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Capítulo 4

Do poder normativo e disciplinar do OGMO


César de Oliveira

Do poder normativo do OGMO

O Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Avulso – OGMO


pode intervir nas relações entre os trabalhadores portuários avulsos e os operadores
portuários ou tomadores de serviços?
Tal questionamento se faz pertinente ante o comando insculpido no art. 36 da
Lei nº 12.815/2013, o qual dispõe que a "gestão da mão de obra do trabalho portuário
avulso deve observar as normas do contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho",
sendo tal dispositivo complementado pelo art. 43, caput, da mesma lei, o qual determina
que a "remuneração, a definição das funções, a composição dos ternos, a
multifuncionalidade e as demais condições do trabalho avulso serão objeto de
negociação entre as entidades representativas dos trabalhadores portuários avulsos e dos
operadores portuários".
A resposta é positiva, a contrario sensu das disposições do parágrafo único do
art. 32 da Lei nº 12.815/2013, que impõe a utilização das disposições constantes das
cláusulas de ajuste coletivo de trabalho para regrar as relações entre trabalhadores
portuários avulsos e operadores portuários/tomadores de serviços.
Ocorre que se afigura impossível uma Convenção Coletiva de Trabalho ou
Acordo Coletivo de Trabalho, por mais abrangente e minucioso que seja, abarcar todos
os aspectos que envolvem as relações entre capital e trabalho no porto.
Ademais, não é incomum que o término de vigência de uma CCT ou de um
ACT não seja imediatamente seguido da entrada em vigor de um novo instrumento
coletivo. Às vezes, passam-se meses ou até anos sem que haja norma coletiva regulando
as relações de trabalho.
Nesse contexto, é inegável que o OGMO pode regrar, parcial ou totalmente, as
relações de trabalho portuário avulso.
No primeiro caso, as normas do OGMO atingirão questões não ajustadas nas
normas coletivas de trabalho; na segunda hipótese, quando não houver CCT ou ACT em
vigor. Firmado novo ajuste coletivo, automaticamente cessam os preceitos constantes
das normativas do OGMO.
Vislumbramos apenas duas exceções ao poder de o OGMO regrar as relações
capital x trabalho:
1. a primeira é com relação à remuneração dos serviços prestados pelos
trabalhadores portuários avulsos, a qual deve obedecer aos valores constantes do último
ajuste coletivo vigente, sob pena de ofensa ao princípio da irredutibilidade salarial
insculpido no art. 7º, inciso VI, da Carta Magna de 1988. Já com relação à composição
dos ternos e demais regramentos, o OGMO tem total liberdade a respeito, respeitadas as
normas de segurança e medicina do trabalho;
2. a segunda, se refere às verbas que são pagas por força de norma coletiva,
sem que haja disposição legal a respeito - Fundo Social e Quota de Diretoria, por
exemplo - cujo adimplemento deve cessar até que novo instrumento prevendo o
pagamento de tais vantagens entre em vigor.
Tal posicionamento encontra eco, por exemplo, em SILVA (1994)1, que
reconhece possuir o OGMO "poderes de normatizar a relação entre o capital e trabalho
no porto, instituindo os deveres e obrigações, inclusive a definição de funções,
composição de ternos e as demais condições de trabalho portuário avulso, fazendo as
vezes do contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho inexistente.
Necessário esclarecer que mesmo fazendo parte das relações entre capital e
trabalho avulso portuário, algumas questões não podem ser objeto de Acordo ou
Convenção Coletiva de Trabalho, como por exemplo:
- as finalidades do OGMO, constantes do art. 32 da Lei nº 12.815/13;
- as competências do OGMO a que alude o art. 33 da mesma Lei; e
- a constituição e funcionamento da Comissão Paritária, do Conselho de
Supervisão e da diretoria executiva do OGMO.

Do poder disciplinar do OGMO

Este tópico tem por objetivo analisar aspectos relativos à competência do


Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Avulso - OGMO para julgar e
aplicar penalidades disciplinares decorrentes de infrações cometidas por trabalhadores
portuários avulsos.
A Constituição da República é pródiga na concessão de direitos aos
trabalhadores e, em contrapartida, extremamente frugal em determinar obrigações e
deveres.
Somente no art. 7º da Carta Magna, são elencados 34 direitos, além de outros
previstos em dispositivos diversos, como, por exemplo, o art. 7º e o art. 37.
Nada há, no entanto, sobre as obrigações dos trabalhadores para com seus
empregadores ou tomadores de serviços. Assim, para poder exercitar seu poder
disciplinar, esses necessitam se valer da legislação infraconstitucional.

1
SILVA, Francisco Carlos de Morais. Direito portuário: a modernização dos portos brasileiros
- lei n. 8.630. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.
Em relação aos trabalhadores portuários avulsos, em que pese o serviço
ser prestado ao operador portuário2, este possui poder diretivo3, mas não possui qualquer
poder disciplinar, que é exercido pelo OGMO, por expressa disposição legal.
Com efeito, entre as competências do OGMO, previstos na atual Lei Básica
dos Portos – Lei nº 12.815/2013, consta a de:
“I - aplicar, quando couber, normas disciplinares previstas em
lei, contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, no caso
de transgressão disciplinar4, [...]”.
As penalidades para infração disciplinar, previstas na Lei nº 12.815/2013, são:
- repreensão (advertência) verbal, a ser anotada na ficha funcional do
trabalhador;
- repreensão (advertência) por escrito;
- suspensão do cadastro ou registro pelo período de 10 (dez) a 30 (trinta) dias; e
- cancelamento do cadastro ou registro.
As modalidades de penalidades são exemplificativas, não podendo, no entanto,
ser excluídas.
Não obstante, entendemos que através de Acordo Coletivo de Trabalho ou
Convenção Coletiva de Trabalho ou, na ausência destes, de normativo do OGMO 5,
possa haver regramento com períodos de suspensão escalonados conforme a infração
cometida, mesmo que em período inferior a 10 (dez) dias, desde que não ultrapassado o
limite máximo de 30 (trinta dias). Não há impedimento, também, para que reincidências
em uma mesma infração impliquem em penalidade mais severa.
Além disso, não há necessidade de que o trabalhador receba todas as punições
anteriores até ter seu cadastro ou registro cancelado, porquanto poderá haver
infrações de cunho gravíssimo que podem ensejar a aplicação da pena extrema. Como o
trabalhador portuário avulso trabalha em escala rodiziaria, inclusive em sábados,
domingos e feriados, a suspensão se conta por dias corridos e, não, por dias úteis.

2
“operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de
movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou
provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado” (art. 2º, XIII, Lei nº
12.815/2013).
3
“Lei nº 12.815/2013: “Art. 27. omissis § 1º O operador portuário é titular e responsável pela
coordenação das operações portuárias que efetuar”.
4
expressão de cunho eminentemente militar, pode ser traduzida como toda ação ou
omissão contrária aos preceitos legais, normativos ou contratuais.
5
Lei nº 12.815/2013, art. 32, parágrafo único: “Caso celebrado contrato, acordo ou
convenção coletiva de trabalho entre trabalhadores e tomadores de serviços, o disposto no instrumento
precederá o órgão gestor e dispensará sua intervenção nas relações entre capital e trabalho no porto”.
Lei nº 12.815/2013: “Art. 36. A gestão da mão de obra do trabalho portuário avulso
deve observar as normas do contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho”.
Em que pese o entendimento contrário de alguns, não há dúvida acerca da
possibilidade de cancelamento do cadastro ante a exegese do art. 41, § 3º, da Lei nº
12.815/2013, que consigna que a inscrição no cadastro se extingue por morte ou
cancelamento.
Outro não pode ser o entendimento, haja vista que o trabalhador
cadastrado pode cometer infração disciplinar de tal magnitude que impediria sua
manutenção no quadro de trabalhadores portuários avulsos do OGMO.
Além disso, não há como, sem violação ao princípio da igualdade, tratar de
forma desigual trabalhadores cuja única diferenciação é o acesso à escala rodiziaria, em
que os registrados têm preferência para habilitação ao trabalho em relação aos
cadastrados, verdadeira força de trabalho suplementar.
Reforça, também, tal convicção, o fato de que uma infração disciplinar pode
envolver, por exemplo, um trabalhador portuário avulso cadastrado e um trabalhador
portuário celetista, em que ambos agem em conluio para cometer um furto no local de
trabalho.
Para o trabalhador portuário celetista a pena a ser aplicada é de demissão por
justa causa, com espeque no art. 482, alínea “a”, da CLT. Nesse contexto, não há como
deixar de aplicar penalidade equivalente – in casu, o cancelamento do cadastro – para o
trabalhador portuário avulso infrator, com fundamento nos princípios da igualdade e da
isonomia.
No tocante às infrações disciplinares que ensejam a aplicação das penalidades
previstas na Lei nº 12.815/2013, as principais fontes de tipificação são:
- Acordos Coletivos de Trabalho, em que pese não ser recomendável a previsão
em ACT de normas disciplinares, incluindo previsão de infrações disciplinares e suas
penalidades, porque pode criar sérias discrepâncias entre membros da mesma categoria
profissional e/ou de categorias profissionais diferentes, mas afins.
Um ACT, firmada entre um operador portuário e um sindicato laboral pode
prever uma penalidade para determinada infração disciplinar, enquanto outro ACT,
firmada pelo mesmo operador portuário com sindicato laboral diverso, pode penalizar a
mesma infração disciplinar de forma mais grave ou mais amena, criando um
descompasso prejudicial às relações capital x trabalho;
- Convenções Coletivas de Trabalho: instrumento coletivo através do qual
o sindicato patronal e um ou mais sindicatos laborais podem definir infrações
disciplinares e suas respectivas penalidades. Tem a vantagem de homogeneizar as
infrações e penalidades respectivas;
- normativo do órgão gestor: o OGMO pode emitir norma, com ampla
divulgação entre a comunidade portuária, acerca dos atos considerados infrações
disciplinares e suas respectivas penalidades, a ser aplicada na ausência de Acordo
Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho em vigor;
- Consolidação das Leis do Trabalho: a CLT define diversos atos infracionais e
respectivas penalidades destinadas aos Trabalhadores celetistas, mas que podem ser
aplicadas, supletivamente, aos trabalhadores portuários avulsos. No art. 482, por
exemplo, temos 12 infrações que ensejam o despedimento por justa causa do
trabalhador infrator. Já no art. 158, parágrafo único, são previstos dois atos passíveis de
penalização;
- Lei nº 9.719/1998: prevê a penalidade de perda da remuneração do
trabalhador que não for localizado no local de trabalho;
- Normas Regulamentadoras: as Normas Regulamentadoras (NR’s),
aprovadas através de Portarias do MTE, são fontes de atos capitulados como
infracionais. A NR-6, por exemplo, tipifica no item 6.7.1, diversos atos que
devem ser obrigatoriamente praticados pelo trabalhador.
No mesmo sentido, é a NR-29, específica para o trabalho portuário, que
em seu item 29.1.4.3 impõe aos trabalhadores:
“a) cumprir a presente NR, bem como as demais disposições legais de
segurança e saúde do trabalhador;
b) informar ao responsável pela operação de que esteja participando, as
avarias ou deficiências observadas que possam constituir risco para o trabalhador ou
para a operação; c) utilizar corretamente os dispositivos de segurança - EPI e EPC, que
lhes sejam fornecidos, bem como as instalações que lhes forem destinadas”.
As possíveis infrações cometidas por trabalhador portuário avulso, em regra,
têm origem:
a) na fiscalização realizada pelo OGMO;
b) por comunicação do operador portuário;
c) por ofício da autoridade portuária, Anvisa, Receita Federal e demais
órgãos que atuam na área portuária;
d) por denúncia apresentada por trabalhadores portuários.
A comunicação de possível prática de ato infracional ensejará a abertura de
um procedimento administrativo. Após a devida apuração, o OGMO poderá:
a) arquivar o procedimento, dando conhecimento, se for o caso, ao
operador portuário, órgão ou trabalhador denunciantes; ou
b) determinar a sanção cabível ao trabalhador, que deverá ser notificado a
respeito. Quaisquer das partes poderá, querendo, apresentar recurso à Comissão
Paritária6, que tem por escopo, dentre outros, apreciar litígios decorrentes da
aplicação de sanções disciplinares aos trabalhadores portuários avulsos.
De todo modo, em qualquer hipótese, há que se garantir às partes o direito ao
contraditório e a ampla defesa, inclusive com a produção de todos os meios de prova
admitidos legalmente.
Não apresentado recurso à Comissão Paritária, caberá à diretoria do
OGMO dar efetividade à sua decisão. Interposto recurso, competirá à Comissão
Paritária confirmar, modificar ou cancelar a decisão da diretoria do OGMO.
Em caso de empate no julgamento, a decisão ocorrerá através de
arbitragem de ofertas finais7, considerada aquela em que os árbitros devem restringir-se
a optar pela proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das partes.
Deverão as partes escolherem mais de um árbitro e firmar o compromisso
arbitral, no qual deve constar obrigatoriamente:
a) o nome e qualificação das partes;
b) os nomes, profissão e domicílio dos árbitros ou, se for o caso, a identificação
da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;
c) a matéria objeto da arbitragem; e
d) o local onde a sentença arbitral será proferida.
Facultativamente, entendemos pertinente a inclusão no compromisso arbitral
das seguintes informações:
a) local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem, se assim for
convencionado pelas partes;
b) autorização para que os árbitros julguem por equidade, ou seja, aplicando os
princípios gerais do direito;
c) prazo para apresentação da sentença arbitral;
d) indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem,
quando assim convencionarem as partes;
e) declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das
despesas com a arbitragem, que deverá ser sempre do OGMO; e
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Lei nº 12.815/2013: “Art. 33. Compete ao órgão de gestão de mão de obra do trabalho
portuário avulso: I - aplicar, quando couber, normas disciplinares previstas em lei, contrato,
convenção ou acordo coletivo de trabalho, no caso de transgressão disciplinar, as seguintes penalidades:
[...]. Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão
paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35”.
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Lei nº 12.815/2013: “Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de
obra, comissão paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35.
§ 1º Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais. § 2º Firmado o
compromisso arbitral, não será admitida a desistência de qualquer das partes. § 3º Os árbitros devem ser
escolhidos de comum acordo entre as partes, e o laudo arbitral proferido para solução da pendência
constitui título executivo extrajudicial”.
f) a fixação dos honorários dos árbitros, que se não previstos, poderão ser
fixados por sentença judicial, mediante requerimento destes.
Por fim, mas não menos importante, é o fato de que tanto o procedimento
quanto o resultado que culminou na absolvição ou punição de trabalhador portuário
avulso estão sujeitos ao crivo do poder judiciário, por força do princípio da
inafastabilidade da jurisdição, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Carta da
República.

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