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As Cooperativas de Agricultura Familiar e o


Mercado de Compras Governamentais
em Minas Gerais
Bianca Aparecida Lima Costa1, Paulo Cesar Gomes Amorim Junior2 e
Marcio Gomes da Silva3

Resumo: As políticas recentes de compras governamentais que emergiram


a partir dos anos 2000, tais como Programa Nacional da Alimentação Escolar
(PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), trouxeram oportunidades
significativas de acesso a mercados para cooperativas de agricultura familiar no
Brasil. Apesar das possibilidades que o PNAE e o PAA oferecem para a agricultura
familiar e suas organizações, os programas também apresentam uma série de
desafios, na medida em que envolvem diferentes agentes no processo de aquisição
de alimentos. Este artigo pretende traçar o perfil das cooperativas de agricultura
familiar em Minas Gerais e analisar as principais dificuldades para acessar o
mercado institucional. Para tanto, foram analisados os diagnósticos realizados em
19 cooperativas de agricultura familiar em diferentes regiões de Minas Gerais em
2011. Apesar do acesso aos mercados locais em âmbito municipais e regionais,
identificou-se que existem questões relacionadas à assistência técnica, adequação
sanitária, gestão e logística que impedem as cooperativas de acessar essas políticas
nos grandes centros de Minas Gerais.

Palavras-chaves: Cooperativismo, agricultura familiar, PNAE.

Abstract: The recent policies of governmental purchases that emerged in the years 2000,
such as the National Program of Food in Schools (PNAE) and the Food Acquisition
Program (PAA), have brought significant opportunities for family agriculture cooperatives
in Brazil to access markets. In spite of the possibilities that the PNAE and the PAA offer to
family agriculture and its organizations, these programs also present a series of challenges,
which involve different agents in the food acquisition process. This article intends to
delineate the profile of family agriculture cooperatives in Minas Gerais and analyze their

1. Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (DER-UFV). Professora.


E-mail: bianca.lima@ufv.br
2. Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM). Técnico. E-mail:
paulo_junior87@hotmail.com
3. Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa (DPE-UFV). Professor. E-mail:
marcio.gomes@ufv.br
main difficulties to access the institutional market. We analyzed 19 diagnostics carried out in 2011 in family
agriculture cooperatives from different regions of Minas Gerais State. In spite of the access to the local markets in
both regional and municipal scopes, it was identified that there are issues related to technical assistance, sanitary
adaptation, management and logistics that hinder the access of these cooperatives to such policies in the big centers
of Minas Gerais.

Key-words: Cooperative, family agriculture, PNAE.

Classificação JEL: Z18.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1234-56781806-9479005301006

1. Introdução ciada, processada ou comercializada seja oriunda


de seus sócios com DAP. Nestes primeiros anos de
A agricultura familiar surge como conceito e implementação do PNAE, após a Lei nº 11.947/09,
tem sua legitimação perante o Estado em mea- observou-se que as associações e cooperativas da
dos dos anos de 1990 com a criação do Programa agricultura familiar estavam conseguindo acessar
Nacional de Fortalecimento da Agricultura o programa em âmbito municipal e regional. No
Familiar – Pronaf (GRISA, 2010). A partir de então, entanto, os maiores municípios de Minas Gerais,
a agricultura familiar passa a ser agenda de diver- que apresentam a maior demanda de produtos,
sas políticas públicas de desenvolvimento rural. não estavam sendo abastecidos.
Dentre elas, o Programa Nacional de Alimentação Neste contexto, em 2010, o Ministério do
Escolar (PNAE). A Lei nº 11.947/09 determina que Desenvolvimento Agrário (MDA) lançou uma
no mínimo 30% (trinta por cento) do repasse chamada pública para entidades de ATER, com
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da ações voltadas para apoio às cooperativas e
Educação (FNDE) deve ser utilizado na aquisição associações (80 empreendimentos no total) na
de gêneros alimentícios diretamente da agricul- perspectiva de atendimento ao mercado da ali-
tura familiar e suas organizações, priorizando as mentação escolar nos grandes centros do estado.
comunidades tradicionais e os assentamentos da Surgiu, então, a proposta do projeto Nutre Minas5,
reforma agrária. que teve como um de seus principais objetivos a
Para acessar essa política, os agricultores e
5. Projeto executado em Minas Gerais a partir da Chamada
agricultoras familiares precisam estar organiza- Pública nº 092/2010, cujo objetivo foi o de selecionar enti-
dos em associações4 ou cooperativas, nas quais dades executoras de serviços assistência técnica e exten-
no mínimo 70% de seus sócios devem ter a são rural (ATER), visando à inserção de empreendimentos
coletivos da agricultura familiar e seus gêneros alimentí-
Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), e pelo cios no Programa Nacional de Alimentação Escolar dos
menos 55% do volume de sua produção benefi- maiores municípios de Minas Gerais. Este projeto teve
como entidade proponente em Minas Gerais o Centro de
Agricultura Alternativa Norte Minas (CAA/NM), em par-
4. O Código Civil de 2002, no artigo 53, definiu que as asso- ceria com as organizações da sociedade civil que compõem
ciações não têm por finalidade a intermediação econômica a Articulação Mineira de Agroecologia (AMA): Centro de
dos produtos de seus associados, ou seja, não é papel da Tecnologias Alternativas Zona da Mata (CTA/ZM); Centro
mesma atuar como intermediária entre os sócios e o mer- Agroecológico Tamanduá (CAT); Centro de Agricultura
cado. Este papel cabe às cooperativas; deste modo, as coo- Alternativa Vicente Nica (CAV) e Rede de Intercâmbios de
perativas são objeto de análise deste estudo. Tecnologias Alternativas.

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tentativa de inserção dos produtos da agricultura 2. A sociedade cooperativa


familiar no PNAE dos sete maiores municípios de e suas especificidades
Minas Gerais (Belo Horizonte, Contagem, Betim,
Ribeirão das Neves, Juiz de Fora, Montes Claros e As bases do cooperativismo derivaram de
Uberlândia) e o abastecimento da secretaria esta- ações cooperativas que variam desde o uso cole-
dual de educação. Para tanto, foram realizados tivo do solo (condições impostas pelo ambiente
diagnósticos de 80 empreendimentos (19 coope- que propiciava a organização coletiva para a
rativas e 61 associações da agricultura familiar), sobrevivência) até o exercício da profissão, como
distribuídos em 59 municípios localizados em 11 as corporações de ofício, que procuravam asse-
das 12 mesorregiões do estado. Além disso, foram gurar posição privilegiada no mercado para
elaborados estudos sobre as principais caracterís- seus componentes, defendendo-os contra a con-
ticas e exigências da execução do PNAE nestes corrência externa. Em ambas as formas de ação
municípios. cooperativa, os indivíduos se encontravam na
Os diagnósticos continham informações rela- ausência de liberdade e independência, pois, no
cionadas à produção (quais produtos, escala de primeiro caso, a relação de subordinação e obedi-
produção, limitações à produção, entre outras); ência é que mantinha o indivíduo na organização
a gestão dos empreendimentos (controle de cus- e, no segundo, apesar da defesa dos profissionais,
tos, planejamento estratégico, planos de gestão os mesmos perdiam autonomia em seu traba-
etc.); informações sobre os cooperados (total de lho, seguindo as determinações das corporações
cooperados, número de agricultores familiares no (FRANKE, 1988).
quadro social, quantidade de homens e mulheres Nas cooperativas, como as que conhecemos
entre os sócios); principais mercados acessados hoje, o cooperado dispõe de liberdade e indepen-
e movimentação financeira por mercado; dentre dência. É essa relação que o mantém na coopera-
outras informações. tiva. Esse tipo de relação teve início em Rochdale
Este artigo se propõe a analisar o perfil das (Inglaterra), em 1844. Tratava-se da constituição
cooperativas da agricultura familiar em Minas (por iniciativa de 28 operários) da primeira orga-
Gerais, diagnosticadas pelo projeto Nutre Minas, nização que foi denominada cooperativa, a dos
e os condicionantes de acesso às políticas de Pioneiros Equitativos de Rochdale. A cooperativa
compras governamentais, principalmente no de Rochdale surgiu não apenas com o objetivo de
que se refere aos grandes centros do estado. fornecer alimentos de melhor qualidade a preços
Este trabalho se estrutura em seis seções: a pri- mais justos, mas também tinha preocupação com
meira se destina à introdução; a segunda aborda a educação dos sócios, bem como de seus fami-
o cooperativismo, partindo de seus fundamen- liares (CANÇADO, 2004). Essa iniciativa foi nor-
tos, evidenciando as principais diferenças entre teada por alguns princípios que se imortalizaram
as cooperativas e as empresas, discute a traje- no direcionamento das cooperativas desde então,
tória do cooperativismo agropecuário no Brasil. são eles: a) um homem, um voto. Independente
A seção se encerra com nossa compreensão de do valor do capital investido; b) quanto à entrada
cooperativismo de agricultura familiar. Na ter- de novos sócios, a cooperativa seria aberta; c) a
ceira seção, é feita uma abordagem acerca do cooperativa remuneraria o capital integralizado
Programa Nacional de Alimentação Escolar a de forma fixa (10% a.a.); d) as sobras seriam rate-
partir de uma perspectiva histórica e que estru- adas proporcionalmente às transações realizadas
tura o programa atualmente. A quarta seção entre os cooperados e a cooperativa; e) as vendas
apresenta a metodologia em que o trabalho foi realizadas pela cooperativa seriam sempre à vista,
realizado. Em seguida, são mostrados os resulta- alternativa encontrada para evitar a inadimplên-
dos e discussões dos dados analisados e, por fim, cia dos cooperados; f) os produtos comercializa-
as conclusões. dos pela cooperativa seriam puros, haja visto que

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produtos adulterados eram comuns na Inglaterra; lizar os serviços econômicos por ela propor-
g) a educação cooperativista seria uma bandeira e cionados Para este efeito vamos denominá-la
h) a cooperativa procuraria manter-se neutra em empresa cooperativa, e os indivíduos, que
questões políticas e religiosas (SINGER, 2002). são ao mesmo tempo donos e usuários da
empresa cooperativa, associados, sócios ou
Não é tarefa fácil encontrar uma definição
membros cooperadores” (p. 82).
que contemple a complexidade contida na socie-
dade cooperativa. Essa dificuldade pode ser
A dinâmica de os donos, quando integralizam
observada na multiplicidade de ramos em que as
seu capital, e usuários, quando utilizam os servi-
cooperativas atuam e na falta de consenso entre
ços oferecidos pela cooperativa, foi denominada
os estudiosos que se propõem a compreendê-la.
por Benecke (1980) de critério de identidade. Na
Em relação aos ramos de atuação, pode-se desta-
empresa convencional, o interesse do sócio é indi-
car que as cooperativas, de certa forma, derivam
reto, ele não necessariamente utiliza os serviços
de quatro principais tipos: consumo, produção,
oferecidos pela empresa; seu interesse é restrito
crédito e trabalho. Segundo o Serviço Nacional
ao lucro que a atividade irá lhe fornecer. Já nas
de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop),
cooperativas, o capital integralizado pelos coope-
são aproximadamente 13 ramos de cooperati-
rados cria a expectativa que a cooperativa presta-
vas atuantes no Brasil: agropecuário, transporte,
-lhes alguns serviços (compra, venda, trabalho,
crédito, trabalho, saúde, educacional, produção,
acesso a crédito, entre outros). Espera-se que a
habitacional, infraestrutura, consumo, minera-
cooperativa lhes ofereça algum tipo de serviço
ção, turismo e lazer e especial (SESCOOP, 2012).
que apoie suas atividades que, individualmente,
Com relação aos estudos dedicados a com-
teriam dificuldades em realizar. Esse critério de
preender a sociedade cooperativa, pode-se desta-
identidade significa também que os cooperados
car a convergência deste debate sobre a sua dupla
têm poder (pelo menos teoricamente) de mani-
orientação, ou seja, ela pode ser compreendida
festar seus interesses na realização de um deter-
do ponto de vista econômico e também socio-
minado serviço e nos rumos da cooperativa.
político. Alguns trabalhos apontam que, nos paí-
É importante ressaltar que as cooperativas,
ses desenvolvidos, a preocupação dos estudiosos
na condição de sociedade de pessoas, se distin-
está mais voltada para compreensão da coope-
guem das empresas (sociedade de capital). Neste
rativa do ponto de vista econômico; já nos paí-
sentido, para as sociedades de capital não inte-
ses considerados de terceiro mundo, a literatura
ressa muito as pessoas que vão integrá-la (desde
enfatiza questões sociais e políticas (BENECKE,
que disponibilizem o capital). Nas sociedades
1980). Polonio (2004) destaca a dificuldade na
de pessoas, o relacionamento entre a sociedade
definição de cooperativa. Ressalta que diversos
e seus sócios é de extrema importância: as capa-
estudos evidenciam seu papel de intermediária
cidades administrativas e operacionais, além do
entre o sócio e o mercado, além de seu aspecto
interesse de participar dos sócios, são levados em
não lucrativo.
consideração.
Benecke (1980) definiu as cooperativas de
Ambas podem realizar atividades econô-
forma bem parecida com ACI; entretanto, ele se
micas organizadas; entretanto, as empresas são
atém ao duplo papel que os cooperados ocupam
organizadas tão somente com objetivo de produ-
em relação à sociedade cooperativa, o papel de
zir bens e serviços, distribuindo-os no mercado
donos e usuários. Benecke (1980) afirma que:
almejando lucro. No entanto, as cooperativas
“Falamos aqui de cooperação cooperativa, orientam-se para a prestação de serviços aos seus
quando um grupo de indivíduos legalmente cooperados (BENECKE, 1980). Os excedentes de
independentes toma seu cargo conjunta- suas atividades econômicas são denominados
mente, uma empresa com a intenção de uti- sobras, que devem ser almejadas para garantir

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que a cooperativa consiga prestar serviços a seus compreendido como possibilidade de amenizar
membros ao longo do tempo. Ela assume papel alguns problemas gerados pela crise, o café deixa
de facilitadora das atividades dos cooperados, de ser o principal produto que sustenta a econo-
representando-os, ou seja, podem ser compreen- mia e surge a necessidade de diversificar a produ-
didas como uma extensão da propriedade de seus ção nacional. O governo incentiva a constituição
cooperados. As atividades mercantis desenvolvi- de cooperativas agropecuárias, sobretudo as coo-
das por elas são em nome de seus cooperados, perativas que conseguissem escoar a produção da
por isso que não são entendidas como sociedades pequena propriedade (PINHO, 1965). Chiarello
empresariais (POLONIO, 2004). (2006) afirma que:
As operações que as cooperativas estabele-
“O governo passou a incluir o cooperativismo
cem com seus cooperados são compreendidas
na pauta da política agrícola nacional, como
como transferência de mercadorias/recursos e
forma de defender a produção em pequena
não como atividades mercantis. O objetivo des-
propriedade, estimulando a policultura e o
tas operações não é trazer benefícios para as desenvolvimento do mercado interno” (p. 23).
cooperativas em detrimento ao trabalho dos coo-
perados e, sim, buscar atender aos interesses e Além disso, este incentivo à constituição de
necessidades de seus cooperados transferindo- cooperativas agropecuárias estava atrelado à ten-
-lhes as sobras obtidas (ou dando-lhes a oportu- tativa do Estado de resolver os problemas rela-
nidade de decidir em assembleia o que será feito cionados ao abastecimento dos centros urbanos.
das mesmas). Estas operações são denominadas Neste sentido, a constituição de cooperativas
de atos cooperativos, previstas na Lei nº 5.764/71. nesta época tinha como objetivo a eliminação dos
A abordagem sobre a sociedade coopera- intermediários. Machado (2006) relata que:
tiva realizada neste trabalho também irá enfati-
zar mais seu aspecto econômico (intermediária “[...] a primazia foi das cooperativas agrícolas
de laticínios, que criaram canais alternativos
entre o cooperado e o mercado), se dedicando
para a comercialização dos produtos de abas-
a refletir sobre o cooperativismo agropecuário
tecimento. Nelas, diversos pequenos pro-
e procurando construir o entendimento sobre o
dutores uniam esforços na tentativa de criar
cooperativismo da agricultura familiar. alternativas aos sistemas de comercialização
existentes e que eram controlados por ‘inter-
2.1. Trajetória do cooperativismo mediários’” (p. 44-45).
agropecuário no Brasil
Neste período de 1935 a 1960, houve aumento
O início da história do cooperativismo agro- significativo do número total de cooperativas no
pecuário no Brasil é marcado por uma estrutura Brasil, passando de 105 para 4.627 cooperativas.
autoritária, na qual os interesses dos agricultores Entretanto, a partir de 1966, o Estado intensifica
familiares não eram considerados. As iniciativas sua intervenção na vida das cooperativas, deter-
eram para a produção exportadora. Esse modelo minando que as mesmas apenas pudessem fun-
beneficiou os produtores que detinham grandes cionar sob sua autorização. A partir da criação da
extensões de terra e privilegiavam a monocul- OCB em 1969, da Lei nº 5.764/71 e da constitui-
tura. Já os pequenos produtores, camponeses e ção do Banco Nacional de Crédito Cooperativo
demais agricultores cujas atividades produtivas (BNCC), o governo direciona as atividades das
eram realizadas pela família, se viam cada vez cooperativas para a produção de commodities,
mais marginalizados (PIRES, 2009). visando atender às demandas do mercado exte-
A partir da crise econômica mundial no final rior. Estes foram fatores importantes para que o
dos anos 1920, o governo brasileiro redefine suas número de cooperativas caísse significativamente
estratégias de produção. O cooperativismo é e prevalecessem as cooperativas que atendiam

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aos interesses do governo. Em 1973, o total de processo de desenvolvimento do País, colocando


cooperativas funcionando no Brasil era de 2.637, suas reivindicações na pauta de prioridade do
44% a menos que o numero de cooperativas em governo” (p. 16). Surge o conceito de agricultura
1960. Com essa redução do número de coope- familiar, e sua legitimação perante o Estado se
rativas, os subsídios governamentais foram se dá em meados dos anos 1990, com a criação do
concentrar nas mãos das grandes cooperativas. Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da
Chiarello (2006) esclarece que: Agricultura Familiar).
Desde então, o conceito agricultura familiar
“O incentivo estatal, direcionado para as vem sendo utilizado pelo Estado e no meio aca-
grandes cooperativas empresariais, resultou
dêmico como uma espécie de guarda-chuva que
também no enfraquecimento das cooperati-
abriga situações que se contrapõem à agricultura
vas autênticas, levando-as a desaparecer ou a
patronal. Como afirma Schneider (2003),
ser encampadas pelas primeiras, constituindo
uma forma híbrida de organização” (p. 24-25).
“[...] a incorporação e a afirmação da noção
de agricultura familiar mostrou-se (sic) capaz
O Estado recorreu ao cooperativismo de duas
de oferecer guarida a um conjunto de catego-
maneiras distintas para promover suas políticas rias sociais, como, por exemplo, assentados,
de desenvolvimento. Uma delas foi como alterna- arrendatários, parceiros, integrados a agroin-
tiva para amenizar os efeitos da crise econômica dústrias, que não mais podiam ser confor-
mundial de 1929 e o abastecimento dos centros tavelmente identificados com as noções de
urbanos. A segunda, para retomar o modelo base- pequenos produtores, ou simplesmente, de
ado na produção de commodities. Neste sentido, trabalhadores rurais” (p. 100).
o cooperativismo agropecuário e a agricultura
se desenvolveram polarizados no Brasil. De um Algumas características básicas foram estabele-
lado, pequenos produtores rurais produzem ali- cidas para que agricultor familiar fosse reconhecido
mentos e gêneros básicos para atender as necessi- como tal, tais como: a) a gestão é feita pelos proprie-
dades do mercado interno e, de outro, as grandes tários; b) os responsáveis pelo empreendimento
cooperativas consolidadas produzem commo- estão ligados entre si por laços de parentesco; c) o
dities para exportação e artigos de maior valor trabalho é fundamentalmente familiar; d) o capital
agregado. pertence à família; e) o patrimônio e os ativos são
objeto de transferência intergeracional no interior
da família e f) os membros da família vivem na uni-
2.2. Cooperativismo na agricultura familiar
dade familiar (GASSON e ERRINGTON, 1993 apud
Após o processo de redemocratização vivido ABRAMOVAY, 1997, p. 74).
pelo Brasil nos 1980, iniciativas de organização da Essas características procuram não envol-
sociedade civil, sobretudo no campo, se manifes- ver nenhum juízo de valor em relação ao tama-
taram. O movimento sindical dos trabalhadores nho e do potencial de produção de cada unidade
rurais, mobilizado pela Confederação Nacional produtiva. Já o Estado brasileiro classifica como
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o agricultura familiar as unidades de produção
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra familiares que não ultrapassem quatro módulos
(MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores fiscais, seja gerida pela família, utilizem predomi-
(MPA), dentre outros, exerceram papel impor- nantemente mão de obra familiar e que a maior
tante, demonstrando a resistência de grupos parte da renda seja originada de atividades eco-
que a princípio estavam destinados a desapa- nômicas na propriedade6.
recer. Altafin (2005) afirma que “com diferentes
6. Lei nº 11.326 de 14.07.2006, disponível em: <http://www2.
orientações, esses grupos organizados pressio- camara.leg.br/legin/fed/lei/2006/lei-11326-24-julho-2006-
nam o Estado por políticas que os incluam no -544830-normaatualizada-pl.pdf>.

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Contudo, a agricultura familiar continua não nas escolas públicas, como a Seleta Caritativa
sendo o modelo central do desenvolvimento Humanitária, uma organização de caráter filan-
rural brasileiro e, sim, o das grandes proprie- trópico ligada à maçonaria. Entre 1920 e 1930,
dades, que contam com trabalho assalariado. alguns estados também criaram suas próprias
Apesar de contarem com a menor proporção de políticas de fornecimento de alimentação em
terras, as unidades familiares são mais expres- algumas escolas públicas de São Paulo, Pará,
sivas em quantidade, ocupam menos parte das Amazonas, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro
terras, geram mais trabalho e renda, além de con- (COSTA, 2004).
tribuir com produção maior por área cultivada Por volta da década 1930, começa a movimen-
(ABRAMOVAY, 1997). tação do Estado para adotar a alimentação esco-
Os processos de globalização deixaram as dis- lar como política pública. Já havia uma discussão
putas pelos mercados mais acirradas entre os ato- sobre o uso de alimentos regionais nos cardápios,
res que nele atuam, ocasionando a exclusão de como afirma Turpin (2009):
parte da população do sistema de produção. No
que se refere à agricultura familiar, a constitui- “[...] estudiosos e profissionais envolvidos com
o assunto já definiam cardápios adequados
ção de associações e cooperativas se mostra como
às diversas regiões do país, preconizando o
uma importante ferramenta de organização
emprego de alimentos regionais, o que visava
social, política e econômica. Nesta perspectiva,
enriquecer a base nutritiva da alimentação dos
o cooperativismo apresenta-se como uma alter-
escolares, mas também viria a se constituir no
nativa interessante aos agricultores familiares, embrião do apoio à pequena produção local”
organizando, agregando valor, comercializando (p. 21).
e de alguma forma tentando inserir a produção
em mercados locais, regionais e globais, consti- Porém, não foram esses rumos tomados
tuindo-se como instrumento de enfrentamento à pela alimentação escolar no Brasil. Influenciada
concorrência empresarial (RIBEIRO, 2012). pela política norte-americana do Alimento Pela
Para que uma cooperativa ou associação seja Paz, que consistia em doar alimentos estocados
considerada um empreendimento da agricultura durante a guerra entre os Estados Unidos e a
familiar, ela precisa obter a Declaração de Aptidão Coreia às crianças vítimas de guerras ou que se
ao Pronaf para pessoas jurídicas (DAP – Jurídica). encontravam desnutridas (COSTA, 2004), os pro-
Entre as exigências para a obtenção deste docu- dutos doados em sua maioria eram leite em pó e
mento, estão a necessidade de no mínimo 70% de derivados de trigo. Essa “ajuda” criou novas for-
seus sócios/cooperados terem a DAP física e pelo mas de organização da produção agrícola e do
menos 55% de sua produção beneficiada, proces- consumo dos países beneficiários, além da difu-
sada ou comercializada ser oriunda de seus sócios são destes produtos pelo mundo, ampliando o
com DAP física7. mercado para os mesmos (MALUF, 2009). Em 31
de março de 1955, o decreto nº 37.106/558 insti-
tuía a Campanha de Merenda Escolar (CME) que,
3. Alimentação escolar: coincidentemente, em seu 2º artigo, previa provi-
trajetória histórica e estratégias dências para a melhoria do valor nutritivo dos ali-
atuais de abastecimento mentos, medidas para aquisição de alimentos nas
fontes produtoras, além de convênios com enti-
Em 1908, há os primeiros registros de inicia- dades internacionais para fornecimento, entre
tivas que forneceram alimentos gratuitamente outros direcionamentos.

7. Portaria MDA nº 17, de 23.03.2010. Disponível em <http:// 8. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/


www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=24/03/2010&jorn decret/1950-1959/decreto-37106-31-marco-1955-33270
al=1&pagina=86&totalArquivos=104>. 2-publicacaooriginal-1-pe.html>.

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Em 1981, a CME deixa de ser campanha e FNDE destinados à aquisição da alimentação


é elevada a programa, denominado Programa escolar aos estados e municípios devam ser com-
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Sua prados diretamente da agricultura familiar, do
gestão fica sob o recém-criado Instituto de empreendedor familiar rural ou de suas organi-
Assistência ao Educando (INAE), e as aquisi- zações, tendo prioridade as comunidades tradi-
ções dos alimentos eram realizadas em âmbito cionais e os assentamentos da reforma agrária
nacional, centralizada na Companhia Brasileira (SILVA e AMORIM JUNIOR, 2013). O limite que
de Alimentos (Cobal). Esse arranjo se mostrava cada DAP física pode comercializar via PNAE/ano
um desafio à regionalização dos cardápios e à é de R$ 20.000,009; outra determinação impor-
entrada de novos fornecedores para a alimenta- tante é que, para chamadas públicas superiores a
ção escolar, como afirma Maluf (2009): R$ 100.000,00, somente podem concorrer empre-
endimentos coletivos da agricultura familiar10
“[...] a centralização das volumosas aquisi-
(associações e cooperativas). Sobre a implemen-
ções de alimentos na esfera federal favoreceu
tação desta lei, Maluf (2009) afirma que:
o predomínio de grandes empresas capazes,
por exemplo, de enviar biscoitos ou salsichas
“[...] vale ressaltar que a nova lei cria um elo
do Sul-Sudeste até a Amazônia” (p. 02).
institucional entre a alimentação oferecida nas
escolas públicas e a agricultura familiar local
A partir de meados da década de 1980, com
ou regional, medida pela valorização da diver-
o avanço do processo de redemocratização do
sidade de hábitos alimentares” (p. 01).
Brasil, posições do Estado foram revistas, den-
tre elas a centralização dos recursos do PNAE. Porém, vale ressaltar que em momento
Tanto que, em 1986, inicia-se o processo de des- algum o programa prevê a remuneração dos cus-
centralização dos recursos destinados à alimenta- tos com a logística de distribuição dos produtos,
ção escolar, que só em 1994 é concretizada com a apenas estabelece os preços pagos pelos produ-
criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento tos. Na prática, isto se configura um problema,
da Educação (FNDE). A descentralização se deu pois os empreendimentos necessitam cobrar
em três níveis: estadualização, municipalização uma taxa administrativa sobre o valor dos pro-
e a escolarização. Na primeira, o FNDE repassa dutos para cobrir os custos de operacionalização
os recursos para as secretarias estaduais de edu- do programa, o que reduz o valor repassado ao
cação, que adquirem os alimentos e os repassam agricultor.
para as escolas. Na municipalização, os recursos Segundo o Ministério do Desenvolvimento
são transferidos para as prefeituras e, por último, Agrário11, em 2011, o Brasil contava com 44.660.720
na escolarização, a escola fica responsável pela estudantes nas escolas públicas municipais e esta-
gestão dos recursos. duais, todos estudantes beneficiados diariamente
Com a municipalização, o FNDE passou a pelo PNAE durante o período letivo. Para atender
recomendar que os cardápios fossem elaborados
com alimentos regionais, optando pelo respeito à
cultura alimentar local, e a utilização de produtos 9. Resolução/CD/FNDE nº 25 de 04 de julho de 2012.
Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/fnde/legislacao/
in natura, típicos da agricultura familiar. Assim, resolucoes/item/3554-resolu%C3%A7%C3%A3o-cd-fnde-
buscou-se melhorar a qualidade da alimentação n%C2%BA-25-de-04-de-julho-de-2012>.
dos estudantes, adquirindo produtos locais e, 10. Resolução/CD/FNDE nº 38 de 16 de julho de 2009. Dispõe
sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da
sobretudo, o fortalecimento da produção destes educação básica no Programa Nacional de Alimentação
alimentos (TURPIN, 2009). Escolar – PNAE. Disponível em: <http://www.mprs.
mp.br/infancia/legislacao/id4239.htm>.
A Lei nº 11.947/09 dispõe sobre o atendimento
11. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/arqui-
da alimentação escolar pública, instituindo que vos/view/alimenta-o-escolar/repasse-fnde-por-estado/Va
no mínimo de 30% dos recursos repassados do lor_do_ repasse_FNDE_-_Brasil.pdf>.

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Bianca Aparecida Lima Costa, Paulo Cesar Gomes Amorim Junior e Marcio Gomes da Silva  117

esta demanda, o FNDE repassou R$ 3.118.473.000 dores para acompanhar o andamento das possí-
para aquisição da alimentação escolar, sendo veis negociações e esclarecimentos das dúvidas.
R$ 936.304.100,00 destinados à compra direta da Minas Gerais é o segundo maior estado
agricultura familiar. Não se trata de um mercado do Brasil quando se refere ao volume de recur-
pequeno; provavelmente existem interesses dis- sos repassados pelo FNDE para a alimentação
tintos em relação ao PNAE, seja com vistas a sua escolar (PNAE). Em 2011, o valor deste repasse
implementação e também para que a mesma não foi de R$ 289.286.280,00 (rede estadual e muni-
aconteça. Cerca de um R$ 1 bilhão que fariam cipal), sendo aproximadamente R$ 87 milhões
parte exclusivamente das receitas das empresas para compra direta da agricultura familiar12. O
distribuidoras de alimentos passam a poder ser estado contava com 305.899 agricultores e agri-
incorporados à renda de agricultores e agricul- cultoras com DAP e 397 empreendimentos aptos
toras familiares de todo o Brasil. Ainda segundo a comercializar seus produtos, atendendo à esta
o MDA, existia no Brasil, em 2011, 3.541.501 agri- demanda. Entretanto, a fatia deste mercado ocu-
cultores e agricultoras familiares com DAP e 2.245 pada pelos 80 empreendimentos (cooperativas
empreendimentos da agricultura familiar em e associações) diagnosticados (20% do total de
todo o País. empreendimentos no estado) pelo Nutre Minas
Em 2010, o MDA, a partir de dois departa- é de R$ 5.582.259,7913 (rede municipal e esta-
mentos – Departamento de Assistência Técnica dual), aproximadamente 6%. Em se tratando dos
e Extensão Rural (Dater) e Departamento de sete maiores municípios mineiros, essa diferença
Geração de Renda e Agregação de Valor (DGRAV), é ainda maior: dos R$ 10.119.039,32 repassados
lança a chamada pública n. 092/2010. Seu objetivo (rede municipal), apenas R$ 324.587,68, ou seja,
era a seleção de entidade executora de assistência cerca de 3% do repasse foi executado via compra
técnica e extensão rural para a inserção de empre- direta da agricultura familiar.
endimentos coletivos da agricultura familiar e O PNAE se apresenta como oportunidade de
seus gêneros alimentícios no PNAE em grandes comercialização. Entretanto, são diversos os desa-
centros urbanos. Esta chamada pública buscou fios no dia-a-dia dos agricultores familiares e suas
atender os estados do Amazonas, Minas Gerais e organizações na busca por acesso a este mercado.
Rio de Janeiro. No estado de Minas Gerais, este Apesar de o volume de recursos destinados aos
projeto foi denominado Nutre Minas. grandes centros para aquisição de alimentos para
Em Minas Gerais, tal projeto previa criar alimentação escolar ser significativo, a logística de
alternativas para o abastecimento do mercado distribuição dos alimentos nas escolas é complexa
institucional das sete maiores cidades do estado e os padrões exigidos dos produtos impossibili-
(Belo Horizonte, Betim, Contagem, Juiz de Fora, tam ou dificultam o acesso pelos empreendimen-
Montes Claros, Ribeirão das Neves e Uberlândia), tos de agricultura familiar.
além da secretaria estadual de educação. Para
tanto, dentre as atividades previstas no pro-
jeto estavam: 80 diagnósticos participativos por 4. Metodologia
empreendimento; 40 planos de negócios, estudo
de mercado (como funciona a execução da lei nº Este trabalho tem caráter exploratório, pois
11.947/2009 em cada município) e estudo de via- se trata de um tema relativamente novo e sem
bilidade da produção; 80 visitas de orientação téc- muitos estudos precedentes. O universo foco das
nica e apoio à regularização de empreendimentos análises foram 19 cooperativas localizadas em
coletivos da agricultura familiar; elaboração de
12. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/portal/saf/arqui-
projetos de venda para os mercados institucionais
vos/view/alimenta-o-escolar/repasse-fnde-por-estado/C
dos grandes centros e reuniões de avaliação com at%C3%A1logo_AF_E_AE_-_EstadoMG.xls>.
gestores da alimentação nos municípios compra- 13. Dados da pesquisa.

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118  As Cooperativas de Agricultura Familiar e o Mercado de Compras Governamentais em Minas Gerais

diferentes regiões de Minas Gerais. Essa amos- 5. Caracterização das cooperativas


tra foi obtida por meios não probabilísticos e foi
determinada como uma amostra por tipicidade As cooperativas analisadas neste trabalho
que, segundo Marconi e Lakatos (2011), “é a ten- estão localizadas em sete das 12 mesorregiões do
tativa de buscar um subgrupo que seja típico, em estado de Minas Gerais, sendo que a maior parte
relação à população como um todo” (p. 39). A está concentrada no norte de Minas; são sete coo-
partir da seleção deste subgrupo, acredita-se que perativas que representam 39% da amostra. As
as informações disponíveis são representativas demais estão situadas na Zona da Mata (quatro);
para o universo deste trabalho. Vales do Jequitinhonha e do Rio Doce (duas);
Foram analisados 19 diagnósticos de coopera- Triângulo; noroeste e Campos das Vertentes (uma
tivas da agricultura familiar, de um universo de 43 cooperativa).
cooperativas em Minas Gerais14, o que representa A maior parte das cooperativas (58%) foi
aproximadamente 45% das cooperativas de agri- constituída após 2003, 26%, antes de 2003 e 16%
cultura familiar no estado. A base de dados uti- não informaram o ano de constituição. Esses
lizada na análise foram os diagnósticos aplicados dados nos levam a duas inferências a respeito
como parte das exigências do projeto Nutre Minas, de o volume maior de cooperativas ter sido
executado pelo Centro de Agricultura Alternativa constituído após 2003. A primeira é a mudança
do Norte de Minas (CAA-NM) em todo o estado. do código civil, em 2002, que determinou que
Os diagnósticos basearam-se no levanta- as associações não pudessem mais realizar a
mento de informações a partir de roteiros estru- intermediação econômica dos produtos de seus
turados e semiestruturados. O objetivo do associados. Assim, os agricultores que já eram
levantamento da situação das cooperativas no organizados em associações se viram numa situ-
estado de Minas Gerais tinha como intuito a ela- ação que precisariam se organizar em coopera-
boração de ações de extensão rural com vistas a tivas para escoarem sua produção. A segunda
solucionar os problemas identificados. Os rotei- inferência diz respeito à criação do PAA, em
ros para diagnósticos abarcavam as seguintes 2003, o que levou os agricultores que não eram
questões: aspectos produtivos, aspectos geren- organizados a constituírem as cooperativas para
ciais, informações sobre a organização do quadro acessar tal programa.
social, informações financeiras, acesso ao crédito Em relação ao número de cooperados, as
e assistência técnica. cooperativas contam com 2.056 cooperados. O
No presente artigo, foram sistematizados os conjunto de cooperativas apresenta grande hete-
dados quantitativos referentes às cooperativas rogeneidade em relação ao número de coopera-
estudadas e realizadas análises de conteúdo dos dos. Algumas cooperativas apresentam quadro
diagnósticos. Trata-se da descrição sistemática do social com apenas 12 sócios (não está de acordo
conteúdo das mensagens, mas seu interesse não com o artigo 6º da Lei nº 5.764/71, que determina
está na descrição dos dados apenas, mas no que eles que 20 cooperados seja o número mínimo para a
vão dizer depois de tratados. O analista tenta com- constituição e permanência de uma cooperativa),
preender o sentido da comunicação (como um lei- e outras com cerca de 290 cooperados.
tor normal), mas, ao mesmo tempo, desvia o olhar Dentre as cooperativas que forneceram infor-
para outra significação. Busca realçar um segundo mações relacionadas à quantidade de agriculto-
plano em sua leitura (BARDIN, 2011). Feita a aná- res familiares que compõem seu quadro social
lise dos conteúdos, as análises foram organizadas (15), destaca-se que 1.366 cooperados (66%) têm
no texto a partir de cada variável analisada. DAP, 218 (11%) não se enquadram enquanto agri-
cultores familiares, ou seja, não possuem DAP,
e 472 (23% do total de cooperados) não tiveram
14. Fonte MDA. Disponível em: <http://smap14.mda.gov.br/
dap/extrato/pj/ExtratoDAP/ExtratoDA Paspx>. informada sua situação.

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Sobre a participação das mulheres, 17 coo- ciamentos junto ao BNDES (5%) e outras fontes
perativas forneceram informações a respeito. de financiamento (19%).
Apenas uma cooperativa apresenta número Deste conjunto de cooperativas, 15 (aproxi-
maior das cooperadas do que cooperados em seu madamente 79%) têm o mercado governamental
quadro social. De modo geral, os dados revelam como principal. Destas, seis (31,5%) acessam ape-
a baixa participação das mulheres nas coopera- nas o PNAE; quatro (21%) acessam só o PAA; cinco
tivas em questão. Do total de cooperados, 59% (21,5%) acessam os dois programas – PAA/PNAE e
são homens, 19%, mulheres e, para 22%, não se quatro cooperativas não acessam nenhum destes
obteve informação. mercados. Em relação ao mercado convencional
Essa baixa participação das mulheres no qua- (comércio por atacado e varejo), 11 cooperativas
dro social das cooperativas analisadas pode ser (58%) conseguem inserir seus produtos. Das oito
explicada com base na divisão sexual do traba- cooperativas que não acessam o mercado conven-
lho, socialmente construída. Instituiu-se que o cional, seis apenas conseguem escoar a produção
trabalho nas lavouras, bem como as atividades de seus cooperados via mercado governamen-
relacionadas ao comércio, ao relacionamento tal; as outras duas cooperativas, na data do diag-
com o banco, cooperativas, sindicatos (conside- nóstico, ainda não acessavam nenhum mercado
rado trabalho produtivo) é papel dos homens e o (tinham acabado de ser constituídas).
trabalho da mulher está vinculado à casa, à cria- A movimentação financeira levantada nos
ção de pequenos animais, à horta, ao cuidado e diagnósticos aponta que esse conjunto de coope-
educação dos filhos, além de trabalhar nas lavou- rativas movimentou, em 2011, R$ 10.940.298,25.
ras (trabalho reprodutivo). É preciso repensar o Desta movimentação, R$ 6.911.402,80 foram
papel da mulher, para que a mesma possa efe- provenientes do mercado convencional e
tivar sua participação em outras dimensões da R$ 4.028.895,45, do mercado governamental.
vida social (BONI, 2006). Uma característica presente em muitas uni-
No que diz respeito à assistência técnica, ape- dades familiares de produção é a diversidade de
nas 7% das cooperativas não são assessoradas. O produtos (ABRAMOVAY, 1997). Essa caracterís-
restante (93%) é assessorado de alguma forma. tica pode ser observada nos produtos ofertados
Dentre as organizações que prestam assessoria, pelas cooperativas em questão. Foram 85 produ-
destaca-se a Empresa de Assistência Técnica e tos distintos comercializados por elas em 2011.
Extensão Rural (Emater), presente em 39% das Dentre esses produtos, há produtos in natura, de
cooperativas, seguida pelas ONG’s em 18%, e origem animal, vegetal e produtos processados.
o restante (36%) é assistido por universidades, A diversificação, além de uma característica
Sebrae, instituições privadas e outros tipos de da produção familiar, é considerada uma estraté-
organização de apoio e fomento. No que se refere gia de redução dos riscos (climáticos, oscilações
à assistência técnica, a grande parte é feita sob de preços etc.) adotada pelos agricultores fami-
aspectos produtivos e assessoria individualizada liares; também pode ser considerada uma pos-
na propriedade do cooperado. sibilidade de inserção de todos os membros da
O acesso ao crédito é algo que ainda não é família em determinadas atividades que podem
muito presente para este conjunto de cooperati- ser de caráter agrícola e não agrícola (BUAINAIN
vas. Pouco mais de 40% (43%) não acessa nenhum et al., 2003). Por outro lado, a diversificação do
tipo de política de crédito. A principal política de portfólio aumenta a complexidade da gestão,
crédito acessada pelas cooperativas analisadas é principalmente em sistemas agroalimentares
o PAA formação de estoque (14%), em seguida, o que são complexos por si só (ZYLBERSZTAJN,
Pronaf agroindústria (9%), o Proinf (10%), finan- 1994).

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120  As Cooperativas de Agricultura Familiar e o Mercado de Compras Governamentais em Minas Gerais

5.1. Principais desafios e como problema. Porém, a partir de um olhar mais


limitações enfrentados atento, observa-se que todas as demandas levan-
tadas perpassam, de alguma maneira, a carência
Com base nas informações apresentadas, de assessoria técnica.
nota-se que há uma fatia considerável do mer- As demandas apresentadas não se encontram
cado governamental que ainda não está ocupada em situação diferente da descrita por Pires (2010),
pelos empreendimentos da agricultura familiar. como atribuições das organizações que prestam
Como observado nos dados aqui expostos, existe assistência técnica. Assim, inferimos que as orga-
produção proveniente da agricultura familiar que nizações que prestam assistência técnica ainda
não está sendo comercializada via este mercado, não conseguem atender em sua plenitude as
o que pode apontar a existência de gargalos que demandas apresentadas, pois, além de comple-
impedem a circulação destes alimentos. xas, tais demandas são novas para os empreendi-
A partir da pesquisa, foi possível identificar mentos e para as organizações assessoras.
uma série de demandas técnicas das cooperativas Quanto à adequação sanitária, para além
para o acesso ao mercado governamental. Para das questões relacionadas à assessoria, a legisla-
refletir a respeito dessas questões foi possível ção sanitária tem se mostrado incompatível com
agrupá-las em quatro grandes eixos: assistência a realidade dos empreendimentos, sua aplicação
técnica; adequação sanitária; gestão e logística. tem propiciado a concentração de mercado, favo-
No campo da Assistência Técnica, é impor- recendo as grandes empresas agroalimentares,
tante destacar que sua história começa no Brasil, sobretudo as de produtos com maior valor agre-
em 1948, com a criação da Associação de Crédito gado. Ou seja, criam-se oligopólios, impedindo
e Assistência Técnica de Minas Gerais (Acar), a a entrada de novos empreendimentos. Como
partir de convênios entre o governo americano afirma Wilkinson (2008), “a legislação federal
e o Brasil. A proposta que orientava este traba- sobre agroindústrias efetivamente tem excluído
lho era a de modernização da agricultura, ou o setor artesanal de produtos perecíveis do mer-
seja, aumentar produtividade agrícola por meio cado nacional” (p. 205).
de inovações tecnológicas (mecanização, adoção Mesmo se tratando de um mercado diferen-
de adubos químicos, agrotóxicos, entre outros). ciado (mercado governamental), os padrões esta-
O cooperativismo e o associativismo eram usa- belecidos para os produtos são como nos mercados
dos como instrumentos para a implementação de commodities, o que significa formatos negocia-
das políticas agrícolas de modernização, ou seja, dos e definidos para substituir a diversificação do
sendo apropriada pelas práticas extensionistas produto e da produção. Logo, padrões que inte-
para se chegar aos agricultores (PIRES, 2010). ressam aos grupos dominantes são institucionali-
Atualmente, a partir da nova dinâmica em zados como referência (WILKINSON, 2008).
que os empreendimentos se encontram, a assis- Em relação ao abastecimento do mercado
tência técnica precisa superar apenas o fomento governamental, todas as 11 cooperativas que
à organização dos agricultores em cooperativas acessam o PNAE comercializam seus produtos em
e associações. Necessita apoiar os empreendi- âmbito municipal/regional. Já os grandes centros
mentos coletivos na organização da produção, de Minas Gerais, em 2011, não eram acessados
na comercialização, no acesso a nichos de mer- via PNAE por nenhum desses empreendimentos.
cado específicos, na melhoraria da qualidade dos Um dos fatores que pode explicar este não acesso
produtos e, principalmente, trabalhar a forma- são as exigências destes padrões de mercado. O
ção dos cooperados e gestores (PIRES, 2010). No que certifica ou garante a qualidade de um pro-
conjunto de cooperativas analisadas, 7% das coo- duto é um selo na embalagem. Já nas negociações
perativas não contam com nenhum tipo de asses- entre as cooperativas e o mercado governamen-
soria técnica e duas cooperativas a apontaram tal municipal/regional, esses padrões são nego-

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Bianca Aparecida Lima Costa, Paulo Cesar Gomes Amorim Junior e Marcio Gomes da Silva  121

ciados. As relações de confiança, construídas a pode ser remunerado, onerando aqueles que
partir de repetidas transações entre os gestores estão à frente do empreendimento.
públicos e os agricultores em relações informais A partir do acima exposto, serão apresenta-
de mercado, constituíram uma espécie de repu- das algumas questões identificadas nos diagnós-
tação dos produtos dos agricultores e dos empre- ticos que de alguma forma podem colocar estes
endimentos (WILKINSON, 2008). Essa relação de empreendimentos em desvantagem competi-
confiança sobrepõe alguns normativos e constitui tiva. Das 19 cooperativas estudadas, apenas oito
as relações de qualidade a partir da forma como o fazem planejamento estratégico, ou seja, procu-
produto é produzido. ram refletir sobre o ambiente interno e externo da
Desta forma, são necessárias ações que bus- organização, analisar o relacionamento com seus
quem a adequação dos normativos às realida- públicos, determinar objetivos, definir valores,
des da agricultura familiar, estabelecendo novos atribuir responsabilidades para a implementa-
padrões de mercado (SILVA e SILVA, 2011). Isto ção das ações e monitorar o andamento do pla-
deve ser atrelado a programas de assistência téc- nejamento (TAVARES, 2007). Desta forma, sem
nica que levem em consideração tanto a parte se utilizar desta ferramenta, estes 11 empreendi-
agroindustrial quanto o gerenciamento dos mentos se encontram extremamente expostos às
empreendimentos. possíveis variações de mercado.
Do ponto de vista da gestão, é possível obser- Nove das cooperativas realizam a separação
var que se trata de um entrave que de certo modo entre custos fixos e variáveis, ou seja, dez coope-
é apontado por todas cooperativas diagnostica- rativas ainda não têm ciência de que, indepen-
das, seja na área contábil, financeira, fiscal, orga- dente do volume de vendas, certos custos vão
nização da produção, comercialização, entre incorrer de qualquer maneira ao longo do mês.
outras. É considerado um desafio a gestão de O registro dos custos também chama a atenção.
cooperativas de agricultura familiar que têm por- Apenas três cooperativas contam com software
tfólio de produtos diversificado, principalmente especializado, 12 fazem seus registros no Excel
quando estas começam a se aventurar em novos e quatro cooperativas não registram seus custos.
mercados. À medida que os negócios da coope- No entanto, a informação que mais chama aten-
rativa começam a ganhar maiores proporções, o ção nesse quadro relaciona-se ao tratamento dos
desafio aumenta, sobretudo, para as cooperativas custos de produção, principalmente na hora de
que trabalham com produtos processados, pois formar o preço de venda dos produtos. Apenas
seus diretores precisam gerir a cooperativa em si nove cooperativas (47%) levam em conta os cus-
e a unidade de processamento. Das cooperativas tos de produção mais margem de lucro para a
diagnosticadas, a grande maioria não possui fun- composição do preço de venda. Portanto, dez
cionários suficientes, sendo os próprios agricul- cooperativas chegam ao preço de venda basea-
tores os envolvidos com a gestão e a produção, das em outros critérios15 (preço de referência da
concomitantemente. Conab, igual e/ou abaixo da concorrência).
Desta maneira, Zylbersztajn (1994) afirma Trata-se de um risco muito grande para o
que: “cooperativas que operam nos sistemas empreendimento, pois se desconhece quais pro-
agroalimentares dificilmente são empresas pouco dutos remuneram de fato a cooperativa. Como
complexas, dadas as características de organi- pensar alternativas para a redução de custos dos
zação do agrobusiness moderno” (p. 25). Além
disso, os diretores são os próprios agricultores
15. A Companhia Nacional do Abastecimento disponibiliza
familiares que assumem um duplo papel, o que uma lista de produtos com preços de referência. Esses
pode prejudicar a condução de suas atividades valores, no entanto, são de caráter nacional, e não trazem,
por região, os preços praticados nos mercados locais em
produtivas em suas propriedades. Em cooperati- que as cooperativas estão inseridas. Esses valores são atri-
vas de menor porte, o trabalho na diretoria não buídos aos projetos de venda do PAA pelas cooperativas.

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122  As Cooperativas de Agricultura Familiar e o Mercado de Compras Governamentais em Minas Gerais

produtos para torná-los competitivos, principal- com eficácia, erros ao longo da cadeia podem
mente para acessar o mercado dos grandes cen- acontecer; logo, a cooperativa pode ser onerada
tros, se o empreendimento desconhece quanto a partir de atraso nas entregas, dispêndio de mão
custa sua produção? de obra e perda de informações (RIBEIRO, 1999).
Muitas dessas cooperativas são parceiras de Sobre as cooperativas analisadas, algumas
organizações como sindicatos de trabalhadores apontaram como limitações questões que se
rurais, pois, em alguns casos, emergiram a partir enquadram neste tópico. Estoque, transporte e
da demanda de comercialização dos agricultores distribuição, entre outras questões, apareceram
sindicalizados. Portanto, essas parceiras (sindica- como limitações em relação à produção. Nesta
tos/cooperativas), em determinados casos, finan- dinâmica, o transporte é realizado desde a pro-
ciam as atividades das cooperativas (pagamento priedade do cooperado até a cooperativa, enfren-
de diárias, custeio de atividades, transporte, entre tando estradas de terra, às vezes, em condições
outros), até que as mesmas consigam se manter. ruins. Outra perspectiva é o transporte dos pro-
Essa relação é fundamental para a sobrevivên- dutos processados que podem exigir condições
cia dessas cooperativas; entretanto, isso contri- especiais (refrigeração, entre outras) para serem
bui para o pouco cuidado com o registro de seus transportados. Das cooperativas estudadas, ape-
custos. nas 50% possuem caminhões que auxiliam na
Desta forma, o desafio colocado para as coo- coleta e distribuição dos produtos. As outras 50%
perativas é o de se desenvolver, acessar mercados terceirizam e os cooperados assumem o trans-
para além do local (se tratando do mercado gover- porte dos produtos ou buscam alguma forma
namental), dando conta de responder a comple- para realizarem suas entregas.
xidade que é gerir um empreendimento que atua A necessidade de local para armazenagem
no segmento agroalimentar e não perder seu foco também é apontada como limitação. Os estoques
enquanto cooperativa, que é centrado no homem não se limitam apenas aos produtos acabados,
e não apenas no capital (ZYLBERSZTAJN, 1994). mas também à necessidade de local para armaze-
Portanto, a formação contínua dos cooperados nar em condições adequadas os produtos.
se faz necessária em aspectos administrativos, A ausência de registro dos custos e demais
cooperativistas e no ramo agroalimentar de sua informações também pode ser definida como um
atuação. problema de logística. A organização da produ-
No que se refere à logística, essa pode ser ção pode ser agrupada neste tópico, pois, se não
entendida como o processo de planejar, imple- há registros atualizados sobre a produção, fica
mentar e controlar de maneira eficaz o fluxo e a inviável a cooperativa assumir compromissos
armazenagem de produtos, serviços e informa- com novos clientes e conseguir manter entregas
ções. Visa garantir a disponibilidade de produtos, regulares de seus produtos. É importante ressal-
materiais e serviços no mercado e pontos consu- tar que, a partir do planejamento da produção, é
midores, em tempo hábil e ao menor custo possí- menor a chance de se gerar expectativa nos coo-
vel. São funções-chaves da logística o transporte, perados para produzirem determinados produ-
o estoque, a distribuição, a localização, os serviços tos que se sobreponham à demanda, o que pode
aos clientes e o fluxo de informações (CARDOZO gerar riscos aos cooperados em relação à produ-
et al., 2012). ção excedente. Isso pode desgastar a relação entre
Para que a logística seja eficiente, é necessário cooperado e cooperativa.
um sistema de informações que englobe desde a Algumas cooperativas de maior porte conse-
aquisição de matéria-prima até a entrega do pro- guem se organizar e formar alianças estratégicas
duto acabado ao consumidor. Isto facilita o pla- com outras cooperativas ou empresas para supe-
nejamento da organização e ajuda na tomada de rar as limitações relacionadas à logística, tanto no
decisão. Se o fluxo de informações não funciona mercado governamental em outros municípios,

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quanto no mercado convencional. Entretanto, as vos que envolvem um empreendimento coletivo


cooperativas de menor porte se veem excluídas são fundamentais para negociações no âmbito da
da possibilidade de acesso a tais mercados. alimentação escolar.
Nesse sentido, faz-se necessário uma política
estruturante de apoio às cooperativas da agri-
6. Considerações finais cultura familiar para o abastecimento do mer-
cado governamental. A existência do programa
Ao longo dos anos, a agricultura familiar e não é garantia que as cooperativas vão conseguir
suas organizações vêm ganhando cada vez mais comercializar seus produtos. O fato de o PNAE
reconhecimento. Esse reconhecimento se reflete (e PAA também) não remunerarem o empreen-
na criação de políticas públicas específicas, como dimento, mas apenas preverem a remuneração
é o caso do Programa Nacional de Alimentação do produto, é algo interessante de ser revisto,
Escolar (PNAE) O PNAE se constitui em oportu- pois os custos de operacionalização destes pro-
nidade para que os agricultores familiares e seus gramas são arcados pelos empreendimentos, ou
empreendimentos coletivos consigam diversifi- seja, pelos agricultores familiares. Também, faz-
car e escoar a produção, se mostrando uma alter- -se necessária a adaptação da legislação sanitária
nativa real de geração de renda, oportunidade de à realidade da agricultura familiar e não somente
inclusão produtiva para jovens e mulheres, entre a adequação dos empreendimentos aos norma-
outras virtudes do programa. Ao mesmo tempo, é tivos. Outro aspecto relevante é relacionado à
um enorme desafio para a legitimação da agricul- formação e capacitação dos cooperados em ativi-
tura familiar no abastecimento de alimentos, ao dades relacionadas à gestão, ao cooperativismo e
passo que estes produtos ainda não chegam com às atividades de agroindustrialização. Para tanto,
relevância nas cantinas das escolas públicas nos políticas de assistência técnica e extensão rural
grandes centros. de acompanhamento sistemático e contínuo são
Com base nas informações analisadas, veri- importantes para deixar os agricultores aptos a
fica-se que, entre as cooperativas diagnostica- gerirem suas cooperativas.
das, há produção considerável: são 85 produtos
diferentes e alguns deles produzidos em larga
escala. Nota-se que as políticas públicas de com- 7. Referências bibliográficas
pras governamentais são o principal mercado
ABRAMOVAY, R. Agricultura familiar e uso do solo.
acessado pelas cooperativas analisadas e que as
Revista São Paulo em perspectiva. São Paulo, v. 11, n. 2,
mesmas acessam com mais intensidade o PAA. Já
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