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INOVAÇÃO NA PRÁTICA

ENTRE
MERGULHOS,
RESPIROS E
RESPINGOS
Inovação pública para
aprendizagem coletiva

Isabella Brandalise
e Caio Werneck

GNovaLab – Laboratório
de Inovação em Governo
2 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 3
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ENAP

PRESIDENTE EQUIPE JANELA GNOVA 2020


Diogo Godinho Ramos Costa GNOVALAB – LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO EM GOVERNO
Andrea Marina Lacerda
DIRETORA EXECUTIVA Cecília Lariú
Rebeca Loureiro de Brito João Augusto Sobreiro Sigora
Joselene Lemos
DIRETORA DE ALTOS ESTUDOS Letícia Mendonça
Diana Coutinho Márcia Knop

DIRETOR DE EDUCAÇÃO EXECUTIVA CONCEPÇÃO EDITORIAL – COLEÇÃO INOVAÇÃO NA PRÁTICA


Rodrigo Torres Elisabete Ferrarezi
Guilherme Alberto Almeida de Almeida
DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL Isabella Brandalise
Paulo Marques Joselene Lemos

DIRETORA DE GESTÃO INTERNA PREPARAÇÃO E REVISÃO


Alana Regina Biagi Silva Lisboa Gabriela Ripper Naigeborin
INOVAÇÃO NA PRÁTICA
DIRETORA DE INOVAÇÃO PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Bruna Silva dos Santos Isabella Brandalise

COORDENADORA-GERAL DE INOVAÇÃO
Marizaura Reis de Souza Camões
ILUSTRAÇÕES
Arthur Pomnitz
ENTRE
MERGULHOS,
RESPIROS E
RESPINGOS
Ficha catalográfica elaborada pela equipe Inovação pública para
da Biblioteca Graciliano Ramos da Enap
aprendizagem coletiva
E6124 Entre mergulhos, respiros e respingos: inovação
pública para aprendizagem coletiva / Isabella
Brandalise, Caio Werneck. – Brasília: Enap, 2022.
100 p. : il. – (Coleção Inovação na Prática)
Inclui bibliografia

ISBN: 978-65-87791-07-4

1. Inovação. 2. Administração Pública. 3.


Modernização Administrativa. 4. Aprendizagem
Organizacional. I. Título. II. Brandalise, Isabella.
III. Werneck, Caio.

CDD 352.367
Isabella Brandalise
Bibliotecária: Tatiane de Oliveira Dias – CRB1/2230
e Caio Werneck

GNovaLab – Laboratório
Este trabalho está sob a Licença Creative Commons
Atribuição: Não Comercial
de Inovação em Governo
Compartilha Igual 4.0 Internacional Enap, Brasília/2022
4 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 5
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SUMÁRIO

06 Apresentação: abrindo uma janela

10 Introdução: sobre mergulhos, respiros e respingos

18 Metodologia: dando forma e sentido para os mergulhos

42 Mergulhos: quatro experiências de inovação e aprendizagem

76 Respiros: reflexões e aprendizados

84 Respingos: desdobramentos e possibilidades de sucesso

96 Sobre o GNovaLab
6 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 7
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APRESENTAÇÃO
ABRINDO UMA JANELA

O Laboratório de Inovação em Governo (GNovaLab) da Escola assim, a aderência dos órgãos governamentais aos instrumentos
Nacional de Administração Pública (Enap) nasceu em 2016, a e caminhos desenvolvidos no GNovaLab. Como uma janela, o pro-
partir de uma parceria entre o MindLab, laboratório de inovação grama trouxe novos ares para nosso modelo de atuação no labo-
do governo da Dinamarca, e o então Ministério do Planejamento, ratório, arejando ideias e conhecimentos. Em linha com a reivindi-
Desenvolvimento e Gestão (MP). Desde então explorou diversas cação global por desenvolvimento e sustentabilidade, a chamada
possibilidades de atuação para promover inovação, prospectan- foi pautada de forma a assegurar que os projetos de algum modo
do, experimentando e disseminando abordagens desafiadoras contribuíssem para os dezessete Objetivos de Desenvolvimento
com foco em inovação no setor público. Por meio dessa proposta Sustentável da ONU.
experimental, o GNovaLab, como parte da GNova – a Diretoria Recebemos 36 propostas de projetos e selecionamos quatro
de Inovação da Enap –, contribuiu para a missão institucional de para fazerem parte desta empreitada de projetos iniciada em
idealizar e testar novas formas de gerar valor público, ao reima- 2020. Tudo planejado, ajustado, redondo. Estávamos prontos pa-
ginar práticas públicas e criar uma visão de governo baseada em ra começar. Só não havíamos previsto a pandemia da covid-19.
valores inovadores centrados nas pessoas. Como a restrição de design é ferramenta fundamental para o
Em 2019, com experiência acumulada e com o amadurecimen- processo criativo – e estávamos em um contexto de grande res-
to da agenda de inovação na Enap e no governo brasileiro, o GNo- trição –, redefinimos o modo de atuação e, com a ousadia, cria-
vaLab havia se tornado uma referência como programa de apoio tividade e coragem que alimentam nosso trabalho como inova-
junto ao governo federal na geração de soluções criativas para dores públicos, encaramos o desafio. Inovação também exige
desafios públicos. No entanto, percebemos que nosso modelo pa- colaboração. Por meio de nosso acordo de cooperação interna-
ra adesão de projetos precisava ser revisto para melhor atender cional com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvi-
às necessidades latentes de inovação apresentadas pelos dife- mento (PNUD), selecionamos dois colaboradores para nos apoiar
rentes setores do governo. Somava-se a isso a necessidade de o nesta empreitada: Isabella Brandalise e Caio Werneck, autores
laboratório consolidar seu modelo de experimentação, sistema- deste livro. Sem eles este projeto não teria sido possível nem te-
tizando os aprendizados dos projetos anteriores e construindo ria tido toda a riqueza de aprendizados que é detalhada no livro.
novos caminhos. Nesta jornada, tivemos a participação e esforço conjunto de
Foi assim que a equipe lançou o programa Janela GNova, uma quatro equipes de servidores públicos inovadores que foram
chamada aberta de projetos que possibilitou aos interessados acompanhados de perto por gerentes de projeto da equipe do
submeter, dentro de um prazo definido, seus desafios, ampliando, GNovaLab. Foram exemplos de parceria e coragem ao estar co-
8 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 9
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nosco na experimentação e busca de soluções para seus proble- tilhar com a maior riqueza de detalhes possível, em forma de li-
mas públicos. Nossos agradecimentos às equipes parceiras e do vro, esta trajetória fascinante e transformadora que foi o Janela
laboratório: I. do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no GNova. O livro pode ser consumido no todo ou em partes. Certa-
projeto Perséfone, sobre a Política Nacional de Busca de Pes- mente é um modo leve de entrar em contato com o trabalho do
soas Desaparecidas – gerenciado pelo João Sigora com apoio laboratório e com nossa maneira de conduzir a experimentação,
da Márcia Knop; II. da Agência Nacional de Águas, no projeto de mesmo em contextos de restrição.
inovação dos atos normativos, carinhosamente apelidado de Hi-
drologiquês – gerenciado pela Márcia Knop com apoio da Andrea Obrigada a todos que fazem parte desta história de ousadia e
Marina Lacerda; III. do Laboratório de Inovação da Secretaria de muita inovação.
Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia – o
LA-BORA! gov, no projeto Perfis, de inovação no trabalho remoto Desejamos boa leitura!
no setor público – gerenciado pela Joselene Lemos com apoio da
Cecília Lariú; e IV. da Advocacia-Geral da União que, em parceria Marizaura Camões
com o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, atuou no projeto Coordenadora-Geral de Inovação
Segurado Especial, de inovação no acesso do segurado especial
ao benefício previdenciário – gerenciado pela Letícia Mendonça Bruna Santos
com apoio da Andrea Marina Lacerda. Diretora de Inovação
Diante do desafio da pandemia, enfrentamos mais uma cama-
da de complexidade: entender, muito rapidamente, como tudo
funcionaria na modalidade remota: a compreensão do problema;
a redefinição do desafio; o ciclo e a iteração da solução; as etapas
de pesquisa e de construção coletiva em oficinas colaborativas.
Esta publicação é um relato, uma história de inovação e um
convite a mergulhar conosco na infinidade de aprendizados que
acumulamos no caminho percorrido em 2020. O material repre-
senta a consolidação do jeito GNovaLab de experimentar e atuar
diante dos desafios impostos. E queremos, como sempre, compar-
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1. INTRODUÇÃO
SOBRE MERGULHOS,
RESPIROS E RESPINGOS

Enquanto esperávamos o início de uma das reuniões virtuais mentação, de um lado, e potencializar a formação de equipes de
coordenadas pela equipe da Escola Nacional de Administração inovação pública no governo federal, de outro.
Pública (Enap), nos primeiros meses da pandemia em 2020, uma A jornada do programa começou com a abertura de uma cha-
magistrada do Tribunal Regional Federal da Primeira Região mada para projetos, a partir da qual a Enap selecionou quatro
(TRF1) contava sobre os avanços da agenda de digitalização das equipes de diferentes instituições do poder público federal. Para
audiências de conciliação, fundamental para ampliar a reso- participar da chamada, cada equipe apresentou um problema e
lutividade do Judiciário brasileiro. Enquanto isso, um grupo de uma equipe dedicada à questão, além de outros requisitos, co-
servidores/as da Agência Nacional de Águas e Saneamento Bási- mo recursos disponíveis e um breve histórico de ações. Esse foi o
co (ANA) se preocupava com a falta de entendimento do público contexto para o trabalho desenvolvido ao longo de quatro me-
quanto à função dessa agência reguladora, justamente no ano ses (de junho a outubro de 2020), que buscou entender melhor os
em que comemorava vinte anos de existência. Em outra ala do problemas submetidos pelas equipes a partir de interações com
governo federal, servidores/as de diferentes áreas do Ministé- as pessoas mais próximas a esses problemas e também desenhar
rio da Justiça e Segurança Pública olhavam para sete modelos propostas capazes de impactar os contextos em que tais proble-
lógicos que apontavam o desafio de implementar a política na- mas se apresentavam.
cional de pessoas desaparecidas. Já no Ministério da Economia, Os projetos selecionados pelo programa receberam apoio
uma equipe de inovação da Secretaria de Gestão e Desempe- da equipe do GNovaLab, que acompanhou seu desenvolvimen-
nho de Pessoal se ocupava dos efeitos que a pandemia geraria to de perto, em sessões virtuais de colaboração. Passando por
na qualidade de vida relacionada ao trabalho de servidores/as dois ciclos de trabalho, as equipes foram guiadas por um pro-
públicos/as, especialmente na implementação às pressas de um cesso metodológico comum, que desenvolvemos como parte de
regime de trabalho não presencial. uma consultoria para o laboratório. Desenhamos a metodologia
Essas quatro cenas, mediadas por telas em algum momento e acompanhamos de perto sua aplicação, juntamente com ser-
de junho de 2020, nos dão uma amostra do que encontramos no vidores/as do laboratório, com quem compartilhamos uma jor-
1. A equipe da início do Janela GNova,1 programa de aprendizagem por projetos nada marcada por momentos de registro, orientação, criação, in-
Enap realizou
da Enap sobre o qual este livro se debruça. Diretamente de suas tercâmbio e reflexão.
uma 2ª edição do
Janela GNova em casas (na maioria dos casos), cerca de quarenta servidores/as Desde as interações iniciais com as equipes participantes, bus-
2021, e está sendo públicos/as dos mais diversos ramos e especialidades participa- camos estimular que o enquadramento do foco do projeto fosse o
realizada outra em
2022, no momento ram de encontros do programa, tratando de temáticas variadas. mais próximo da escala de um artefato ou serviço. Definir bem
em que escrevemos. O Janela GNova foi concebido com o objetivo duplo de capacitar o escopo de uma intervenção é um desafio comum a iniciativas
servidores/as em metodologias de design, gestão ágil e experi- no governo federal como um todo, que tendem a permanecer na
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escala sistêmica. Esse esforço foi fundamental para aproximar


o problema do campo das possibilidades de ação das equipes,
além de gerar engajamento e desdobramentos concretos, con-
forme veremos ao longo da publicação.
Na figura ao lado, temos um diagrama2 que demonstra as es- 2. Cf. Adaptação de
Robert Young, Se-
calas com as quais trabalhamos no programa: artefatos, servi-
an Blair e Andrea
ços, políticas e sistemas. Quando falamos de artefatos, a escala Cooper, “Redesign-
mais concreta e específica de nosso diagrama, estamos nos re- ing Design Educa-
tion: The Next Bau-
ferindo a produtos tangíveis, pontos de contato entre um público haus?”, in Exploring
Micro e uma oferta de serviço ou política pública. Os serviços consis- emerging design
paradigm – Pro-
Tangível ARTEFATOS tem em experiências que compreendem diferentes situações e ceedings of ICSID
artefatos dispostos em uma sequência temporal. Já as políticas Educational Semi-
públicas envolvem potencialmente diferentes serviços e ações nar 2001, Seognam,
SERVIÇOS Korea, International
coordenadas para alcançar determinado efeito público. Os sis- Council of Societies
temas, que constituem a escala mais ampla em nossa represen- of Industrial Design.
POLÍTICAS Seognam: Korean
PÚBLICAS tação, operam em uma lógica estratégica e ainda mais abstrata, Institute of Design
e se configuram como uma série de relações entre componentes Promotion, 2001,
pp. 26–33.
Macro SISTEMAS – políticas, serviços, artefatos –, muitas vezes envolvendo mais
Intangível
complexidade. A navegação entre escalas micro e macro foi es-
pecialmente relevante nos momentos de reflexão estratégica
com as equipes, ao pensar em ações concretas e específicas sem
perder de vista uma visão ampla de cada questão.
Este livro surgiu como um relato da experiência vivida no Ja-
nela GNova, em 2020. Queríamos aproveitar o farto material co-
letado ao longo da implementação dessa primeira edição do pro-
grama, em que documentamos métodos, dados e aprendizados,
articulados e sistematizados em pelo menos três esferas: equipe
de consultores, equipe do laboratório e equipes participantes.
Escrito como parte da coleção Inovação na prática, a publi-
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cação partiu desse conteúdo acumulado, mas envolveu também vel do programa ou das organizações participantes, examinando
pesquisa complementar, iniciada cerca de um ano após o término questões como geração de capacidades, institucionalização de
oficial da edição de 2020. Ao adicionar perspectivas das próprias iniciativas e criação de novos vínculos, quais são formas possíveis
equipes sobre o significado e os efeitos da experiência, nossa in- de sucesso de uma iniciativa como o Janela GNova?
tenção foi explorar os desdobramentos desses projetos. À medi- Dessa forma, este livro é também um registro de projetos pa-
da que fomos organizando os materiais e realizamos novas ofi- ra além de coisas, produtos, entregas. Por isso, buscamos trazer
cinas e entrevistas com participantes, foi ficando mais evidente para um primeiro plano de análise o desenho de experiências de
que, além de um relato sobre o programa em si, este livro pode- aprendizagem coletiva. Além de a base institucional do GNova-
ria trazer também reflexões sobre a interseção entre práticas de Lab ser uma escola de governo, é objetivo de programas como
inovação pública e aprendizagem coletiva. o Janela usar projetos como estratégia de formação profissional.
Assim como muitas unidades de inovação pública atuantes O Janela GNova não é a primeira nem a única iniciativa que bus-
em escala nacional, o GNovaLab interage com servidores/as que ca capacitar equipes de servidores/as a partir de projetos. Ape-
atuam em diferentes esferas e áreas do setor público. Desde sua sar de existirem diversas iniciativas realizadas ou sendo imple-
fundação em 2016, o laboratório serve como referência para es- mentadas, acreditamos que a descrição desse tipo de abordagem
sas equipes, que buscam mentoria em estratégias e metodolo- metodológica e a reflexão sobre os resultados de aprendizagem
gias, mas também inserção em comunidades e ecossistemas. O coletiva também são contribuições deste livro. Conhecida pelos
Janela GNova foi o primeiro programa do laboratório a oferecer cursos e programas de capacitação, a Enap tem cada vez mais
esse apoio de forma sistemática, numa escala pequena (quatro experimentado o método de aprendizagem baseada em proble-
projetos), com a condução de projetos simultâneos a partir do mas, ou baseada em projetos, como estratégia de capacitação.
mesmo ritmo e da mesma metodologia. Esta publicação também busca dialogar com essa agenda, que
Nesse sentido, ao descrever como funcionou o programa, des- acreditamos ter crescente potencial para impactar processos de
de o desenho à implementação, buscamos dialogar com quem transformação institucional.
atua na gestão de programas de inovação pública. Passamos es- Como fio condutor da narrativa do livro, usamos um conjunto
se diálogo para o nível do programa a fim de explorar uma per- de princípios que guiaram o processo do Janela GNova e nos de-
gunta muito comum nesse tipo de iniciativa: E aí, deu certo? A re- ram base prática e empírica para as reflexões que aqui compar-
flexão sobre o que significa esse “dar certo”, quando se desdobra tilhamos. Dito isso, o próximo capítulo desta publicação é dedi-
no nível do projeto, é associada, com frequência, à implementa- cado à descrição detalhada da metodologia de trabalho. Diante
ção de alguma “coisa” criada ou melhorada durante o programa. do contexto incerto e turbulento que enfrentamos em 2020, cria-
E quando mudamos de escala e lançamos essa pergunta no ní- mos uma metodologia experimental, ágil e colaborativa, dividi-
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da em ciclos e etapas. Nesse capítulo, descrevemos as premissas tos e serviços criados. Também discorremos sobre condições que
que orientaram o desenho metodológico, bem como cada uma podem contribuir para que os efeitos observados em uma escala
das etapas do programa e seus produtos. Uma das premissas foi se verifiquem nas outras, podendo as próprias condições ser con-
justamente a criação de um vocabulário comum, que originou a sideradas resultados positivos do processo vivido.
adoção da ideia do mergulho como analogia para as atividades Por mais que cada capítulo tenha sido pensado a partir de
de cada projeto e as seções deste livro, ao olhar para o progra- uma sequência, eles também podem ser lidos de forma inde-
ma como um todo. Assim, o capítulo seguinte narra de forma in- pendente, conforme o interesse de cada leitor/a. Se o objetivo for
dividualizada cada um dos quatro mergulhos que realizamos, a buscar inspiração e/ou recursos para realizar e conduzir proje-
partir de suas especificidades – Perséfone: serviço de registro de tos ou programas semelhantes, talvez o capítulo de metodologia
pessoas desaparecidas, Hidrologiquês: inovação para além dos seja o melhor lugar para começar, pois ali cada decisão é deta-
atos normativos, Perfis: quem é você no trabalho remoto?, e Se- lhada e os métodos são descritos. Se o/a leitor/a estiver interes-
gurado Especial: jornada digital entre Judiciário e Previdência. sado/a em conhecer exemplos de aplicação da metodologia em
Depois dos quatro mergulhos, dedicamos tempo e espaço para diferentes contextos do governo federal, os mergulhos dão con-
reflexões sobre o que aconteceu. Reservamos, então, um capítu- teúdo e contexto aos métodos a partir da experiência das equi-
lo para o que chamamos de respiros, que são aprendizados rela- pes que viveram o processo. Se a preocupação principal for dar
cionados à continuidade dos projetos, às condições de segurança continuidade aos aprendizados e encarar os novos desafios que
para experimentação, à sensibilidade ao contexto, à influência permeiam os ciclos de vida dos projetos, os respiros abrem cami-
mútua entre as etapas do processo e aos papeis de cada equipe nho para outras conversas. E se o/a leitor/a quiser discutir desdo-
participante. Entendemos esse capítulo como uma lista de refle- bramentos, com um dedinho do pé nas possibilidades de avalia-
xões que emergiram à superfície a partir da experiência vivida ção, o capítulo de respingos pode ser uma boa porta de entrada.
pelas equipes e que tocam em discussões que exigem fôlego e Por fim, não há mergulho sem respiros nem respingos. Espe-
aprofundamento para serem mais bem exploradas em emprei- ramos que essa publicação seja mais uma gota no esforço con-
tadas futuras. O último capítulo aborda os desdobramentos dos junto de refletir e documentar iniciativas de inovação e apren-
projetos, ou os respingos dos mergulhos. Estamos explorando as dizagem na administração pública brasileira, e que contribua, a
diferentes escalas e dimensões em que os respingos dos projetos partir de uma experiência prática, para novos projetos e conver-
se manifestaram, buscando dialogar com a pergunta sobre pos- sas no campo.
síveis formas de entender sucesso em programas com foco em
aprendizagem coletiva no contexto do setor público. Para isso,
discutimos a reverberação, em políticas e sistemas, dos artefa-
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GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

2. METODOLOGIA
DANDO FORMA E SENTIDO
PARA OS MERGULHOS

Quando decidiu abrir uma chamada para projetos no fim de Para conduzir esse trabalho, nos organizamos a partir de al-
2019, a equipe do laboratório de inovação em governo da Enap gumas premissas, que serão descritas neste capítulo e que fo-
não imaginava o que estava por vir em 2020. Com o objetivo ini- ram fundamentais para guiar a implementação das adaptações
cial de organizar a demanda crescente por capacitação em mé- necessárias sem comprometer a coerência da iniciativa Janela
todos de design e inovação no governo federal, essa chamada GNova 2020, cujo escopo e objetivos estão descritos no texto in-
foi o ponto de partida de um programa chamado Janela GNova. trodutório desta publicação. As premissas, por sua vez, se desdo-
Foram selecionadas equipes de diferentes órgãos do setor pú- braram em etapas que conduziram o trabalho das equipes.
blico federal, que apresentaram um problema e a intenção de É importante mencionar que essas etapas descritas nesta pu-
criar propostas de solução. Ao longo de cinco meses, as quatro blicação são resultado de um processo de desenho específico.
equipes selecionadas receberam apoio do laboratório para de- Por isso, não devem ser encaradas como etapas de um método
senvolver um projeto a partir desse problema, usando a meto- a ser replicado tal e qual apresentado, mas como fonte de ins-
dologia descrita neste capítulo. piração metodológica para equipes que quiserem desenvolver
O início do programa coincidiu com o começo da pandemia do iniciativas de inovação e aprendizagem por meio de projetos na
novo coronavírus (covid-19). O alto grau de incerteza que acom- administração pública.
panhou a adoção emergencial do modelo de trabalho remoto no
governo federal, combinado com o desafio de redesenhar a con- NOSSAS PREMISSAS
dução da modalidade presencial para a online de quatro proje- As premissas aqui descritas formaram uma espécie de conjunto
tos com desafios públicos complexos de forma simultânea, levou de princípios que orientou a escolha de métodos com potencial de
ao desenvolvimento de um processo metodológico de inovação sinalizar boas respostas às condições específicas do contexto de
experimental, colaborativo e ágil. Essas características nos per- desenvolvimento dos projetos. Foi dada atenção especial às res-
mitiram testar e aprender rapidamente com as equipes parcei- trições associadas ao contexto de isolamento social e trabalho
ras e pessoas envolvidas, e assim desenhar os momentos de um remoto, levando em conta as pessoas envolvidas e os recursos
processo de inovação conforme o desenrolar de sua execução. disponíveis para a realização das atividades.
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GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Premissa 1
Adaptar metodologias familiares a condições incertas
Como conduzir projetos de inovação nesse novo contexto? Era Preparação é tudo
evidente que não se tratava de reproduzir abordagens metodo- Envolvimento de pessoas relevantes
lógicas utilizadas anteriormente para o formato online, ou seja, PRINCÍPIOS Ambiente participativo
3. Cf. Elisabete de simular, no modo digital, as mesmas atividades desenhadas DE TRABALHO Foco no efeito
Ferrarezi, Joselene
para o esquema presencial. Uma simples transposição de for- Teste de ideias
Lemos e Isabella
Brandalise, Experi- matos seria um esforço incompatível com a disponibilidade das Busca por concretude
mentação e novas pessoas, os níveis de atenção e distração, o cansaço gerado pela Novos entendimentos a partir da realidade
possibilidades em
governo: aprendiza- exposição prolongada à tela etc. Dessa forma, buscamos explo-
dos de um labora- rar possibilidades de adaptação para um novo formato, manten-
tório de inovação.
Brasília: Enap, 2018.
do as características principais de cada projeto, mas ajustando
as atividades às novas condições.
4. Cf. E. Ferrarezi e Em termos de escolhas metodológicas, buscamos fontes de
J. Lemos, Imersão
inspiração que oferecessem simplicidade e uma certa modulari-
Ágil: checagem de
realidade em políti- dade, além de privilegiar abordagens já conhecidas pelo próprio
cas públicas. Brasí- GNovaLab. Com isso, buscamos segurança (a partir da familiari-
lia: Enap, 2018.
dade com certas formas de trabalho) para testar esses métodos EXPLORAR EXPERIMENTAR FAZER
5. Cf. ibid. As cinco em um contexto que exigia alta capacidade de adaptação. Por-
etapas da Imersão
tanto, utilizamos uma abordagem de experimentação baseada
Ágil são: prepara-
ção; conversa inicial em design3 combinada com a metodologia de Imersão Ágil.4 Em
com gestores; ofi- linhas gerais, nos orientamos pelos princípios de trabalho elen-
cina com especia-
listas; pesquisa de cados na figura abaixo e desenhamos dois ciclos de trabalho in-
campo; e oficina de terdependentes. O detalhamento dos ciclos foi inspirado nas eta- Experimentar é aprender,
resultados com ges-
tores. Recomenda-
pas da Imersão Ágil, uma “metodologia que rapidamente envolve testando hipóteses e
mos a consulta ao especialistas, usuários e demais atores interessados para gerar checando se a realidade
livro para entender entendimento da realidade e criar soluções para um problema reage da forma esperada.
em mais detalhes a
inspiração metodo- ou desafio relacionado a um serviço, a uma prática de gestão ou
lógica. a uma política pública”. 5
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GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Premissa 2 Premissa 3
Manter o foco e o engajamento da equipe Estabelecer uma linguagem comum
Outra premissa decorreu da incerteza sobre a disponibilidade Mesmo utilizando metodologias já conhecidas pela equipe e
de tempo das pessoas nesse novo cenário. Para lidar com isso, trabalhando de forma ágil a partir de missões, restava o desafio
além de trabalhar em ciclos modulares, optamos por definir de estabelecer um fio condutor entre as atividades.
cada uma das etapas a partir de uma missão, com entregas Dessa forma, um recurso metodológico para alinhavar a nar-
bem-definidas e um propósito claro para mobilizar a equipe. rativa ao longo do processo, e também entre as equipes dos
Com isso, procuramos sugerir tarefas concretas, encadeadas em projetos simultâneos, foi o estabelecimento de uma linguagem
passos planejados, facilitando a execução. comum, construída a partir de uma metáfora. Aproveitando a
Com a delimitação de uma missão no início de cada etapa, analogia da imersão, cada etapa foi associada a instrumentos
foi possível estimar o tempo de dedicação necessário por cada ou situações de um mergulho. No primeiro ciclo, o mergulho re-
pessoa envolvida nessa cadeia de implementação – consultor/a, presentou a pesquisa com as pessoas afetadas pelo problema,
gestoras/es do GNovaLab, líderes e membros da equipe parcei- realizada principalmente por meio de entrevistas por videocon-
ra. Com o encadeamento lógico e prático das entregas com as ferência ou consultas por aplicativos de celular. No segundo ci-
etapas anteriores, esperava-se a construção de sentido comum clo, o mergulho foi a realização de testes, a partir de interações
do que estava sendo feito. Além de estabelecer um direciona- com os protótipos criados por cada uma das equipes. Com isso,
mento claro para a equipe parceira, as missões também foram buscamos conectar as ações esperadas em cada uma das etapas
importantes para registrar conquistas intermediárias na medida em um mesmo plano semântico, facilitando a construção de sen-
em que o projeto avançava, mesmo que algumas das perguntas tido pelas equipes.
e incertezas do projeto continuassem sem resposta.

Etapa 3 | Testes
Vamos colocar nossos protótipos em contato com a realidade a
EXEMPLO partir de interações estruturadas com pessoas relacionadas com
DE MISSÃO o problema. Para isso, nossa equipe vai elaborar roteiros de teste,
aplicá-lo com pessoas selecionadas pela equipe e registrar e
sistematizar os aprendizados nas próximas duas semanas.
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GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Premissa 4
PERGUNTAS CRÍTICAS (MODELO)
Minimizar barreiras de adesão a novas tecnologias
Outra premissa adotada no início do trabalho se relacionava aos 1. O que queremos aprender 3. Posicionar as perguntas
sobre o nosso conceito? prioritárias no diagrama de Funcionalidade
diferentes níveis de familiaridade com ferramentas digitais, de- protótipo (O que o protótipo Como essa coisa
safio encarado por várias equipes na transição para o trabalho a. prototipa; Houde e Hill, 1997) a. funciona (na vida
das pessoas)?
remoto. Nesse sentido, a opção por plataformas de trabalho cola- b.
borativo que implicassem o mínimo de barreiras aos participantes b.
c. Implementação c.
foi central para o rápido embarque e para a adesão das equipes. Quais os recursos
Mesmo diante da emergência de novos softwares com múlti- necessários?

plas funcionalidades, optamos por trabalhar com plataformas


que não exigissem uma curva de aprendizagem tão alta naque- Apresentação
le momento, reduzindo a dispersão do foco pela tecnologia. Por 2. Organizar as perguntas Qual é a cara
da coisa?
em ordem de prioridade
isso, decidimos utilizar uma combinação de ferramentas de sli-
des – para apresentações e colaboração – com ferramentas de
vídeo – para comunicação entre as pessoas durante as reuniões.
Especificamente, o uso de slides como espaço de criação de Tipo de teste | Perfil da participante Pergunta crítica do teste:
narrativas e espaço de trabalho comum abriu também a possibi- NOME DE QUEM INTERAGIU a.
lidade de incluir elementos gráficos para complementar a con-
dução das atividades. O formato de cada slide, como uma pági-
na de tamanho predeterminado, em sequência linear, funcionou “Citação marcante que a pessoa (Incluir imagem,
quando relevante)
para delimitar momentos de explicação, discussão e produção falou e deve ser lembrada.”
coletiva. A combinação de forma padrão com ordenação lógica
das atividades permitiu, ainda, a criação de um histórico coeren-
te das atividades desenvolvidas, contribuindo para a gestão do Temas abordados no teste
conhecimento e para a emergência de uma narrativa dos proje-
tos participantes do programa.
26 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 27
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Premissa 5
CLÍNICA DE PROJETOS
Criar ritos de acompanhamento e gestão de projetos
PROTÓTIPOS
Como parte dos desafios iniciais do programa, deparamos com
a complexidade de conduzir simultaneamente quatro projetos, Objetivo
com suas lógicas e contextos particulares. Para viabilizar a im- Preparar a equipe para Pré-clínica Clínica
as oficinas de protótipos
plementação dos projetos, criamos um fluxo de conversas de Conceito → Perguntas → Protótipos → Entrega
críticas final
preparação e alinhamento metodológico com a equipe do la- Agenda
Apresentar conceito
boratório, que seguiu a lógica das etapas de Imersão Ágil adap- Slide preenchido Slide preenchido Refinar as O que seria útil
e perguntas
com uma propos- pela equipe do
tadas ao Janela GNova, em sequência específica. Esse método ta elaborada jun- GNova com algu-
perguntas para viabilizar o
Refinar perguntas desenvolvimento
comum, com pontos de contato no início de cada etapa para to com a equipe mas perguntas Gerar ideias e a implementa-
Gerar ideias de protótipos parceira de protótipos ção do conceito?
sincronizar os projetos, permitiu lidar com os ritmos diferentes
de cada um, evitando perda de sintonia entre eles, sobretudo na Provocar reflexões sobre
a entrega final
perspectiva do/as gestores/as de projeto do laboratório.
Outra tática foi realizar ritos de gestão alternativos às reu-
niões, ampliando o leque de modos de encontro entre participan-
tes dos projetos. Exemplo disso foi a Rádio Janela, que consistiu
Integrante da equipe GNova
no compartilhamento semanal de um áudio curto por cada ges-
tor/a de projeto, relatando pontos essenciais do projeto naquela
2:54 17:10
etapa. Com isso, foi possível manter a visão do todo, potencializar
trocas entre gerentes de projetos e gerar reflexão constante so-
2:54
bre a prática, contribuindo para a gestão do conhecimento. Tam-
bém realizamos clínicas de projetos em momentos-chave de fina- Rádio Janela – Projeto Perséfone
lização ou decisão estratégica, que exigiam atenção redobrada. (em parceria com MJSP)
15/07 – Oficina de geração de insights
As clínicas funcionaram como reuniões curtas e muito focadas,
guiadas pelas dúvidas de cada gestor/a de projeto.
28 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 29
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

ETAPAS CICLO DE EXPLORAÇÃO

Para descrever a realização dos dois ciclos de Imersão Ágil, ao


lado apresentamos um panorama das etapas de cada um dos
ciclos, e nas páginas a seguir um resumo das missões que guia-
ram o trabalho das equipes participantes. Cada ciclo adotou um
modo de trabalho predominante, e foi dividido em cinco etapas,
inspirado na metodologia Imersão Ágil. Preparação Foco do Pesquisa Síntese Apresentação
projeto de insights

CICLO DE CRIAÇÃO

Preparação Foco Testes Síntese Apresentação


final
30 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 31
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

CICLO DE EXPLORAÇÃO Ciclo de exploração | Etapa 1


PREPARAÇÃO
O primeiro ciclo teve como foco explorar, partindo do contexto
do problema apresentado pela equipe ao se inscrever no pro- Nesta etapa pré-mergulho a missão foi colocar todas as pessoas
grama. A partir de contornos iniciais, buscamos levantar certe- no mesmo barco, com o intuito de preparar a equipe para o pri-
zas e dúvidas, reunindo dados existentes e formulando possíveis meiro mergulho, alinhando expectativas e perspectivas sobre o
hipóteses a serem confrontadas com a realidade. Em seguida, as projeto.
equipes de governo interagiram com pessoas afetadas pelo pro- Cada equipe teve que levantar dados existentes sobre o pro-
blema em questão com base em abordagens de pesquisa qua- blema a ser abordado no projeto, explorar causas e consequên-
litativa. Como resultado, o ciclo permitiu às equipes reunir os cias, mapear o público-alvo e apresentar um compilado dessas
primeiros aprendizados do projeto e, assim, calibrar o foco deli- informações (Mapa do contexto).
mitado, gerar entendimentos comuns e formar senso de equipe.

1.1 – Oficina de abertura. Foi o primeiro encontro 1.2 – Mapa do contexto. Trata-se do compilado
entre as equipes do laboratório e dos órgãos par- de informações coletadas, organizadas de acor-
ceiros, para nos conhecermos, entender a meto- do com a metodologia proposta, trazendo um
dologia e definir a dinâmica de trabalho ao longo resumo do contexto em que a equipe se propôs
do programa. Nessa oficina foi apresentada a pri- a atuar ao longo do projeto.
meira missão.
32 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 33
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Ciclo de exploração | Etapa 2 Ciclo de exploração | Etapa 3


FOCO DO PROJETO PESQUISA

Nesta etapa a missão foi gerar um entendimento comum quanto A missão central desta etapa foi realizar interações rápidas e
ao problema a que a equipe do projeto dedicaria sua energia. entrar em contato com experiências reais de pessoas relacio-
Foi necessário olhar para o contexto mapeado, refinar entendi- nadas ao problema. Conduzir uma pesquisa com essas pessoas
mentos comuns da equipe, discutir caminhos possíveis e esco- ajuda a compreender como pensam, sentem e se comportam,
lher um ponto de entrada nesse problema – isto é, definir onde gerando nova compreensão da realidade e reduzindo incertezas
mergulhar. Essa etapa levou a uma primeira proposta de foco e dúvidas quanto ao foco do projeto.
para o projeto, com um recorte mais específico do problema, de- Para tanto, as equipes tiveram que desenhar, conduzir e sis-
limitando o público potencialmente afetado e possíveis perfis tematizar uma pesquisa qualitativa com as pessoas mapeadas.
de pessoas a serem consultadas.
Como produto desta etapa, elaboramos um documento de
orientação para a pesquisa a ser realizada na etapa seguinte (Fi- 3.1 – Recrutamento. Por se tratar de uma 3.2 – Roteiros. O ponto de partida para a ela-
pesquisa qualitativa e ágil, selecionar bem as boração do roteiro de conversa foi consolidar
cha de mergulho).
pessoas seria chave. Após identificar com quem dúvidas e hipóteses e traduzi-las para conjuntos
entraríamos em contato, agendamos as conver- de perguntas direcionados para cada um dos
sas e buscamos despertar o interesse da pessoa perfis de participantes recrutados/as. O objetivo
pelo projeto, procurando aumentar a qualidade foi entender como as pessoas percebem as
2.1 – Oficina de definição do problema. 2.2 – Ficha de mergulho. Buscando consolidar a da conversa e dos dados gerados. próprias experiências, dando concretude ao
O trabalho ocorreu primeiro de forma escolha feita na oficina, construímos uma ficha contexto mapeado. O preparo dos roteiros
assíncrona, com a análise do mapa do contexto na qual foram incluídas as principais perguntas buscou apurar nossa escuta e favorecer o
pela equipe. Na oficina, foi escolhido um foco e pessoas mapeadas para a etapa de pesquisa. surgimento de relatos ricos.
para o projeto, além de identificar recortes 3.3 – Campo. Durante as interações com as pes-
possíveis de público e contexto para a pesquisa. soas, o roteiro serviu como guia para a equipe,
que também teve de se manter atenta ao que
emergia de forma espontânea. Para aproveitar 3.4 – Sistematização. Para organizar os dados
melhor esse momento, dividimos papéis: um coletados em campo, criamos modelos de
responsável pela condução da conversa e outro notas para cada perfil com quem conversamos,
para tomar notas e fazer registros audiovisuais. distinguindo citações de observações, e tendo
Discutimos questões éticas, deixando claros os em vista as perguntas centrais dos roteiros.
objetivos da pesquisa, buscando preservar a in- Falas interessantes foram destacadas em linhas
tegridade e o anonimato de participantes. do tempo (jornadas) ou por meio de outros
recursos visuais que ajudassem a dar sentido
aos dados daquele projeto.
34 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 35
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Ciclo de exploração | Etapa 4 Ciclo de exploração | Etapa 5


SÍNTESE APRESENTAÇÃO
DE INSIGHTS
A missão dessa etapa foi discutir os dados coletados e a expe-
riência das equipes, de modo a produzir uma boa síntese e desta- Nesta etapa, a missão foi traduzir a síntese feita na etapa anterior
car os principais aprendizados coletivos. Com isso, esperávamos para comunicar as descobertas a pessoas estratégicas no projeto.
visualizar novos entendimentos (na forma de insights), além de Para tanto, depuramos um Mapa de insights e elaboramos uma
oportunidades de inovação identificadas pelas equipes ao longo apresentação que reiterava o percurso que nos levara até ali e
da pesquisa, que seriam cruciais para orientar os próximos pas- apontava uma perspectiva dos próximos passos.
sos do projeto. Essa apresentação foi preparada pela equipe para sensibilizar
Para fazer isso, as equipes tiveram que analisar e sistematizar dirigentes estratégicos do projeto e validar o que viria a seguir.
os dados, e gerar insights conectados ao foco do projeto.

5.1 – Mapa de insights. Refinamos a sistematiza- 5.2 – Apresentação para dirigentes. Preparamos
ção, incorporando os destaques da oficina e agendamos uma reunião com o objetivo
4.1 – Análise dos dados. Em alguns projetos 4.2 – Sistematização. Organizamos o conteúdo a
e consolidando-os no que chamamos de mapa central de apresentar os insights para dirigentes,
foram realizadas mais de vinte entrevistas, partir de agrupamentos temáticos, em um esforço
de insights. Esse produto sintetizou de forma contando sobre o projeto até aquele ponto
geralmente em formato de conversas semiestru- colaborativo de síntese. A partir das marcações
visual o que aprendemos sobre o problema a e discutindo oportunidades a partir dali. Em
turadas com duração de cerca de uma hora, via da equipe nas fichas – uma organização prelimi-
partir do foco definido. Construído com base em alguns casos, foi também um momento de
videoconferência (devido às restrições da pan- nar com base na identificação de temas que se
experiências reais de pessoas relevantes para o priorização das oportunidades identificadas.
demia). Com esse volume de dados, sugerimos a sobressaem –, criamos grupos temáticos (organi-
projeto, destacou oportunidades de intervenção
leitura dos perfis sistematizados antes da oficina zados visualmente), ora com um olhar atento aos
pela equipe. Foi um ponto de inflexão entre o
de insights para destacar pontos principais. Indi- detalhes, ora com uma visão panorâmica.
modo de explorar e o modo de fazer.
vidualmente, membros das equipes marcaram os
pontos mais significativos de cada pergunta ou
entrevista. Além de servir como preparação para
a oficina, esse exercício criou um mapa de calor, 4.3 – Oficina de insights. A dualidade entre o de-
auxiliando na sistematização. talhe e o todo guiou o processo de construção de
sentido a partir dos dados. Com toda a equipe do
projeto, analisamos a sistematização inicial, bus-
cando explicitar novos entendimentos sobre o pro-
blema, confirmando ou contrariando intuições e
revelando descobertas coletivas. Juntos, registra-
mos os destaques e conversamos sobre a melhor
maneira de comunicar e ilustrar as descobertas
(insights) para dirigentes e atores relevantes.
36 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 37
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

CICLO DE CRIAÇÃO Ciclo de criação | Etapa 1


PREPARAÇÃO
O segundo ciclo foi desenhado no modo fazer, com o objetivo
de criar algo tangível que pudesse servir como base para a equi- Na primeira etapa deste ciclo, nossa missão foi coletar novas
pe abordar o problema e interagir com o ambiente e as pessoas informações para transformar as oportunidades levantadas em
envolvidas, a partir de pelo menos uma das oportunidades de possibilidades de foco para um novo mergulho, agora no modo
intervenção identificadas no primeiro ciclo. Com isso, exercita- criação.
mos na prática como é desenhar uma intervenção sobre um pro- As equipes tiveram que buscar referências inspiradoras e ge-
blema público com uma abordagem experimental. Equipados rar ideias iniciais de como abordar o problema no contexto do
com métodos de design, criamos estratégias para testar o con- projeto.
ceito dessas possíveis intervenções junto a pessoas diretamente
ligadas ao problema em questão. Além de dar continuidade ao
processo de aprendizagem em curso, esse ciclo aprofundou os 6.1 – Referências inspiradoras. Como ponto de 6.2 – Geração de ideias. Como ideias surgem ao
partida, olhamos para iniciativas já existentes longo de todo o projeto, combinamos desde o
relacionamentos junto aos órgãos parceiros, possibilitando des-
que haviam abordado o problema ou desenvol- início estabelecer um espaço destinado a seu re-
dobramentos em eventuais novos testes e implementação. vido soluções análogas que pudessem nos esti- gistro, e reforçamos que mesmo ideias aparente-
mular. Definimos formas de registro e algumas mente óbvias, ou radicais ou de difícil implemen-
perguntas para guiar a pesquisa de referências, tação, seriam, a princípio, sempre bem-vindas.
seja do mesmo contexto, de situações análogas Nesse momento do projeto, revisitamos as ideias
ou de tendências de futuro. geradas até então e criamos atividades generati-
vas de novas ideias a partir das referências e dos
achados da pesquisa, facilitando a colaboração e
fomentando processos criativos coletivos.
6.3 – Mapa de possibilidades. Organizamos
as ideias geradas até aqui, agrupando-as em
temas que indicassem caminhos possíveis
para endereçar as oportunidades de inovação
identificadas. Esse material serviu para orientar
a seleção de ideias e o desenvolvimento de um
conceito na próxima etapa.
38 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 39
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Ciclo de criação | Etapa 2 Ciclo de criação | Etapa 3


FOCO TESTES

Nossa missão foi escolher um curso de ação promissor a partir Nessa etapa a missão foi colocar nossos protótipos em contato
das possibilidades mapeadas, para o qual seria desenvolvido um com a realidade a partir de interações estruturadas com pes-
6. Esses três elemen- conceito, ou seja, um rascunho de proposta ou uma articulação soas relacionadas ao problema.
tos foram adaptados
inicial de ideias, mas ainda aberta a alterações. Seriam então Para isso, nossa equipe teve que elaborar roteiros de teste pa-
de Stephanie Houde
e Charles Hill, “What desenhados testes a partir de perguntas sobre esses conceitos,6 ra realizar com pessoas selecionadas pela equipe e registrar e
Do Prototypes Proto- materializados em protótipos com a função de orientar o enten- sistematizar os aprendizados.
type?”, in Handbook
of Human-Computer dimento da aplicação na prática desses caminhos possíveis.
Interaction. North Além de desenvolver um conceito, as equipes tiveram que le-
Holland: North-Hol-
land, 1997, pp. 367-81.
vantar perguntas críticas de aprendizado, construir protótipos e 8.1 – Preparação. Organizamos o trabalho antes 8.2 – Aplicação dos testes. Cada um dos projetos
do teste em três atividades centrais: criação, pla- teve um processo muito específico de testagem,
se preparar para os testes.
nejamento e orientação. De maneira semelhante trazendo mais uma vez para o centro do projeto
à etapa 3 (Pesquisa), consistiu em elaboração as interações com pessoas relevantes para
de roteiro, recrutamento, divisão de papéis da aquele problema. Considerando as restrições da
equipe, dicas para condução de testes e formatos pandemia, todas as sessões de teste foram online
7.1 – Conceito. Nesta etapa, articulamos ideias 7.2 – Perguntas críticas. O que queremos definidos para coleta de aprendizados. e tiveram imagens, áudios, vídeos, diagramas e
promissoras e reflexões acumuladas ao longo aprender sobre o conceito? Levantamos pontos outros elementos como ponto de contato entre
do projeto em um conceito, detalhando seus da proposta desenhada que precisariam ser equipes e participantes dos testes.
atributos e propostas principais, para trazer a testados, relacionados ao funcionamento, à
equipe para o mesmo ponto antes de levantar aparência/apresentação ou à implementação 8.3 – Sistematização. Utilizamos mais uma vez os
perguntas para o teste. do conceito. Isso foi feito a partir de perguntas modelos de fichas para registrar nossos apren-
críticas e concretas, que guiaram o planejamen- dizados em cada interação. As fichas foram mais
to e a execução dos testes. uma vez personalizadas, com pelo menos uma
capa-síntese, um espaço para anotações durante
7.3 – Protótipos. Como podemos aprender? a interação e um quadro de aprendizados.
Para tornar o conceito mais tangível e
responder às perguntas selecionadas, usamos
protótipos, pensados mais como ações para
aprendizado do que como produtos. Além de
materializar aspectos importantes do conceito,
foram concebidos tendo em vista a interação
com pessoas relevantes para o projeto.
40 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 41
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Ciclo de criação | Etapa 4 Ciclo de criação | Etapa 5


SÍNTESE APRESENTAÇÃO FINAL

A etapa de síntese teve como missão permitir a visualização dos Para concluir o ciclo de criação, construímos uma apresentação
aprendizados gerados a partir dos testes e orientar os próximos final do projeto, para comunicar a síntese gerada, além de reunir
passos. recomendações para os próximos passos. A narrativa criada foi
As equipes tiveram que analisar as fichas de protótipos, con- direcionada a dirigentes e outras pessoas estratégicas para po-
solidar os aprendizados e, a partir disso, indicar melhorias para tencializar desdobramentos.
refinar o conceito. A equipe teve que elaborar slides apresentando o conceito
refinado, destacando aprendizados e recomendações para o de-
senvolvimento do projeto.
9.1 – Análise dos dados. Cada membro da equipe 9.2 – Consolidação de aprendizados. Para
interagiu com as fichas, marcando aprendiza- criação de sentido coletivo, geramos uma
dos, relacionados tanto às perguntas como às primeira visualização que nos forneceu uma
surpresas que foram surgindo. Identificamos e visão panorâmica e permitiu identificar conexões 10.1 – Recomendações. Ao olhar para as 10.2 – Apresentação final. Com foco no conceito
agrupamos aprendizados a partir das marcações entre aprendizados. Juntos, conversamos sobre melhorias que não foram implementadas, testado no segundo ciclo, a última entrega
e anotações da equipe nas fichas, procurando a melhor maneira de ilustrar e comunicar os fizemos recomendações sobre elas e sobre do projeto deu oportunidade de contar o que
fazer uma organização prévia dos agrupamentos resultados (ex: citações, perfis, jornadas). outros aspectos do projeto que julgamos foi criado e relatar a jornada de inovação da
de aprendizados dos testes. relevantes para o fechamento. equipe de cada projeto. A equipe explorou essa
combinação entre entregas e aprendizados na
elaboração da apresentação.

9.3 – Incorporação de melhorias. Considerando


que muitas sugestões e comentários demanda-
riam tempo para serem incorporados ao conceito,
priorizamos melhorias de curto prazo, para
implementar no âmbito do Janela GNova.
42 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 43
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

3 . MERGULHOS
QUATRO EXPERIÊNCIAS DE
INOVAÇÃO E APRENDIZAGEM

Dedicamos as próximas páginas a narrar os mergulhos corres- Projeto 1


pondentes a cada um dos quatro projetos integrantes do pro- Perséfone
grama Janela GNova, bem como suas equipes e contextos. Além Serviço de registro de pessoas desaparecidas
de uma equipe do GNovaLab, cada projeto foi acompanhado de
perto por um dos consultores, que ofereceu apoio metodológi- Projeto 2
co. Sabemos que cada projeto tem complexidade própria, que Hidrologiquês
por si só poderia dar origem a livros à parte. Escolhemos aqui Inovação para além dos atos normativos
alguns elementos para incluir na publicação, como forma de dar
corpo à abordagem que acabamos de descrever. Os mergulhos Projeto 3
são contados para ilustrar a aplicação da metodologia na prá- Perfis
tica, a partir de questões levantadas pelas equipes de cada um Quem é você no trabalho remoto?
dos projetos. Por ser uma metodologia comum, ganhamos muito
ao olhar, de maneira simultânea, para a diversidade de histórias, Projeto 4
desdobramentos e aprendizados. Segurado Especial
Jornada digital entre Judiciário e Previdência
44 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 45
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Projeto 1 “Quando eu cheguei aqui, não se falava de desaparecidos.” Foi


PERSÉFONE esse o depoimento de uma das servidoras que participou do pro-
SERVIÇO DE REGISTRO DE PESSOAS DESAPARECIDAS jeto Perséfone 7 e que hoje integra uma área dedicada ao tema 7. O nome escolhido
para o projeto re-
no Ministério da Justiça e Segurança Pública. O projeto Perséfo-
mete ao mito grego
ne surgiu em apoio à então recém-criada Política Nacional de do desaparecimen-
ÓRGÃO PARCEIRO RESUMO Busca de Pessoas Desaparecidas (Lei 13.812/2019), a partir de to da filha da deusa
Deméter, de nome
Ministério da Justiça e Em apoio ao desenvolvimento da Política Nacional de uma demanda por metodologias que trouxessem mais eficiência Perséfone, em re-
Segurança Pública (MJSP) Busca de Pessoas Desaparecidas, o projeto Perséfone
ao processo de busca. Em conjunto com o grupo de facilitadores ferência ao desafio
focou na elaboração de um serviço de registro de desa- encarado por mui-
parecimentos. A proposta foi desenvolvida a partir de do GNovaLab, a equipe de projeto reuniu servidores/as do minis- tas famílias na bus-
PALAVRAS-CHAVE conversas e processos colaborativos com familiares tério dedicados/as ao tema do desaparecimento, com experiên- ca por seus entes
de pessoas desaparecidas, profissionais de segurança desaparecidos.
desaparecimento de pessoas, pública e de ONGs atuantes no tema, e teve como foco cia de atuação em unidades de polícia civil e centros de perícia
serviço de registro, design de principal o acolhimento das famílias e a profissionali- criminal e antropologia forense. Também incluiu servidores/as
serviço zação do serviço. O projeto fez parte de uma série de
ações que contribuíram para a institucionalização da
de áreas de estratégia da instituição, com o objetivo de capa-
política, que hoje integra a cartilha de ações prioritá- citá-los/las a partir dos processos metodológicos vivenciados,
EQUIPE GNOVALAB rias do Ministério da Justiça e Segurança Pública. para eventualmente incorporar essas práticas em outras áreas.
João Sigora e No primeiro ciclo do projeto, partimos do fato de que há mui-
Márcia Knop
ta incerteza sobre o que fazer quando uma pessoa desaparece.
Após mapear dados conhecidos e suposições em torno da ques-
EQUIPE MJSP tão, promovemos conversas entre a equipe de projeto (servido-
Christhiane Pinto Cutrim, res/as de gestão no ministério) e pessoas que vivenciam o proble-
Claudete Terezinha Trapp,
ma em primeira mão. De forma remota e a partir de um roteiro
Evandro Luiz dos Santos,
Fabiano Nogueira Brandão, aberto de perguntas, conversamos com servidores/as do atendi-
Helena Ferraz Monteiro, mento da segurança pública de diferentes regiões do Brasil, fa-
João Carlos Laboissiere
Ambrosio, Neusivan Fonseca miliares de pessoas desaparecidas e colaboradores/as de ONGs
do Nascimento e Patrícia com atuação na temática de desaparecimento de pessoas.
Bonilha de Toledo Piza
A sistematização das conversas trouxe novos entendimentos e
nos permitiu identificar o momento do registro de um desapareci-
mento como uma etapa estratégica para a atuação do ministério.
Essas conversas revelaram desde razões por trás de decisões ha-
46 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 47
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

INSIGHTS A PARTIR DO QUE OUVIMOS


bituais (e muitas vezes equivocadas) que familiares tomam quan-
As famílias não só Não há preparo No Brasil, há uma do alguém desaparece até a ausência de protocolos públicos de
1 2 3
não sabem o que de servidores desvalorização da atendimento, demonstrando, entre outros fatores, uma desvalo-
fazer quando alguém nem protocolo pauta de pessoas
desaparece, como de atendimento a desaparecidas em rização generalizada da pauta no âmbito da segurança pública
acabam tomando familiares reportando diferentes níveis. no Brasil. Tais entendimentos foram organizados em uma apre-
decisões equivocadas. desaparecimentos.
sentação para dirigentes do ministério e também ilustrados por
“É muito difícil encon-
“Melhor um registro
“Eu me senti culpado trar servidor que queira áudios marcantes das conversas realizadas, mobilizando a sen-
pelo desaparecimento trabalhar com amor em
inútil do que um
da minha mãe.” uma divisão de pessoas sibilidade e a urgência implicadas no tema.
ineficaz por ser tardio.”
desaparecidas.” Diante de tais entendimentos, o segundo ciclo do projeto foi
Representante Filho de pessoa Delegada voltado ao desenho de um serviço de registro de desaparecimen-
de ONG desaparecida tos, com foco na profissionalização do atendimento e no acolhi-
Há uma cultura tanto entre a O jeito de a pessoa contar a A cultura organizacional valo- mento dos familiares. Utilizando ferramentas de design de ser-
sociedade como entre profis- história afeta o tratamento da rizada na segurança pública é viços e analisando iniciativas adotadas em outros contextos, a
sionais de segurança pública questão pelos profissionais a de apuração de crimes, en-
de que é necessário esperar de segurança pública. quanto pautas como a das pes- proposta desenvolvida incorporou soluções para antes, durante
pelo menos 24h para registrar soas desaparecidas são desva- e depois do atendimento, como a introdução de um checklist pa-
o desaparecimento. Há um desafio relacionado lorizadas.
à adequação do atendimen- ra profissionais da segurança pública, a elaboração de materiais
É um momento de fragilidade to à realidade de famílias de Não há interesse político ex- de orientação para familiares e uma estratégia de acompanha-
emocional extrema para a fa- baixa renda, que são as mais plícito nem iniciativas de uni-
mento do caso.
mília, o que acaba prejudican- frequentes. ficação nacional da pauta, de
do a tomada de decisões. forma que há várias ações des- A fim de realizar testes rápidos com pessoas relevantes, cria-
Os profissionais de segurança conectadas em nível local. mos uma jornada ilustrada do registro de um desaparecimen-
Ilustrações: MindLab

Ao compartilhar nas mídias so- pública não têm conhecimen-


ciais, gera-se o conhecimento to específico sobre esse tema. O atendimento à população to, uma espécie de história em quadrinhos que apresenta cada
social, mas não o conhecimen- não condiz com a importância etapa do desaparecimento a partir de uma situação fictícia e da
to legal. Além disso, a pessoa do tema: os servidores não se
não dimensiona outros riscos sentem preparados e as famí-
perspectiva de quem vive o problema. No caso de familiares de
de exposição pessoal. lias não se sentem acolhidas. pessoas desaparecidas, pela sensibilidade do tema, os testes fo-
ram realizados por meio de conversas agendadas, em que as pes-
soas reagiram à apresentação da jornada. Para agentes de segu-
Acesse e ouça nossa rança pública, contatamos servidores/as de todas as regiões do
compilação de áudios
Brasil, enviamos por WhatsApp vídeos narrando cada quadro do
marcantes da pesquisa.
serviço e pedimos que nos enviassem suas reações à proposta,
48 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 49
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

JORNADA DE REGISTRO DE UM DESAPARECIMENTO (EXEMPLOS ILUSTRATIVOS)


principalmente em relação à adequação dela à realidade do es-
PASSO 3 – INFORMAÇÃO SOBRE O QUE FAZER tado e município dos agentes.
Disponibilização de informações padronizadas O que precisa acontecer Com base nas respostas e nos aprendizados obtidos nos tes-
para orientar familiares sobre o que devem fazer nos bastidores
ao desconfiar de um desaparecimento. tes, elaboramos um blueprint8 do serviço de registro de desa- 8. Instrumento que
Policiais militares (em especial, mapeia o passo a
atendentes do 190) capacitados/as parecimento, detalhando as etapas e os pontos de contato com
A senhora deve comparecer a passo do serviço
uma delegacia para atendimento
com orientações sobre o protocolo a população, o que nos permitiu identificar prioridades de im- em seus diferentes
especializado com as seguintes de atendimento
informações: ... plementação e criar uma lista de recomendações para os pró- componentes, con-
Rede de apoio capacitada com tribuindo para a ob-
orientações sobre o protocolo ximos passos. Além do blueprint, elaboramos um grupo de prin- tenção de uma visão
de atendimento (conselheiros
cípios para orientar a prestação do serviço. Após o projeto com geral, além de pa-
190
• Documentos necessários tutelares e equipamentos locais de
• Perguntas para o dronizar e manter a
registro
assistência social) o GNovaLab, o Ministério da Justiça e Segurança Pública come- consistência em todo
Baixar cartilha Secretaria Nacional de Segurança çou a trabalhar na implementação do protocolo nacional sobre o fluxo. Contém tan-
Pública (SENASP/MJSP) prepara
o tema e na oferta de capacitações e materiais de suporte para to a perspectiva de
Ligar cartilha para familiares e guia para quem usa o serviço
atendentes do 190 que agentes de segurança pública fossem capazes de executar como a especifica-
o serviço com qualidade. Segundo um dos membros da equipe, ção dos processos
envolvidos nos bas-
os insights e as propostas geradas durante o projeto estão sendo tidores, facilitando a
implementados ao longo do tempo, conforme vão sendo iden- operacionalização.
PASSO 4 – CHEGADA NA DELEGACIA E RELATO DO CASO
Ao chegar à delegacia, a pessoa é O que precisa acontecer tificadas oportunidades e condições adequadas, na forma, por
direcionada a uma sala onde poderá nos bastidores exemplo, de parcerias com organizações da sociedade civil e ca-
relatar o ocorrido com privacidade.
Orientações sobre a recepção pacitações específicas sobre a temática do desaparecimento e
Sinto muito pela situação. e o uso do espaço físico de
Vamos direcioná-la a um
delegacias, em especial: acolhimento a familiares. 9. Exemplo da
Ilustrações: “Scenes”, por SAP Design

local mais reservado para


ampla cobertura
você contar o que aconteceu. O projeto Perséfone contribuiu, ainda, para a institucionali-
• Evitar que a pessoa tenha de imprensa do
de narrar o ocorrido na zação da política no Ministério da Justiça e Segurança Pública, lançamento da
presença de terceiros.
que antes era vista como um tema com pouca relevância e cen- campanha: <www.
Bem-vindos/as!
g1.globo.com/df/
& Co-Innovation Center

• Se necessário, a pessoa
Recepção da pode fazer seu relato em um
tralizado na figura de servidores/as isolados/as. Em combinação distrito-federal/
delegacia espaço mais reservado, sem com uma série de ações desde o fim do projeto, como por exem- noticia/2021/05/25/
ser submetida a possíveis ministerio-da-justica-
Delegacia especializada de
constrangimentos, e o BO plo a publicação do decreto 10.622/2021, que institui o Comitê lanca-campanha-
atendimento a vulneráveis
pode ser registrado no local
habitual.
Gestor da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, de-coleta-de-dna-
e o lançamento da campanha para coleta de DNA de familiares9 para-identificacao-
de-desaparecidos.
(para comparar com restos mortais não identificados), podemos ghtml>.
50 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 51
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

REGISTRO DE UM DESAPARECIMENTO
PRINCÍPIOS PARA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BLUEPRINT DO SERVIÇO
Antes Durante Depois
Conhecimento Pré-atendimento Registro Acompanhamento
Não negar nem adiar Considerar as etapas Não insinuar
atendimento anteriores e posteriores comportamento criminoso Ações
ao registro como parte do ou pejorativo em relação à
Profissionalizar e oferecer serviço (pré-atendimento, pessoa desaparecida Pontos de contato

atendimento de qualidade acompanhamento etc.)

Familiares de pessoas
Local

que desapareceram
para familiares Informar os/as familiares
Respeitar o momento de sobre seus direitos Canais
Não responsabilizar fragilidade emocional das
Atores
a família pelo famílias e orientar a tomada
desaparecimento de decisão Emoções

Linha de visibilidade

Ações de agentes da
destacar que a política de pessoas desaparecidas agora integra a segurança pública

Bastidores e apoio
10. Site oficial da cartilha de políticas do ministério.10 Muitas dessas ações tiveram Materiais

política: <www.gov.
inclusive cobertura de veículos da mídia nacional e local, como Sistemas
br/mj/pt-br/acesso-a-
-informacao/acoes-e- G1, Correio Braziliense, Metrópole, Jornal Nacional e Folha de S. Parcerias e atores
engajados
-programas/desapa- Paulo. A priorização da pauta se refletiu também na criação de Pontos de atenção
recidos>.
uma área dedicada ao desenvolvimento da política, demonstran-
do que “o resultado do trabalho gerou o interesse político para a
criação de um DAS [cargo comissionado de coordenação]”, con- tro de pessoas desaparecidas – foi considerado um dos grandes
forme relatou uma das participantes. O material desenvolvido ganhos do projeto, uma vez que permitiu focar em situações con-
durante a experiência com o GNovaLab tem sido utilizado como cretas da realidade sem perder de vista a estratégia por trás da po-
apoio para as iniciativas da área. lítica como um todo. Permitiu ainda direcionar a escuta e incluir di-
Por fim, o próprio processo metodológico – ter participado do versas vozes – de maneira direta, utilizando áudios gravados com
mergulho – trouxe desdobramentos para a equipe que participou depoimentos de quem efetivamente vivencia a situação –, levando
do projeto, desde o uso de ferramentas (como o blueprint de ser- em consideração os efeitos dessas inovações metodológicas na vi-
viços) e recursos (depoimentos em áudio) até a adoção de aborda- da imediata dos envolvidos, adicionando as texturas e as emoções
gens e enquadramentos que não eram comuns em sua rotina de implicadas no tema, e sensibilizando as lideranças e equipes res-
trabalho. O estabelecimento de um recorte específico como ponto ponsáveis no ministério para tomada de decisão efetiva.
de partida para intervenção – no nosso caso, o momento do regis-
52 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 53
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Projeto 2 “Sinto que o projeto da ANA em parceria com o GNovaLab foi


HIDROLOGIQUÊS na medida para iniciar um processo de transformação institucio-
INOVAÇÃO PARA ALÉM DOS ATOS NORMATIVOS nal.” Essa foi a percepção de um servidor da Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico (ANA) sobre a experiência reali-
zada no ano em que a agência completou vinte anos de existên-
ÓRGÃO PARCEIRO RESUMO cia. Foi formada uma equipe de profissionais das mais diversas
Agência Nacional de Águas e Partindo de uma dificuldade de comunicação com seu diretorias, gerências e campos de atuação – da engenharia ao
Saneamento Básico (ANA) público, a equipe da Agência Nacional de Águas e Sa-
jornalismo, do atendimento à gestão estratégica – para repensar
neamento Básico (ANA) impulsionou uma verdadeira
transformação institucional, mobilizando diferentes a comunicação e transparência de atos normativos produzidos
PALAVRAS-CHAVE produtos e equipes a partir da simplificação de lingua- pela agência reguladora. Além dos interlocutores habituais –
gem. O projeto Hidrologiquês possibilitou interações
regulação, atos normativos, entre diferentes setores da agência e pesquisas com outorgantes, prestadores de serviços de água, produtores e ges-
comunicação pública, diferentes perfis de usuários de recursos hídricos, aju- tores de barragens –, a ANA vislumbrava desafios ainda maiores
linguagem simples dando a equipe a entender melhor o problema que,
mais do que uma questão de comunicação pública, re-
de comunicação com a ampliação de sua abrangência, decor-
velou-se uma oportunidade para potencializar mudan- rente do novo marco do saneamento.
EQUIPE GNOVALAB ças organizacionais. A escolha do desafio, coordenado Logo no início do primeiro ciclo do projeto, buscamos conver-
pela Gerência-Geral de Estratégia, engajou equipes de
Andrea Marina Lacerda forma transversal, construiu um ambiente propício pa- gências entre as doze pessoas da equipe para definir qual seria o
e Márcia Knop ra o desenvolvimento de uma nova agenda, e resultou, foco a ser explorado nessa temática. As trocas entre membros da
entre outros, no Plano de Ação de Linguagem Simples
e na criação do Laboratório de inovação da ANA. equipe levaram à decisão de enfatizar o processo de elaboração
EQUIPE ANA e uso de atos normativos, definição importante para explorar as
Andréia de Castro Costa interações em torno desses que são os artefatos mais concretos
Xavier, Bruna Craveiro de Sá
que produzem. Para a realização da pesquisa, mapeamos usuá-
e Mendonça, Daniel Cardim
Gama, Danielle Peres Gonzaga rios de documentos específicos, entre resoluções e outorgas que
Moura, Gonzalo Álvaro Vázquez determinam regras para o uso de água. Em seguida, engajamos
Fernandez, Marco Antonio Silva,
Mariana Schneider, Nazareno servidores/as das áreas de regulação, atendimento e comunica-
Marques de Araújo, Raquel ção da ANA; representantes dos setores elétrico, agrícola e de
Scalia Alves Ferreira, Roxane
Pinheiro Alves, Taciana Neto
saneamento; órgãos estaduais de gestão de águas; comitês de
Leme, Viviane dos Santos bacias; e uma especialista em simplificação de linguagem. Partin-
Brandão e Vivyanne Graça do da hipótese de que uma comunicação excessivamente técnica
Mello de Oliveira
dialoga pouco com esses usuários, a pesquisa gerou uma série de
54 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 55
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

INSIGHTS A PARTIR DO QUE OUVIMOS

CAPACIDADES INTERFACES USOS ENTENDIMENTOS


1 Conhecimentos e habilidades
2 Meios digitais ou não,
3 Valor percebido e usufruído
4 Percepção do público sobre
necessários para a construção pelos quais esse documento por pessoas e instituições que a ANA a partir da interação
de um documento é acessado e utilizado interagem com ele com seus documentos

“Assim como as bulas foram apri-


“A área técnica acha desneces- moradas para conter um trecho
“A resolução tem que ter tudo
sária a alteração do texto em com resumo para o paciente, “Cada ano a ANA vem, faz reunião,
(definições, introdução, obriga-
uma linguagem comum, como as resoluções poderiam ter um e a gente está lá mais para ouvir
ções...), mas eu faço um resumo
por exemplo, os temos jusante trecho direcionado a quem não do que para falar.”
só daquilo que precisa ser feito.”
e montante.” é especialista.”

Especialista em Engenheiro da gerência Engenheira química de Usuário que não


comunicação da ANA de operação de usinas companhia de saneamento cumpre as regras

“Poucas vezes fui questionado “Não há dificuldade de interpretar “Uso planilha Excel para

Ilustrações: MindLab
controlar as obrigações legais “Nós entendemos a regra, a ANA
sobre a forma de apresentação a norma, mas há sempre o apoio é que não nos entende.”
e comunicação de um ato.” da área jurídica da empresa.” e o escritório de advocacia faz
as atualizações.”

Especialista em Analista ambiental em uma Analista ambiental em Usuário atuante


comunicação da ANA empresa usuária de água da empresa usuária de água da em Comitê de Bacia
bacia do Rio Verde Grande bacia do Rio Verde Grande Hidrográfica

dados e observações que ampliaram significativamente o campo conceito: projetos de simplificação de atos normativos
de visão da equipe sobre o problema. com o objetivo de tornar os documentos mais acessíveis
Com os documentos como ponto de contato, a equipe esta- e intuitivos para usuários e atores do sistema. Essa so-
beleceu quatro camadas (capacidades, interfaces, usos e enten- lução partiu de uma busca por referências, sobretudo
dimentos) que ajudaram a organizar novas perspectivas sobre o do campo emergente de linguagem simples no setor
problema. A organização desses dados e aprendizados em qua- público brasileiro – que já havia sido identificado como
tro camadas foi importante para identificar com mais clareza as uma oportunidade para a equipe, por reunir técnicas e
possibilidades abertas pelo primeiro ciclo, servindo como uma princípios para mobilizar atores internos e externos em
bússola para o desenho de intervenções. torno do problema.
Considerando as quatro dimensões do problema como poten-
ciais focos de atuação, durante o segundo ciclo a equipe levantou
possibilidades de intervenção, que levaram a uma proposta de
56 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 57
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

DESAFIO PERGUNTAS CRÍTICAS → PROTÓTIPOS


ENTENDIMENTOS
Como os usuários de recursos
hídricos podem ter acesso simples A aplicação das etapas O documento gerado Quais capacidades a
e intuitivo às normas da ANA? USOS de simplificação da por esse processo fica equipe da ANA precisa
metodologia da Prefeitura mais simples sem perder desenvolver para comu-
de São Paulo funciona no sua finalidade técnica? nicar de forma simples
INTERFACES contexto na ANA? e efetiva?
CONCEITO
↓ ↓ ↓
Projeto de simplificação de CAPACIDADES
atos normativos com o objetivo Processo de simplificação Ato normativo Oficina de treinamento em
de tornar os documentos mais completo rodado, a simplificado simplificação de documen-
acessíveis e intuitivos para E se usarmos essas dimensões partir da metodologia da tos públicos e trilha de for-

usuários e atores do sistema. para desenhar soluções? Prefeitura de São Paulo mação no tema

Usando três diferentes abordagens para testar a aplicabilida- no contexto regulatório. O segundo tinha o intuito de verificar se
de desse conceito no contexto da ANA, a equipe desenvolveu um documento simplificado perderia sua finalidade técnica. Pa-
protótipos que buscaram responder a perguntas críticas ligadas à ra testar essa pergunta, a equipe usou a metodologia de simpli-
implementação, funcionalidade, e comunicação da ideia. O pon- ficação em um documento de outorga e coletou impressões da
to de partida dos testes foi uma oficina de treinamento realizada equipe técnica da ANA responsável por sua elaboração. O ter-
por uma das integrantes da equipe do Programa Linguagem Sim- ceiro protótipo abordou a dimensão de capacitação, tendo co-
11. Essa colaboração ples, do (011).lab, laboratório de inovação em governo da Pre- mo enfoque o desenho de uma trilha de formação que, além de
foi central para o
feitura de São Paulo.11 Além de servir como preparação para os ser apresentada para coleta de feedback, foi indicada como uma
projeto, pois trouxe
referencial metodo- três protótipos, essa oficina foi uma oportunidade de estreitar das possibilidades na agenda de capacitação do ano seguinte, a
lógico para orientar laços com a comunidade quanto a práticas de simplificação de fim de verificar o interesse de servidores/as da ANA por esse pro-
os experimentos.
Agradecemos pela linguagem. cesso de capacitação.
colaboração, em O primeiro protótipo teve como foco a adaptação da meto- A estratégia de gerar perguntas simultâneas, e para cada uma
especial, de Luana
Dratovsky e Lais
dologia utilizada pelo (011).lab ao contexto da ANA. Além de delas construir e testar protótipos específicos, rendeu um apren-
Valieris, gestoras do aprender mais sobre a aplicação da metodologia, foi uma opor- dizado importante para a equipe. Nesse sentido, podemos des-
programa à época. tunidade de identificar barreiras à simplificação de linguagem tacar, na perspectiva de aprendizagem metodológica, a prática
58 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 59
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

de experimentos e testes com usuários, que surpreendeu positi- nal – uma vez que foi aprovado pela diretoria e já está no segun-
vamente algumas pessoas da equipe: “[antes do Janela] a gente do ano de implementação. Além desse conjunto de ações, foram
não podia mostrar para ninguém qualquer tipo de fragilidade. também mencionadas outras interfaces que passaram por pro-
Uma coisa como um protótipo era inimaginável”. Segundo outra cessos de simplificação como resultado da adesão à agenda im-
servidora da ANA: “Agora não boto nenhum produto, mesmo que pulsionada pelo projeto, como o Portal de Serviços e outros re-
interno, sem que seja feito teste”. latórios produzidos pela ANA.12 12. Exemplos de do-
cumentos que pas-
Além dos aprendizados – que serão discutidos em mais deta- De forma complementar, participantes do projeto relataram
saram por revisões
lhes nos próximos capítulos –, o mergulho deste projeto trouxe outros efeitos importantes que “vão além da formalidade de um ou reestruturações a
alguns desdobramentos. Talvez o mais emblemático seja o Pla- plano ou documento”, com repercussão entre diferentes atores partir de linguagem
simples: Carta de
no de Ação de Linguagem Simples, documento que consolida a do sistema em que a ANA opera. Segundo a equipe do projeto, Serviços, em <www.
adoção dessa agenda na agência, reunindo um conjunto de ações em março de 2022, pelo menos 60% das unidades organizacio- gov.br/ana/pt-br/cen-
trais-de-conteudos/
que vão além do conceito desenvolvido e testado no âmbito do nais já haviam participado de alguma ação de linguagem sim- publicacoes/carta_
Janela GNova. Esse documento representa um efeito importante ples na ANA, entre cursos, eventos, campanhas e processos de relatorio_ana_2020_
do projeto, demonstrando ampliação da legitimidade institucio- simplificação. v6.pdf>; e Portal de
Usuários de Recursos
Com um portfólio extenso de desdobramentos, cabe destacar Hídricos, em <www.
que este mergulho criou um espaço de trocas e integração que snirh.gov.br/usuarios-
derecursoshidricos/>.
fortaleceu vínculos entre diferentes áreas da agência, que conti-
APRENDIZADOS DA EQUIPE nuaram colaborando mesmo após o fim do projeto. Como fruto
dessa colaboração, é possível destacar também o fortalecimen-
Engajamento da equipe Escolha de parceiros to da agenda de inovação da ANA, materializada na criação de
O projeto funcionou como espaço de Os projetos iniciais devem começar por um laboratório de inovação, lançado em dezembro de 2021. Essa
trocas e integração, gerando ideias e onde houver menor resistência potencial e
fortalecendo vínculos entre diferentes com pessoas/áreas que demonstrem maior decisão demonstra não apenas maior abertura à experimentação
áreas da ANA. abertura à experimentação. mas também a intenção de favorecer processos mais amplos de
transformação institucional na agência que cuida das águas no
Uso de metodologias Gestão da mudança
Realizar experimentos antes do lançamento Mapear os perfis mais resistentes e mais território brasileiro.
de um projeto de inovação pode ajudar a parceiros para pensar em estratégias
aprimorar a metodologia, além de criar e de gestão da mudança que reduzam
fortalecer capacidades internas. resistências e fortaleçam parcerias.
60 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 61
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Projeto 3 “A adaptação foi o principal aprendizado”, ponderou uma das ser-


PERFIS vidoras que participou do projeto Perfis: Quem é você no traba-
QUEM É VOCÊ NO TRABALHO REMOTO? lho remoto?, em referência tanto à temática abordada pelo pro-
jeto como aos rumos que ele tomou. O projeto Perfis teve como
foco o aperfeiçoamento da experiência de servidores/as federais
ÓRGÃO PARCEIRO RESUMO em trabalho remoto. Trata-se de uma pauta da Secretaria de Ges-
LA-BORA! gov / Secretaria O projeto Perfis: quem é você no trabalho remoto? tão e Desempenho de Pessoal que ganhou bastante destaque no
de Gestão e Desempenho de consistiu na concepção de um teste de perfis compor-
contexto da pandemia da covid-19, que exigiu a implementação
Pessoal – Ministério da tamentais para apoiar a adaptação de servidores/as
Economia públicos/as a contextos de mudança, em especial à emergencial e em grande escala de trabalho remoto no gover-
transição para o trabalho remoto. No início da pande- no federal. A equipe do projeto, além do grupo de facilitadoras
mia da covid-19, a implementação de trabalho remo-
PALAVRAS-CHAVE to no governo federal foi uma mudança operada em do GNovaLab, era composta de membros fixos – quem faz parte
trabalho remoto, gestão de grande velocidade e escala, mas rodeada de incer- da equipe em tempo integral – e volantes – quem trabalha em
pessoas, gestão da mudança, tezas e potenciais dificuldades de adaptação. O con-
ceito de teste de perfis foi pensado para dar suporte
demandas e períodos combinados do LA-BORA! gov. Na ocasião
perfis comportamentais
à adaptação, considerando a diversidade de pessoas do projeto, o laboratório tinha acabado de ser criado, e buscava
e formas de trabalho, de modo a evitar a adoção uma também a vivência de processos metodológicos orientados por
solução única e padronizada. O conceito foi então de-
EQUIPE GNOVALAB senvolvido e testado a partir de conversas e proces- design como forma de capacitação da equipe.
Cecília Lariú e Joselene sos colaborativos com chefias e equipes de servidores/ No primeiro ciclo do projeto, a equipe procurou entender os
Lemos as em regime de trabalho presencial e remoto, além
de especialistas em gestão de pessoas e inovação pú- principais desafios que os/as servidores/as estavam enfrentando na
blica. O projeto contribuiu para o amadurecimento da adoção do trabalho remoto no setor público, ainda de forma ampla
equipe do próprio LA-BORA! gov, laboratório de inova-
EQUIPE LA-BORA! GOV e no que dizia respeito à rotina de trabalho e às relações entre ser-
ção com especialidade em gestão de pessoas, a partir
Amanda Menezes, Juliana da vivência do processo. A partir dessa experiência, a vidores/as. Supunha-se que muitas chefias tinham receio de perder
Machado, Luana Faria, Maria equipe do LA-BORA! gov passou a adotar na Secretaria o controle sobre suas equipes, limitando a autonomia das pessoas
Raquel Stacciarini, Mariana de Gestão e Desempenho de Pessoal, no Ministério da
Yuka Akamine e Pedro Economia, as abordagens metodológicas desenvolvi- e resistindo à implementação do trabalho remoto. Para averiguar
Stoeckli Pires das em conjunto com a equipe do GNovaLab. a questão, foram entrevistadas chefias e equipes de servidores/as
em trabalho presencial e remoto, além de especialistas em ges-
tão de pessoas. Em combinação com mapeamento de dados sobre
produtividade e sobre qualidade de vida no trabalho, a pesquisa
de campo contribuiu para adicionar textura e profundidade a par-
tir das experiências de quem se debate com a questão no dia a dia.
62 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 63
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

INSIGHTS A PARTIR DO QUE OUVIMOS A sistematização das conversas nos permitiu identificar uma
possibilidade estratégica de atuação da secretaria, a partir da
ENTENDIMENTO PROBLEMAS ADAPTAÇÃO A identificação de perfis comportamentais para a gestão de mu-
1 2 3
VIGENTE EXISTENTES PESSOAS E ÓRGÃOS dança. A identificação de perfis tinha como intuito responder à
O trabalho não presen- Muitos problemas Diretrizes são impor-
cial, muitas vezes, é vis- do serviço público tantes, mas devem ser
demanda por diretrizes gerais que regulamentassem o trabalho
to como benefício e não foram evidenciados adaptáveis às diferentes não presencial, mas que pudessem ser adaptadas às diferentes
como mais uma forma no trabalho não realidades das pessoas
realidades das pessoas e dos órgãos – estas são muito diversas
de trabalho. presencial. e dos órgãos.
e não costumam ser levadas em consideração em contextos de
“É presunçoso prever transição e mudança. Além disso, a pesquisa gerou uma série de
“Como você está em “Talvez nosso trabalho uma forma ideal de
casa, dá a impressão não dependa mais de trabalho remoto,
insights que revelaram desde lógicas vigentes e narrativas sobre
que está sempre métricas que nunca
disponível.” funcionaram.”
mas diretrizes são trabalho remoto – muitas vezes visto como benefício, e não co-
importantes.”
mo mais uma forma de trabalho – até o evidenciamento de pro-
Chefe de equipe com Membro de equipe em Chefe de equipe com cerca blemas já existentes no setor público, com destaque para dificul-
dez pessoas, maioria em trabalho remoto de trinta pessoas em trabalho
trabalho remoto remoto dades de comunicação e queixas sobre mecanismos de controle.
Trabalhar remotamente não O valor do trabalho não está Atividades impensáveis no Diante de tais entendimentos, o segundo ciclo do projeto ti-
significa estar disponível o na métrica, mas na efetividade formato não presencial se
nha como meta desenvolver uma proposta de atuação focada no
tempo todo; essa forma de das entregas. mostraram possíveis depois
trabalho é potencialmente das imposições decorrentes apoio a diferentes tipos de servidores/as em processos de adap-
assíncrona. No trabalho remoto imposto, da pandemia. tação a mudanças, em especial no contexto de trabalho remo-
o controle assumiu novas for-
mas: excesso de reuniões, re- Pessoas não mudam de perfil to. Como resultado das sessões coletivas de geração de ideias, o
latórios diários. automaticamente ao migra- conceito de solução proposto pela equipe foi um teste de perfis
rem para outra forma de tra-
As pessoas não querem perder balho.
comportamentais para o setor público, que teve como base esca-
tempo com comunicação for- las de autonomia, disciplina e adaptabilidade, identificadas como
mal improdutiva, e sim investir Conhecer os diferentes perfis características-chave em contextos de transição e incerteza, e
tempo em trocas informais e nas equipes facilita a escolha
aprendizagens coletivas. pela forma de trabalho mais que podem ajudar ou dificultar a adaptação de cada pessoa. De-
Ilustrações: MindLab

adequada, bem como even- pois de responder ao teste, o/a servidor/a receberia a descrição
Para mães e pais, a dinâmica tuais processos de adaptação.
do trabalho remoto depende de seu perfil predominante, detalhado em habilidades, desafios e
da rede de apoio. recomendações de desenvolvimento, além da indicação de perfis
complementares para oferta e recebimento de apoio na adapta-
ção ao trabalho remoto. Um exemplo de perfil criado foi o Abre
64 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 65
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

alas, cujas características predominantes são a independência, ESCALAS USADAS PARA COMPONENTES DE UM PERFIL
o metodismo e a adaptabilidade. Em outras palavras, uma pes- DEFINIR CADA PERFIL
soa com esse perfil tem clareza de seu potencial de realização e CARACTERÍSTICAS-CHAVE
adaptação no trabalho, mas pode ter dificuldades em ser solidá- IDENTIFICADAS POR ESPECIALISTAS Abre alas
Cheguei para
ria às necessidades e ao ritmo da equipe. realizar
Para desenvolver o conceito, precisávamos entender se os per-
AUTONOMIA
fis mapeados faziam sentido no contexto de trabalho remoto e se Breve descrição
chefias e equipes viam valor na proposta. Para isso, realizamos Tem clareza de seu potencial de realiza-
ção e adaptação no trabalho. Comunica
duas etapas de testes rápidos. Primeiro, criamos visualizações
DISCIPLINA suas ideias e opiniões de forma autêntica.
simples da matriz de comportamentos utilizada na construção Ser solidário às necessidades e ao ritmo
dos perfis, da relação de apoio entre os diferentes perfis (a par- da equipe pode ser um desafio.

tir de uma lógica circular) e do detalhamento de um dos perfis, e


ADAPTABILIDADE Habilidades (pontos fortes)
convidamos especialistas em gestão de pessoas e inovação pú-
blica para uma oficina em que pudessem interagir com o mate- Desafios (pontos a serem desenvolvidos)
rial, avaliar sua aderência ao contexto e sugerir mudanças pa-
Dicas para desenvolvimento
ra orientar o desenvolvimento do projeto. Para o segundo teste, (recomendações de práticas para
criamos imagens com alguns exemplos de perfis, indicando a re- enfrentamento dos desafios)

lação de apoio entre eles, e enviamos para chefias e servidores/ Quem pode apoiar (perfil complementar
as em trabalho remoto por mensagens de WhatsApp, junto com capaz de ajudar)
algumas perguntas provocadoras, como: “Como você vê a utili- De quem pode receber apoio (perfil
zação dessa ferramenta em seu contexto de trabalho?” e “Com complementar capaz de oferecer ajuda)
base na visão dos perfis e nas descrições resumidas, você se reco-
nhece em algum dos perfis?”. Em resposta, as pessoas enviaram
áudios ou textos comentando sobre os possíveis usos dos perfis das aos dirigentes da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pes-
que vislumbravam em sua rotina de trabalho, além de aponta- soal do Ministério da Economia. No entanto, nos próximos passos
rem se haviam ou não se identificado com os perfis apresentados. após o término da experiência com o GNovaLab, a equipe do pro-
Com base nas respostas e aprendizados obtidos nos testes, jeto deparou com uma questão de viabilidade, uma vez que não
elaboramos uma série de recomendações para os próximos pas- havia recursos disponíveis para serem alocados na continuação
sos do desenvolvimento do teste de perfis, que foram apresenta- do desenvolvimento técnico e conceitual da solução de perfis.
66 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 67
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

LÓGICA CIRCULAR DE APOIO ENTRE PERFIS a novos regimes de trabalho em contextos de mudança, visan-
do à implementação imediata. A Curadoria Temática consiste na
elaboração de diretrizes e modelos para o trabalho não presen-
Parça
cial, disseminando boas práticas do trabalho nas modalidades
Conta comigo remota e híbrida. A iniciativa já está em fase de implementação
e funciona como um repositório de modelos práticos, simples e
intuitivos, que podem ser adaptados e aplicados em diferentes
Mão na massa Abre alas realidades no setor público. A ideia é melhorar o dia a dia dos/
Métodos variáveis, Cheguei para as servidores/as e incentivar lideranças a colocarem em prática
entregas em dia realizar
comportamentos de gestão em prol do bem-estar das pessoas e
da produtividade no setor público.
Da hora Maestro Para além do projeto em si, a experiência do mergulho foi im-
Preservo o legado Vamos manter portante para a incubação e consolidação do LA-BORA! gov den-
a harmonia
tro da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, passan-
do inclusive por transições de liderança. No início do projeto, o
Trem bala Relógio suíço laboratório tinha menos de seis meses de existência, de modo
Monotonia não Qualidade e que a seleção para participar da experiência com o GNovaLab
é comigo pontualidade
foi celebrada como uma vitória e o processo foi visto como uma
oportunidade de formação da equipe a partir da vivência de um
De boas projeto em suas diversas etapas. De fato, a percepção de quem
Feito é melhor
que perfeito
participou do projeto é de que houve um grande salto qualitati-
vo na maturidade da equipe; o projeto não só gerou um histórico
comum mas também serviu de base para a construção de voca-
bulário e abordagens metodológicas para novas iniciativas do
Dessa forma, a equipe retornou ao mapeamento de oportunida- laboratório. Nas palavras de uma das participantes, muitos dos
des identificadas a partir dos insights. Assim, essa etapa do pro- serviços oferecidos pelo LA-BORA! gov hoje “carregam o DNA do
13. Cf. <www.gov.br/ jeto levou ao desenvolvimento, ao teste e à qualificação de uma [programa] Janela GNova”.
servidor/pt-br/assun-
nova iniciativa, a Curadoria Temática,13 também voltada a faci-
tos/laboragov/cura-
doria-tematica>. litar a adaptação de diferentes realidades de pessoas e órgãos
68 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 69
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Projeto 4 “Descobrimos que existem ilhas de excelência mesmo em mares


SEGURADO ESPECIAL revoltos”, observou um dos participantes ao entrar em contato
JORNADA DIGITAL ENTRE JUDICIÁRIO E PREVIDÊNCIA com outros órgãos envolvidos com a temática do projeto. Par-
tindo de uma composição de juízes/as do 1º Tribunal Regional
da Justiça Federal (TRF1) e procuradores/as federais da Advoca-
ÓRGÃO PARCEIRO RESUMO cia-Geral da União (AGU) especialistas em direito previdenciá-
Advocacia-Geral da União No Brasil, aproximadamente 15% dos benefícios pre- rio, este projeto partiu do desafio de pensar em como ampliar o
(AGU) e Tribunal Regional videnciários concedidos entre 2014 e 2017 foram ob-
acesso de trabalhadores/as rurais a benefícios previdenciários
Federal da 1ª Região (TRF1) tidos pela via judicial. Apenas na Justiça Federal da 1ª
Região são mais de 1 milhão de processos previdenciá- como aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, au-
rios em tramitação. Cerca de 60% das implantações de xílio-doença e pensão por morte.
aposentadoria por idade rural decorrentes de decisão
PALAVRAS-CHAVE judicial são oriundas da 1ª Região da Justiça Federal. Conforme a legislação previdenciária brasileira, quem é benefi-
previdência rural, Esse foi o cenário encontrado por uma equipe inédita ciário/a desses direitos atende pelo nome de “Segurado Especial”.14 14. Adotamos neste
benefícios previdenciários composta de juízes/as e procuradores/as federais com texto a formulação
o objetivo de buscar novas soluções para ampliar o
Neste projeto, contamos com a experiência de juízes/as federais
do termo “segurado
acesso de populações rurais aos benefícios previden- para entender como o Judiciário brasileiro lida com os desafios de especial” no mascu-
EQUIPE GNOVALAB ciários. Analisando a complexa jornada de possíveis consolidação dos direitos das populações rurais. Contamos tam- lino, conforme dis-
segurados, foi proposta uma intervenção conjunta. posto na legislação.
Andrea Marina Lacerda Partindo de contextos institucionais e visões diferentes bém com a experiência de procuradores/as federais trabalhando
e Letícia Mendonça sobre quais seriam o foco e as possíveis soluções do no sistema previdenciário. Essa equipe inédita, abarcando múlti-
projeto, a equipe experimentou um espaço de diálogo
e trocas para abrir perspectivas e colaborações. Nos plas competências e papéis institucionais, se reuniu para pensar
EQUIPE AGU últimos dois anos, foi implementado e consolidado um sobre documentação, acesso e outros aspectos ligados à conces-
novo rito processual, que diminuiu consideravelmente
Flávio Chiarelli Vicente de são de benefícios. Além de buscar mais clareza sobre os processos
o tempo das respostas a beneficiários/as e demonstrou
Azevedo, Frederico Jorge
a espécie de frutos que a aproximação dessas institui- administrativos e jurídicos que compõem essa complexa cadeia de
Magalhães Pereira Lira,
ções é capaz de gerar. procedimentos, este projeto teve como propósito criar um contex-
Guilherme Neves e Karla
Margarida Martins Santos to favorável a interações entre servidores/as públicos/as do cam-
po jurídico a partir de um foco comum: como ampliar o acesso do
EQUIPE TRF1 segurado especial aos benefícios previdenciários?
Angelo José Faleiro Filho, O início do projeto foi marcado pela exploração do proble-
Gilda Sigmaringa Seixas, Kátia
ma a partir de diferentes componentes desse sistema. Ao longo
Balbino, Itagiba Catta Preta,
Marcos José Ribeiro e Maria do primeiro ciclo, além dos encontros da equipe, foram realiza-
Cândida Carvalho das entrevistas para coletar perspectivas de outros magistrados,
70 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 71
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

INSIGHTS A PARTIR DO QUE OUVIMOS

servidores/as do INSS e servidores/as de outros órgãos do Poder (IN)VISIBILIDADE DO PÚBLICO-ALVO GESTÃO DO CONHECIMENTO ESTATAL
1 2
Executivo, além de representantes de segurados especiais (sin- O Estado chega aos possíveis SOBRE SEGURADO ESPECIAL RURAL
segurados por diversas políticas A circulação de conhecimentos
dicatos, advogados e igrejas). Três perguntas guiaram essa pes- públicas que, se articuladas, entre servidores da Previdência e do
quisa: 1) Como o beneficiário se informa acerca dos documentos facilitariam a comprovação do Judiciário poderia contribuir para
necessários?; 2) Como o beneficiário obtém esses documentos?; direito ao benefício. melhorar o sistema de reconhecimento
e concessão de benefícios.
3) Como essa documentação é tratada pelo Estado?
“Os equipamentos públicos de
A complexidade das respostas a essas e outras perguntas que assistência social – CRAS, CREAS “Cada instituição fica batendo
surgiram ao longo da jornada poderia ser sintetizada pela fala de – têm capilaridade maior do que cabeça, com custo ao erário, ao
o INSS.” invés de atuarem conjuntamente.”
uma das magistradas consultadas: “cada instituição fica batendo
cabeça, com custo ao erário, ao invés de atuarem conjuntamen- Servidor do INSS Magistrada
te”. Esse é um ponto de vista comum a outras pessoas entrevista-
das, que apontam como precondição para o bom desempenho de É possível ampliar a base de dados O conhecimento normativo não
sua função a necessidade de movimentos de mudança no Judiciá- administrativa estatal para ajudar a é uniforme nem no INSS, nem no
identificar o segurado especial ao longo Judiciário, nem entre servidores/as
rio e no Executivo. Um dos magistrados reconheceu a urgência de
da vida e evitar fraudes. dessas duas instâncias.
realizar capacitações específicas no curso de formação da car-
reira, em que “não houve qualquer estudo ou orientação sobre a A capilaridade dos equipamentos e a Jurisprudências pacificadas no
natureza dos serviços de assistência Judiciário não são incorporadas
questão dos segurados especiais”. Numa perspectiva semelhante, social podem contribuir para informar à prática administrativa do INSS,
outra entrevistada disse que “muitas vezes o INSS não possui in- e comprovar. contribuindo para a judicialização.

terpretação de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal Há necessidade de maior interação Magistrados/as carecem de maior
de Justiça (STJ)”. Isso levou à constatação de que a circulação de do INSS com órgãos públicos para preparação no tema previdenciário
construção de provas e o reconhecimento antes de atuar nos casos.
conhecimentos e diálogos entre servidores/as da Previdência e
da condição de segurado.
do Judiciário poderia contribuir para melhorar o sistema de re-
conhecimento e concessão de benefícios.
A partir das entrevistas e dos encontros de sistematização, →


também se chegou ao tema da (in)visibilidade do público-alvo,
que revela a dificuldade do Estado em fazer chegar políticas pú- Oportunidade de inovação Oportunidade de inovação
Como podemos usar políticas e serviços Como podemos construir espaços
blicas efetivas para essas pessoas. Outro insight gerado nesse públicos existentes para facilitar a de intercâmbio entre Judiciário, INSS
ciclo se deu no âmbito da diversidade. A situação do segurado comprovação de segurado especial? e representação dos segurados?
varia conforme a realidade da região rural do país e isso influen-
72 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 73
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

DOCUMENTAÇÃO E INTERMEDIÁRIOS DOS SEGURADOS cia na qualidade e possibilidade de oferecer provas documentais.
3 4
REALIDADE DO SEGURADO MAIS VULNERÁVEIS Por fim, essa exploração inicial levou à identificação do papel
Simplificar a comprovação da condição O segurado precisa de apoio para
de segurado especial aos/às mais ter informação sobre seus direitos,
central desempenhado por intermediários. São perfis diversos de
vulneráveis contribuiria para ampliar obter a documentação e solicitar o pessoas e instituições que apoiam quem pode pleitear o benefí-
o acesso ao benefício, em especial nas benefício. cio para se informar sobre seus direitos e solicitar o benefício. A
regiões Norte e Nordeste.
partir de cada um desses insights foram identificadas oportuni-
dades de inovação.
“O agricultor raiz não tem como “O segurado especial tem um bai-
ter documento de vinte, trinta xo nível de instrução, tem dificul- Ao entrar no segundo ciclo, a equipe buscou aprofundar os in-
anos guardado. Não tem espaço dade de entender, se guia pela
de armazenamento em casa. As vivência, e acredita naquilo que sights gerados e escolher um desses pontos como foco do proje-
secretarias de agricultura não o vizinho falou, que o sindica-
oferecem esse apoio.” to falou.”
to para desenvolver e testar um conceito que contribuísse para
o avanço dessa articulação entre os dois poderes. Tendo em vis-
Representante Defensoria
de beneficiário ta esse mapeamento inicial, houve uma convergência para focar
em um dos insights: O segurado precisa de apoio para ter infor-
A situação do segurado varia conforme O segurado especial tem dificuldades
a região e influencia a maneira de para acessar fontes oficiais de mação sobre seus direitos, obter a documentação e solicitar o
oferecer prova documental. informação e serviços digitais, benefício (4), resumido na seguinte pergunta, que implica uma
necessitando de apoio para seu uso.
A exigência de documentação ampla, oportunidade de inovação: Como podemos qualificar a jornada
de diferentes tipos e fontes, para Os sindicatos são uma importante do usuário para facilitar o acesso ao benefício?
comprovar a qualidade de segurado referência para orientação e apoio na
especial é um grande ônus para o/a solicitação do benefício.
Para fazer isso, foram identificados três momentos críticos na
agricultor/a. jornada digital do segurado especial rural: definir se é um segu-
Outros órgãos do governo que atuam rado especial; definir quais direitos teria e como solicitar even-
com o público são fontes potenciais
para ampliar a comunicação do INSS tuais benefícios; e, por fim, definir o que fazer se o pedido de be-
junto ao público segurado. nefício for negado.
O conceito desenvolvido pela equipe teve como foco o tercei-
ro momento, sobretudo antes do início do processo judicial. Com
Ilustrações: MindLab

isso, a equipe buscou explorar como ampliar acordos de concilia-


Oportunidade de inovação Oportunidade de inovação ção na Justiça Federal da 1ª Região junto ao segurado especial
Como podemos adequar às Como podemos qualificar a
exigências de documentação jornada do usuário para facilitar que teve seu pedido negado pela via administrativa, contribuin-
à realidade do segurado? o acesso ao benefício? do potencialmente para resolver o problema da judicialização.
Foi então criado o protótipo do Formulário Conciliação Segurado
74 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 75
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

VISÃO GERAL DO FORMULÁRIO experiências realizadas no Acre (50%) e na Bahia (70%) –, foi pos-
sível reduzir a litigiosidade e contribuir na prática para a integra-
Segurados
ção da solução a outras ações em curso no INSS e no Judiciário.
1c–1i 2a–2h 3a–3b 3c–8
especiais Um dos procuradores participantes afirmou que “quem for ini-
ciar hoje esse mesmo processo não vai ter 10% da dificuldade que
trilha 1 aposentadoria
por idade eu tive, porque de dois anos pra cá, eu acho que a gente evoluiu
salário- muito”. Esse avanço não é atribuído diretamente ao projeto, mas
maternidade Bloco A Bloco B Bloco C Bloco D
Dados sobre Dados sobre Documentos Finalização há o reconhecimento de que o contexto criado na colaboração
Triagem inicial
segurado benefício para
pensão por
comprovação
mediada pelo GNovaLab favoreceu o estreitamento de vínculos
morte
e facilitou mudanças processuais que trouxeram impactos posi-
auxílio
trilha 2 reclusão tivos para o público almejado.
O caráter interinstitucional da equipe acarretou desafios dife-
Representantes
de segurados
4b–4f 5a–5h 6a–6b 6c–8 rentes dos demais projetos. Conforme apontado por um dos par-
ticipantes, o dia a dia do projeto foi marcado por certa “dificul-
dade na execução por se tratarem de órgãos diferentes, cada um
Especial, que foi testado com magistrados, servidores/as do INSS com suas instâncias de aprovação e com suas opções políticas,
e da AGU, além de alguns advogados que atendem trabalhado- o que dificulta a implementação”. Ao lidar com essa dificuldade,
res rurais. O desenho dos testes buscou apoiar a definição do flu- foram abertas possibilidades de convergência entre as institui-
xo das perguntas, da interface e da linguagem. Por meio desses ções envolvidas. É possível dizer que os avanços percebidos, so-
testes a equipe experimentou um formulário em uma versão de bretudo no rito processual, juntamente com a sensibilização de
protótipo com diferentes atores para coletar impressões e suges- servidores/as do campo jurídico para um conjunto de ferramen-
tões de melhorias. tas e atitudes experimentadas ao longo do programa, são con-
Apesar de o protótipo em si não ter sido implementado, nos tribuições efetivas dessa jornada. Para além do problema que
últimos dois anos surgiram desdobramentos do projeto em ou- serviu de contexto para a aprendizagem metodológica da equi-
tras dimensões e escalas. Por exemplo, é possível dizer que hoje pe composta de procuradoras/es e magistradas/os, parece haver
grande parte dos catorze estados da primeira região já utilizam uma dimensão mais ampla de desdobramentos desejáveis, que
um novo rito processual, que reduz consideravelmente o tempo carece de novos projetos e experimentos para seguir aproximan-
de espera para segurados. Por meio de processos judiciais resol- do essas carreiras e sistemas.
vidos por conciliação, em um prazo de 4 a 6 meses – conforme
76 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 77
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

4 . RESPIROS
REFLEXÕES E APRENDIZADOS

Esta seção, que recapitula os momentos de “tomada de ar” de- que emergiram. Para além da agenda de capacitação de servi-
pois de cada um dos mergulhos, explora o que aprendemos com dores/as do governo federal, buscamos sintetizar aqui explora-
os projetos sobre gestão de programas em inovação pública a ções mais amplas sobre experiências de aprendizagem coletiva
partir da realização do Janela GNova 2020. Ao narrar a criação – seus tempos, marcos, condições e participantes. São mesmo
e condução dos projetos nos capítulos anteriores, identificamos momentos de respiro, de inspirar e expirar com calma e atenção
temas, insights e desafios que emergiram deles. Estes serão ex- depois da experiência mais intensa dos mergulhos. Em alguns
postos nesta seção, em um diálogo direto com a comunidade casos, tais explorações nos levaram a novos desafios ou novas
de inovação pública. Essa exposição foi feita com base na do- questões, muitas vezes sem resposta, que nos ajudam a dar sen-
cumentação dos projetos, além de conversas com a equipe do tido para interações e a constantemente repensar o que foi feito.
GNovaLab e órgãos parceiros, e examinou mais a implementa- Um de nossos primeiros aprendizados diz respeito à finaliza-
ção do que o desenho do programa. ção dos projetos com o GNovaLab e à “entrega de bastão” para
Partimos de uma escuta focada nas histórias dos projetos cerca as equipes parceiras darem sequência a eles. Em nossas conver-
de um ano e meio após o término oficial do programa, em setem- sas com as equipes do GNovaLab e dos órgãos parceiros, uma das
bro de 2020, e exploramos seus desdobramentos e momentos mar- questões abordadas dizia respeito aos marcos de início e término
cantes do ponto de vista de integrantes das equipes. Cabe lembrar dos projetos. A entrega final tomou diferentes formas em cada
que não se trata de uma avaliação formal do programa, nem de um dos projetos, e o próximo passo mais direto para as equipes
um conjunto de recomendações específicas para edições futuras. em geral envolveria o desenvolvimento ou implementação da
Procuramos identificar pontos de contato entre a metodologia e o entrega, seja um protótipo de formulário ou a execução de ma-
contexto em que foi aplicada para aprofundar nosso entendimen- teriais propostos em um blueprint de serviço. Enquanto gestores
to sobre programas como este e seu potencial de transformação do programa no laboratório enxergam um momento muito cla-
para as equipes e organizações participantes. Os aprendizados ro de fechamento na apresentação final de cada projeto, para as
aqui articulados criaram algumas bases para uma discussão sobre equipes parceiras isso parece ser diferente. Ouvimos repetida-
os desdobramentos possíveis de projetos de inovação, que vamos mente que o “projeto não acabou”, indicando que ainda estão nas
abordar em mais detalhes na última seção do livro. agendas das equipes ou das organizações, com novas atividades
Como participantes ativos desse processo, reconhecemos nos- e planejamento interno próprio, inclusive indo além do desenvol-
so papel como observadores, facilitadores e também realizado- vimento ou da implementação da entrega.
res. Nesse sentido, além de dar voz a algumas das falas que es- O projeto com o GNovaLab foi, na verdade, um momento den-
cutamos, lançamos mão de nossa própria voz para articular e tro de uma jornada maior, não necessariamente de forma linear
analisar nossa experiência, bem como especular sobre os temas ou planejada. A falta de clareza nos momentos de transição e
78 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 79
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

na busca por continuidade é um desafio constante em projetos o projeto é como uma bolha, cuja função é criar condições
de inovação pública e nos fez pensar na metáfora dos ciclos de
15. Caio Werneck et
al., Ciclos de vida de
vida, emprestada de uma publicação anterior:15 Laboratórios e
seguras para experimentação e aprendizagem sem perder
laboratórios de ino-
vação pública. Brasí- unidades de inovação pública funcionariam como organismos de vista o contexto em que se situa.
lia: Enap, 2020. vivos, que se desenvolvem respondendo a desafios existenciais.
Uma bolha é um espaço temporário sem paredes duras, per-
Ao olhar para os projetos pela lente de seu ciclo meável e translúcido, com a possibilidade de seguir em diferen-
tes direções. A bolha é também a forma da respiração de quem
de vida, percebemos a importância de o programa está mergulhando, os respiros durante o mergulho, que permi-
induzir transições entre fases de desenvolvimento. tem que os aprendizados venham à tona e sejam contemplados.
Na essência, o formato do programa busca gerar uma sensa-
Em alguns casos, a participação no programa representou a ção de proteção, ao mesmo tempo em que a equipe continua vi-
transição entre concepção e nascimento de uma iniciativa. Em vendo e interagindo com seu entorno. Essa permeabilidade ao
outros, notamos a consolidação de algo já existente, que a partir contexto se mostrou um atributo muito efetivo para induzir que
do Janela GNova passou por algum grau de amadurecimento. o aprendizado não ficasse restrito a um ambiente apartado da
De maneira geral, foi posto em evidência o desafio de finalizar realidade. Pelo contrário, nos meses em que participaram do pro-
projetos de modo a evitar o rompimento brusco – uma bolha es- grama, houve trocas entre o lado de dentro e o lado de fora dessa
tourando repentinamente – entre as equipes parceiras e o labo- bolha, exercitando a capacidade da equipe de absorver e tradu-
ratório trabalhando em conjunto com elas. O objetivo é que o zir novas práticas de experimentação, agilidade e colaboração.
fim da colaboração seja encarado como parte de um processo No entanto, é preciso ter cuidado para proteger a existência da
gradual orientado por um horizonte temporal mais longo – uma bolha em momentos em que a pressão do entorno é tão forte
bolha dissolvendo lentamente. que pode romper precipitadamente sua parede – feita, afinal, de
Por isso, faz sentido olharmos para as dinâmicas que influen- matéria efêmera e frágil –, de modo que o dia a dia se imponha
ciam o ambiente em que essas organizações vivem e se desen- no espaço de aprendizado, privando-o de sua condição segura e
volvem. Voltando à ideia da bolha, delimitada. Assim, o desafio aqui é como garantir que os proje-
tos sejam constantemente alimentados pelas dinâmicas exter-
nas da organização, mas mantendo condições seguras para que
a aprendizagem aconteça.
80 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 81
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Aprendemos também que, tanto para a condução efetiva do Com o programa dividido em dois ciclos, o primeiro voltado
projeto como para aumentar as chances de efeitos duradouros, a explorar e entender o problema e o segundo focado em criar
possibilidades de resolução, buscamos desconstruir outra práti-
a equipe gestora do programa precisa contar com uma ca comum em processos de inovação: a compartimentalização
das etapas sem considerar sua interferência e vazamento mútuos.
sensibilidade ao equilíbrio dentro e fora da bolha, atenta Uma pessoa do GNovaLab reconheceu que “a ferramenta deve
às interações entre a equipe apoiada e seu contexto. estar a serviço de um processo”, o que envolve “fazer as pessoas
experimentarem uma nova forma de pensar, de interagir”. Ainda
Algumas equipes falaram sobre a existência de um terreno fértil que cada ciclo tenha tido um desenho muito parecido, com cin-
na organização, por exemplo, ou do envolvimento de lideranças co etapas distintas e entregas que partiram da mesma referência
com a pauta do projeto, ou outros fatores que afetaram direta- metodológica (Imersão Ágil),
mente a evolução do projeto. De forma geral, tais interações
não estão sujeitas ao controle das equipes participantes; ou seja, a alternância entre explorar e criar esteve presente
mesmo que fosse criada uma espécie de checklist para verifi-
car condições do ambiente, levando em consideração questões
durante todo o processo de trabalho, de forma que as
como apoio político, disponibilidade de recursos, capacidade da etapas e os ciclos vazam uns nos outros.
equipe, governabilidade sobre a iniciativa etc., constatamos que
avaliar as condições ambientais não seria suficiente para asse- O mergulho é naturalmente um processo vazante. Ou seja, não
gurar condições favoráveis, justamente por serem contextos di- se cria apenas em uma etapa específica de ideação, nem se deve
nâmicos e incertos por natureza, em que cada projeto é afetado abrir mão de fazer explorações ao longo do caminho. São mo-
por variáveis difíceis de serem definidas e controladas de ante- dos de pensar e agir complementares, que dependem menos de
mão. Isso não quer dizer que não devamos observar e avaliar ferramentas, exigindo de quem conduz o programa olhar e escu-
esse contexto desde a seleção do projeto, acompanhando seus tar atentamente o que está acontecendo nos projetos.
movimentos – muito pelo contrário; a atenção ao contexto cons- Nosso mergulho com essas quatro equipes também trouxe
titui um fator fundamental para os projetos se desenvolverem. ainda uma reflexão sobre o papel de quem acompanha os pro-
Tal checklist pode até ajudar a criar uma base de partida, mas jetos de dentro do laboratório. Para além de ocupar a função de
não funciona de forma isolada e definitiva, por isso ressaltamos gestora de projetos, garantindo prazos e entregas, a equipe do
a sensibilidade ao longo do processo. GNovaLab desempenhou um papel análogo ao de um/a instru-
82 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 83
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

tor/a de mergulho: uma pessoa com experiência prática na rea-


lização de projetos de inovação, que mergulha junto à equipe
parceira, empregando os métodos de pesquisa, design e gestão
propostos no programa. Apesar de os/as diferentes instrutores/as
de mergulho (membros do laboratório) trabalharem conforme a
mesma metodologia, o estilo de facilitação de uma experiência
de aprendizagem é muito particular. À medida que o projeto ca-
minha, os encontros periódicos lhe dão ritmo e constância, mas
também revelam várias características do perfil de quem conduz
o processo metodológico. Mais que isso,

o/a instrutor/a também é impactado/a pelo processo


ao participar de uma experiência transformadora de
aprendizagem.
A permeabilidade à aprendizagem, que no caso de nosso pro-
grama foi incorporada intencionalmente ao desenho – experi-
mental, ágil e colaborativo –, propõe certas atitudes por parte
da equipe. Aproveitar a interação com equipes parceiras do pro-
grama e com outros/as instrutores/as de mergulho como estra-
tégia de aprendizado requer humildade para encarar as incerte-
zas, dúvidas e falhas como parte inerente do programa. Assim,
cada edição traz aprendizados que transformam o desenho do
programa, e a interação entre unidade de inovação e equipes
parceiras tem como resultado uma nova composição, que pre-
serva certas características desses componentes, mas que difi-
cilmente retorna à composição inicial.
84 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 85
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

5 . RESPINGOS
DESDOBRAMENTOS E
POSSIBILIDADES DE SUCESSO

Ao longo de nossa jornada, produzimos uma série de respingos – Voltamos ao diagrama dos projetos com suas escalas de atua-
esperados e inesperados, em diferentes tamanhos e formatos – a ção para explorar diferentes concepções de sucesso e efeitos do
partir da alternância entre mergulhar (experimentar) e respirar programa. Uma primeira concepção de sucesso está relaciona-
(refletir). Ao olhar para os respingos como efeitos possíveis e de- da ao desenvolvimento e à implementação da entrega final do
sejáveis de programas como esse, abrimos um campo de explora- projeto, ou aos efeitos de uma continuidade linear, que seriam
ção sobre a aprendizagem coletiva como um resultado relevante traduzidos em métricas comuns de avaliação para verificar se o
de programas de inovação pública. projeto “deu certo”. No diagrama, essa concepção está ligada à
Os respingos que identificamos são efeitos difusos, mas que continuidade do trabalho iniciado pela intervenção criada por
ganham visibilidade com o distanciamento temporal e com a in- cada equipe no âmbito do Janela GNova. Trata-se de uma im-
vestigação daqueles aspectos que excedem ou escapam à se- portante dimensão de resultados, porque atesta que projetos fo-
quência linear entre o desenho e a implementação. Não à toa o cados em aprendizado também podem trazer desdobramentos
programa Janela GNova nasceu em um laboratório de inovação concretos. Como ilustração de efeitos desse tipo, temos a cria-
na Enap, uma escola de governo que produz e dissemina conheci- ção da política nacional de pessoas desaparecidas (Perséfone), o
mento de referência sobre a gestão pública brasileira. Justamen- plano de ação de linguagem simples (Hidrologiquês), a elabora-
te por partir desse lugar institucional privilegiado, acreditamos ção de diretrizes para regulamentação do trabalho não presen-
que os movimentos de mergulho e respiro aqui descritos podem cial (Perfis), e a expansão do novo rito processual de conciliação
repercutir para além das delimitações de um só programa e con- (Segurado Especial).
tribuir com caminhos – ou provocações – para construir outros Para tanto, foi importante dar atenção especial ao recorte do
mecanismos de aferição de valor sobre o que é gerado pela co- foco de cada projeto. Com uma boa definição de foco, há um
munidade de inovação pública no contexto brasileiro. ponto de entrada para a equipe interagir com o contexto do pro-
blema (atores/as afetados/as e envolvidos/as, regulações que li-
mitam possibilidades, oportunidades que ampliam perspectivas
etc.). Isso ajuda a desconstruir a ideia de que tudo que é feito na
escala do governo federal precisa abranger todo o sistema de
uma só vez. Além disso, essa delimitação da escala de atuação
procurou aproximar a equipe de algo concreto o suficiente para
criar um artefato ou serviço, dentro de um espectro passível de
ação, mas também com potencial de gerar efeitos na escala de
políticas públicas ou sistemas.
86 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 87
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

RESPINGOS DE PROJETOS
COMO EVIDÊNCIAS DE
APRENDIZAGEM COLETIVA Os efeitos na escala de políticas públicas ou sistemas, muitas
vezes mais difusos e verificados em dimensões que ultrapassam
o ponto de entrada do projeto, também podem indicar certo tipo
de continuidade. São respingos institucionais, representados por
pequenos pontos na figura. Os respingos são evidências da in-
corporação de efeitos e aprendizados dos projetos pela institui-
ção. São desdobramentos associados ao que aconteceu no Jane-
la, mas extrapolam a linearidade característica de programas no
setor público, muitas vezes representados na forma de dutos que
conduzem todos por um mesmo fluxo. Uma das participantes de
ARTEFATOS uma equipe parceira relatou:

SERVIÇOS
“O que eu vejo é que nem sempre o que a gente formata é
o que vai chegar na ‘coisa final’, mas ela nunca existiria
POLÍTICAS
PÚBLICAS
sem essa iniciativa [...] os insights que foram produzidos ali
dentro estão sendo implementados ao longo do tempo. ”
SISTEMAS

Pontos de entrada Um exemplo seria o uso de produtos intermediários do proces-


dos projetos so – como o retorno ao Mapa de insights no projeto Perfis, do
LA-BORA! gov –, que ajudaram a desenvolver novas iniciativas,
Movimento de explorando mais possibilidades que o foco dado inicialmente ao
desdobramento projeto. Também observamos manifestações de institucionali-
zação que dialogam com a cultura da organização e os recursos
Respingos
disponíveis, como a criação de atos normativos, planos, cargos
e ritos administrativos. Aqui podemos citar o relato da equipe
do projeto Perséfone, que destacou a criação de um cargo es-
pecífico na estrutura do ministério como uma vitória importante
88 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 89
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

para institucionalizar a política de pessoas desaparecidas. Si- testes – como revelam depoimentos como o de outra integrante
nais como esse evidenciam processos incrementais de mudan- da equipe do GNovaLab, que conta que
ça provocados por ações dos projetos. Em outros casos, há um
reconhecimento de mudanças mais profundas, como os desdo- “foi uma mudança de chave na minha cabeça saber o que
bramentos do projeto Hidrologiquês destacados por membros
da equipe como “uma verdadeira transformação institucional”,
significa o protótipo, que protótipo é sobre aprender”.
incluindo desde a criação de um plano de ação voltado para a
linguagem simples até a criação de novos produtos e atos nor- O mergulho na realidade a partir do contato com pessoas que
mativos com atenção especial à comunicação efetiva com o vivem essas questões na pele também pode ser muito trans-
público, e a incorporação de modos de fazer experimentais na formador para quem não costuma trabalhar dessa forma. Uma
rotina das equipes da ANA. participante de uma das equipes parceiras afirmou: “É um mé-
Para que os projetos de inovação pública tragam evidências todo libertador. Você sai do seu modo de enxergar e passa a se
de continuidade tanto no nível do artefato ou do serviço como colocar na posição de quem sente mesmo, de quem passa por
no nível da política ou do sistema, os aprendizados durante o aquela situação, e isso é fundamental para que a gente consiga
Janela GNova indicaram a importância do desenvolvimento de ter um outro olhar para a política”.
capacidades e da criação de vínculos nas equipes, que por si só O desenvolvimento de capacidades para inovar é observável
mostram ser sinais de sucesso. Ou seja, são condições que con- tanto no nível individual como no coletivo, visto a partir do que
tribuem para o movimento das setas em outros níveis do dia- é produzido pelas equipes depois da experiência. Ao incorpora-
grama, mas são também resultados desejáveis da participação rem um certo modo de fazer que oscila entre explorar e criar, os/
no processo. as participantes levaram adiante o que aprenderam, contribuindo
As pessoas relataram evidências perceptíveis de impacto so- para iniciativas mais próximas da realidade vivida, com foco em
bre suas formas de trabalhar, seja em métodos formais, seja em quem vivencia as questões no dia a dia. Assim, as novas práticas
atitudes gerais incorporadas à prática. Desde questões práticas – e linguagens são vistas como conhecimentos compartilhados e
como usar “diferentes habilidades que só desenvolvi melhor com situados. O conhecimento é situado, pois ocorre em um contexto
o Janela: construir uma boa narrativa pensando no público, zelar organizacional onde faz sentido usar esses métodos, e é compar-
pelo visual da apresentação dos slides para que fossem agradá- tilhado pois existem interdependências de competências entre
veis e funcionais, e dar concretude ao que estava dizendo para quem participa. Ou seja, não é possível de fato aprender proces-
ser compreendida”, conforme relatou uma membra da equipe do sos de inovação pública de forma solitária e distante de uma prá-
laboratório – até aprendizados mais amplos sobre o processo de tica e lógica contextuais.
90 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 91
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

Uma servidora de um dos projetos nos disse: desmistificar a ideia de que conhecimentos novos vêm de algum
lugar externo às pessoas que ali trabalham, o que também con-
“Uma coisa é ler o livro de design etnográfico,16 ou mesmo tribui para o aumento da motivação e do engajamento da equi-
pe participante. Um dos gerentes de projeto do GNovaLab rela-
fazer o curso da Enap. É diferente de você realmente tou: “Eu acho que o principal aprendizado desse processo para
construir um projeto, estar ali no dia a dia, pensando mim, enquanto facilitador, foi a importância do engajamento e
naquilo. Os desafios ficam mais palpáveis”. da motivação do time para que o projeto tenha impactos reais e,
de fato, se torne um esforço sustentável, que continue para além
daquela intervenção, daquele processo de inovação.”
16. Daniela Gomes Outro exemplo tangível de aprendizado veio do projeto Hidro- Além da interlocução com pessoas que experienciam os efei-
Metello. Design
logiquês, quando uma pessoa da equipe ANA afirmou: “Agora tos dos serviços e políticas em primeira mão, os projetos tam-
etnográfico em
políticas públicas. não boto nenhum produto, mesmo que interno, sem que seja bém costumam criar espaços de diálogo institucional antes ine-
Brasília: Enap, 2018. feito teste”. A criação de um repertório comum de práticas de xistentes, permitindo amplificar a escuta entre setores, órgãos e
prototipação e teste possibilitou não apenas que essa partici- até mesmo poderes diferentes. Essa experiência possibilitou, em
pante específica mudasse sua forma de trabalhar mas também alguns casos, a ampliação do espectro de possibilidades de cola-
que essa nova forma de trabalho envolvesse mais pessoas da boração. A participação em projetos intersetoriais muda as per-
organização. Relato semelhante foi feito pela equipe do LA-BO- cepções sobre cada uma dessas áreas e costuma contribuir com
RA! gov, que incorporou métodos usados no programa a outros a criação de vínculos entre os participantes e de referências fun-
projetos do laboratório. Isso inclui recursos tão díspares quanto damentais para futuras colaborações.
a estrutura de slides, a maneira de desenhar e facilitar oficinas, Ao mediar essas relações, observamos que a qualidade da ex-
e a replicação das etapas adotadas na metodologia do Janela periência de todo mundo que participa do programa depende da
GNova para desenvolver outros projetos. criação de bons vínculos entre o laboratório e a equipe parceira.
Ao integrar essas práticas e linguagens na memória comparti- Não se trata de um processo controlável, como nos lembra um
lhada da equipe, essa experiência ampliou as possibilidades de dos membros da equipe do laboratório: “É importante reconhecer
uso dos métodos mesmo fora do âmbito do projeto e valorizou a organicidade desse processo. E eu acho que é isso que torna o
determinadas atitudes. Para além de aprender uma técnica espe- vínculo tão especial, porque não é resultante só do momento que
cífica individualmente, o programa significou desenvolver capa- foi predesignado para isso. É muito legal você chegar no final do
cidades junto com outras pessoas da equipe que estavam inseri- projeto e ter membros da equipe mandando fotos da tatuagem
das em situações parecidas de trabalho. Essa abordagem ajuda a que fizeram com a logo do projeto ou convidando você para via-
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GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

jar para conhecer o seu estado natal”. A criação de vínculos entre A criação de vínculos diz respeito também à inserção em no-
equipes, que não está prevista como uma etapa nem pressupõe vas comunidades de prática, seja durante ou depois dos projetos.
uma ferramenta específica, é uma dimensão importante de re- No caso da equipe da ANA, o projeto Hidrologiquês foi uma das
sultados do programa. Continuando o relato de um dos membros pontes para sua entrada em comunidades de práticas de inova-
do GNovaLab, trata-se de uma construção que leva tempo,“que ção no setor público e linguagem simples. A equipe já participou
nasce de uma maneira gradual e sutil. É um processo de constru- com falas e relatos do projeto em eventos nacionais, fortalecen-
ção de confiança e ele não é necessariamente natural, porque se do a disseminação da pauta para dentro e fora da agência.
você parar para pensar, essas equipes entram de alguma manei- Por fim, trabalhar nessa publicação nos permitiu olhar para
ra a partir de um processo seletivo em que elas foram testadas. os mergulhos e seus respingos a partir de momentos de respiro,
Depois, tem um momento que a gente, enquanto facilitador, nós com certo distanciamento temporal da experiência. A oportuni-
do laboratório, nos sentimos testados, em que a equipe está ten- dade de reflexão, feita em conjunto com as pessoas que partici-
tando entender se pode confiar naquele parceiro ou não.” param do processo, foi muito enriquecedora para entender efei-
A confiança é um elemento fundamental no contexto de pro- tos possíveis de experiências de aprendizado no setor público.
jetos públicos, que naturalmente envolvem exposição a sensibili- Para além da documentação, esperamos que este trabalho pos-
dades políticas, condições fundamentais para o desenvolvimento sa contribuir para o aperfeiçoamento e a criação de programas
dos projetos, como vimos anteriormente. No caso do programa, de inovação com foco em aprendizagem coletiva, e que inspire
aprendemos que um processo que tem entregas intermediárias e equipes em seus mergulhos pelo Brasil afora.
constantes pode contribuir para criar espaços seguros, o que fica
claro no depoimento de um integrante do GNovaLab:

“A relação de confiança e o vínculo tendem a se fortalecer à


medida que as conversas avançam, porque a equipe percebe
que existe um método para fazer inovação, quando passam a
compartilhar um entendimento comum sobre o problema e a
ver alguns resultados mais concretos do projeto”.
96 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 97
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

SOBRE O GNOVALAB

O propósito do GNovaLab é ousar novas formas de pensar desa-


fios públicos e de agir em governo. Prospectamos, experimen-

Foto: Gustavo Bonifácio Silva Almeida (Ascom/Enap)


tamos e disseminamos novas abordagens para enfrentar desa-
fios públicos de forma colaborativa, criativa e com aprendizado
constante.
Somos um laboratório de inovação pioneiro do governo fede-
ral brasileiro, que atualmente faz parte da Diretoria de Inovação
– GNova da Escola Nacional de Administração (Enap). Nascemos
em agosto de 2016 como resultado de uma parceria entre a Enap,
o então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
(MP) e o MindLab, laboratório de inovação do governo da Dina-
marca. Partilhamos de uma visão de inovação como prática sistê-
mica e transformadora, capaz de fomentar um setor público mais
responsivo aos complexos desafios da sociedade contemporânea.
98 Inovação na Prática Entre mergulhos, respiros e respingos 99
GNovaLab 2022 Inovação pública para aprendizagem coletiva

ANOTAÇÕES
Texto composto nas famílias
tipográficas Asap e Asap Condensed,
projetadas por Pablo Cosgaya e
Nicolás Silva para Omnibus-Type.
102

A coleção Inovação na Prática registra


as experimentações e os aprendizados
da Diretoria de Inovação em Governo
(GNova) da Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) no
desenvolvimento de projetos com
instituições do governo.

Seu principal objetivo é disseminar


as metodologias utilizadas e as lições
aprendidas, além de compartilhar
práticas para inspirar organizações e
laboratórios interessados em adaptá-las
e em testá-las nos próprios contextos,
projetos e desafios de inovação.

Este volume aborda quatro projetos


de experimentação desenvolvidos pelo
Laboratório de Inovação em Governo
(GNovaLab) em parceria com órgãos
públicos federais no âmbito do programa
Janela GNova 2020, em colaboração com
o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).

O foco do programa foi gerar capacidades


no setor público brasileiro a partir de
abordagens experimentais de imersão
ágil e design. No livro são incluídos
resultados e aprendizados sobre a
realização de projetos de inovação
pública em contextos de alta incerteza
e regime de trabalho remoto.
ISBN 978-65-87791-07-4

4
79107
9 786587

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