalmente delegadas / Margarete Rocha. - Rio
de Janeiro: ESG, 2020.
71 f.

Orientador: CMG (RM1-T) Guilherme Sandoval Góes


Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia,
2020.

1.Justiça Militar – Brasil. 2. Crime militar – Brasil. 3. Culpa (Direito) –


Brasil. 4. Direito militar – Brasil. I. Título.

CDD – 343.8101

Elaborada pelo bibliotecário Antonio Rocha Freire Milhomens – CRB-7/5917


Aos meus pais, responsáveis não só pela pela minha existência, como pelo
meu caráter, minha educação e minha formação.
Aos meus filhos por tudo que me ensinam, me inspiram e me mantém.
À minha família pela força estruturante da minha vida.
AGRADECIMENTOS

Ao Exmº Ministro do Superior Tribunal Militar, Gen Ex Luiz Carlos Gomes


Mattos, pelo reconhecimento e apoio de sempre e por tornar possível escrever a
história da ESG na vida.
Ao Exmº Juiz Federal da Justiça Militar da União, Dr. Jorge Marcolino dos
Santos, por compreender meu momento de renovação e oportunizá-lo.
Ao combativo e incansável amigo, Cmte Fortunato Lameiras, pela atenção
dispensada e pela obstinação em fazer o CAEPE 2020 continuar acontecendo
num mundo paralisado e cuidar de cada detalhe e de cada estagiário de forma
polida, carinhosa e atenciosa.
Ao meu amigo, Cmte Branco, por estar, incondicionalmente, ao meu lado
sempre, em tudo e para tudo.
Ao meu orientador, Professor Dr. Guilherme Sandoval, pelas orientações e
pela atenção sempre fraterna.
Ao Comando, Corpo Permanente e demais oficiais e servidores da ESG, pelo
ambiente respeitoso, pela prestreza constante, pelo modo acolhedor e,
especialmente, pela dedicação desmedida para reinventar o CAEPE e implantar,
vertiginosamente, o EAD, possibilitando a continuidade do curso.
Aos estagiários da Turma “Antártica – Novos Horizontes”, pela amizade e
pelas experiências compartilhadas.
"Teu dever é lutar pelo Direito, mas se
um dia encontrares o Direito em
conflito com a Justiça, luta pela
Justiça"

Eduardo Juan Couture

“A farda não é uma veste que se


despe com facilidade e até com
indiferença, mas uma outra pele, que
se adere à própria alma,
irreversivelmente para sempre”

General Octavio Costa


RESUMO

Em 05.10.1988, em sessão solene no Congresso Nacional, foi promulgada a


sétima Constituição do Brasil. Seguiu-se o curso na Justiça Militar com a recepção,
quase integral, do Código Penal Militar e de Processo Penal Militar, com poucos
pontos, sem relevância, não recepcionados. Ocorre que, após 8 (oito) anos de
vigência da nova Carta Constitucional, em razão de questões de política criminal
não afetas às Forças Armadas, em agosto de 1996, foi promulgada a Lei nº
9.299/96 que introduziu o parágrafo único no artigo 9º do CPM, estabelecendo que
“Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos
contra civil, serão da competência da justiça comum”; aí teve início o imbróglio.
Sobre esta lei entende-se que há algumas considerações relevantes;
primeiramente, resta claro que a intenção era alcançar os policiais militares dos
estados, conforme consta textualmente do PL nº 2.801, de 1992. Em segundo,
observa-se que houve uma falha de técnica do legislador ao se referir a “justiça
comum” quando, é sabido, se quis mencionar “júri”. Outro ponto importante foi a
alteração trazida ao artigo 82 do CPPM, no sentido de que a Justiça Militar deverIa
encaminhar o inquérito policial militar à justiça comum, ou seja, a natureza do crime
não mudou, permaneceu um crime militar. Daí seguiu-se intensos debates acerca
da constitucionalidade da lei e da sua aplicação na Justiça Militar Federal, tendo
em conta que, na esfera Estadual, os Tribunais acataram, de forma impassível, a
nova norma penal. O Superior Tribunal Militar declarou a inconstitucionalidade da
Lei 9.299/96 no que se referia ao parágrafo único do art. 9º do CPM e do art. 82 do
CPPM, porém, o Supremo Tribunal Federal teve entendimento diverso. A EC nº
45, de 2004, que inseriu a ressalva de competência para o júri, quando a vítima for
civil, no § 4º, do artigo 125 da CF, consolidou, agora constitucionalmente, a
questão com relação à Justiça Militar Estadual e gerou ainda mais controvérsias e
dúvidas na JMU. Por fim, em 13.10 2017 foi promulgada a Lei nº 13.471 que alterou
sensivelmente o artigo 9º do Código Penal Militar, dentre outras modificações,
tratou, taxativamente, dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das
Forças Armadas contra civil, reafirmando a competência da JMU. Então, quando
se imagina que o tema estivesse aclarado, emergem duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade que encontram-se em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
À vista disso, neste trabalho se discorre sobre a Justiça Militar da União, suas
competências e atribuições, sua razão de ser - as Forças Armadas-, e o Direito
Penal Militar para, ao final, à luz da doutrina e dos precedentes legais, demonstrar
que a Lei nº 13.491/17 se reveste de constitucionalidade e convencionalidade e se
apresenta como importante instrumento de segurança jurídica, tendo em conta
que a Justiça Castrense é o ramo do Poder Judiciário cuja especialidade é afeta
as atividades da vida militar.
Palavras-chave: Justiça Militar da União; competência; crimes dolosos contra a
vida
ABSTRACT

On October 5, 1988, in a solemn session in the National Congress, the seventh


Constitution of Brazil was promulgated. The course in Military Justice followed, with
the almost complete receipt of the Military Penal Code and Military Criminal
Procedure, with few points, without relevance, not received. It happens that, after 8
(eight) years of the new Constitutional Charter, due to criminal policy issues not
affected by the Armed Forces, in August 1996, Law No. 9,299 / 96 was enacted,
which introduced the sole paragraph in article 9 of CPM, establishing that "The
crimes referred to in this article, when malicious against life and committed against
civilians, will be the responsibility of the common justice"; then the imbroglio started.
About this law we understand that there are some relevant considerations; first, it
remains clear that the intention was to reach the military police of the states, as
stated in PL No. 2,801, of 1992. Second, we note that there was a technical flaw in
the legislator when referring to “common justice” when, it is known , if you wanted
to mention “jury”. Another important point was the amendment brought to article 82
of the CPPM, in the sense that the Military Justice should refer the military police
inquiry to the common justice, that is, the nature of the crime has not changed, it
has remained a military crime. Hence there followed intense debates about the
constitutionality of the law and its application in the Federal Military Justice, taking
into account that, in the State sphere, the Courts impassively accepted the new
penal rule. The Superior Military Court declared the unconstitutionality of the Law
9,299 / 96 with regard to the sole paragraph of art. 9 of CPM and art. 82 of CPPM,
however, the Federal Supreme Court had a different understanding. EC No. 45, of
2004, which inserted the qualification caveat for the jury, when the victim is a
civilian, in paragraph 4, of article 125 of the CF, consolidated, now constitutionally,
the issue in relation to the State Military Justice and generated even more
controversies and doubts in the JMU. Finally, on 13.10 2017, Law No. 13.471 was
promulgated, which significantly altered Article 9 of the Military Penal Code, among
other changes, definitely, of the intentional crimes against life committed by military
personnel of the Armed Forces against civilian, reaffirming the competence of the
JMU. Then, when it is imagined that the theme was clarified, two Direct Actions of
Unconstitutionality emerge that are in process in the Supreme Federal Court . In
view of this, in this work we discuss the Military Justice of the Union, its
competences and attributions, its reason for being - the Armed Forces-, and the
Military Criminal Law to, in the end, in the light of doctrine and legal precedents,
demonstrate that Law No. 13.491 / 17 is constitutional and conventional and
presents itself as an important instrument of legal certainty, taking into account that
Castro Justice is the branch of the Judiciary whose specialty is affecting the
activities of military life.
Keywords: Military Justice of the Union; competence; willful crimes against life
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Mapa do Brasil demonstrando a estrutura organizacional da Justiça


Militar da União com as regiões das doze Circunscrições Judiciárias Militares e
suas respectivas sedes.........................................................................................18
LISTA DE SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade


ADEPOL – Associação dos Delegados de Polícia
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CPM - Código Penal Militar
CPP - Código de Processo Penal
CPPM - Código de Processo Penal Militar
CPJ - Conselho Permanente de Justiça
CEJ - Conselho Especial de Justiça
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
Dec-lei – Decreto-Lei
EC - Emenda Constitucional
END - Estratégia Nacional de Defesa
ESG - Escola Superior de Guerra
FA - Força Armadas
GLO - Garantia da Lei e da Ordem
JMU - Justiça Militar da União
JME - Justiça Militar Estadual
LOJMU - Lei de Organização da Justiça Militar da União
MPF - Ministério Público Federal
MPU - Ministério Público da União
MPM - Ministério Público Miliar
MD - Ministério da Defesa
Op GLO - Operações de Garantia da Lei e da Ordem
PFDC - Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
PSOL - Partido Socialismo e Liberdade
RCCN - Regimento Conjunto do Congresso Nacional
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................10

2 SISTEMA JURÍDICO PENAL MILITAR NO ÂMBITO FEDERAL..................12

2.1 Análise Histórica da Justiça Militar da União ............................................ 12

2.2 Estrutura e Atribuições da Justiça Militar da União .................................. 14

2.3 Direito Penal Militar ...................................................................................... 20

2.4 Critérios para a classificação do crime militar ...........................................22

2.5 Espécies de crime militar.............................................................................23

2.6 Jurisdição, Competência e Juiz natural na Justiça Militar da União........24

3 FORÇAS ARMADAS. MISSÃO E ATRIBUIÇÕES SUBSIDIÁRIAS..............29

4 DA CONSTITUCIONALIDADE, DA CONVENCIONALIDADE DA LEI


13.491/17 E DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE...................33

4.1 Da constitucionalidade ................................................................................ 33

4.2 Da Convencionalidade ................................................................................. 43

4.3 Posições Antagônicas..................................................................................46

4.4 Ações Diretas de Inconstitucionalidade.....................................................50


4.4.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade 5804.....................................................49
4.4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade 5901.....................................................51

5 O CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL PRATICADO POR MILITAR


DAS FORÇAS ARMADAS EM ATIVIDADES MILITARES...................................... 55

5.1 Tribunal do Júri ou Justiça Militar da União...............................................55

6 CONCLUSÃO..................................................................................................61

REFERÊNCIAS...............................................................................................69

ANEXO A - Planilha com dados históricos (atualizada em maio de


2020)..........................................................................................................................73

ANEXO B - Distribuição das operações de GLO 1992 - 2020 (gráfico do


tipo
barras)...............................................................................................................7173

ANEXO C - Distribuição das operações de GLO 1992 - 2020 (gráfico do


tipo linha).... ..............................................................................................................71

ANEXO D - Estatísticas de GLO por tipo - 1992 - 2020..............................73

ANEXO E - Tabela de efetivos e custos da GLO no período de 2010 -


2020............................................................................................................................73

ANEXO F - Protocolo para abordagem e revista da população................73


10

1 INTRODUÇÃO

A partir do estudo da legislação pertinente, doutrina e artigos sobre o tema,


conceitos, posições e percepções, com um viés de reflexão socrática que visa destruir
coerências aparentes, a intenção deste trabalho é identificar e analisar em que medida
a manutenção da Lei 13.491/2017, e seu parágrafo segundo, pode ser entendida
como medida de política criminal e instrumento de segurança jurídica a fim de
promover um julgamento isento e justo aos militares, no contexto de ações militares
constitucionalmente delegadas, que venham cometer crime doloso contra vida de civil.
O trabalho proposto ficará restrito à análise da alteração trazida pela Lei 13.491/17,
no Código Penal Militar, no que se refere ao § 2º do artigo 9º, que estabelece os crimes
militares em tempo de paz. A nova legislação, no referido parágrafo, trata dos crimes
dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, que
são restituídos para julgamento pela Justiça Militar da União, se praticados no
seguinte contexto: do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; de ação que envolva
a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante;
ou de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem
ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142
da Constituição Federal de 1988 e na forma dos seguintes diplomas legais: a) Lei nº
7.565, de 19.12.1986-Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar 97, de
09.06.1999; c) Dec.-Lei 1.002, de 21.10.1969-Código de Processo Penal Militar; e; d)
Lei 4.737, de 15.07.1965-Código Eleitoral.
Quanto à metodologia, tomando-se como referência a sistemática proposta por
Vergara (2019), este trabalho é classificado quanto ao fim como descritivo e, quanto
aos meios, como documental e bibliográfico. Caracteriza-se como pesquisa
bibliográfica pois recorrerá a livros, legislação, decretos, artigos e monografias já
publicadas e, ainda na referência de Vergara (2019), buscará o método
fenomenológico “algo só pode ser entendido a partir do ponto de vista das pessoas
que o estão vivendo e experimentando” na prática da hermenêutica, que vem de
Hermes, da mitologia grega. Para transmitir a mensagem dos Deuses, Hermes tinha
dupla tarefa: entender-lhes a linguagem, assim como a dos mortais, para quem as
11

mensagens se destinavam. Um olhar hermenêutico busca, então, a compreensão de


significados, muitos deles ocultos.
Em sua abordagem, o presente trabalho será desenvolvido buscando analisar o
referencial teórico levantado para identificar a motivação, os posicionamentos e os
reflexos no ordenamento jurídico e nos jurisdicionados e, num contexto mais tangível,
a (in)constitucionalidade e a (in)convencionalidade do parágrafo segundo da Lei
13.491/17.
Inicialmente, tratar-se-á uma explanação histórica e estrutural sobre a JMU, Órgão
do Poder Judiciário mais antigo do Brasil e, paradoxalmente, um dos mais
desconhecidos, não só da sociedade, como dos próprios operadores do Direito e dos
jurisdicionados. Ainda no primeiro capítulo abordar-se-á o Direito Penal Militar e suas
abundantes especificidades, o que o torna um ramo do Direito tão singular quanto
instigante.
Com base no referencial teórico levantado, no segundo capítulo se abordará a
questão da competência da JMU que é o grande palco de debates e embates dos
atores que operam nesta justiça especializada e que vem sendo ampliada nos últimos
anos, principalmente com o advento das Leis 13.491/17 e 13.774/18.
O terceiro capítulo tratará das Forças Armadas que são a razão de ser da JMU,
buscando esmiuçar o seu estatuto, missão e atribuições, para uma necessária
compreensão da necessidade e da justificativa do Direito Militar e de uma justiça
especializada.
A (in)constitucionalidade e (in)convencionalidade da Lei nº 13.491/17, ponto de
especial relevância no debate, considerando que, em razão das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade em andamento no Supremo Tribunal Federal, poderão reverter
toda a alteração alcançada, serão examinadas e debatidas no quarto capítulo.
O quinto capítulo segue a sequência temática do anterior, tratando de esquadrinhar,
especificamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5804 e 5901.
No desenlace, o capítulo sexto visa atacar o pomo deste trabalho, perquirindo os
conceitos, as instituições, os princípios, as razões da especialização e a distinção
entre o julgamento pela JMU e pelo Tribunal do Júri, bem assim debater a questão
das garantias processuais e institucionais, percepções dos operadores do direito
penal militar com relação aos os crimes dolosos contra a vida de civil praticados por
militares das forças armadas em atividades militares.
12

2 SISTEMA JURÍDICO PENAL MILITAR NO ÂMBITO FEDERAL

A seguir, serão abordados alguns conceitos fundamentais para o início do trabalho,


a JMU, sua análise histórica, o exame da sua estrutura e atribuições, as
especificidades do Direito Penal Militar, a classificação e espécies de crime militar,
jurisdição e competência.

2.1 Análise Histórica da Justiça Militar da União

A JMU é um ramo especializado do Poder Judiciário Federal. É considerada a


mais antiga do País, computando 212 anos de existência. A sua competência é para
julgar membros das Forças Armadas e civis que cometam crimes militares afetos à
Marinha, ao Exército e a Aeronáutica, protegendo os bens jurídicos tutelados pela lei
penal militar a fim de garantir que os princípios basilares da Hierarquia e Disciplina
sejam preservados.

Tem-se notícia de exércitos formalmente constituídos e de normas jurídicas


relativas à segurança política e militar desde a antiguidade. O Código de Ur-Namu, rei
da Suméria, (onde hoje é o território do Iraque e seu entorno) há mais de 2.000 anos
a.C, considerado o mais antigo existente, já previa. Os assírios, no norte da
Mesopotâmia (que deu lugar a Suméria), há aproximadamente 1.330 a.C., se
organizavam numa sociedade extremamente militarizada, instituindo o primeiro
Exército profissional que se tem notícia, com soldados pagos exclusivamente para se
prepararem e lutar, e estavam submetidos ao Código de Hamurabi.
Todavia, foi o Império Romano a maior fonte de institutos jurídicos e com a notícia
da existência de uma Justiça Militar já praticada nos acampamentos romanos (jus
castrenses romanorum) e de onde se originou o termo “Justiça Castrense”,
amplamente utilizada até os dias atuais. Os romanos já percebiam a necessidade de
uma legislação especial para os crimes militares, diante das especificidades das suas
questões e características peculiares.
Após a queda do Império Romano seguiu-se um vácuo acerca do conhecimento de
uma Justiça Castrense. Somente com o surgimento os dos exércitos permanentes na
Europa reapareceram os elementos da Justiça Militar com os chamados Conselhos
13

de Guerra e os Auditores de Campo; os Conselhos eram formados por cinco ou mais


oficiais que julgavam os militares de suas unidades, e os Auditores eram oficiais
versados em Direito que emitiam relatórios e pareceres para os Conselhos de Guerra,
o que originou a composição dos Conselhos de Justiça atuais bem como a
denominação de Juiz-Auditor para os juízes togados da JM, esta denominação
perdurou até dezembro do ano de 2018 quando foi sancionada a Lei 13.774/18
alterando a designação para Juiz Federal.
No Brasil colônia as questões que porventura emergissem de conflitos militares
e/ou quebras de conduta eram dirimidas de acordo com as leis vigentes em Portugal,
especialmente as Ordenações Filipinas - código legal português promulgado em 1603
por Felipe I, rei de Portugal, que trazia no Livro V as lei criminais - e os Artigos de
Guerra do Conde de Lippe - regulamentos militares extremamente rigorosos
elaborados por Conde de Lippe, oficial inglês contratado pelo governo português para
reorganizar e comandar o Exército, em 1763.
Em 1º de abril de 1808, o então príncipe regente de Portugal, D. João, instituiu um
Alvará Régio, com força de lei, criando o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Nesta
sequência, relata Luciano Melo Ribeiro (2008), na publicação “200 anos de Justiça
Militar no Brasil”:

Em 1890 o então Ministro da Guerra da República, Benjamin Constant,


presidiu uma comissão para apreciar um esboço apresentado pelo Dr. Carlos
de Carvalho, abrangendo os Códigos Penal e o Código Disciplinar,
distinguindo as sanções penais em tempo de guerra e de paz. O esboço foi
recusado, tendo sido aprovado o Código Penal da Armada, promulgado pelo
decreto de 5 de novembro de 1890, e posteriormente substituído pelo Decreto
18, de 7 de março de 1891. Ele foi ampliado para aplicação no Exército pela
Lei 612, de 29 de setembro de 1899, somente oito anos mais tarde, portanto,
mas assinalando o encerramento, no Direito do Brasil, dos Artigos de Guerra
do Conde de Lippe utilizados desde o período do Brasil Colônia.

O Decreto-Lei 2.961, de 1941, entendeu os Códigos à Força Aérea Nacional.


A primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891, inspirada na Carta
Magna dos Estados Unidos, estabeleceu a doutrina de separação dos poderes,
criando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nesta ocasião, a Lei Maior
dispôs o foro especial para os delitos militares, composto pelo Supremo Tribunal
Militar e pelos Conselhos, reorganizando a Justiça Militar, porém, como órgão
judicante, de natureza especial, que anteriormente pertencia ao Poder Régio, agora
passava a estar vinculado ao Poder Executivo.
14

O decreto nº 14.450, de 30 de outubro de 1920, instituiu o Código de Organização


Judiciária e Processo Militar, estabelecendo a divisão territorial em 12 (doze)
circunscrições1, a composição da Justiça Militar, a definição das autoridades judiciária
e de seus auxiliares, os critérios de nomeação dos juízes e de sorteio dos juízes
militares dos Conselhos, bem como a criação dos cargos de Procurador-Geral e
Promotor da Justiça Militar e Advogado de Ofício; uma estrutura que, em boa parte,
perdura até os dias atuais.
A Constituição (1934) trouxe uma das mais relevantes inovações ao inserir os
Juízes e Tribunais militares dentre os órgãos do Poder Judiciário - artigo 63, do
capítulo IV – do Poder Judiciário. Além da mudança, no artigo 84, a Constituição
estendeu à Justiça Militar competência pata julgar os civis, nos casos expressos em
lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país, ou contra as
instituições militares.
Em 1944 o Decreto-Lei nº 6.227, instituiu o CPM.
As Constituições de 1946 e 1967 não trouxeram mudanças substanciais, tendo a
primeira alterado o nome de Supremo Tribunal Militar para Superior Tribunal Militar e,
a segunda, estabelecido que os recursos para os casos de repressão de crimes contra
a segurança nacional ou contra instituições militares seriam de competência do STF.
O Superior Tribunal Militar que tinha sua sede na cidade do Rio de Janeiro foi
transferido para a Capital Federal em 1973.
Afinal, em 21 de outubro de 1969, foi publicado o Decreto-lei nº 1.001, que instituiu
o CPM e revogou o Decreto-Lei nº 6.227, de 1944. Na mesma data foi publicado o
Decreto-Lei nº 1.002 que estabeleceu o CPPM, ambos prevalecendo até os dias
atuais. Ainda no mesmo momento, o Decreto-Lei nº 1.003 instituiu a Lei de
Organização Judiciária Militar tendo, todos os dispositivos, entrado em vigor em 1º de
janeiro de 1970.

2.2 Estrutura e Atribuições da Justiça Militar da União

A Constituição Federal de 1988 reafirmou, na estrutura do Poder Judiciário


brasileiro, em seu artigo 92, inciso VI, os Tribunais e Juízes Militares2. Na seção VII,

1 Divisão não só administrativa, mas, também, de Jurisdição – extensão territorial em que atua um juiz,
se compara a Comarca da Justiça Comum.
2 Terminologia modificada pela Lei nº 13.774/18, de 19.12.2018, na Lei de Organização da Justiça

Militar da União para Juízes Federais da Justiça Militar.


15

titulada “dos tribunais e juízes militares”, estabelece como órgãos da JMU, o Superior
Tribunal Militar e os tribunais e juízes militares instituídos por lei.
Neste ponto é importante ressaltar que a Justiça Militar a que se referem os
artigos 122 a 124 da CF/88, bem assim o objeto do presente trabalho, é a JMU, a
qual compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, relativamente às
Forças Armadas, pelo que se entende, inclusive, que seria salutar houvesse esta
denominação na Carta Magna. E, ainda à guisa de esclarecimento, o § 3º do artigo
125, que trata dos Tribunais e Juízes do Estado, estabelece que “A lei estadual
poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual...” e,
no § 4º, “compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados,
nos crimes militares definidos em lei...”, neste caso, os militares são, precisamente,
os policias militares e bombeiros militares.
Cumpre iluminar que a expressão registrada pelo constituinte no inciso II, do
artigo 122, quando se refere a “juízes militares”, resta equivocada, posto que, o que
pretendeu o legislador foi referir-se aos “juízes-auditores”, do modo como o fez no
inciso II do artigo 123, designação esta que, por sua vez, restou alterada, em 2018,
como se verá mais adiante.
A lei que dispõe sobre a organização, o funcionamento e competência da JMU,
conforme o parágrafo único do artigo 124, é a Lei nº 8.457/92, conhecida como
LOJMU. O repertório legal inicia-se com a estrutura da JMU, dispondo:

Art. 1º. São órgãos da Justiça Militar:


I – o Superior Tribunal Militar
II – a Corregedoria da Justiça Militar (Redação dada pela Lei 13.774, de 2018)
II-A – o Juiz Corregedor Auxiliar (Incluído pela Lei nº 13.774, de 2018)
III – os Conselhos de Justiça
IV – os Juízes Federais da Justiça Militar e os Juízes Federais Substitutos da
Justiça Militar (Redação dada pela Lei nº 13.774, de 2018)

O Superior Tribunal tem atuação como instância originária e recursal. O STM


processa e julga, originariamente, os oficiais generais das Forças Armadas, nos
crimes militares definidos em lei, entre outras funções judiciais estabelecidas no artigo
6º, inciso I, da LOJMU. No atributo de Corte de Apelação delibera, precipuamente,
acerca dos recursos impetrados contra as decisões do Juízo a quo3. Abarca, também,

3 A expressão “a quo” refere-se ao juiz ou ao tribunal de instância inferior de onde deriva a


decisão/processo objeto do recurso.
16

demandas de controle de constitucionalidade e competência do tribunal e, ainda,


questões de ordem administrativa, legislativa e orçamentária da JMU.
A Corregedoria da Justiça Militar é um órgão de fiscalização e orientação jurídico-
administrativa, tem jurisdição em todo o território nacional e compõe-se de um
Ministro-Corregedor (exercido, cumulativamente, pelo Ministro Vice-Presidente do
Superior Tribunal Militar) e um Juiz-Corregedor Auxiliar.
A primeira instância da JMU abrange todo o território nacional e está organizada
em doze Circunscrições Judiciárias Militares e, cada Circunscrição, possui uma ou
mais Auditorias. As Auditorias correspondem às varas da justiça comum e tem esta
denominação devido a sua história, quando do surgimento dos Conselhos de Guerra,
existiam os Auditores que eram oficiais versados em direito e emitiam relatórios para
os Conselhos.
Um fato curioso é que a jurisdição das Circunscrições Judiciárias coincide com as
Regiões Militares, bem como as suas sedes, o que foi estabelecido desde o vetusto
Decreto nº 14.450, de 30.10.1920 - Código de Organização Judiciária e Processo
Militar (DECRETO 14.450, 1920), baseado na concentração das forças militares nas
áreas de cada Circunscrição, que veio a ser substituído pelo Decreto nº 1.003/69, de
21.10.1969, que instituiu a Lei de Organização Judiciária Militar. Em 1983 a Lei nº
7.164 alterou a norma anterior, prescrevendo que as sedes das Circunscrições
Judiciárias seriam fixadas em Lei, coincidindo ou não com a região militar. Mais
adiante, em 1992, a Lei nº 8.457, que Organiza a JMU e regula o funcionamento de
seus Serviços Auxiliares, revogou integralmente o Decreto 1.003/69 e, no artigo 2º,
estabeleceu, nominalmente, os Estados que cada Circunscrição Judiciária Militar
abrange e, nas suas Disposições Transitórias e Finais, artigo 102, dispôs sobre a
localização da sede de cada Circunscrição, contudo não houve qualquer mudança
real na estrutura que já estava estabelecida.
O mesmo Decreto nº 1.003/69, em seu artigo 3º, também dividia as Auditorias da
1ª CJM (RJ/ES – com sede no RJ) de acordo com as Forças, havendo duas Auditorias
da Marinha, três Auditorias do Exército e duas da Aeronáutica. Assim, os inquéritos
ou qualquer documento dirigido à JMU era encaminhado diretamente pela Força para
a Auditoria respectiva. Com a advento da Lei 8.457/92 foi extinta uma Auditoria da
Aeronáutica, passando as seis restantes a serem de jurisdição mista e designadas
por ordem numérica (1ª Auditoria até 6ª Auditoria), deste modo, independente da
17

Força, os feitos passaram a ser distribuídos sequencialmente. Em 1993 a Lei nº 8.719


extinguiu a 6ª Auditoria e, em 2001, a Lei nº 10.333/01 extinguiu a 5ª Auditoria, desta
forma, atualmente, a 1ª CJM conta com 4 Auditorias cuja sede está localizada em
prédio próprio no bairro da Ilha do Governador, cuja administração é realizada pelo
juiz federal diretor do foro e a distribuição dos feitos pelo juiz federal distribuidor, neste
caso, o juiz mais antigo.
Em sua maioria, cada Circunscrição possui uma Auditoria; sendo exceções: a 1ª
CJM (RJ/ES) com quatro Auditorias; a 2ª CJM (SP) com duas; a 3ª CJM(RS) com três
e 11ª CJM (DF/GO/TO) com duas.
Toda esta organização é claramente compreendida na ilustração colacionada
pelos Professores Jorge Cesar de Assis e Mariana Queiros Aquino Campos, em
Comentários à Lei de Organização da JMU (ASSIS/CAMPOS, 2015, pg. 24), abaixo
copiada. Contudo é necessário seja atualizada no que se refere à Auditoria de
Correição (Brasília/DF), tendo em conta que Lei nº 13.774/18 extinguiu esta Auditoria
e estabeleceu a Corregedoria da Justiça Militar, de competência do Ministro Vice-
Presidente do Superior Tribunal Militar com um Juiz- Corregedor Auxiliar, escolhido
dentre os juízes federais titulares.
Destaca-se, também, outras alterações muito relevantes trazidas pela lei
supramencionada que são, o processamento e julgamento monocrático, pelo juiz
federal da justiça militar dos civis; a sua atribuição para presidir os Conselhos de
Justiça, que anteriormente era função do Oficial mais antigo; a competência para
julgar habeas corpus, habeas data e mandados de segurança contra ato de
autoridade militar praticado em razão da ocorrência de crime militar, exceto o
praticado por oficial-general, o que antes era de competência do Superior Tribunal
Militar ou da Justiça Federal comum; manter ou relaxar prisão em flagrante, decretar,
revogar ou restabelecer prisão preventiva de indiciado ou acusado, em despacho
fundamentado em qualquer caso, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 28
da Lei citada lei.
À vista disso, observa-se que houve uma necessária atualização da legislação
penal militar que ficou, por muitos anos, estática. Sendo indispensável que legislação
castrense não deixe de acompanhar as mudanças da sociedade e a mudanças do
cenário legal e jurídico do país.
18

Cada Auditoria tem dois juízes, um Juiz Federal da Justiça Militar - chamado
comumente de Juiz Titular - e um Juiz Federal Substituto da Justiça Militar, pelos quais
são divididos, igualmente, todos os feitos aforados na Auditoria, que podem, ou não,
tornar-se um processo. Estes juízes ingressam na magistratura por meio de concurso
público de provas e títulos e detém o conhecimento técnico-jurídico.
Os processos são julgados pelo Conselho de Justiça, que é um escabinato
composto por cinco membros, sendo um juiz civil - retro referidos - e quatro militares,
dos quais não se exige conhecimento jurídico, posto que a função destes é contribuir
com a experiência da caserna e das atividades militares. Os Conselhos, conforme o
artigo 16 da LOJMU, são de duas espécies : o Conselho Especial de Justiça (CEJ),
19

que é composto por um juiz civil e quatro oficiais mais antigos que o acusado para
processar e julgar os oficiais, exceto oficiais-generais – e o Conselho Permanente de
Justiça (CPJ), composto por um juiz civil e quatro oficiais superiores para processar
e julgar praças.
O Conselho permanente de Justiça é instituído e dissolvido trimestralmente. A
cada três meses os oficiais são sorteados, pelo Juízo de cada Auditoria, dentre os
militares em serviço ativo, incluídos em uma relação encaminhada pelos comandos
da Marinha, Exército e Aeronáutica para a formação do Conselho respectivo de cada
Força e atuam somente nas audiências e julgamentos que ocorrerem no trimestre,
tudo na forma dos artigos 19, 21 e 24 da LOJMU
O Conselho especial de justiça é constituído para cada processo, existindo
enquanto perdurar o feito, nos termos dos artigos 20 e 23 da LOJMU.
Os Conselhos atuam nas audiências, julgamentos e tem competência para as
decisões estabelecidas no artigo 28 da LOJMU, sendo os demais atos processuais de
competência monocrática do juiz civil, a quem cabe, também monocraticamente, o
processamento e julgamento dos réus civis. Neste aspecto, dos acusados civis, é
comum causar surpresa a quem não é afeto ao tema. Diferentemente da justiça militar
estadual, que só processa e julga militares, a JMU tem competência para julgar civis
que pratiquem crimes militares.
Uma situação que cria uma certa exceção acerca do julgamento monocrático de
civis pelo juiz civil, é o caso de militares que praticaram o delito e passam a ostentar
a condição de civil no curso do processo. Conforme decisão do Superior Tribunal
Militar, de 16.05.2019, que fixou jurisprudência sobre a aplicação da Lei nº 13.774/18,
é de competência dos Conselhos de Justiça julgar ex-militares.
Cada Conselho atua, exclusivamente, nos processos que se originaram de delitos
que atingiram bens jurídicos tutelados concernentes a sua Força. Veja-se, o comum
é que o réu seja julgado por um Conselho formado pela Força a qual pertence, mas
não é isso que estabelece a sua composição. Para ilustrar a questão: caso um militar
da Aeronáutica, sendo filho de uma pensionista do Exército, passar a receber,
indevidamente, após o falecimento daquela, a sua pensão, ele responderá a processo
perante o Conselho permanente ou Especial do Exército, pois praticou um delito em
detrimento da Administração do Exército brasileiro.
A comunidade vinculada a Justiça Miliar da União tem a tarefa de disseminar às
20

autoridades civis, militares, organismos de direitos humanos, legisladores e


sociedade, a sua importância, a sua estrutura e independência como órgão do Poder
Judiciário Federal e o seu imprescindível papel no sistema judiciário do país. Nesse
intendo, a Ministra do Superior Tribunal Militar, Drª Maria Elizabeth Rocha, vaticina: e
quando o historiador do futuro passar em revista este acervo documental da JMU,
isentos da áurea passional, estou certa de que um capítulo especial estará reservado
aos homens do Direito e à Corte Castrense, se lhes reconhecendo a preservação dos
valores jurídicos tão caros à civilização. Concluídos os trabalhos, não tenho dúvidas
de que a Justiça Militar, ainda tão desconhecida, inclusive por grandes autoridades do
Direito e do Poder Judiciário Nacional, se aproximará da sociedade civil, e dela
receberá a crítica justa e o reconhecimento devido (ROCHA, 2014).

2.3 Direito Penal Militar

O direito regula o convívio social, assegurando-lhe as condições mínimas de


existência, de desenvolvimento e de paz. Tanto assim é que a sociedade e Direito
se pressupõe mutuamente (PRADO, 2015, p.65).
O direito penal militar é o setor ou parcela do ordenamento jurídico público que
estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas
consequências jurídicas - penas ou medidas de segurança (PRADO, 2015, p.67).
De acordo com os professores Ione de Souza Cruz e Claudio Amin Miguel (CRUZ;
MIGUEL, 2005, p.1), o direito penal militar:

é um ramo do Direito Penal, especial, criado não com a finalidade de definir


crimes para militares, mas sim de criar regras jurídicas destinadas à proteção
das instituições militares e o cumprimento de seus objetivos constitucionais”
e , ainda, que “Essa especialização se justifica na medida em que
entendemos que a sociedade civil tem como base a liberdade, enquanto as
instituições militares se fundam na hierarquia e na disciplina, seus princípios
basilares.

O cerne do direito penal militar é a tutela dos valores éticos e morais específicos
da caserna, sobretudo os princípios da hierarquia e disciplina que constituem a base
das organizações militares, mas é importante lembrar que as condutas delituosas
podem não estar diretamente relacionadas a estes princípios e valores, mas,
entendeu o legislador que, de alguma modo, foram afetados, o que ocorre,
21

normalmente, nos delitos relativos aos crimes impropriamente militares, praticados por
civis ou pelos próprios militares.
A matéria militar esteve preceituada praticamente em todas as Constituições
brasileiras. O artigo 124 da Lei Maior vigente dispõe que “à Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Esta lei é o CPM, instituído
pelo Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.69, que entrou em vigor em 1º.01.70 e tem
aplicabilidade tanto para a JMU quanto para a JME.
O CPM divide-se em parte geral e parte especial e tem, ainda, um livro destinado
aos crimes militares em tempo de guerra. Este estatuto, além de possuir institutos
jurídicos iguais ou semelhantes ao Código Penal Brasileiro, estabelece condutas
delitivas que são irrelevantes para a sociedade em geral, tais como: crime de
deserção, abandono de posto, desrespeito a superior, recusa de obediência, etc, que
tem como bens jurídicos tutelados a autoridade e disciplina militar, o serviço e o dever
militar.
O valor dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal Militar fica explícito quando
se observa a ordem assentada dos artigos da parte especial, comparada ao Código
Penal Brasileiro. No estatuto penal militar a tipificação das condutas inicia-se no “título
I – dos crimes contra a segurança externa do país”, com o artigo 136. Hostilidade
contra país estrangeiro; seguindo-se de motim, violência contra superior,
insubordinação, insubmissão, deserção, abandono de posto, dentre outros,
tipicamente militares, até o artigo 204, categorizando o Homicídio somente no artigo
205. De outro modo, o Código Penal Brasileiro inicia a parte especial no “título I - dos
crimes contra a pessoa”, com o artigo 121, que tipifica o homicídio simples.
Em conclusão acurada, Antônio Pereira Duarte (2015, p.42), infere:

A toda evidência o direito penal militar – como ramo especial do ordenamento


jurídico militar, tem sua base de legitimação na tutela de interesses
específicos que sustentam a existência coesa e hígida das instituições
militares. Por sua vez tais instituições primam, constitucionalmente, pelo
papel indelegável e impostergável de guardiães do Estado e das Instituições
Democráticas. Muito em função do elastério de tão singulares missões
cometidas a tais instituições permanente e regulares, na dicção do texto
constitucional vigente, é que se houve bem o constituinte pátrio ao –
compreendendo as peculiaridades desse serviço público típico, essencial e
inadiável, fixar a existência de Tribunais e Juízes Militares, com composição
mista – civis e militares situando-os como os juízos naturais dos fatos penais
militares

De fato, na esteira da intelecção do autor retro citado, o Direito Penal Militar é uma
22

ramo do direito especial que, em vários aspectos, se assemelha ao direito penal


comum, porém, em outros, em razão do bem jurídico tutelado, tem particularidades e
disciplina próprios. O acolhimento constitucional do direito penal militar demonstra a
importância e a preocupação do poder constituinte com os ilícitos penais especiais
que possam atingir as Forças Armadas e comprometer a sua missão indelegável de
defesa da Pátria, bem como a sua atuação doméstica em constantes missões
delegadas pelos poderes constituídos.

2.4 Critérios para a classificação do crime militar

O artigo 1º do CPM à exata semelhança do inciso XXXIX, do artigo 5º, da Carta


Magna de 1988, estabelece o Princípio da Legalidade para a aplicação da Lei Penal
Militar.
O critério estabelecido na CF/88 para definir crime militar é o ratione legis, ou seja,
em razão da lei, conforme o artigo 124 da Lei Maior “à Justiça Militar compete
processar e julgar crimes militares definidos em lei”.
O CPM é a lei que define os tipos penais, porém, para considerar algum fato como
delituoso, além de estar descrito no CPM ele deve ser típico (tem conduta, resultado,
nexo de causalidade e tipicidade), antijurídico (não se justifica por uma das causas de
excludente de ilicitude) e culpável (imputável, potencial consciência da ilicitude e não
lhe era exigível conduta diversa nas circunstâncias em que se encontrava).
Demais disso, a fim de caracterizar o crime militar, após as etapas acima, é
necessário o enquadramento do agente nos artigos 9º (tempo de paz) e 10º (tempo
de guerra) do estatuto militar, podendo este agente ser militar ou civil.
Deste modo, não se deve perder de vista que crime militar não é o crime cometido
por militar, nada obstante, certo é que, na prática, a maior incidência das hipóteses
previstas no artigo 9° do CPM, refere-se às condutas praticadas pelo militar em
serviço ou em razão da função.
Em artigo publicado na Revista do Observatório da JME (ALMEIDA, 2019), é
transcrito um silogismo bastante ilustrativo : “de forma didática, (ALMEIDA apud
SANTOS, 2013, p.69) expõe: “para sintetizar, a fórmula do crime militar é: FATO
TÍPICO + ANTIJURÍDICO + CULPÁVEL + ART.9º do CPM".
De acordo com os professores (CRUZ;MIGUEL, 2005, p.17), tais dispositivos são
23

o “coração” da legislação penal militar.


O enquadramento final da conduta delituosa em alguma das hipóteses delimitadas
no artigo 9ª do CPM, portando, é momento em que ela se qualifica como um crime
militar a ser processado e julgado pela JMU.

2.5 Espécies de crime militar

A Constituição Federal, no artigo 5º, LXI, dispõe que “ninguém será preso senão
em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária
competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar,
definidos em lei”, bem como o código penal comum, no inciso II, do artigo 64, quando
trata da reincidência, “não se consideram os crimes militares próprios e políticos”, o
que torna imprescindível a diferenciação das espécies. Porém, a lei ordinária não
define esta diferença, o que ficou ao encargo dos doutrinadores do Direito Militar.
A classificação dos crimes quanto aos bens jurídicos tutelados fica ao encargo dos
doutrinadores, os quais, em sua maioria, dividem em propriamente e impropriamente
militar, entretanto, uma subdivisão mais acurada é delineada pelos professores
(CRUZ; MIGUEL, 2013, p.3).

- Crime propriamente militar - aquele que só pode ser praticado por militar.
Exemplos: deserção (artigo187), abandono de posto(artigo 195) e
desrespeito a superior(artigo 160);
- Crime tipicamente militar - aquele que só está previsto no Código Penal
Militar. Exemplos: deserção (artigo 187), insubmissão (artigo 183) e o furto
de uso (artigo 241);
- Crime impropriamente militar - encontra-se definido da mesma forma no
Código Penal Militar e no Código Penal Comum. Exemplos: homicídio (artigo
205), furto (artigo 240) e lesão corporal (artigo 209).

Ocorre que, a Lei 13.491/17, de 13.10.17, inspiração do presente trabalho, ampliou


a redação do artigo 9º do CPM e alterou sensivelmente o conceito de crime militar,
pois, desde então, a Justiça Militar passou a julgar os crimes previstos não só no COM,
como também, no Código Penal comum e nas Leis extravagantes. Dessa forma,
houve uma ampliação significativa da competência das Justiças militares com o
surgimento de uma nova espécie de crime militar sobre o qual a doutrina ainda não
está pacificada.
De acordo com o professor Ronaldo Roth (2018, p.6) a nova espécie de crime
militar é o crime militar por extensão, ou seja, crimes existentes na legislação penal
24

comum que não existem na legislação penal militar, mas, episodicamente, constituem-
se crimes militares quando preenchem um dos requisitos do inciso II do art. 9º do
CPM” (ASSIS apud ROTH, 2019), tais como os crimes de Abuso de Autoridade,
Tortura, Lei Maria da Penha e Organização Criminosa.
Vale destacar que o requisitos do inciso II, acima citado, referem-se aos militares,
por conseguinte, constata-se que o civil poderá cometer somente os crimes
tipicamente militares (pouco comum de ocorrer) e os impropriamente militares.

2.6 Jurisdição, Competência e Juiz natural na Justiça Militar da União

A atividade pela qual o Estado-Juiz decide o direito, soluciona litígios e aplica a lei
e, também, a área territorial dentro da qual este poder pode ser exercício, é a
Jurisdição do Juiz/Juízo.
Os professores (GRINOVER; FERNANDES; GOMES FILHO, 2004, p.49) ensinam
que a função jurisdicional, que é uma só e é atribuída abstratamente a todos os
Órgãos do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização até
chegar-se à determinação do juiz competente para o processo: por meio de regras
constitucionais e legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com
referência à dada categoria de causa (regras de competência), excluem os demais
órgãos jurisdicionais para que só aquele deva exercê-la em concreto.
Uma destas regras de competência acima mencionadas pela professora Ada é a
definição da competência pela natureza da infração, como a Justiça Militar e a Justiça
Eleitoral ou pela natureza da relação, como a Justiça do Trabalho, o que as tornam
uma Justiça Especializada. Outro exemplo é a competência em função de
determinadas funções públicas do acusado, que gera o foro especial por prerrogativa
de função.
As regras de competência em estão estabelecias na Constituição Federal, no
Código de Processo Civil e em leis ordinárias.
A doutrina concebeu a divisão da competência em absoluta e relativa.
A competência absoluta não pode ser modificada, ela é determinada por lei e está
relacionada ao interesse público. Pode ser fixada em razão da matéria (civil ou penal),
da pessoa (relação entre as partes) ou funcional (relacionada a função do órgão
julgador) e deve ser declarada a qualquer momento, tanto pelo juiz quanto pelas
25

partes, podendo acarretar uma nulidade absoluta do processo, mesmo depois do


trânsito em julgado4 da decisão.
A competência relativa normalmente está relacionada ao valor da causa ou a
territorialidade e só pode ser alegada pela parte, não ensejando a nulidade.
A Constituição Federal de 1988 fixou, nos direitos fundamentais, que não haverá
juízo ou tribunal de exceção e que ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente.
Estes mandamentos tratam, implicitamente, do que a doutrina definiu como o
Princípio do Juiz Natural, que é a garantia constitucional de que ninguém será julgado
por autoridade que não tenha competência previamente fixada por lei ou por um
tribunal formado depois do cometimento do suposto delito.
Marcelo Alexandre e Vicente Paulo (2010, p.66) harmonizam todas as questões
concernentes ao Princípio do Juiz Natural:

Esse princípio assegura ao indivíduo a atuação imparcial do Poder Judiciário


na apreciação das questões postas em juízo. Obsta que, por arbitrariedade
ou casuísmo, seja estabelecido tribunal ou juízo excepcional (tribunais
instituídos ad hoc, ou seja, para o julgamento de um caso específico, ex post
facto, isto é, criados depois do caso que será julgado), ou que seja conferida
competência não prevista constitucionalmente a quaisquer órgãos
julgadores.

Dito isto, se passa a refletir acerca do tema no tocante à JMU. O julgamento dos
civis na JMU é de competência monocrática do juiz civil, na primeira instância e, em
sede de recurso, pelo Superior Tribunal Militar, órgão colegiado de composição mista.
Quanto ao julgamento dos militares, é realizado pelo escabinato, composto pelo Juiz
Federal da Justiça Militar e quatro oficiais das Forças Armadas, o que gera polêmica
quanto a falta de investidura no cargo de juiz de direito dos militares, em face do
princípio da identidade física do juiz inserida no código penal brasileiro (DECRETO-
LEI, 1940), considerando que, em razão da temporalidade da constituição trimestral
dos Conselhos Permanentes de Justiça, instituído no artigo 24 da Lei 8.457/92 –
LOJMU (1992), é comum que os oficiais do Conselho Permanente que instruiu o
processo não o julgue.
Nada obstante, o Superior Tribunal Militar, reiteradas vezes, decidiu acerca da

4Expressão utilizada para se referir a uma situação na qual findou o prazo para recurso ou por não
caber mais qualquer recurso relativo a uma decisão judicial
26

inaplicabilidade do princípio da identidade física do juiz ao processo penal militar,


firmando jurisprudência neste sentido, conforme se vê no acórdão5 que se segue:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO NAS PENAS DO


ART. 251, §§ 2º E 3º C/C O ART. 53, TUDO DO CPM. ARGUIÇÃO DE NÃO
RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DA LEI QUE PREVÊ A
CRIAÇÃO E A DISSOLUÇÃO DOS CONSELHOS PERMANENTES DE
JUSTIÇA, A CADA TRÊS MESES, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO
JUIZ NATURAL E DA ÍDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE.
NÃO APLICABILIDADE DO ART. 399, § 29, DO CPP NO ÂMBITO DA
JUSTIÇA MILITAR. I - É firme o entendimento deste Tribunal no sentido de
que permanece plenamente eficaz o art. 24 da Lei n2 8.457, de 8 de setembro
de 1992, que preconiza a constituição trimestral do Conselho Permanente de
Justiça para processar e julgar crimes militares perante a Primeira Instância
da Justiça Militar da União, considerando que, até o presente momento, essa
disposição legal não foi declarada inconstitucional, seja por meio do controle
concentrado, no âmbito do Pretório Excelso, seja por meio do controle difuso
de constitucionalidade, no âmbito desta Justiça castrense. II - O princípio da
especialidade inerente à Justiça Militar da União torna inviável a aplicação do
§ 2º do art. 399 do CPP, que preconiza o princípio da identidade física do juiz,
não havendo possibilidade jurídica de se promover a mescla dos subsistemas
processuais penais comum e militar. Ordem de habeas corpus denegada.
Decisão unânime.

Neste encalço, sobre o tema, Jorge Cesar de Assis e Mariana Queiroz Aquino
Campos (ASSIS; AQUINO, 2015, p. 24), transcrevem parte de Acórdão prolatado pelo
STM em Embargos de Declaração:

a instituição dos Conselhos de Justiça, com a participação de oficiais das


Forças Armadas tem amparo constitucional materializado nos arts. 16 a 24
da Lei 8.457/1992, os quais se encontram em plena vigência. O
comportamento do militar, edificado nos pilares da hierarquia e da disciplina,
traz ao juiz militar a independência para julgar de acordo com sua
consciência, de forma séria e desvinculada, respeitando sempre o devido
processo legal, a igualdade das partes e as garantias constitucionais do
jurisdicionado (STM-EMBDEC DF 0000022-12.2008.7.02.0202, Relator :
William de Oliveira Barros, Data do Julgamento:23.08.2011, Data da
Publicação: 23.09.2011).

Dessa forma, acurada é a conclusão do professor Ronaldo Roth (ROTH, 2018,


p.30) de que:

a existência do Colegiado de 1ª instância formado por Juízes Militares ao lado


do Juiz togado é que distingue a Justiça Militar de outros Órgãos do Poder
Judiciário, de forma que a essencialidade da decisão colegiada não pode ser
suprimida pela decisão do Juiz togado em face do Juiz natural. A qualidade e

5 Decisão proferida por um Órgão colegiado de um Tribunal Superior, que cria um padrão para
solucionar casos análogos;
27

a adequação escorreita das decisões da Justiça Militar têm como marca


histórica, desde Roma Antiga, a presença dos Juízes Militares ao lado do Juiz
togado no Escabinato castrense e aqui no Brasil no conhecimento
constitucional dos crimes militares6

Relativamente ao Superior Tribunal Militar, em fase recursal, estão sujeitos tanto


os militares quanto os civis, pois é a instância única para recurso na JMU.
Na segunda instância, por sua vez, os Juízes Militares atuam de forma vitalícia na
mesma conformidade que os Juízes civis, porquanto os Juízes Militares, seja de
primeira como de segunda instância, constituem-se em uma categoria de Juízes
constitucionalmente previstos dentre os órgãos do Poder Judiciário (art. 92, inciso VI,
CF) como Juízes naturais da matéria de competência da Justiça Castrense (ROTH,
2018, p.1) – Revista A Força Policial.
Isto posto, resta claro que a atuação do juiz militar nos Conselhos de Justiça está
em consonância com o devido processo legal do Estado Democrático de Direito e as
formalidades constitucionais e legais que marcam os juízes temporários de primeira
instância; essência da Justiça Especializada Militar.
A divisão da competência entre os vários órgãos que integram a justiça federal e
estadual brasileira estão definidas na Constituição Federal, além de outras na
legislação esparsa.
Pelo que se infere do artigo 109 da CF/88, há uma sequência por eliminação
quanto à competência relativa à crimes federais, ou seja, inicialmente deve-se
analisar se é competência de alguma Justiça Especializada - Militar ou Eleitoral (que
também pertencem ao Poder Judiciário Federal). Não sendo da Justiça Especial,
verifica-se a competência da Justiça Federal e, por fim, não sendo, a competência
é da Justiça Estadual.
É importante ressalvar que, no artigo 124 da CF, o legislador refere-se à JMU e,
esta, tem competência tão somente criminal, não havendo qualquer outra regra para
conhecimento de questões civis, diferentemente da JME, que processa e julga
ações judiciais contra atos disciplinares militares, conforme o § 4º do artigo 125 da
CF/88. Por outro lado, a JMU julga civis que cometam crime militar, o que já não
ocorre na JME, por força do mesmo dispositivo citado.

6REVISTA a Força Policial. Disponível em: http://revistafpolicial.policiamilitar.sp.gov.br/?page_id=4024.


Acesso em: 15 set. 2020.
28

Após a definição de que a questão compreende crime militar afeto à Justiça


Miitar da União, a Lei 8.457/92 – LOJMU trata da competência interna do Órgão. A
partir do “capítulo II – da competência, iniciando-se no artigo 6º com as
competências do Superior Tribunal Militar; dos Órgãos de Primeira Instância no
artigo 11º e a Corregedoria da Justiça Militar no artigo 12º.
O tema estrutura e atribuições, já cuidado anteriormente, tangenciou a questão
da competência. Contudo, é conveniente sintetizar as três principais razões que
firmam esta competência da JMU: Crime + Forças Armadas + Artigo 9ª do CPM e,
ainda, relembrar que a competência das Auditorias é “mista”, cabendo-lhes
conhecer dos processos relativos à Marinha, ao Exército e a Aeronáutica, distribuídos
igualmente e sequencialmente por ordem de registro dos feitos.
Na concepção doutrinária de divisão da competência em absoluta e relativa, a
JMU detém uma competência absoluta, pois é uma norma de ordem pública, o seu
não atendimento resulta em incompetência absoluta que, por conseguinte, gera
nulidade absoluta de qualquer ato ou decisão proferida por um juiz
constitucionalmente incompetente, a exceção do Princípio do non reformatio in pejus,
o qual significa que não pode haver reforma da decisão para piorar a situação do réu.
Por exemplo, se um indivíduo vier a ser julgado e absolvido pela Justiça Comum, por
ter cometido um crime militar, esta decisão não poderá ser desconstituída para que
ele seja julgado na Justiça Militar, pois a nova decisão poderá ser em prejuízo ao réu.
Durante a pesquisa para a elaboração do presente trabalho, observamos
algumas asserções no sentido de que deveria haver uma leitura restritiva para os
casos a serem processados e julgados na Justiça Militar. Além do desrespeito à
segurança jurídica do acusado, o argumento é pouco técnico. Ora, ao Ministério
Público Militar, titular da ação penal militar, compete a defesa dos bens jurídicos
tutelados pela norma penal castrense, ele é o responsável por supervisionar a
investigação criminal e promover a ação penal por meio de denúncia, se for o caso,
ou requerer o arquivamento, se não vislumbrar indícios de crime militar. A “opinio
delicti7” do Ministério Público Militar tem que estar objetivamente lastreada na
legislação penal militar, não cabe ao Órgão Ministerial avaliar subjetivamente cada
caso, havendo prova de fato que, em tese, constitua crime militar e indícios de
autoria, deverá denunciar. Do mesmo modo, o Juiz Federal da Justiça Militar

7 opinião acerca da ocorrência do delito


29

deverá receber a denúncia, caso estejam presentes os requisitos estabelecidos no


artigo 77 do Código Processo Penal Militar.
Sendo assim, no crime militar, não há exigência de motivação para sua
caracterização, sendo necessário, tão somente, o preenchimento das condições
objetivas do artigo 9º do CPM, que é a tipicidade complementar necessária à
caracterização do delito militar, critério este suficiente e seguro para o distinguir do
crime comum. Especificamente com relação aos crimes dolosos contra a vida
praticados por militar contra civil são, em regra, crimes comuns, mas serão crimes
militares no contexto dos incisos I a III, do § 2º, do artigo 9º do CPM.
A intepretação do que seja crime militar depende de critérios objetivos da
Lei (CPM), pois “a estrutura típica do crime militar (essentialia delicti8) se
caracteriza apenas por elementos de ordem objetiva, logo, não se pode inserir a
motivação (elemento de ordem subjetiva) no exame do caso concreto, sob pena de
se desnaturar o crime militar para, indevidamente e contra legem, transformá-lo em
crime comum, ensina, Ronaldo Roth9(ROTH,2017,pg.29/30).
O eminente jurista Ives Granda Martins, em palestra proferida em 03 de
setembro de 2020, durante atividade do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia, da Escola Superior de Guerra, transbordando sua sabedoria jurídica
asseverou que é necessário ler o que está escrito na lei e não o que gostaríamos
que estivesse nela e, ainda, que há de se respeitar a har1monia e independência
dos poderes, não podendo o judiciário tornar-se um legislador complementar.
Portanto, caso haja intenção de se restringir a atuação da Justiça Militar
da União, isso deverá ser efetivado pelo Poder Legislativo nos devidos trâmites do
processo legislativo que vigora no Estado Democrático de Direito, pois não cabe
ao Poder Judiciário imiscuir-se na esfera legislativa a fim de averiguar se os motivos
determinantes para a promulgação de uma lei são ou não motivos legítimos, pois
essa é uma decisão que cabe ao legislador, em razão do princípio, também
Constitucional, da separação de poderes, sob pena de o Poder Judiciário incorrer
em interferência indevida na esfera de atuação do Poder Legislativo.

8 elementos essenciais do crime


9 http://www.amajme-sc.com.br/revista126.htm
30

3 FORÇAS ARMADAS. MISSÃO E ATRIBUIÇÕES SUBSIDIÁRIAS

A missão e as diretrizes básicas das Forças Armadas são constitucionalmente


definidas no capítulo II, “título V – da defesa do Estado e das instituições
democráticas”, artigos 142 a 143, sa CF/88.
O artigo 142 pode ser fragmentado em três desígnios, a) a defesa da pátria; b) a
garantia dos poderes constitucionais; e c) a garantia da lei e da ordem, por iniciativa
de qualquer dos poderes; e um pilar, hierarquia e disciplina.
O parágrafo primeiro do artigo 142 preconiza que as normas gerais a serem
adotadas na organização, no preparo e emprego das Forças Armadas será instituída
por lei complementar.
À vista disso, foi editada a LC nº 69, de 23.07.1991, que, posteriormente, foi
revogada pela Lei Complementar nº 97/99, de 09.06.199, que dispõe sobre as normas
gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. As Leis
complementares nº 117/2004 e nº 136/2010 introduziram diversas alterações
importantes na lei original, como, por exemplo, a possibilidade de adestrar-se em
ambiente real, vivenciando as situações de a garantia da lei e da ordem como elas
normalmente ocorrem, trabalhando conjuntamente com a cooperação dos órgãos de
segurança pública, com todo o respaldo legal de uma atividade considerada de
natureza militar.
A atuação mais recorrente do uso das FA nas atividades de Garantia da Lei e da
Ordem levam a promulgação do Decreto nº 3.897, de 24.08.2001, que fixa as
diretrizes para o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem.
Neste compasso, as Forças Armadas passaram a editar várias normas internas de
organização e orientação das atividades, tais como o Manual de Campanha –
Operação de Garantia da Lei e da Ordem do Exército brasileiro, de 2010, revogado
pela nova edição de 2018 (MANUAL DE CAMPANHA, 2018), que estabelece a
doutrina das Operações de Garantia da Lei e da Ordem e operações afins (segurança
de grandes eventos, garantia de votação e apuração etc.), visando a orientar as
atividades e o emprego dos elementos da Força Terrestre.
A Garantia da Lei e da Ordem é uma atribuição eventual, pois a segurança interna
cabe, precipuamente, às polícias dos estados federativos. As Forças Armadas atuam
somente quando há um esgotamento das forças de segurança pública, pelo tempo
necessário para restabelecer a ordem rompida. A GLO também já foi adotada para
31

assegurar a lisura em processos eleitorais. Pela primeira vez, em 2019, o emprego


das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem foi aplicado para o combate a
crimes ambientais, mais precisamente, o desmatamento ilegal e focos de incêndio na
Amazônia Legal, tendo sido batizada de Operação Verde Brasil 1. Por meio do
Decreto n° 10.341, de 6 de maio de 2020, o Governo Federal deflagrou a Operação
Verde Brasil 2.
Neste percurso, é deveras relevante destacar que a Estratégia Nacional de Defesa
do ano de 2008, aprovada pelo Decreto 6.703, de 18 de dezembro de 2008, assinado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previa como meta do Ministério da Defesa
propor a alteração da Lei nº 9.299, de 07 de agosto de 1996, a fim de viabilizar o
emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem, nos termos da
Constituição Federal, com eficácia e resguardo de seus integrantes. Quanto a esta
perspectiva governamental é certo que a questão da GLO foi no sentido de que tais
operações trariam maior possibilidade de conflitos, deste modo, era necessário
resguardar os integrantes das FA no sentido de não ficarem sujeitos a variações das
decisão judiciais a cada caso.
Nada obstante as atuações nas Op GLO serem, maioritariamente, foco da origem
das demandas jurídico-penais militares relacionadas ao confronto entre militar e civil
e, por isso, existir uma crença generalizada de que somente a ela se refere, o contexto
estabelecido pela Lei nº 13.491/17 para a caracterização dos crimes militares dolosos
contra a vida de civil é mais extenso, considerando que as FA atuam em diversas
outras atividades que demandam a mesma natureza, conforme se vê na transcrição
dos incisos do § 2º da citada lei, em que se dará a competência da JMU:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo


Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão
militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e
da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:
a) Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica;
b) Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999 ;
c) Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo
Penal Militar; e
d) Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. ” (NR)
32

O professor Jorge Cesar de Assis (2009, p.107/111), incansável estudioso do


Direito Militar, descreve a essência de cada um dos incisos atribuídos ao § 2º, da Lei
nº 13.491/17, dentro os quais destacam-se alguns trechos:

Inciso I - É possível afirmar que este dispositivo é de natureza ampla, e,


naturalmente, tais atribuições a serem estabelecidas pelas autoridades
referidas deverão estar previstas na Constituição e nas leis, visto que o
emprego das Forças Armadas será sempre um ato vinculado
Inciso II - A segurança de instituição militar é um dos pontos de permanente
atenção das Forças Armadas. Com efeito, se verificarmos, por exemplo, o
Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Exército Brasileiro, R-
1(RISG), veremos que nos termos de seu art. 208, inc. I, a primeira das
principais finalidades da Guarda é, exatamente, a de manter a segurança do
quartel, daquela Unidade Militar para usarmos uma expressão mais ampla.
A missão militar, portanto, está ligada diretamente aos interesses da
instituição militar, seja para ser cumprida por um ou mais integrantes da força
armada e, ocorrendo homicídio doloso contra avida de civil no desenrolar
dessa missão, será considerado crime militar, independentemente de o fato
da missão considerada ser ou não de natureza beligerante.
Inciso III - Não há dúvida de que essa atuação das Forças Armadas
(atribuição subsidiária) tem natureza militar, e essa natureza decorre,
exatamente, da Constituição Federal. Não teria sentido a Carta Magna prever
funções específicas às Forças Armadas de defesa da Pátria e garantia dos
Poderes, da lei e da ordem (art. 142, caput); nominar seus integrantes de
militares (§ 3º, do art. 142); prever que a lei estabeleceria outras situações
especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades
(LC 97/1999), se no desempenho dessas mesmas atividades, havendo o
cometimento de um crime por parte dos militares federais, esse crime fosse
considerado de natureza comum.
Portanto, homicídios dolosos contra a vida de civis, praticados por militares
federais, nas circunstâncias que acima foram expostas, terão sua
investigação procedida pelas autoridades de polícia judiciária militar, e o
decorrente processo e julgamento pela Justiça Militar da União.

O § 7o, do artigo 15, da Lei Complementar 97/99, relaciona as situações


consideradas de atividade de natureza militar para os fins do art. 124 da Constituição
Federal. (importante para o reconhecimento do contexto estabelecido no inciso III, do
§ 2º, da Lei nº 13.491/17). Quais sejam : os casos previstos nos artigos 13, 14, 15, 16-
A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art.
18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16, da referida lei, e no inciso
XIV, do art. 23, da Lei n 4.737/65 (Código Eleitoral).

Consoante já foi esclarecido, as Op GLO não são, exclusivamente, as atividades


que podem gerar situações de conflito entre militares e civis, tampouco estas
operações são desenvolvidas somente no âmbito da segurança pública, o que é
quase totalmente ignorado pela sociedade. Contudo, como, de fato, as atividades de
GLO são as que geram a maior parte dos conflitos, as mais conhecidas e mais
33

midiáticas, para conhecimento, encontram-se anexos ao presente trabalho os


documentos abaixo relacionados, referentes a todo o histórico das operações, sob
vários aspectos, desde o ano de 1992, atualizados até maio do presente ano,
elaborados pelo Ministério da Defesa, conforme se seguem: 10

i. Planilha com dados históricos (atualizada em maio de 2020) – anexo A;


ii. Distribuição das operações de GLO 1992 - 2020 (gráfico do tipo barras) –
anexo B;
iii. Distribuição das operações de GLO 1992 - 2020 (gráfico do tipo linha) –
anexo C;
iv. Estatísticas de GLO por tipo - 1992 - 2020 – anexo D;
v. Tabela de efetivos e custos da GLO no período de 2010 - 2020 – anexo E;
vi. Protocolo para abordagem e revista da população – anexo F.

Além das Op GLO, as FA atuem em ações subsidiárias particulares de cada Força,


tais como, autoridade marítima e aeronáutica; controle de tráfego aquaviário e aéreo;
comércio de produtos controlados; ações cívico-sociais; apoio humanitário em
emergências e calamidades; ações de proteção ao meio-ambiente e desenvolvimento
nacional; e defesa cibernética, entre outras que se incluem no inciso III.
A Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos
Militares, também revela características peculiares dos membros das Forças
Armadas, tais como o regime de dedicação exclusiva, rigor dos princípios da
hierarquia e disciplina, valores rígidos, ética e imposição de sacrifícios, inclusive da
própria vida, compromissos e deveres inflexíveis, que revelam uma carreira
diferenciada e que, por sua vez, necessitam de uma Justiça Especializada que, dentro
de toda a configuração legal do ordenamento jurídico pátrio, também detenha o
conhecimento das suas especificidades.

4 DA CONSTITUCIONALIDADE, DA CONVENCIONALIDADE DA LEI 13.491/17


E DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

4.1 Da constitucionalidade

A lei nº 13.491/17, desde que foi promulgada, tem trazido muitos debates no teatro
do Direito Militar brasileiro, como destaca o Professor Jorge Cesar de Assis, a Lei nº

10GARANTIA da Lei e da Ordem. Ministério da Defesa. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-


br/assuntos/exercicios-e-operacoes/garantia-da-lei-e-da-ordem. Acesso em 14 set. 2020.
34

13.491, sancionada em uma sexta-feira 13, do mês de outubro de 2017, viria a alterar
sensivelmente o art. 9º, do CPM, que é o dispositivo que prevê as circunstâncias em
que ocorrem os crimes militares em tempo de paz. Desde sua edição, a nova lei tem
ensejado a discussão em vários aspectos que envolvem o crime militar e seu
consequente processo” (ASSIS, 2019, p.7)

O reverso da constitucionalidade, a inconstitucionalidade, é uma possível condição


decorrente do Controle de Constitucionalidade que, por sua vez, vem a ser um
mecanismo de verificação da compatibilidade da norma infraconstitucional face à
Constituição, em vários aspectos. Ao ser reconhecida atinge de morte a lei ou o ato
normativo considerado inconstitucional, que é declarado nulo.
A doutrina habitua classificar a inconstitucionalidade em cinco tipos, porém, para
este trabalho, são interessantes somente duas, relacionadas a origem do vício, que é
dividida em formal e material. Suscintamente, a inconstitucionalidade formal possui
dois tipos, a inconstitucionalidade formal propriamente dita, que é a decorrente de
inobservância do processo legislativo próprio, e a inconstitucionalidade de órgão
competente, quando não houve obediência à regra de competência. A
inconstitucionalidade material ocorre quando a lei ou ato normativo tem conteúdo
incompatível com um mandamento constitucional.
A contenda a respeito do tema é acerca do suposto vício de procedimento -
inconstitucionalidade formal propriamente dita - e do seu conteúdo -
inconstitucionalidade material.
A fim de conferir maior clareza no raciocínio, entende-se salutar imprimir,
resumidamente, uma sequência cronológica neste ponto e fazer uma regressão ao
início dos anos 90. À época se vivia um contexto social no qual se atribuía às Polícias
Militares um grande número de homicídios praticados contra crianças e adolescentes.
Em decorrência destes fatos foi instituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito
para Investigar o Extermínio de Crianças e Adolescentes no Congresso Nacional, que
resultou no Projeto de Lei nº 2.801, de 1992, o qual, por sua vez, pretendia a alteração
do CPM e o do CPPM, para remeter à Justiça Comum o julgamento de crimes dolosos
cometidos contra civil.
A justificação do Projeto foi apresentada em 20 de fevereiro de 1992, na qual a
Comissão de Inquérito, destinada a investigar o extermínio de crianças e
adolescentes, consolidada em seu relatório final, sugeriu que o julgamento de
35

policiais militares envolvidos com o extermínio seria, muitas vezes, permeado pelo
corporativismo, que geraria verdadeiro sentimento de impunidade nos criminosos
fardados.
O projeto acima referido resultou na promulgação da Lei nº 9.299/96, que que
introduziu o parágrafo único no artigo 9º do CPM, estabelecendo que “Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da
competência da justiça comum”, e, ainda, o § 2° no artigo 82 do CPPM, “Nos crimes
dolosos contra a vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos
do inquérito policial militar à justiça comum."
Faz-se uma ressalva ao artigo 82 do CPPM para destacar que este crime nunca
perdeu a natureza jurídica de crime militar, o que pode ser revelado na referência da
instauração de inquérito policial militar e de que a Justiça Militar encaminharia os autos
à Justiça comum, sendo, assim, aquela, competente para decidir se o crime seria, ou
não, crime militar.
Em 2011, novamente sua redação foi alterada pela Lei nº 12.432 (conhecida como
“Lei do Abate”) que fixou a competência da JMU para os crimes dolosos contra a vida,
praticados no contexto de ação militar realizada na forma do artigo 303 da Lei 7.565/86
– Código Brasileiro de Aeronáutica, o que revela que já havia exceção com relação
ao júri.
Enfim, no ano de 2017, a Lei nº 13.491, originária do PL nº 44/16 (Senado), de
autoria do Deputado Federal Esperidião Amin (Projeto nº 2801, da CPI, na Câmara
dos Deputados), veio, mais uma vez, revolver o artigo 9º do CPM, ampliando o rol de
crimes militares e inserindo o § 2º que restituiu para a JMU o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, praticados contra civil. Importantíssimo destacar que, há uma
percepção equivocada, principalmente de indivíduos que não tem proximidade com a
Direito Penal Militar, de que esta norma é para todos os militares de forma geral, o
que não o é, conforme se vê no parágrafo 1º. A competência afeta a JMU só se dará,
estritamente, no contexto dos incisos I a III do § 2º.
Dito isto, volte-se aos dois tipos de inconstitucionalidade sobre os quais foram
falados no início deste tema. Quanto a inconstitucionalidade formal, entende-se que
nada há que ser questionado, posto que, a lei decorreu do devido processo legislativo,
seguindo o rito estabelecido no artigo 59 e seguintes da Constituição Federal, bem
36

como na Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a


alteração das leis, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos.
Alguns operadores do direito apontam o fato de que, originalmente, o PL 44/16
trazia uma cláusula temporal, prevendo a vigência da lei até o dia 31.12.2016, com
vistas ao período dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos que ocorreriam na cidade do
Rio de Janeiro. Por meio do Veto Parcial nº 34/2017 o artigo foi vetado pelo Presidente
da República, à época, Michel Temer: “art. 2º. Esta Lei terá vigência até o dia 31 de
dezembro de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação
anterior por ela modificada.”
Não há qualquer indício de inconstitucionalidade formal por conta deste aspecto,
acontece que, a votação do projeto no Senado só ocorreu em 2017, sendo certo que
artigo 2º limitava a sua vigência até 2016, deste modo, diante da contradição temporal
lógica, restou obrigatório o veto presidencial; ademais, uma cláusula temporal, sim,
apresentava uma violação ao disposto no artigo 5º, inciso XXXVII, da Constituição
Federal, que veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção. Na Mensagem nº 402,
de 13/10/17, o Presidente da República encaminha ao Presidente do Senado Federal
as razões do veto parcial, bem como justifica o interesse público do ato:

Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da


Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse
público, o Projeto de Lei n o 44, de 2016 (no 5.768/16 na Câmara dos
Deputados), que “Altera o Decreto-Lei n o 1.001, de 21 de outubro de 1969 -
Código Penal Militar”.

Razões do Veto
As hipóteses que justificam a competência da Justiça Militar da União,
incluídas as estabelecidas pelo projeto sob sanção, não devem ser de caráter
transitório, sob pena de comprometer a segurança jurídica. Ademais, o
emprego recorrente das Forças Armadas como último recurso estatal em
ações de segurança pública justifica a existência de uma norma permanente
a regular a questão. Por fim, não se configura adequado estabelecer-se
competência de tribunal com limitação temporal, sob pena de se poder
interpretar a medida como o estabelecimento de um tribunal de exceção,
vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição.

O veto é a discordância do Presidente da República com determinado PL aprovado


pelas Casas Legislativas do Congresso Nacional, previsto na Constituição Federal, no
artigo 66 e seus parágrafos, com regramento interno no Regimento Comum do
Congresso Nacional, artigos 104 a 106 - D. Se caracteriza como político quando a
matéria é considerada contrária ao interesse público; jurídico, quando a matéria é
37

considerada inconstitucional; podendo ocorrer as duas situações ao mesmo tempo.


Quanto à abrangência, pode ser total ou parcial, sendo que neste último caso deve
recair sobre texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea (art. 66, §1º e §2º, da
CF). Ou seja, palavras ou períodos não são passíveis de veto.
A aposição do veto acontece durante o prazo de quinze dias úteis após o
recebimento da matéria pelo Presidente da República. Não havendo manifestação do
Executivo nesse período, o PL é considerado sancionado. Enquanto o veto é
expresso, a sanção pode ser tácita (art. 66, §3º, da CF)
Após a publicação de veto no Diário Oficial da União, a Presidência da República
encaminha mensagem ao Congresso, em até 48 horas, especificando suas razões e
argumentos. Sendo assim, o veto é sempre motivado (art. 66, §1º, CF).
A protocolização da mensagem na Secretaria Legislativa do Congresso Nacional
dispara o prazo constitucional de 30 dias corridos para deliberação do veto pelos
senadores e deputados em sessão conjunta (arts. 57, § 3º, IV, e 66, da CF).
Nos termos regimentais, publicados os avulsos, a matéria está pronta para
deliberação do Plenário. Decorrido o prazo de 30 dias sem deliberação, é incluída na
ordem do dia e passa a sobrestar as demais deliberações até a votação final do veto
(art. 66, §6º, da CF).
O veto nº 34/2017 aposto ao PL da Câmara nº 44, de 2016, que originou a Lei nº
13/491/17, configurou um veto político.
A fim de que não se perdesse todo o projeto, no qual já se debatia o emprego
frequente das Forças Armadas em Op GLO, e a necessidade de garantir ao integrante
das FA instrumento de segurança jurídica, bem assim a possibilidade de desatar toda
a ambiguidade trazida pela sequência de normas afetas ao tema, Lei nº 9.299/96, EC
nº 45/04 e Lei nº 12.432/11, esclarecendo a perfeita delineação da competência da
JMU, em 16/8/2017, o PL 44/16 foi objeto de emenda no Senado Federal, conforme
justificativa apresentada em parecer pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional :

No que se refere à cláusula de vigência, contudo, o projeto deve ser


aprimorado. O PLC prevê a vigência da Lei até o dia 31 de dezembro de 2016
e, após essa data, a repristinação da legislação por ela modificada. Ora, a
data a que o projeto faz referência já foi ultrapassada. Ademais, as situações
que excepcionam a competência do júri são recorrentes, o que justifica a
existência de uma norma perene. Além disso, conferir competência à Justiça
Militar da União apenas para julgamento de determinados fatos passados
38

pode ser entendido como a criação de um verdadeiro tribunal de exceção, o


que é vedado pela CF. Assim, estamos apresentando emenda, ao final,
retirando referida cláusula de vigência da proposição.

Deste modo, o veto presidencial veio a poupar o retrabalho dos Congressistas, o


que foi efetuado de acordo com as regras estabelecidas para o ato.
Nesta linha de raciocínio, Rodolfo R T Menezes assinala (MENEZES, 2018) que o
pensamento de separação de poderes não pode ser de forma rígida e intransponível,
e sim de uma forma mais harmônica, na qual o mecanismo de freios e de contrapesos
não serve apenas para restringir, mas para dar sentido à função do Estado como um
todo. Não pode apenas se limitar a um controle entre os poderes sem a finalidade
primordial: viabilizar a vida em sociedade.
Em 13/11/2017 foi realizado o “Estudo do Veto nº 34/2017” pela Secretaria
Legislativa do Congresso Nacional que concluiu como razão presidencial do veto

As hipóteses que justificam a competência da Justiça Militar da União,


incluídas as estabelecidas pelo projeto sob sanção, não devem ser de caráter
transitório, sob pena de comprometer a segurança jurídica. Ademais, o
emprego recorrente das Forças Armadas como último recurso estatal em
ações de segurança pública justifica a existência de uma norma permanente
a regular a questão. Por fim, não se configura adequado estabelecer-se
competência de tribunal com limitação temporal, sob pena de se poder
interpretar a medida como o estabelecimento de um tribunal de exceção,
vedado pelo artigo 5o , inciso XXXVII da Constituição.
Ouvido o Ministério da Defesa

O professor Fernando Galvão, em artigo publicado na Revista do Observatório da


JME, (ROCHA apud TEMER, 2017, p.4) colaciona sobre o posicionamento do
Presidente da República que aplicou o veto, que vem a ser reconhecido
constitucionalista brasileiro, e afirma que, com razão, o professor Michel Temer
sustentou em seu livro “Elementos de Direito Constitucional” que é inconstitucional
vetar artigo de lei, por completo, de forma que o PL venha a se desconfigurar.
Contudo, também tem razão o presidente Michel Temer quando entendeu que a
orientação não se aplica ao caso específico que lhe foi submetido e vetou o artigo do
projeto que fazia restrição temporal para a vigência da lei utilizando-se de referência
já ultrapassada. Não vetar o dispositivo significaria sancionar uma lei completamente
incapaz de produzir efeitos. Manter o dispositivo implicaria em uma contradição lógica
insuperável: concretizar a manifestação legislativa e, ao mesmo tempo, sancionar
39

uma lei que não pode produzir qualquer efeito jurídico. Ao final, infere: É imperioso
concluir que, diante da inconstitucionalidade manifesta de instituir-se um juízo das
olimpíadas e da contradição lógica estabelecida pela referencia temporal já
ultrapassada, só restava uma alternativa ao Presidente da República: vetar o
dispositivo inconstitucional e que impedia a eficácia da lei a ser sancionada.
Por fim, o veto nº 34/17 voltou para votação pelos parlamentares nos termos do
artigo 66, § 4º, da Constituição Federal, c/c os artigos 43, parágrafos 1ª e 2º e artigo
106-B, ambos do Regimento Comum do Congresso Nacional, apurada por cédula,
iniciando-se pela Câmara dos Deputados; não tendo sido necessário o
encaminhamento para o Senado, posto que, de acordo com o Regimento Comum
Congresso Nacional, os votos da outra Casa somente serão apurados se o veto for
rejeitado na primeira e, no caso, os Deputados, por maioria de votos (298 – sim, 108
– não), votaram pela manutenção do veto.
Deste modo, constata-se que todo o processo legislativo seguiu, rigorosamente,
os trâmites estabelecidos na CF/88, na LC nº 95/98 e no Regimento Comum do
Congresso Nacional (REGIMENTO COMUM, 1970), tendo, inclusive, o veto
presidencial sido chancelado pelo Congresso Nacional na Sessão Conjunta nº 23
(VETO nº 34, 2017), restando mantido.
Assim sendo, o Poder Legislativo cumpriu sua função típica de Estado, em atuação
legítima dos representantes eleitos pela vontade soberana do povo.
Debelada a questão quanto à inexistência de vício de procedimento, se passa a
analisar a (in) constitucionalidade material.
Entende-se que a questão é de Constitucionalidade Originária e Competência. A
competência da JMU é absoluta, jamais pode ser modificada, e o seu descumprimento
gera nulidade absoluta e insuperável.
Ao contrário, a competência do tribunal do júri não é absoluta, considerando
competências especiais estabelecidas na própria Constituição, e a competência
especial prevalece sobre a geral do tribunal do júri.
A Constituição Federal de 1988 instituiu a competência da JMU no artigo 124, para
julgar crimes militares definidos em lei. No mesmo passo, a Lei Magna instituiu o júri
no artigo 5ª, inciso XXXVIII, “é reconhecida a instituição do júri, com a organização
que lhe der a lei, assegurados:” “letra d) a competência para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida”. Portanto, sendo as duas normas constitucionalmente
40

originárias e não existindo hierarquia entre normas constitucionais, a competência da


Justiça Militar estava preservada para processar e julgar os crimes militares definidos
em lei, independente de quem seja o autor, podendo, inclusive, no caso da JMU ser
um civil, tanto é que não houve qualquer discórdia acerca do tema. A polêmica teve
início, como já dito, em 1996, com a promulgação da controvertida Lei nº 9.299, uma
Lei infraconstitucional versando sobre competência da Justiça Militar, em sentido
contrário à Constituição, pelo que se entende absolutamente inconstitucional,
conforme decidiu o Superior Tribunal Militar:

RECURSO CRIMINAL. Competência da Justiça Militar da União.


Inconstitucionalidade, declarada incidenter tantum, da Lei nº 9299 de 1996,
no que se refere ao parágrafo único do art. 9º do CPM e ao caput do art. 82
e seu parágrafo 2º do CPPM. Desde a sanção da Lei nº 9299 de 1996, com
o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional para modificá-la,
verifica-se que seu texto resultou equivocado. Enquanto não ocorre a
alteração do texto legal pela via legislativa, o remédio é a declaração de sua
inconstitucionalidade incidenter tantum, conforme dispõe o Art. 97 da CF.
Antecedentes da Corte (RCr nº 6348-5/PE). Provido o recurso do RMPM e
declarada a competência da Justiça Militar da União para atuar no feito.
Decisão unânime. (Superior Tribunal Militar. Recurso em Sentido Estrito nº
1997.01.006449-0. Relator(a): Ministro(a) ALDO DA SILVA FAGUNDES.
Data de Julgamento: 17/03/1998, Data de Publicação: 22/04/1998)

Ocorre que, os demais Tribunais Superiores passaram a decidir pela


constitucionalidade da Lei nº 9.299 . Em 2004, a Emenda Constitucional nº 45 pôs
fim a contenda no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, posto que, alterou o
artigo 125 da CF, que se refere às polícias militares dos estados; nada obstante
entendermos incorreto, assim como o professor Cícero Coimbra Neves (2020), “esta
é uma hipótese em que a Justiça Comum processa e julga crime militar, contrariando
o princípio da especialidade”, cujo fundamento é o mesmo para a JMU.
Relativamente à JMU a questão ficou ainda mais controversa e indefinida. Neste
trabalho, da mesma forma que vários doutrinadores, entende-se que a Lei nº 9.299/96
é inconstitucional e a EC nº 45/04 definiu expressamente que o policial militar estaria
submetido ao Tribunal do Júri, o que exclui o militar das Forças Armadas pelo silêncio
eloquente adotado pelo Constituinte Derivado. Deste modo, entende-se que o § 2º da
Lei nº 13.491/17 veio, tão somente, clarificar uma norma constitucional de
competência que nunca deixou de existir; nem a Lei 9.299/1996, tampouco a EC nº
45/04 retiraram a natureza militar do crime de homicídio, tanto que, mesmo que
processado e julgado pelo Tribunal do Júri, a Justiça Militar é quem define se o crime
41

é ou não doloso contra a vida, da mesma forma que a Polícia Judiciária Militar é a
competente para investigar o delito por meio de Inquérito Policial Militar. Ou seja, o
crime militar doloso contra a vida de civil “voltou a ser de competência da Justiça
Militar, sem nunca deixar de ter sido”
Mesmo aqueles que não compartilham deste raciocínio, não podem imputar à
norma em comento inconstitucionalidade material, posto que, a instituição do júri tem
a mesma origem e a mesma hierarquia que a competência especial da Justiça Militar,
conferida pelo Poder Constituinte. Por conseguinte, as normas tem que ser
compatibilizadas, nesta esteira, o STF reconhece que a instituição do júri cede à
especialidade da competência

EMENTA: AÇÃO PENAL. QUESTÕES DE ORDEM. CRIME DOLOSO


CONTRA A VIDA IMPUTADO A PARLAMENTAR FEDERAL.
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL VERSUS
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. NORMA CONSTITUCIONAL
ESPECIAL. PREVALÊNCIA. RENÚNCIA AO MANDATO. ABUSO DE
DIREITO. NÃO RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA COMPETÊNCIA DO
STF PARA JULGAMENTO. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE
PRIMEIRO GRAU. 1. O réu, na qualidade de detentor do mandato de
parlamentar federal, detém prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal
Federal, onde deve ser julgado pela imputação da prática de crime doloso
contra a vida. 2. A norma contida no art. 5º, XXXVIII, da Constituição da
República, que garante a instituição do júri, cede diante do disposto no art.
102, I, b, da Lei Maior, definidor da competência do Supremo Tribunal
Federal, dada a especialidade deste último. Os crimes dolosos contra a vida
estão abarcados pelo conceito de crimes comuns. Precedentes da Corte. 3.
A renúncia do réu produz plenos efeitos no plano processual, o que implica a
declinação da competência do Supremo Tribunal Federal para o juízo criminal
de primeiro grau. Ausente o abuso de direito que os votos vencidos
vislumbraram no ato. 4. Autos encaminhados ao juízo atualmente
competente.(AP 333, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
julgado em 05/12/2007, DJe-065 DIVULG 10-04-2008 PUBLIC 11-04-2008
EMENT VOL-02314-01 PP-00011)

Ademais, não é somente a competência da Justiça Militar que excepciona o


Tribunal do Júri, diversos dispositivos constitucionais estabelecem prerrogativa de
foro, tais como :
Artigo 29, inciso X - Prefeito deverá ocorrer perante o Tribunal de Justiça;
art. 53, parágrafo 1º - Deputados Federais e Senadores, desde a expedição
do diploma, perante o STF; art. 96, inciso III - Os juízes estaduais e do
Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público,
nos crimes comuns e de responsabilidade, compete aos Tribunais de
Justiça, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; art. 102, inciso I,
letra b - Presidente da República, Vice-Presidente, membros do Congresso
Nacional, Ministros do STF e o Procurador-Geral da República, compete ao
42

STF, processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns; art.


102, inciso I, letra c - Ministros de Estado, Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal
de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente compete ao STF, ressalvado o disposto no art. 52, I; art. 105,
inciso I, alínea “a” - os Governadores dos Estados e do Distrito Federal,
os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito
Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de
Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem
perante tribunais, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e
julgar, originariamente, nos crimes comuns, os dois primeiros e, os demais,
nestes e nos de responsabilidade e art. 108 - os juízes federais da área
de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho,
nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério
Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, compete
aos Tribunais Regionais Federais.

Outro exemplo é dentro do próprio Direito Militar. Em 2011, a Lei nº 12.432,


denominada “Lei do Abate”, alterou a redação do parágrafo único do artigo 9º do CPM,
“restituindo” para JMU a competência dos crimes dolosos contra a vida de civil no
contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei nº 7.565/86, sem que
houvesse qualquer manifestação acerca da sua (in) constitucionalidade.
Ressalvando, mais uma vez, o nosso entendimento de que nunca deixou de ser crime
militar.
O Ministro de Estado da Defesa Raul Jungman (2017), encaminhou
posicionamento, acerca da constitucionalidade do § 2º, ao Presidente do Senado,
sobre o PL na Câmara nº 44/16, que originou a Lei nº 13.491/17, de forma pontual e
cirurgicamente precisa, dentre quais destacam-se:

i. O PCL 44/2016 não trata de foro privilegiado, mas sim de competência de


justiça especializada constitucionalmente prevista (art. 124 da CF/88)
ii. A competência da Justiça militar para julgar crime militar, inclusive crime
doloso contra a vida de civil, praticados por militares das Forças Armadas no
exercício de operações militares existiu no ordenamento jurídico brasileiro de
1891 (art. 77 da Constituição) até a edição da Lei nº 9.299, de 1996, sem
qualquer questionamento ou contestação quanto à sua constitucionalidade;
iii. Inclusive, atualmente já existe previsão da competência da justiça militar
para julgar crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil quando
em operação militar, qual seja, na operação de abate de aeronave hostil, sem
qualquer questionamento de constitucionalidade;
iv. Atualmente a Justiça Militar (sic) - da União - detém a competência para
julgar o cidadão civil que pratica crime doloso contra a vida do militar, mas
não detém a competência para julgar o militar que, no exercício de operação
militar, praticar crime doloso contra a vida de um civil, ou seja, a justiça militar
julga civil, mas não julga militar, o que é uma incongruência.
43

v. Com o advento da EC 45/2004, houve definição constitucional expressa de


que somente o policial militar estadual estaria submetido ao tribunal do júri o
que exclui o militar das Forças Armadas pelo silêncio eloquente adotado pelo
Constituinte Derivado. Assim, numa interpretação sistemática, a nova norma
constitucional indica que os militares das Forças Armadas deveriam estar
submetidos às Justiça Militar. Se o desejo do Congresso fosse outro, teria
incluído expressamente os militares das Forças Armadas como fez para os
policiais militares estaduais (§ 4º do art. 125 da Constituição);
vi. O julgamento dos crimes dolosos contra a vida pelo Júri não constitui uma
regra absoluta e admite exceções previstas na própria Constituição, a
exemplo dos membros do próprio MPF e de parlamentares, que tem foro
privilegiado e não se submetem ao tribunal do Júri.
vii. No caso de crimes militares fica afastada a instituição do Júri por
autorização da própria constituição, que remete à lei a definição de crime
militares (ratio legis) e define a competência da Justiça Militar para julgá-los
(art. 124 da Constituição), exceções estas que devem ser respeitadas em
razão do princípio da unidade da Constituição (deve-se evitar interpretações
que incompatibilizem normas dentro da Constituição;

Por fim, ainda acerca da Constitucionalidade do § 2º, da Lei nº 13.491/17, Adriano


Alves Marreiro é perspicaz ao asseverar:

Não parece cabível em razão do Princípio da Unidade da Constituição que já


mencionamos: não se admite norma constitucional originária
inconstitucional. O mesmo texto original da CF que previu o júri entre os
direitos e garantias fundamentais com “competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida” também previu as competências das Justiças
Militares que se baseavam no escabinado e não no júri. Os dois devem ser
compatibilizados sem que aquele tenha o poder de tornar este inaplicável
(MARREIROS, 2017).

Alfim, por tudo exposto, não há qualquer inconstitucionalidade no processo


legislativo que culminou na promulgação da Lei nº 13.491/17, tampouco questão
material quanto ao seu § 2º, pois a competência da JMU para julgar crimes militares
definidos em lei é originária e, por isso, está hierarquicamente equivalente ao tribunal
do júri.

4.2 Da Convencionalidade

Desta vez, debelada a questão quanto à existência de conteúdo incompatível com


o mandamento constitucional - inconstitucionalidade material -, se passa a analisar a
(in)convencionalidade.
O controle de convencionalidade tem por finalidade aferir se as leis e/ou os atos
normativos ofendem, ou não, algum Tratado Internacional de Direitos Humanos. No
44

controle de constitucionalidade o parâmetro é a Constituição Federal e, no Controle


de Convencionalidade, os Tratados Internacionais.

A Emenda Constitucional nº 45/04 incluiu o § 3º no artigo 5º da CF, conferindo


hierarquia constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos, aprovados
através de quórum qualificado. Deste modo, os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.

Neste aspecto observa-se que o desconhecimento acerca da origem,


competência, atribuição e estrutura da Justiça Militar da União, até mesmo pelos
operadores do direito e detentores de cargos privativos da área jurídica, acarreta
conclusões totalmente equivocadas e infundadas acerca do controle de
convencionalidade com relação a legislação a ela afeta. Como já vimos anteriormente,
a JMU é prevista como órgão do Poder Judiciário, e assim estruturada, desde a
Constituição de 1934, e está fixada no artigo 124 da Carta Magna de 1988.

Sobre este aspecto, Jorge Cesar de Assis, na apresentação do livro de Octavio


Augusto Simon de Souza (SOUZA, 2009, p.11), revela que o autor traz a público que,
no Brasil, pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros, realizada em 2006,
mostra que mais da metade dos juízes brasileiros desconhece o funcionamento da
Justiça Militar.
Decorrentemente, esta insciência leva a Justiça Militar Pátria a ser comparada e
confundida com um Tribunal de Exceção ou uma Corte Marcial. Porém, não existe
qualquer semelhança.
O Tribunal de Exceção é expressamente vedado no art. 5º, inciso XXXVII,
da Constituição Pátria. Este Tribunal é instituído em caráter excepcional, após a
ocorrência do fato a ser analisado, e não desfruta de assento constitucional. Tem
uma origem política e, normalmente, é estabelecido em estados autocráticos e/ou
ditatoriais.
As Cortes Marciais, por sua vez, tem uma conotação administrativa e não se
situam na esfera do Poder Judiciário, mas no âmbito do Poder Executivo.
Muitas vezes verifica-se que as críticas dirigidas à Justiça Militar se baseiam no
discurso de violações de direitos humanos, desaparecimento forçado de pessoas e
45

comparação com instituições de outros países, o que revela, de fato, total


desconhecimento da realidade deste ramo do Poder Judiciário.
Em se falando de comparação, Otávio Augusto Simon de Souza (2009, p 63 e 68)
juiz civil do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, na sua obra, Justiça
Militar: Uma comparação entre os sistemas constitucionais brasileiro e norte-
americano, faz um estudo pormenorizado entre os dois sistemas de justiças militares,
demonstrando que são completamente diferentes entre si
A Justiça Militar não é mencionada explicitamente na Constituição norte-americana
Ao contrário, o sistema constitucional brasileiro, considera a Justiça Militar tão
importante para a ordem jurídica que a inclui como parte integrante do Poder
Judiciário, classificando-a em uma seção própria na Constituição do país. Nestes
termos, portanto, a Justiça Militar no Brasil é uma Justiça Constitucional, presentes as
mesmas garantias fundamentais asseguradas ao cidadão comum quando julgado
pelos cortes civis. Diferentemente do Brasil, os tribunais militares norte-americanos
integram o Poder Executivo como cortes administrativas que fazem parte das Forças
Armadas.
Assim como nos Estados Unidos, ao que se sabe, na maior parte do mundo, o que
há, são Cortes Marcias, o que leva aos organismos de Direitos Humanos e críticos
desavisados, que desconhecem o sistema jurídico penal militar brasileiro,
constitucionalmente estabelecido, ao que parece, único no mundo com a sua
composição, a tecer considerações irrefletidas e equivocadas quanto à questões de
Convencionalidade.
A primeira palestra do “Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a
Corte Interamericana de Direitos Humanos” (PORTO, 2015), em fevereiro de 2015,
na sede do Superior Tribunal Militar, foi ministrada pelo juiz presidente da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, à época, Humberto Antonio Sierra Porto. O
controle de convencionalidade foi o tema de destaque e, na ocasião, Humberto Porto
afirmou que

... é responsabilidade essencial dos tribunais nacionais fazer justiça


respeitando o direito interno e a jurisdição internacional. Segundo explicou,
todos os decisores públicos devem recorrer às fontes do direito internacional
como mais um parâmetro para resolver casos concretos, sem abrir mão das
respectivas competências.
46

O professor Jorge Cesar de Assis, celebrado estudioso e doutrinador do Direito


Penal Militar, percebe com muita propriedade (2015, p.117/118).

Sabe-se que existe uma Carta de Princípios da ONU(noticiada por Kathia


Martin Chenut) que se pretende sejam observados na Justiça Militar” “A
análise do Projeto de Princípios – que se constitui de 20 princípios - , e
seguindo-se a observação precisa de Kathia Martin Chenut, permite verificar
que vários deles estão sendo respeitados no Brasil: o 1º (criação da jurisdição
militar pela Constituição e pela lei), já que a Justiça Militar brasileira tem
amparo constitucional e legal.

Por conseguinte, no Brasil, a JMU tem previsão constitucional como órgão do


Poder Judiciário; além disso, a sua estrutura, composta por de juízes civis, membros
do Ministério Público da União, Defensores Públicos da União, servidores públicos
civis, todos com ingresso mediante concurso público, amplo acesso a advogados,
instrução e julgamentos públicos, rigorosa observação de todas as garantias
individuais previstas na Constituição e em tratados, afasta as preocupações sobre
qualquer questão de convencionalidade.

4.3 Posições Antagônicas

Situação inusitada emergiu desde a apresentação do PL nº 44/16, confrontando


Ministério Público da União versus Ministério Público da União.
Dois ramos do MPU manifestaram-se em posições opostas, por meio de Notas
Técnicas, deste modo, vamos buscar destacar alguns trechos, de cada uma delas,
que demonstrem seus fundamentos, ou não.
O Ministério Público Federal, por meio da Nota Técnica 08/2017/PFDC/MPF11 ,
manifestou-se desfavorável à proposta do projeto.
Nesta manifestação observa-se, data vênia, um fato que já foi relatado
anteriormente acerca do desconhecimento deste ramo tão especializado que é o
Direito Militar e a Justiça Militar.
Após breve relato dos fatos, os membros do Ministério Público Federal iniciam
suas considerações citando o eminente Professor José Afonso da Silva e destacando
trecho de livro no qual afirma que “é exagero considerar militar um crime passional só

11http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/notas-tecnicas/notas-tecnicas-1/nota-
tecnica-no-08-2017-pfdc-mpf-2a-e-7a-ccrs-e-pfdc.pdf
47

porque o agente militar usou arma militar”. Ocorre que, pelo que parece, a afirmação,
embora tenha sido publicada em obra de 2006, baseia-se na alinea “f”, do artigo 9º
do CPM, que foi revogada pela Lei nº 9.299, em 1996.
Em outro momento, os subscritores lançam mão da Súmula 297 do STF, datada
de 1963, sob a vigência da Constituição de 1946. Sequer seria necessário, mas
existem várias decisões, já antigas, do STF, no sentido de que o Enunciado da
Súmula 297 já foi há muito tempo superada (HC 82142, 2002).
Prosseguindo numa reflexão “jurídico saudosista12”, os propositores destacam
duas decisões do STF afirmando que a suposta posição de restringir a competência
da Justiça Militar persiste “na atualidade”, conforme se destacamos:
CC 7030 - JULGADO em 02/02/1996 > tratava-se de debate sobre a natureza
da atividade de policiamento naval, a qual, tendo sido entendida como atividade
subsidiária, não se amoldaria ao disposto na alínea “d”, do início III, do artigo
9º, do CPM. De fato, para caracterizar crime militar a conduta delituosa deve
se amoldar ao artigo 9º do CPM, portanto, o que se pretendia não era restringir
a competência da Justiça Militar, até mesmo porque, isso é afeto ao Poder
Legislativo. O que o STF buscou, como sempre busca, é a correta aplicação
da norma penal, o que foi feito, com acerto, naquele mês de fevereiro de 1996,
considerando que a conduta delituosa não caracterizava crime militar, de
acordo com a legislação vigente à época. Ocorre que, em agosto do mesmo
ano, foi promulgada a Lei º 9.299 que alterou a redação da alínea “c”, do inciso
III, do artigo 9º do CPM, o que, certamente, inverteria a decisão.

HC 68928 - JULGADO em 11/11/1991 > trata-se exatamente do mesmo


assunto acima relatado, porém, neste caso, a Decisão se fundamenta no
Decreto nº 87.648, de 1982, que foi integralmente revogado pelo Decreto nº
2.596, de 1998, que regulamenta a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997,
a qual dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição
nacional. E, ainda, adicionalmente a esta matéria, foi editada a Lei
Complementar nº 97, de 09.06.99, que dispõe sobre as normas gerais para a
organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Portanto, acertada
foi a decisão no remoto ano de 1991, porém, não caberia mais após a edição
de toda a legislação ulterior.
Dos casos acima relatados é constatado, repita-se, que a Suprema Corte não
debate acerca da restrição da competência da Justiça Militar e sim sobre a adequação
da conduta delituosa aos critérios estabelecidos no artigo 9º do CPM, a fim de
caracterizar, ou não, crime militar e decidir sobre a competência, especificamente, no
caso em litígio.
Outro aspecto trazido na Nota em análise é a retórica do discurso de organizações
internacionais de Direitos Humanos que, certamente, deve se aplicar a sistemas de

12 Gosto exagerado ou tendência para valorizar coisas que não existem mais.
48

diversos países, mas não é do caso do Brasil. Observa-se que as decisões de Cortes
ou Tribunais Internacionais colacionadas são sempre relativas a países que
constituem Cortes Marciais, numa inadequada comparação à Justiça Militar brasileira.
É perceptível que os organismos internacionais desconhecem o sistema jurídico
penal militar brasileiro e não há interesse de se esclarecer, ou é resultado do próprio
apedeutismo doméstico.
Ainda no discurso acerca dos direitos humanos, é recorrente a defesa de garantir
ao réu ser julgado por tribunal competente e independente. O debate aqui é acerca
do julgamento dos militares das Forças Armadas. Além de todo o arcabouço legal já
apresentado, as próprias instituições militares e seus componentes tem a percepção
de que a JMU é o órgão competente e justo para o seu julgamento, então, qual é a
garantia que se busca em defender o julgamento dos militares das FA pelo Tribunal
do Júri ?
Extraímos duas afirmações da Nota Técnica do MPF:

prescrições da Declaração Universal de Direitos Humanos que garantem a


todas as pessoas julgamento por tribunais competentes, independentes e
imparciais (§ 11º)
o direito de toda e qualquer pessoa ser julgada por autoridade judiciária com
competência previamente definida no ordenamento jurídico (§ 19º)

Considera-se a asserção de que a JMU não seria independente e imparcial ao


total desconhecimento da sua estrutura que, para muito além do sistema de
escabinato, tem na sua composição juízes civis federais, membros do Ministério
Público da União, atuação da Defensoria Pública da União e servidores públicos civis,
sem qualquer vinculação com as Forças Armadas e com independência funcional. A
JMU tem reconhecida celeridade e eficiência e está submetida a órgãos de controle,
tais como a Corregedoria da Justiça Militar - órgão de fiscalização e orientação
jurídico-administrativa, o Conselho Nacional de Justiça - que define aspectos
da gestão do Poder Judiciário, como o planejamento estratégico, planos de meta,
programas de avaliação institucional, recebe reclamações contra membros ou órgãos
do Judiciário; julga processos disciplinares contra membros do Judiciário, entre
outros.
49

O Ministério Público Militar, por sua vez, por meio da Nota Técnica 02/2017/MPM13,
posicionou-se em favor da aprovação do projeto.
O posicionamento do MPM se coaduna com o nosso entendimento em todos os
seus aspectos. Assim sendo, destaca-se apenas alguns itens que ainda não foram
apontados ou esgotados até então. Uma situação de grande consideração é a
registrada nos pontos dez e onze.

10. Disso decorre a especial situação, absolutamente incongruente, causada


pela legislação atual, em que um crime militar, cometido por civil, e que seja
doloso contra a vida de militar das Forças Armadas, seja julgado pela Justiça
Militar da União, ao passo que o homicídio de uma civil, praticado por militar
das Forças Armadas, em alguma das hipóteses do art. 9º do CPM, seja
julgado pela Justiça Comum. Ou seja, na configuração atual, o civil é julgado
pela Justiça Militar e o militar das Forças Armadas pela Justiça Comum.

11. Nesse sentido, o PL 44/2016 apenas corrige estas incongruências, ao


dispor, nos exatos termos constitucionais, que compete à Justiça Militar da
União o julgamento de todos os crimes militares, ainda que dolosos contra a
vida, independentemente da condição da vítima.

De fato, este realmente é uma fator de grande incoerência que, ao mesmo tempo,
gera curiosidade pelo fato de não ser tema dos contendedores nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade. Ou seja, não há qualquer questionamento quanto ao julgamento
do civil na Justiça Castrense por homicídio doloso contra a vida de militar.
No que concerne a atuação das atividades constitucionalmente outorgadas às
Forças Armadas, o órgão Ministerial deslinda nos itens relacionados abaixo

17. Em todas estas hipóteses, o militar das Forças Armadas, embora não atue
em missão beligerante, reservada à função de defesa do Estado contra o
inimigo externo, também não atua como policial. Ele age como militar, com
formação e propósito militares, sujeito aos princípios da hierarquia e
disciplina, e no momento em que os órgãos de segurança pública mostraram-
se incapazes de solucionar o conflito.

18. Essas atividades, constitucionalmente outorgadas às Forças Armadas,


estão regulamentadas na Lei complementar 97, de 09.06.1999, e possuem,
todas elas, portanto, caráter militar, a despeito de opiniões contrárias que por
vezes buscam diminuir a relevância da atuação e a própria proteção dos
militares envolvidos nessas ações.

Relativamente a este aspecto, impende destacar que há uma associação


generalizada do § 2º, do artigo 9º do CPM, exclusivamente, a atuação na Garantia da
Lei e da Ordem, porém, o contexto é mais amplo. Os incisos I a III estabelecem as

13 http://www.mpm.mp.br/portal/wp-content/uploads/2017/09/nota-tecnica-2-2017.pdf
50

atividades, as quais, por sua vez, são regulamentadas pela LC nº 97/99 e LC


nº .136/10. Por outro lado, há conjecturas de que os militares sempre serão julgados
na Justiça Militar, o que também não procede, pois a JMU julga os crimes militares, e
não os militares, sendo a regra geral fixada no parágrafo primeiro: § 1o Os crimes de
que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra
civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de
2017).

4.4 Ações Diretas de Inconstitucionalidade

A Ação Direta de Inconstitucionalidade é a ação dirigida ao STF, que tem por


finalidade declarar que uma lei ou parte dela é inconstitucional. O artigo 102 da CF
estabelece que compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-
lhe, dentre outras competências, processar e julgar, originariamente, a ação direta de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória
de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
A Lei nº 9.868/99 dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF.
Nestes trâmites, duas Ações Diretas de Insconstitucionalidade foram ajuizadas no
STF após a promulgação da Lei nº 13.491/17.

4.4.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade 5804

De iniciativa da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL/BRASIL),


a primeira ação requer a declaração de inconstitucionalidade, especificamente, quanto
à Lei nº 13.491/17, na parte que alterou a redação do inciso II e inseriu o parágrafo
1º no artigo 9º do CPM; e, também, quanto ao § 2º, do artigo 82, Lei nº 9.299/96.
Com toda a vênia, a petição inicial não é muito clara e, sua quase totalidade, é
uma colação de decisões que nem sempre explicam ou corroboram o pedido. Ademais,
causa espécie a insurgência quanto a alteração referente ao § 1º do artigo 9º do CPM,
que reafirma a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida
de civil cometidos por militares, como regra geral.
Da leitura das vinte e uma páginas do pedido, resta claro que o foco da angústia da
51

ADEPOL é a disputa com a Polícia Militar pelo Inquérito Policial. Praticamente todas as
decisões transcritas são relacionadas a questões de competência para instauração de
inquérito. Havendo, até mesmo, citação de decisão desfavorável ao propósito da
própria Associação, na qual destaca, tão somente, o voto vencido do Ministro Celso de
Mello, porém, como pode-se observar da Ementa copiada, o veredito do Pleno do STF
foi no sentido reconhecer a validade do Inquérito Policial Militar.

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CRIMES


DOLOSOS CONTRA A VIDA, PRATICADOS CONTRA CIVIL, POR
MILITARES E POLICIAIS MILITARES - CPPM, ART. 82, § 2º, COM A
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9299/96 - INVESTIGAÇÃO PENAL EM SEDE
DE I.P.M. - APARENTE VALIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA LEGAL
- VOTOS VENCIDOS - MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA. O Pleno do
Supremo Tribunal Federal - vencidos os Ministros CELSO DE MELLO
(Relator), MAURÍCIO CORRÊA, ILMAR GALVÃO e SEPÚLVEDA
PERTENCE - entendeu que a norma inscrita no art. 82, § 2º, do CPPM, na
redação dada pela Lei nº 9299/96, reveste-se de aparente validade
constitucional.(ADI 1494 MC, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 09/04/1997, DJ 18-06-2001 PP-00002 EMENT VOL-02035-01
PP-00101)

Pelo que se alcança captar, somente, talvez, o confuso item 6.13. da petição inicial
se refira à questão de competência da Justiça Militar, porém, aponta somente a
Justiça Militar do Estado e, ainda, se fundamenta na extremamente desatualizada
Súmula 297, de 1963, editada sob a égide da Constituição de 1946, já cancelada
formalmente pela Suprema Corte.
A respeito desta ADIN, o professor Jorge Cesar de Assis, com vasta obra publicada
sobre Direito Penal Militar, sempre atualizado e atento a todos os debates acerca do
tema, relata:

É curioso, no entanto que a ADEPOL não tenha se insurgido contra a novel


§ 2º do art. 9º do CPM, que ressalvou a competência da Justiça Militar para
os crimes dolosos contra a vida praticados por militares federais, preferindo
repisar, pela 3ª vez, seu já conhecido pedido de declaração de
inconstitucionalidade sobre a questão da investigação dos crimes dolosos
contra a vida (2019, p. 35).

Ao final, necessário revelar que o Relator Min. Gilmar Mendes não concedeu a
medida cautelar requerida pela impetrante, em sede liminar, na ADI n" 5.804,
mantendo vigentes os dispositivos legais impugnados, até ulterior deliberação14.

14Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5298182. Acesso em: 15 set.


2020.
52

4.4.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade 590115

Esta ação foi impetrada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. Como já foi
citado algumas vezes, a falta de conhecimento acerca do Direito Penal Militar e da
Justiça Castrense causa muitos manifestações equivocadas.
O impetrante traz à colação decisão em Habeas Corpus16 no sentido de que só
podem ser excepcionados do Tribunal do Júri as hipóteses previstas na própria
Constituição. Ocorre que, a competência da JMU é prevista na constituição, é
constitucionalmente originária, tanto que, foi necessário a promulgação da Lei nº
9.299/96 e, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45/04 para, ao contrário,
estabelecer a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a
vida de civil praticados por militares do estado. Também transcreve pronunciamento
de Maria Lúcia Karam sobre a essência do júri, sem qualquer conexão com a matéria
em debate.
O poder constituinte derivado revisor, instituído pelo Poder Constituinte Originário,
possibilitou a revisão da Constituição Federal de 1988, em até cinco anos após a sua
promulgação. Somente seis Emendas Constitucionais de Revisão foram editadas, em
1994, se houvesse qualquer intenção neste sentido, e conforme exposto, não há mais
possibilidade de revisão, visto que, o Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua
eficácia exaurida.
A uma, porque não é crível que o Congresso Nacional brasileiro envide todo o
esforço e o tempo que requer um processo legislativo para a promulgação de uma
Emenda Constitucional, somente para aclarar uma dúvida, a duas, porque, se resta
tão claro, como entende o impetrante, a competência absoluta do júri, o que teria a
ser aclarado?
Poder Constituinte Derivado Revisor
Instituído pelo Poder Constituinte Originário, possibilita, após 5 anos da
promulgação da Constituição Federal de 1988, uma única revisão.
A revisão, realizada mediante votação por maioria absoluta do Congresso
Nacional, realizada em sessão unicameral (art. 3° do ADCT).
O Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua limitação disposta nas cláusulas

15 Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5359950. Acesso em: 15 set.


2020.
16 Habeas Corpus – instrumento jurídico que visa a garantir algum direito fundamental do indivíduo.
53

pétreas (art. 60, §4°, CF/88). Somente seis Emendas Constitucionais de revisão foram
editadas em (1994), e conforme exposto, não há mais possibilidade de revisão, visto
que, o Poder Constituinte Derivado Revisor teve sua eficácia exaurida.
Ao contrário do raciocínio supra, acerca da EC nº 45/04, o requerente afirma que
o constituinte derivado “apenas para aclarar” promulgou a referida Emenda. O
argumento não parece sensato.
Ainda no tema da EC nº 45, o próprio subscritor afirma que o dispositivo se aplica
apenas aos militares estaduais. Em seguida, transcreve o parágrafo primeiro, do artigo
9º, do CPM, afirmando que o próprio dispositivo já estabelecia que os crimes dolosos
contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum,
fazendo um observação entre parênteses (texto vigente à época). Cabe esclarecer
que o texto continua vigente e a regra geral para estes delitos continua sendo do júri.
Quanto a questão aventada sobre a hierarquia das normas, vale destacar que a
competência da Justiça Militar foi estabelecida na mesma Constituição Federal de
1988 que institui o júri.
Consignar que a suposta modificação trazida pela Lei nº 13.491/17 é contrária ao
devido processo legal, que é necessário a observância das regras processuais
vigentes, garantia da ampla defesa, do contraditório e dos procedimentos formais
inerentes ao processo, beira ao desrespeito com os Juízes Federais da Justiça Militar,
membros do Ministério Público da União, Defensores Públicos Federais, advogados
que atuam junto à Justiça Militar e servidores públicos que servem neste órgão do
Poder Judiciário, pelo que, se quer crer, mais uma vez, total desconhecimento acerca
desta Justiça Especializada.
Os princípios do devido processo legal são extraídos dos incisos LIV e LV, do artigo
5º, da Constituição Federal.
O devido processo legal é o princípio que assegura a todos o direito a um processo
com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais (BOUDIN,
1932). Se no processo não forem observadas as regras básicas, ele se tornará nulo.
É considerado o mais importante dos princípios constitucionais, pois dele derivam
todos os demais. Ele reflete em uma dupla proteção ao sujeito, no âmbito material e
formal, de forma que o indivíduo receba instrumentos para atuar com paridade de
condições com o Estado-persecutor.
Ricardo Lewandowski, ministro do STF, vai um pouco além, e afirma que não é só
54

no plano formal que o devido processo legal encontra expressão, não basta que os
trâmites, as formalidades e os procedimentos, previamente explicitados em lei sejam
observados pelo julgador. É preciso também que, sob o aspecto material, certos
princípios se vejam respeitados. Nenhum valor teria para as partes um processo
levado a efeito de forma mecânica ou burocrática, sem respeito aos seus direitos
fundamentais, sobretudo os que decorrem diretamente da dignidade da pessoa
humana, para cujo resguardo a prestação jurisdicional foi instituída (LEWANDOWSKI,
2017).
A Justiça Miliar da União observa o devido processo legal formal e material, na
apropriada concepção do Ministro Lewandowski, não só porque, como qualquer outro
órgão do Poder Judiciário brasileiro está submetida a diversos sistemas de controle,
tais como, Corregedoria, Conselho Nacional de Justiça, os juízes ao Estatuto da
Magistratura, o Ministério Público na função de custus legis (fiscal da lei), etc. Mas
também, por ser um ramo do Poder Judiciário de reconhecida transparência,
celeridade, fácil acessibilidade e urbanidade.
Em outro momento os autores chegam ao desatino de se referir a um tribunal de
exceção (!?) e acusar a autoridade processante e julgadora de imparcialidade (!?).
Neste ponto, invertem o discurso que, anteriormente era de garantia do devido
processo legal para o acusado, agora se transforma na alegação de suposto privilégio
do acusado. Neste aspecto, como já foi repisado neste trabalho, não se trata de
privilégio, mas de prerrogativa e competência originária constitucional, tendo a novel,
usando as palavras do próprio demandante, vindo apenas a aclarar a dubiedade
gerada pela malsinada lei nº 9.299/96.
Posteriormente segue aventando o suposto descumprimento genérico de tratados
internacionais sobre direitos humanos. Até então, durante toda a elaboração deste
trabalho, não foi encontrado quem definisse qual ou quais tratados, em que ou em
qual parte estariam sendo descumpridos. Este tema também já foi rebatido, contudo,
tecem-se mais algumas considerações.
Após a juntada das já conhecidas decisões da CIDH em casos de países que não
possuem um sistema jurídico penal militar como do Brasil e em casos totalmente
desconexos, copia-se uma nota que teria sido emitida por um escritório de
Organizações de Direitos Humanos sem nominar o seu autor ou fazer referência à
publicação, que é eivada de incorreções. No contexto geral percebe-se que o autor
55

do texto desconhece completamente questões afetas órgãos, legislação e sistemas


jurídicos brasileiro. Veja-se, consta da nota : expressa preocupação com o julgamento
de agentes das Forças Armadas por tribunais militares, que deviam ser julgados por
tribunais civis (nada obstante o nome, a JMU é uma justiça civil); a investigação deve
ser por autoridades judiciais não vinculadas a hierarquia de comando das próprias
forças de segurança (a autoridade judiciária é civil, não vinculada às FA e a
investigação é feita pela polícia judiciária militar sob o controle externo do Ministério
Público e isso nunca deixou de ser, em nenhum momento, desde 1988); garantir a
todas as pessoas julgamento por tribunal competente, independente e imparcial (a
JMU é competente para julgar os militares, é independente pois é uma ramo do Poder
Judiciário Federal e dotada de total imparcialidade); é indesejável a atuação das
Forças Armadas na segurança pública (as FA somente cumprem a missão que lhe é
delegada, mas é interessante a afirmação de que é indesejável, pois não condiz com
as pesquisas realizadas junto à sociedade brasileira).

5 O CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DE CIVIL PRATICADO POR MILITAR


DAS FORÇAS ARMADAS EM ATIVIDADES MILITARES

A alteração redacional no parágrafo 1º e a inclusão do § 2º, no artigo 9º do CPM,


pela Lei 13.491/17, não promoveu qualquer alteração para o militares das polícias
estaduais, tendo em conta a ressalva constitucional ao Tribunal do Júri, no artigo 125,
§ 4º, da Constituição Federal, estabelecido pela EC nº 45/04. Da mesma forma, como
não poderia deixar de ser, não abrange o militar das Forças Armadas quando este
não estiver no contexto das hipóteses previstas no § 2º, ou seja, em regra, será um
crime comum e não crime militar, julgado pelo Tribunal do Júri.

5.1 Tribunal do Júri ou Justiça Militar da União

O Tribunal do Júri tem competência definida na Constituição Federal, para julgar


aqueles crimes que agridem um dos bens jurídicos mais importantes, a vida humana.
O inciso XXXVIII, do artigo 5º, CF/88, reconhece a instituição do júri, com a
organização que lhe ser a lei, assegurando a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.
A lei que organiza o júri, nos termos do inciso XXXVIII, do artigo 5º da CF/88, é o
Código de Processo Penal, no “capítulo II – do procedimento relativo aos processos
56

de competência do Tribunal do Júri” - artigos 406 a 497.


Pode haver algum debate quanto a razão precípua do Tribunal do Júri, se é uma
garantia do réu ou da sociedade, porém, considerando que ele está fixado no “título
II - dos direitos e garantias fundamentais”, a maioria da comunidade jurídica
compreende como uma garantia do réu.
Em 1822 o Tribunal do Júri foi instituído no Brasil pelo príncipe regente D. Pedro,
com a finalidade de eleger juízes para julgamento de casos relacionados ao abuso à
liberdade de imprensa e os jurados eram escolhidos dentre os cidadãos mais
abastados, que eram eleitores, considerados bons, honrados, inteligentes, patriotas,
entre outras considerações.
Ainda nesta toada, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, relatam
que o júri popular no Brasil surge em razão diversa dos países de influência anglo-
saxão, não em razão de uma conquista popular em face dos órgãos judiciais oficiais,
na busca de justiça rente ao poder absolutista do rei e, assim, busca-se um julgamento
perante os iguais como direito individual e, ainda, não há no Brasil consenso popular
para a sua continuidade (BASTOS, MARTINS apud OLIVIERA, 2010, p.70).
Ao que tudo indica, pensa-se que a situação atual não é tão diferente assim. Além
das exigências objetivas, fixadas no artigo 433 e seguintes, do CPP, os juízes
costumam requisitar relação de nomes à associações comerciais, entidades de
classe, bancos e instituições. Nada obstante o § 1º do artigo 436 do CPP estabelecer
que não haverá exclusão em razão de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe
social ou econômica, origem ou grau de instrução, na realidade não é o que ocorre,
posto que os requisitos objetivos, por si só, já são excludentes. De qualquer forma,
acaba por se firmar um júri de classes.
Por outro lado, a idade mínima do jurado é de 18 (dezoito) anos, nada obstante
ser equivalente a maioridade penal, caso em que não é possível selecionar o autor do
delito; pouquíssimas pessoas, recém saídas da adolescência, terão equilíbrio
emocional, racionalidade e maturidade suficiente para compreender o que lhes é
apresentado.
Vários especialistas divergem sobre a eficiência dos procedimentos do júri popular
no Brasil. Rogério Barbosa, repórter da Revista Consultor Jurídico, colacionou o relato
de algumas das personalidades mais importantes do mundo jurídico, que abaixo
transcreve-se:
57

O advogado Luiz Flávio Gomes, acredita que o Brasil poderia buscar


inspiração não no cinema, mas na experiência de outros países, como na
Espanha, em que o réu pode escolher entre o júri e o juízo singular. Ele
acredita que esta seria uma boa alternativa para as críticas que se fazem aos
julgamentos em casos de grande repercussão na mídia, quando a cobertura
da imprensa pode acabar se transformando num poderoso meio de
interferência na decisão dos jurados.

O criminalista Maurício Zanóide lembra que, ao analisar a questão, o


Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes dolosos contra a vida são
de competência exclusiva do júri. Para ele a discussão deveria se assentar
em debates mais profundos, como de quem seria a garantia constitucional do
júri: do réu, da família da vitima, da própria vitima ou de todos os cidadãos.

O desembargador paulista Nelson Calandra, presidente da Associação dos


Magistrados Brasileiros, que atuou como juiz de júri por mais de 10 anos e
em mais de 200 processos, entende que a incomunicabilidade pode conduzir
a resposta equivocada dos quesitos. “O jurado é um juiz do fato, e por isso
não tem conhecimento técnico que o habilita a desvendar as barreiras entre
o fato e a sua interpretação jurídica.

Barroso é cético sobre as potencialidades do júri, mesmo na forma limitada


adotada no Brasil e acha que a discussão deve ser sobre a continuidade ou
não do instituto. “Não tenho experiência ou conhecimento de causa, mas
como observador do Direito e cidadão, acho que deveria ser suscitado o
debate, a fim de averiguar se ele funciona como garantia para o réu e se tem
produzido boas decisões.

O criminalista Luiz Flávio Gomes não tem dúvidas quanto a isso: “Como
garantia constitucional contemplada no artigo 5º da Constituição, é cláusula
pétrea intocável. Pode-se discutir seu procedimento, sua competência etc,
mas jamais a sua existência Para ele, as partes trabalham quase que às
cegas: debatem e expõem seus pontos de vista, fazem apreciações
subjetivas, religiosas, jurídicas e filosóficas, sem saber a quem endereçam
seu discurso: “o ato de julgar acaba tendo, muitas vezes, cunho
eminentemente ideológico ou classista ou, porque não dizer, racista”
(BARBOSA, 2012).

Impende destacar que a composição majoritária de militares, sempre


julgando ao lado do juiz togado - que é o primeiro que vota explicitando o caminho
jurídico cabível -, em nada retira a substancialidade da decisão colegiada, mas muito
pelo contrário, traz o brilho e o valor castrense que marcam as decisões do Colegiado
na Justiça Militar, próprias do Escabinato.
A propósito, com sabedoria e conhecimento, Octávio Augusto Simon de Souza
(SOUZA, 2009, pg.94/95) registra que também é importante dizer, com relação a essa
questão, que, embora haja maioria de militares compondo as cortes julgadoras, eles
conhecem o meio militar e podem julgar os militares acusados com total conhecimento
da situação apresentada. De outro lado, os jurados, sem qualquer conhecimento
58

jurídico na maioria das vezes, também julgam civis como eles. Da mesma maneira,
os Tribunais de Justiça nos Estados podem iniciar procedimentos legais e julgar juízes
e promotores, assim como deputados estaduais, todos civis.
Outro ponto indispensável a ser considerando é a incongruência de que o militar
pudesse ser julgado pelo júri e o civil que comete crime doloso contra a vida de militar
em atividade militar, ser processado e julgado na Justiça Militar da União
Cumpre destacar que, neste debate, quase nunca é mencionado a atuação do
Ministério Público Militar, ramo do Ministério Público da União, com integrantes civis
de carreira, aprovados por concurso público de provas e títulos, que atuam na
apuração dos crimes militares e no controle externo da atividade policial judiciária
militar, na proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos e na
proteção dos direitos constitucionais no âmbito da administração militar.
Ao Ministério Público Militar compete, ainda, consoante o artigo 116 da LC 75/93,
o exercício das seguintes atribuições perante os Órgãos da Justiça Militar: a)
promover, privativamente, a ação penal pública; b) promover a declaração de
indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato; c) manifestar-se em qualquer
fase do processo, acolhendo solicitação do juiz ou por si a iniciativa, quando entender
existente interesse público que justifique a intervenção; d) Requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial-militar, podendo acompanhá-los e
apresentar provas; e) Exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária
militar.
Por outro lado, de atuação contumaz, é a Defensoria Pública da União que conta
com um Núcleo Criminal Militar junto à JMU, destacando Defensores Públicos
Federais que atuam, exclusivamente, na esfera penal militar. A DPU atua em defesa
tanto dos militares quanto dos civis. A instituição constituiu as Defensoras e
Defensores Regionais de Direitos Humanos (DRDHs) que exercem suas funções nas
unidades da DPU nas capitais dos Estados e no Distrito Federal.
A propósito, de acordo com a lição de Paulo Ivan de Oliveira Teixeira
(ASSIS;CAMPOS apud TEIXEIRA, 2015), a Defensoria Pública da União teve sua
origem na Advocacia de Ofício da Justiça Militar que integrava o quadro funcional do
STM. Já era previsto desde o antigo Código de Justiça Militar, estatuído pelo Decreto-
Lei 925/1938, prevendo que o Advogado-de-Ofício era nomeado mediante concurso
público.
59

Além de ter originado a Defensoria Pública da União, historicamente, a JMU é


reconhecida pela sua atuação idônea, imparcial e inovadora.
No documentário “O Homem que Não Tinha Preço” sobre a vida de Sobral Pinto,
reconhecidamente um dos maiores juristas do Brasil, um advogado que viveu
momentos políticos importantes, que vão desde o governo militar até a constituinte,
e atuou frequentemente no Superior Tribunal Militar e nas Auditorias Militares,
descreve o importante papel da Corte no contexto político do regime militar.

O STM é o melhor tribunal do país. Nesta hora em que há um medo


generalizado, e medo justificado porque ninguém está garantido quando
agentes de segurança podem apanhar qualquer um e sumir o cidadão, este
STM não tem medo (PINTO, 2013).

Uma das decisões que contribuiu para a reflexão do memorável jurista foi a
concessão do primeiro habeas corpus que se tem notícia na história do país,
concedido pelo STM. Foi um ministro da Corte, o almirante-de-esquadra José
Espíndola, quem concedeu a liminar, ou seja, analisado o pedido de forma urgente
antes de seu mérito (HC nº27/27.200/ Estado de Guanabara), em 31 de agosto de
1964. Os ministros do STM, em 23 de setembro de 1964, confirmaram a liminar
em habeas corpus por unanimidade, aceitando o voto do ministro relator. Desde
então, esta ferramenta jurídica ganhou corpo e hoje é amplamente apreciada em
todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro.
Para relembrar mais um momento histórico que revela a atuação pioneira e
imparcial da Corte Castrense, a Ministra Maria Elizabeth Rocha, em discurso de
inauguração da Exposição Vozes da Defesa, no museu da JMU, em 2015, com a
participação do Presidente Nacional da OAB, declamou:
Mas nada se compara ao Acórdão exarado nos autos da Apelação nº 41.264,
em 19 de outubro de 1977, no qual este Tribunal, por unanimidade, externou
em longo voto “seu repúdio, sua revolta e sua condenação às torturas e
sevícias aplicadas aos presos e acusados de práticas de crimes, por
constituírem um eloquente atestado de afronta e desrespeito à dignidade da
criatura humana”, segundo seus próprios termos, único órgão do Poder
Judiciário a fazê-lo. Está-se diante de uma jurisprudência dignificante que, ao
sobrepor-se às pressões políticas, deixou significativo legado ao
democratismo estatal (ROCHA, 2014).

Para além da atuação destacada do Ministério Público e da Defensoria Pública ou


advogado, obviamente, como em todo órgão do Poder Judiciário brasileiro; o
escabinato, órgão colegiado que, diferentemente dos jurados, tem acesso aos autos
e participa de todos os demais atos processuais, é formado por oficiais de patente
60

mais alta que o acusado, a votação se dá em ordem inversa da hierarquia, sempre


julgando ao lado do juiz civil, que é o primeiro a votar, explicitando o caminho jurídico
cabível, consubstancializando a decisão do colegiado. Os rigores da formação militar,
aliados ao alto conhecimento técnico-jurídico do juiz togado encerram, para condenar
ou absolver, um julgamento mais justo do que o possibilitado pelo júri. O que marca o
valor e a clareza das decisões do Colegiado na JMU.
Por tudo exposto, constata-se que, se há incertezas e inseguranças quanto à
instituição do júri para decidir sobre o destino final de um cidadão comum, que, em
tese, está muito mais próximo dos jurados, há evidência de que não é competente,
jurídica ou ontologicamente, com relação a um delito militar praticado por militares
das Forças Armadas em atividade militar.
Deste modo, nada obstante a questão do Direito, de competência constitucional
originária e absoluta da JMU para julgar crimes militares, já enfrentanta, também é
uma questão de Justiça, do réu ter o direito de ser julgado por um juiz togado e seus
pares. O instituto do júri, pensado para ser uma garantia, não pode se transformar
numa imposição insensata. No mais, não há razões concretas que façam concluir que
não haverá julgamento justo, imparcial e independente na JMU, sobretudo se
considerado que os crimes militares são julgados pelo Conselho de Justiça, presidido
por Juiz de Direito, com atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública ou
advogado.
Ao final, é preciso buscar a justiça enxergando além de paradigmas. Em
Atenas/Grécia, uma das cidades mais antigas do mundo, berço da filosofia e da
política, destaca-se a injustiça perpetrada por um grupo, que pode ter sido chamado
de tribunal do júri, composto de cidadãos atenienses, sob um regime democrático, na
condenação à morte de um dos maiores filósofos do Ocidente, Sócrates, cerca de 400
a.C. Na obra “Os Pensadores” inferimos a decepção platônica do que parecia ser ou
se pretendia ser um justo julgamento popular: Diante da injustiça sofrida por Sócrates,
aprofunda-se o desencanto de Platão com aquela política e com aquela democracia
(FLORIDO apud PLATÃO, 1999, p.10).
Por tudo exposto, constatamos que, se há incertezas e inseguranças quanto à
instituição do júri para decidir sobre o destino final de um cidadão comum, há evidência
de que não é competente, jurídica ou ontologicamente, com relação a um delito militar
praticado por militares das Forças Armadas em atividade militar.
61

6 CONCLUSÃO

Com a promulgação da Lei nº 9.299, em 1996,, que alterou o artigo 9º do COM,


preceituando que “os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos contra civil, serão de competência da Justiça Comum”, deslocando o
julgamento de militares, mesmo em atividade militar, para o Tribunal do Júri,
desvirtuando a previsão constitucional acerca da competência da Justiça Militar para
o julgamento de crimes militares e o princípio da especialidade, tornou-se incerto o
destino do julgamento do réu naqueles casos, com posições, reflexões e decisões das
mais diversas no universo jurídico penal militar e no poder judiciário, principalmente
no que se refere aos militares das FA.
O Superior Tribunal Militar, por meio de controle difuso de constitucionalidade,
declarou a inconstitucionalidade da Lei 9299/91(AC 1997.01.006449/RJ – Rel. Min.
Aldo da Silva Fagundes – 17.03.98). De outro lado, o STF decidiu pela
constitucionalidade da Lei. Nada obstante, é essencial observar que o entendimento
da Corte Suprema nesta decisão baseou-se na premissa de que cabe à lei definir os
crimes militares, deste modo, a lei infraconstitucional teve a intenção de excluir os
crimes dolosos contra a vida praticados contra civil do rol dos crimes militares,
compatibilizando-se com o art. 124 da CF, ou seja, o Supremo ratificou que a Justiça
Militar é competente para julgar os crimes militares, porém, naquele momento, aquele
delito deixou de ser crime militar.
Em 2004, a Emenda Constitucional 45, pôs fim ao debate com relação ao policias
militares dos Estados, dispondo sobre o tema na Carta Constitucional, silenciando
quando às Forças Armadas.
A percepção é de que, nem a Lei nº 9.299/1996, tampouco a EC nº 45/2004
retiraram a natureza militar do crime de homicídio doloso praticado pelo militar em
atividade ou missão militar, operando apenas um deslocamento de competência de
questionável técnica jurídica, porquanto, a polícia judiciária militar continuou
competente proceder ao inquérito policial militar e a Justiça Militar a decidir se o
crime é ou não doloso contra a vida.
Portanto, quase dez anos depois, a Lei nº 13.491, de 13.10.2017, afinal, com a
inclusão do § 2º, no artigo 9º do CPM, veio a reafirmar a natureza de crime militar e
a consequente competência constitucional originária da JMU para julgar os crimes
62

militares nos casos de homicídio doloso praticado por milirar das FA contra a vida de
civil, nas hipóteses delineadas pela Lei. Entretanto, nada obstante a Lei ter sido
sancionada, estar em pleno vigor e sendo aplicada, encontra-se tramitando no STF
duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que atacam a novel.
A inclusão do § 2ª no artigo 9º do CPM, trouxe segurança jurídica aos
demandados, tendo em conta a ambiguidade gerada pela lei nº 9299, de 1996, e a
insegurança produzida pela ilimitada oscilação de jurisprudências que veio a reboque.
Conforme foi citado na concepção do Ministro Ricardo Lewandowski, o
cumprimento do devido processo legal deve ser obedecido não só no aspecto formal,
mas, também, no aspecto material. Neste aspecto, entende-se que se inclui a garantia
ao réu de extreme certeza, antecipadamente, acerca da competência judicial do seu
processamento e julgamento.
Por outro lado atendeu, também, ao princípio da isonomia, já que a Lei
12.432/2011, conhecida como Lei do Abate, trouxe essa segurança jurídica aos
militares da Força Aérea, quando no desempenho de missão de tiro de destruição,
previsto na Lei 7.565/1986, não podendo permanecer os militares das outras duas
Forças com normas penais diferenciadas, quando em atividade militar.
Mais que isso, pode-se dizer que também encerrou uma enorme incongruência,
pois o civil que comete um homicídio doloso contra a vida de militar em atividade
militar, tendo praticado um crime militar, é julgado pela JMU..
É imperioso destacar e deixar bem claro que, para ser julgado pela Justiça
Castrense, o militar deverá estar em atividade de natureza militar, o que guarda o
sentido ontológico17 da lei, pois a eles são impostas normas, regulamentos, valores
rígidos e atuação singular que impõem e embasam o julgamento pela justiça
especializada e para isso criada, tais como a Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral.
Em qualquer outro caso, mesmo vestindo a farda, mas que não se enquadre nas
situações estabelecidas pela norma, será julgado pelo Tribunal do Júri, conforme
dispõe o parágrafo primeiro da Lei 13.491/17 “Os crimes de que trata este artigo,
quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da
competência do Tribunal do Júri”. Portanto, não há qualquer privilégio dirigido a uma
classe, o militar, fora das suas missões em atividades militares, é um homem comum.

17O ontológico diz respeito ao se, ao que está por trás e além do fenômeno. O ontológico pressupõe
sair do comum e buscar enxergar o que nem todo mundo vê.
63

Nada obstante algumas reações em contrário, o dispositivo legal coisa alguma tem
de inconstitucional ou inconvencional, conforme foi amplamente evidenciado neste
trabalho.
Assim, a despeito de a Constituição Federal relegar à norma infraconstitucional os
critérios de fixação da competência da JMU, não é qualquer crime que pode a ela ser
submetido, senão o crime militar, seja ele praticado por militar ou por civil.
Entrementes, quanto ao controle de convencionalidade, resta claro que os
Organismos de Direitos Humanos nacionais e internacionais, tando quanto os
operadores do direito, muito pouco, ou quase nada, conhecem do sistema judiciário
penal militar brasileiro e das Forças Armadas do Brasil e, ao que tudo indica, não
parece haver interesse de alguns organismos domésticos, ou ânimo político, de que
seja esclarecido a distinção. É explícito que os julgados internacionais apresentados
nas ADIs são relacionados a Cortes Militares e Tribunais de Exceção, totalmente
diversos da Justiça Militar.
Além disso, em momento algum, as petições iniciais das duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade ou qualquer outro documento que diga respeito à suposta
inconvencionalidade da Lei nº 13.491/17 apontam o dispositivo de tratado ou
convenção internacional de Direito Humanos que estivesse sendo violado pela
legislação ordinária. Referem-se, tão somente, à recomendações genéricas feitas no
âmbito de Comissões internacionais, num discurso sofismático18 que não pode ser
utilizado de forma a embasar uma declaração de inconstitucionalidade, ao menos em
sede de controle concreto de constitucionalidade, uma vez que devem se referir a
casos específicos e não a uma norma de caráter geral. Não se trata de ser uma
negação prática ou teórica da importância do Direito Internacional, mas certo é que
há de haver, de fato, uma violação concreta à Tratado ou Convenção ratificado pelo
Brasil, o que não é o caso.
Nas palavras do eminente ex-ministro civil do STM, Flavio de Sá Bierrenbach, A
Justiça Militar funciona a partir de regras internacionalmente reconhecidas, assegura
a igualdade de todos perante a lei, respeita os princípios do Estado Democrático de
Direito e observa os Direitos Humanos. "Enfim, está perfeitamente conforme os mais
exigentes critérios de imparcialidade, integridade e independência estabelecidos nos

18Os sofistas eram considerados mestres nas técnicas de discurso, fazendo com que o interlocutor
acreditasse rapidamente naquilo que falava, sendo verdade ou não.
64

padrões internacionais dos povos civilizados", completou (MIGALHAS apud


BIERRENBACH, 2019).
É fato que toda nova lei de natureza penal ou processual penal é instrumento de
política criminal, decorrente de uma decisão política. Neste caso, entende-se que a
inserção do § 2º, no artigo 9º do CPM, foi o caso de uma “política criminal de
repristinação19 “tendo em conta que a intenção foi de restaurar uma ordem jurídica, o
respeito às normas constitucionais e a vontade do Poder Constituinte Originário,
relativamente à competência da JMU para julgar crimes militares. E, por conseguinte,
conferir maior segurança jurídica ao demandado que deixa de estar à mercê de
decisões díspares, de caso a caso, acerca do órgão competente para o seu
julgamento.
Partindo da premissa que a competência da JMU para processar e julgar militar e
civil, que cometa crime militar, decorre da dicção da norma insculpida no artigo 124
da Constituição Federal, e este dispositivo, por sua vez, atribui à lei a prerrogativa de
definir os crimes militares, o procedimento está correto.
Este raciocínio é explícito pelo próprio STF quando declarou a constitucionalidade
do parágrafo único da Lei nº 9299/96, decidindo que, considerando que cabe à lei
definir os crimes militares, o Tribunal entendeu que a Lei 9.299/96 implicitamente
excluiu os crimes dolosos contra a vida praticados contra civil do rol dos crimes
militares, compatibilizando-se com o art. 124 da CF - A Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei (RECr 260.404-MG. Relator:
Ministro Moreira Alves.22-3-2001). Pois bem, parece evidente que esta decisão já
aniquila a intenção das ações diretas de inconstitucionalidade, pois o fundamento do
Supremo para decidir pela constitucionalidade da lei nº 9299/96 há de ser o mesmo
para a lei nº 13.491/17.
Aliás, neste raciocínio, cabe a reflexão que o Poder Constituinte Derivado Revisor,
instituído pelo Poder Constituinte Originário, possibilitou a revisão da Constituição
Federal de 1988, em até cinco anos após a sua promulgação. Somente seis Emendas
Constitucionais de Revisão foram editadas, em 1994, se houvesse qualquer intenção
e/ou necessidade de alteração constitucional para a definição de crime militar, a
proposta legislativa referente a lei nº 9299/96, datada de 1992, seria de Revisão

19Repristinação é um fenômeno legislativo que ocorre quando há a retomada de vigência de uma


norma que havia sido anteriormente revogada, através da revogação da norma que a revogou.
65

Constitucional e não de Lei.


Outra reflexão, também muito simples a se fazer, é da própria existência da Lei nº
9299/96, ou seja, se foi necessário criar uma lei, oito anos após a promulgação da
CF/88, para estabelecer que o crime doloso praticado por militar contra civil seria de
competência do júri, é porque assim não o era na lei anterior, tampouco na Carta
Constitucional de 1988. E, ainda, posteriormente, uma Emenda Constitucional
(45/2004) para incluí-lo no parágrafo 4º, no art. 125 da Carta da República, para os
militares estaduais, silenciando quanto à JMU, o que leva a crer que não era da
vontade do constituinte derivado20, realizar essa ressalva específica, de forma que
não há se falar em inconstitucionalidade da lei infraconstitucional.
Em decisão de 06 de novembro de 2017, a Dra Caroline Vieira Figueiredo, Juíza
Federal Substituta 7ª Vara Federal Criminal, nos autos do Processo nº 0039212-
39.2012.4.02.5101 (2012.51.01.039212-9), que tem como acusados militares do
Exército, que respondem por homicídio doloso contra a vida de civil, no contexto de
atividade militar, nos termos da Lei 13.491/2017, declinou da competência em favor
da JMU (1ª Circunscrição Judiciária Militar), determinando o cancelamento de sessão
de júri já designada e o encaminhando dos autos para àquela justiça especializada,
após discorrer longamente acerca da competência absoluta da JMU, da
constitucionalidade e da convencionalidade da nova lei, numa raríssima
demonstração de conhecimento de Direito Penal Militar. Nas palavras da eminente
juíza de direito, a própria Suprema Corte brasileira já decidiu que cabe a lei definir os
crimes militares, qualquer que seja, não restando outra alternativa ao Juízo senão o
declínio da competência para processamento e julgamento do presente feito.
O Ministério Público Federal recorreu da decisão, que foi mantida pela magistrada
e, de acordo com o último andamento no site do TRF2, os membros do Órgão
Especial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo em vista não ter sido
alcançada a maioria absoluta, rejeitaram o incidente de arguição de
inconstitucionalidade, em decisão de 05 de março de 2020. Ao que tudo indica,
prevaleceu a decisão da juíza reconhecendo a competência da JMU, porém, o teor da
decisão não está acessível, finalizando com uma certidão acerca do Acórdão21 e

20 Poder constituinte derivado é o poder que é legado pelos cidadãos aos seus representantes
legislativos que terão a tarefa de atualizar ou então inovar a Ordem Jurídica Constitucional.
21 Disponível em: http://portal.trf2.jus.br/portal/consulta/resconsproc.asp. Acesso em: 15 set. 2020.
66

informação de que os autos foram remetidos, em 24/08/2020, para o núcleo de


digitalização.
A decisão da Justiça Federal acima referida é significativa, não só pela extensa
fundamentação da decisão da ilustre magistrada, que expressa com nitidez a
competência da JMU, como para demonstrar o que se relata supra, no sentido de que
sói acontecer, na Justiça Militar, do acusado ficar aguardando decisão judicial acerca
do órgão julgador, in casu, o feito encontra-se paralisado há quase três anos.
A introdução do § 2º no CPM pela Lei 13.491/17 é um marco que resgatou a
segurança jurídica e restabeleceu a ordem legal na seara JMU, representando um
importante passo para o adequado emprego das FA no âmbito doméstico,
contribuindo para a Segurança e Defesa Nacional.
Deste modo, a JMU deve cumprir a sua missão constitucional, que tem como
propósito processar e julgar os crimes militares definidos em Lei, a fim de contribuir
para a promoção da Justiça, numa instituição de excelência do Poder Judiciário,
lastreada, dentre outros, em valores de imparcialidade, acessibilidade,
comprometimento, ética, transparência e celeridade.
67

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2020.

ANEXOS
71

ANEXO A - PLANILHA COM DADOS HISTÓRICOS (ATUALIZADA EM MAIO DE


2020)

ANEXO B - DISTRIBUIÇÃO DAS OPERAÇÕES DE GLO 1992 - 2020 (GRÁFICO


DO TIPO BARRAS)

ANEXO C - DISTRIBUIÇÃO DAS OPERAÇÕES DE GLO 1992 - 2020 (GRÁFICO


DO TIPO LINHA)

ANEXO D - ESTATÍSTICAS DE GLO POR TIPO - 1992 - 2020

ANEXO E - TABELA DE EFETIVOS E CUSTOS DA GLO NO PERÍODO DE 2010 –


2020

ANEXO F - PROTOCOLO PARA ABORDAGEM E REVISTA DA POPULAÇÃO

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