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Universidade Federal de Santa Maria

Pró-Reitoria de Graduação
Centro de Educação
Curso de Graduação a Distância de Educação Especial

METODOLOGIA
DO ENSINO
DA LÍNGUA
PORTUGUESA I
4º Semestre

1ªEdição, 2005
Elaboração do Conteúdo Direitos Autorais
Profa. Ana Cláudia Pavão Siluk (Direitos Autorais | Núcleo de Inovação e de
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* o texto produzido é de inteira responsabilidade do(s) autor(es).

S585m Metodologia do ensino da língua portuguesa I : 4º semestre / [elaboração do


conteúdo profa. Ana Cláudia Pavão Siluk... [et al.] ; revisão pedagógica e
de estilo profa. Ana Cláudia Pavão Siluk... [et al.]].- 1. ed. - Santa Maria, Universidade
Federal de Santa Maria, Pró-Reitoria de Graduação, Centro de Educação, Curso de
Graduação a Distância em Educação Especial, 2005.
80 p. : il. ; 30 cm.

1. Língua portuguesa 2. Ensino 3. Lingüística 4. Texto 5. Produção textual 6. Leitura


I. Siluk, Ana Cláudia Pavão II. Azolin, Marta III. Universidade Federal de Santa Maria. Pró-
Reitoria de Graduação. Centro de Educação. Curso de Graduação a Distância de
Educação Especial. IV. Título.

CDU: 806.90:37

Ficha catalográfica elaborada por


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Presidente da República Federativa do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva

Ministério da Educação
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Pró-Reitor de Planejamento Coordenadora Pedagógica e de Oferta

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e de Educação a Distância

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Apoio Técnico

Prof. Luiz Antônio dos Santos Neto


Coordenador da Equipe Multidisciplinar de Apoio
Sumário
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 05

UNIDADE A
AS TEORIAS LINGÜÌSTICAS E DE APRENDIZAGEM:
DA CONCEPÇÃO MECANICISTA À INTERACIONISTA 07
1. A concepção mecanicista 09
2. Teoria Inatista 11
3. Teoria Interacionista 13
4. Estudos psicolingüísticos 14
5. Modelos Interacionistas de leitura I e II 22

UNIDADE B
HABILIDADES BÁSICAS DA COMUNICACAO
LINGUÍSTICA: FALAR, OUVIR, LER E ESCREVER 31
1. Falar 33
2. Ouvir 39
3. Ler 41
4. Escrever 44

UNIDADE C
CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS METODOLOGIAS:
LEITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ANÁLISE LINGUÍSTICA 47
1. Leitura 49
2. Produção Textual 53
3. Análise Linguistica 60

REFERÊNCIAS
Referências Bibliográficas 70

4
Apresentação
da Disciplina
METODOLOGIA
DO ENSINO
DA LÍNGUA
PORTUGUESA I
4º Semestre

Ao desenvolver um livro didático para a disciplina de


Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa do Curso
de Graduação a distância de Educação Especial, procura-
se apresentar, seguindo a proposta da disciplina,
conteúdos que permitam aos alunos, futuros professores,
visualizar possibilidades de aplicação da teoria à prática
que irão enfrentar no desenvolvimento da profissão.
Desse modo, há que se ter claro que não existem
metodologias específicas de ensino da Língua Portuguesa
para alunos com necessidades educacionais especiais.
Cada situação enfrentada, demanda de uma forma de
atuação, de adaptações.
Portanto, os textos são apresentados em três unidades. A
Unidade A aborda as teorias lingüísticas e de
aprendizagem, partindo de uma visão mecanicista até
uma visão interacionista. A Unidade B trata das quatro
habilidades básicas da comunicação lingüística: falar,
ouvir, ler e escrever. Na Unidade C apresentam-se estudos
e aplicações de leitura, produção textual e análise
lingüística.

Esta disciplina será desenvolvida com uma carga horária


de quarenta e cinco (45) horas/aula.
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6
UNIDADE

AS TEORIAS LINGÜÌSTICAS
E DE APRENDIZAGEM:
DA CONCEPÇÃO
MECANICISTA À
INTERACIONISTA

Objetivos da Unidade
- Estudar as diferentes teorias lingüísticas e de
aprendizagem.
- Conhecer e aplicar os modelos interacionistas de
leitura.

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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Introdução
As teorias lingüísticas sempre estiveram aborda os estudos psicolingüísticos, numa visão
juntas com as teorias de aprendizagem. Ao que abarca os fatores neuropsicológicos e psico-
estudar o interacionismo, enquanto teoria de socio-afetvos da aprendizagem. Por fim, dá
aprendizagem, não é difícil imaginá-lo, enquanto destaque aos modelos interacionistas de leitura.
teoria lingüística, pois ambas as abordagens Ao longo do tempo, o homem foi
consideram a interação com o meio, como encontrando formas de explicar a aquisição da
parte da aquisição da linguagem. linguagem. Diversas teorias foram elaboradas
Desse modo, essa unidade irá tratar da com o intuito de explicar como os seres
relação entre as Teorias lingüísticas e de humanos aprendem ou adquirirem habilidades
aprendizagem, considerando a evolução dos para ler e escrever. Essas teorias estão divididas
estudos que partiram de uma visão mecanicista, em três grupos: a mecanicista, a inatista, a
à teoria inatista, até a interacionista. Para tal, interacionista.

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UNIDADE A

1 A concepção mecanicista
A concepção mecanicista, também chamada de

Paulo César Cipolatt de Oliveira


behaviorista foi fundada John Watson o qual
apregoa a psicologia como sendo a ciência do Para relembrar a teoria de Skinner, retome os Cadernos

controle e da previsão. São nas palavras de Didáticos das disciplinas Psicologia da Educação I e III.

Watson que encontramos a expressão da teoria John Watson, psicólogo


americano fundador da
behaviorista:
corrente behaviorista

Dêem-me uma dúzia de bebês sadios, bem


Trata-se do conceito mecanicista da dentro da Psicologia,
nasceu em 1878.
constituídos e meu próprio mundo aprendizagem, o qual compreende que o ser Watson concluiu em
específico para educá-los e eu garanto que seus estudos, que o
humano nasce sem nenhum conhecimento, comportamento
tomando qualquer um ao acaso posso treiná-
como uma "tábula rasa" e o adquire através da humano era sob
lo para tornar-se qualquer tipo de especialista
muitos aspectos,
que eu queira - médico, advogado, artista,
experiência, na qual se fundamenta todo o semelhante ao
comerciante, chefe, e até mesmo mendigo comportamento animal.
e ladrão - independentemente de seus conhecimento e a própria mente. Dentro dessa Com base nesta
talentos, predileções, habilidades, vocações constatação e inspirado
concepção, a aprendizagem se dá pela repetição nas descobertas de
e raça de seus ancestrais (WATSON apud
FREEDMAN, 1976, p. 5I in COBRA, 2003). de associações entre as idéias, ou seja, para Pavlov, criou dentro da
Psicologia uma nova
aprendermos algo novo, devemos associá-lo a corrente, o
Behaviorismo
O maior seguidor de Watson, e conhecido alguma coisa que já conhecemos por outras (Comportamentalismo).
como principal representante da teoria experiências. Segundo ele, o
comportamento dos
behaviorista é Burrhus Frederic Skinner, Na teoria de aquisição da linguagem existe organismos complexos
responde a situações
psicólogo americano e professor da o entendimento que o homem é motivado pelo de acordo com sua
rede nervosa, a qual
Universidade de Harvard. Segundo ele, o meio desejo de prazer e pelo medo da dor está condicionada pela
em que vive determina o comportamento da (FREEDMAN, apud COBRA, 2003). Em uma experiência. Em 1913,
ele publicou um artigo
criança. versão mais simples, pode-se dizer que a criança expondo suas idéias e
estabelecendo as bases
aprende pelo reforço positivo, a recompensa a da nova corrente da
psicologia, contrária à
cada resposta correta. É o que Skinner entende
Psicanálise de Freud,
por estímulo/resposta. A criança recebe um que considerava
fantasiosa. Desprezou
estímulo, quando lhe é oferecido algo que a também a
hereditariedade como
dá prazer e ela procurará responder de forma a responsável por tipos
receber aquilo que a satisfaz. de personalidade, que
Guilherme Escosteguy

atribuía exclusivamente
à experiência e ao
condicionamento do
comportamento.
COBRA, R.Q. 20/04/
Figura A.1: Skniner
2003 Disponível em
http://
www.cobra.pages.nom.br/
ec-watson.html Acesso
em 22 de novembro
de 2005.

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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Paulo César Cipolatt de Oliveira

Figura A.2: A Teoria Behaviorista

Deste modo, a criança aprende a língua pela que fazem com que a criança internalize a forma
imitação e pela formação de hábitos, ou seja, correta de tanto fazer a mesma coisa. A
ela ouve os sons, as palavras, gestos etc. e os aprendizagem é repetitiva e mecânica, e
imita. Dependendo da reação do adulto - acontece através do treino.
positiva ou negativa - ela continua ou não Na visão behaviorista, o ensino da gramática
praticando, formando ou não hábitos. Para os acontece com ênfase nos exercícios repetitivos
behavioristas, o simples imitar e memorizar e na recapitulação da matéria, exigindo uma
formas "corretas" de linguagem faz com que a atitude receptiva e mecânica do aluno. Os
criança aprenda a língua-alvo. É o caso dos conteúdos são organizados pelo professor, numa
exercícios fechados - ou fórmulas fixas, seqüência lógica, e a avaliação é realizada
geralmente apresentados em um curso de através de provas escritas e exercícios de casa.
língua, seja materna ou não, e que solicitam o Desse modo, é possível dizer que, embora
preenchimento de lacunas com respostas óbvias a teoria behaviorista seja muito criticada nos
que se repetem várias vezes. Cita-se, por dias atuais, ela continua viva nos bancos
exemplo: escolares, sendo responsabilidade do professor
"Nice to _____ you!" conhecer as teorias de aprendizagem para
"Nice to _____ you too!". escolher o método mais adequado a ser usado
Nessa perspectiva são apresentados em sala de aula.
exercícios fechados e exaustivamente repetidos,

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UNIDADE A

2 Teoria Inatista
Contrapondo-se ao behaviorismo, surge contribui decisivamente para o arranque da
Chomsky, que desenvolveu sua teoria baseada revolução cognitiva, no domínio das ciências
na concepção Inatista, ou seja, o saber é inato, humanas. Além da sua investigação e ensino
o homem já nasce com o conhecimento. De no âmbito da Lingüística, Chomsky é também
um modo geral, a visão inatista defende que as muito conhecido pelas suas posições políticas
capacidades básicas do ser humano (como de esquerda e pela sua crítica da política externa
personalidade, formas de pensar, dos Estados Unidos da América. Chomsky
comportamentos) são inatas, isto é, já se descreve-se a si mesmo como um socialista
encontram prontas no momento do nascimento. libertário havendo quem o
Com referência a aquisição da linguagem,
os inatistas defendem que as crianças já vêm
ao mundo programadas para falar. A linguagem
se desenvolve naturalmente como outras
funções biológicas (andar, ouvir). Até os sete Outras publicações que
fazem referência ao
anos sabe-se que as crianças dominam
Guilherme Escosteguy

Inatismo:
completamente a linguagem materna. O CHOMSKY, Noam.
Linguagem e mente.
ambiente apenas contribui com a capacidade Brasília: Universidade
de Brasília, 1998.
Figura A.3: Chomsky lingüística do ser humano, criando novas FARIA, Núbia Rabelo
Bakker. Buscando os
situações que proporcionam novas
limites do dado na
Avram Noam Chomsky (7 de dezembro de possibilidades de expressão. aquisição da linguagem.
Disponível em <http://
1928) é professor de Lingüística no Instituto Na visão de Richter (2000, p.25) os sw.npd.ufc.br/abralin/
anais_con2nac_tema014.pdf>.
de Tecnologia de Massachusetts (MIT, das argumentos positivos referentes ao inatismo são: PINKER, Steven. O
iniciais em inglês). O seu nome está associado - virtualmente todas as crianças aprendem instinto da linguagem:
como a mente cria a
à criação da gramática ge(ne)rativa sua língua materna em uma idade em que linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
transformacional, abordagem que revolucionou dificilmente seriam capazes de aprender algo SCARPA, Ester Mirian.
Aquisição da
os estudos no domínio da lingüística teórica. É tão complicado; linguagem. In:
também o autor de trabalhos fundamentais - as crianças aprendem bem sua língua MUSSALIM, Fernanda;
BENTES, Ana Cristina.
sobre as propriedades matemáticas das materna, quer num ambiente estimulante e Introdução à lingüística:
domínios e fronteiras.
linguagens formais, sendo o seu nome culto, quer num ambiente desumano e bocal. São Paulo: Cortez,
associado à chamada Hierarquia de Chomsky. As diferenças ficam por conta do vocabulário, 2001. v.2.
SOUZA, Solange Jobim
Os seus trabalhos, combinando uma abordagem criatividade, refinamento dos usos, etc. Mas as e. Infância e
Linguagem: Baktin,
matemática dos fenômenos da linguagem com estruturas da língua falada serão sempre as Vygotsky e Benjamin. 6.
ed. São Paulo: Papirus,
uma crítica radical do behavio(u)rismo, em que mesmas; 2001.
a linguagem é conceitualizada como uma - a linguagem ouvida pelas crianças só
propriedade inata do cérebro/mente humanos, consegue exemplificar parte das regras
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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

gramaticais que elas acabam dominando; - nenhum outro animal, mesmo treinado,
- as crianças produzem enunciados bem- consegue manipular um sistema de símbolos
formados mesmo que nenhum adulto lhes tão complexo como a linguagem de uma criança
aponte os "corretos" e os "incorretos"; de três ou quatro anos.
Paulo César Cipolatt de Oliveira

Figura A.4: A teoria inatista

Na visão de Chomsky (1966), o professor desse saber acontecerá naturalmente, com o


não precisa se preocupar em "consertar" a fala aprimoramento do conhecimento lingüístico.
das crianças ou em organizar gramaticalmente Na perspectiva inatista, a criança é sempre
a linguagem oral, pois ao ingressar na escola, um falante nativo de uma determinada língua,
as classes gramaticais já fazem parte do ou seja, ela dispõe de um vocabulário e de
conhecimento da criança. Ela consegue regras gramaticais. Neste sentido, podemos
facilmente atribuir qualidades ou defeitos a afirmar que a criança sempre utiliza a linguagem
determinado objeto ou pessoa (adjetivo), para fazer-se entender e o professor precisa
identifica os sujeitos das ações, percebe o colocar-se para propiciar esse entendimento.
tempo dos fatos e outros. A sistematização
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UNIDADE A

3 Teoria Interacionista
A teoria interacionista nasceu como um maneira isolada, a parte da cognição humana.
contraponto ao inatismo, uma vez que os seres As crianças adquirem a linguagem fazendo
humanos são seres sociais, interagem com o relações com experiências concretas anteriores.
meio e agem cooperativamente. Os Complementando esta idéia, Duarte Junior
interacionistas que mais se destacaram foram: (1982) enfatiza que todo processo de
Jean Piaget e Lev Seminovitch Vygostsky. aprendizado se processa sobre dois fatores: as
Para os interacionistas, desde o nascimento, vivências (o que é sentido) e as simbolizações
as crianças estão interagindo com os adultos e que se manifestam através das palavras (o que A teoria interacionista e
seus principais
com o meio, e ativamente incorporam novos é pensado).
pesquisadores foram
conhecimentos, novas informações a sua Em qualquer língua, o aprendizado estudados nas
disciplinas Psicologia da
bagagem de vida. semântico depende dos símbolos e dos Educação I e III.

A consciência humana é produto de sua sentimentos que são subjacentes ao indivíduo.


capacidade simbólica, produto de sua palavra. Além do mais, o crescimento é determinado
Através dela, os seres humanos formulam mais pelas relações significativas do que pela
generalizações, abstrações e outras formas de complexidade das estruturas sintáticas. De
pensar. Por meio das palavras é que os seres acordo com RICHTER ( 2000, p.27) o desenvol-
humanos dão significado a sua realidade. O vimento cognitivo se assenta sobre dois fatores:
indivíduo cresce e desenvolve o discurso de
- os esquemas inatos ou preexistentes
acordo com a idade e a experiência. A (adquiridos ou estruturados) de cognição,
linguagem é tão importante na sofisticação que respondem pelo crescimento da
capacidade de interpretar e comunicar;
cognitiva crescente das crianças quanto no - os esquemas inatos de aquisição da
aumento de sua afetividade social, uma vez que gramática, que respondem pelo crescimento
da capacidade de perceber, processar e
a linguagem é o meio pelo qual a criança e os organizar a informação.
adultos sistematizam suas percepções.
Neste sentido, é que os interacionistas Assim, verifica-se que o aprendizado da
defendem que a aquisição da linguagem se linguagem vai além do pensamento cognitivo,
processa através de dois fatores: o programa na verdade ele está entrelaçado com o meio,
mental que é inato ao educando e a linguagem com a cultura, com as vivências de cada
produzida conjuntamente pelo aprendiz e um indivíduo. Neste sentido é que Vygotsky, afirma
interlocutor, que já possui domínio da língua que história da sociedade e o desenvolvimento
(RICHTER, 2000). As crianças aprendem a do homem caminham juntos e, mais do que
língua não só com o que ouvem, mas com os isso, estão de tal forma intrincados, que um
interações positivas advindas de sua própria fala. não seria o que é sem o outro.
A linguagem verbal não pode ser vista de

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4 Estudos psicolingüísticos
A psicolingüística estuda as conexões entre a foi promovido pela insistência com que o
linguagem e a mente, pois ensina sobre a lingüista Noam Chomsky defendeu, naquela
natureza e os processos de trabalho do cérebro, época, que a lingüística precisa ser encarada
permitindo o entendimento de que o espírito como parte da psicologia cognitiva, mas há
humano trabalha por razões econômicas através também outros fatores, notadamente o
de estruturas mentais. Enquanto disciplina interesse crescente pela questão da aquisição
A linguagem diz autônoma começou a destacar-se nos anos da linguagem pelas crianças.
respeito a um sistema
1950. Em alguma medida, seu aparecimento
constituído por
elementos que podem
ser gestos, sinais, sons,
símbolos ou palavras,
que são usados para
representar conceitos
de comunicação,
idéias, significados e
pensamentos. Nesta
acepção, linguagem
aproxima-se do
conceito de língua.
Numa outra acepção,
linguagem refere-se à
função cerebral que
permite a qualquer ser
humano adquirir e
utilizar uma língua. Por
extensão, chama-se
linguagem de
programação ao
conjunto de códigos
usados em
computação. O estudo
da linguagem é
chamado lingüística,
uma disciplina
acadêmica introduzida
por Ferdinand de
Saussure, no início do
século XX, e depois
Paulo César Cipolatt de Oliveira

desenvolvida como
ciência.

Figura A.5: A utilização da LIBRAS

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UNIDADE A

formal, a gramática, o vocabulário e a escrita,


No século XIX, a lingüística passa a ter força porém, é importante exercitar a capacidade de
como uma ciência, adotando o método de entender e de se fazer entender também,
estudos comparativos, no entanto, tal através da linguagem corporal, do tom de voz
método esgotou-se no final do século XIX e do contexto.
com o lingüista suíço considerado o pai da De Greve e Van Passel (1975), através de
lingüística moderna, Ferdinad de Saussure estudos baseados na psicolingüística,
(1857/1913). No método utilizado por apresentam um exemplo da percepção humana
Saussure, podemos analisar a língua de através do funcionamento estruturo-global do
forma diacrônica ou sincrônica, sendo que cérebro.
a primeira estuda a evolução histórica da
Olhando pela janela, vejo uma árvore. Não
língua e a segunda toma como objeto de
observo cada parte desta árvore, não distingo
estudo um dado momento da evolução. O cada galho nem cada folha, ainda que cada
uma destas partes menores se reflita na
estudo da língua é parte essencial da
retina do meu olho como numa película
lingüística, por seu valor social e coletivo. fotográfica. De saída surge a pergunta: por Lingüística é o estudo
que vejo esta árvore como um conjunto e científico da linguagem
não como a soma de folhas e de galhos humana. Um lingüista é
alguém que se dedica
tomados individualmente? Eis a grande
a esse estudo.
Stefanello (2003) argumenta que para pergunta. A resposta dos psicólogos
contemporâneos é, a grosso modo, a
adquirir fluência e desenvoltura na aquisição seguinte: já vi antes um certo número de
de uma língua, de nada adianta exercitar a vezes esta árvore ou outras árvores, de modo
que adquiri o hábito de percepção que me
compreensão de cada palavra isolada, se não faz ver um conjunto de folhas ou de galhos Para saber mais sobre
Ferdinand de Saussure
for praticado o hábito de focalizar a visão mais como uma síntese, como uma das estruturas
e sua teoria, retome o
da natureza, ou seja como uma árvore. Graças
ampla e panorâmica. Tanto o detalhe quanto o Caderno Didático da
a esta faculdade de síntese, o espírito disciplina Língua,
global são importantes, entretanto as estratégias humano simplifica o seu trabalho: não se Cultura e Identidade e
detém na massa de elementos constitutivos, leia: ILARI, R. O
mentais utilizadas para a compreensão global e estruturalismo
mas particulares que registra; ao invés disso
a minúcia é que são diferentes. lingüístico: alguns
reconhece o fenômeno global do conjunto,
caminhos. In:
Uma pessoa fluente sempre poderá, a e no caso, da árvore (DE GREVE E VAN MUSSALIM, F. e
PASSEL, 1975 , p.43). BENTES, A. C. (Org)
qualquer tempo, melhorar o conhecimento Introdução à lingüística:
fundamentos
epistemológicos. v3.
São Paulo: Cortez,
2004. p.55-67.

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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Paulo César Cipolatt de Oliveira

Figura A.6: As diferentes percepções humanas

Os autores citados formularam alguns palavra mesmo com a falta de algumas letras.
princípios baseados nos estudos Então, também se pode entender uma frase
psicolingüísticos, segundo os quais devem se onde há palavras cujo sentido se desconhece,
processar o ensino de uma segunda língua. sabendo administrar o desconhecido. Isto é,
sempre haverá uma palavra, uma expressão que
Deve apresentar-se sempre o material
lingüístico em situação para que se perceba não dá para entender na frase, mas focalizando
os conjuntos lingüísticos desconhecidos o geral, concentrando o entendimento para o
através da estrutura de conjuntos conhe-
cidos, lingüísticos ou outros. Além do mais, que já é conhecido, pela dedução e
se esta situação for relacionada com certas conhecimento prévio se entenderá o todo,
necessidades dos alunos, este procedimen-
to criará uma certa motivação, muito favorável relegando para o segundo plano o resto sem
à aprendizagem. Deve-se fazer a comprometimento no entendimento global do
apresentação segundo o método estruturo-
global, isto é, deve-se ligar cada conjunto
texto. E, isto se faz geralmente com o
lingüístico, fonético ou sintático a um hemisfério direito do cérebro.
conjunto conceitual de maneira a constituir
No entanto, percebe-se que são muitos os
uma mensagem autêntica. Isto implica que
a apresentação não pode, em hipótese fatores que interferem na aquisição da
alguma, se limitar a fenômenos isolados nem
linguagem, e que fazem parte dos estudos
a palavras isoladas. (Id. Ibidem., p.49)
psicolingüísticos, complementando-os, podendo
Desse modo, por meio de estudos ser destacados em dois grupos: os
psicolingüísticos é possível compreender Neuropsicológicos e os Psico-Sócio-Afetivos.
porque, muitas vezes, se consegue ler uma
16
UNIDADE A

Fatores Neuropsicológicos

A aquisição da linguagem ocorre com o


Está claro que o pensamento e a lingua-
desenvolvimento de metacircuitos a partir da
gem possuem origens biológicas separa-
das; que examinamos, mapeamos o estimulação sensorial relacionada com a
mundo e reagimos a ele antes de aprender linguagem externa, como a audição da fala e
uma língua; e que existe uma enorme
esfera de pensamento - nos animais ou das entonações, e observação de expressões
nos bebês - muito antes da emergência faciais, gestuais e corporais pelo bebê diante
da língua (...) Um ser humano não é
desprovido de mente ou mentalmente dos cuidadores.
deficiente sem uma língua, porém está
gravemente restrito no alcance de seus
pensamentos, confinado, de fato, a um
mundo imediato, pequeno. (SACKS, 1998,
p. 52).
Bruno da Veiga Thurner

Figura A.7: O desenvolvimento da linguagem


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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

o período maturacional ter se fechado, tal


Metacircuitos são Esses metacircuitos passarão, justamente, aprendizado se dá de forma menos eficaz:
"caminhos" formados mais difícil, menos consistente e cheio de
pelas regiões corticais (pelo Giro de Brocca e
pela interconexão de lacunas. Assim ocorre com a aquisição da
neurônios. Para pela Área de Wernik), mas a linguagem não linguagem.
Warpechowski (2004,
p. 3): "Da depende exclusivamente delas. Uma série de
Neuropsicologia
trazemos o conceito de
áreas associativas se intercomunicam, ligando Tal citação vai ao encontro de Richter
metacircuito, o qual as regiões (ditas) "da fala" com muitas e muitas (2000), que apresenta o conceito de momento
explica que a
estimulação constante outras regiões cerebrais, como aponta Machado crítico para a aquisição de fonemas. O autor
de dadas regiões
cerebrais constrói vias (1988, p.222), fortalece as idéias acima ao afirmar que, antes
neuronais dentro do
da conclusão do processo de lateralização e
cérebro. Qual um Modernamente, não se aceita mais a
córrego existência de centros da linguagem como setorização do cérebro (de 0 a 5 anos de
constantemente
compartimentos corticais estanques. A idade), a aquisição de novos fonemas pelo
irrigado até tornar-se
um rio, tais vias se linguagem é fenômeno altamente complexo
fortalecem e se fixam, que envolve territórios corticais muito sujeito ocorre de maneira quase ilimitada,
facilitando a recepção amplos. O fato de que lesões de algumas decaindo na medida em que avança o
de novos estímulos, áreas corticais associam-se com maior
retroalimentando o
freqüência a certos tipos de afasia, indica desenvolvimento biológico, até perder-se quase
processo."
que os fenômenos da linguagem exigem a que completamente, do ponto de vista fonético,
integridade de circuitos que passam por esta
após a puberdade.
área, sem excluir a participação de outras
áreas. Sacks (1998) cita algumas pesquisas
Segundo Piaget (1970),
a cognição humana
realizadas sobre a aquisição da língua de sinais,
desenvolve-se com Esse processo de desenvolvimento de que tem as mesmas implicações
rapidez até mais ou
menos 16 anos e a metacircuitos ocorre com mais eficiência neurocognitivas que qualquer língua falada, e
partir daí menos
rapidamente. Algumas durante a infância, especificamente do zero aos que apontam para as dificuldades e déficit de
mudanças são críticas;
seis anos de idade. Conforme estudadas nas aprendizagem lingüística para sujeitos após os
outras mais graduais e
de detecção difícil. De disciplinas Psicologia da Educação I e III, as fases cinco anos de idade, corroborando assim com
zero a dois anos, fase
sensório-motora; de sensório-motora (0-2) e pré-operacional (2-7), a tese de que o aprendizado lingüístico precoce
dois a sete anos, fase
pré-operacional; de
estabelecidas por Piaget são importantes, uma é mais eficiente do que o tardio. Isso não quer
sete a onze anos, fase vez que suas características mostram as dizer que não haja aprendizado tardio, mas
operacional completa;
e de onze a dezesseis vantagens que uma criança tem de aprender a apenas que este traz em si algumas lacunas não
anos, fase operacional
formal - decisiva e língua. encontradas no precoce (LEKE, 2004).
caracterizada por
Segundo Warpechowski (2004, p.2): Acreditava-se durante décadas que havia
abstração e
pensamento formal uma importância funcional maior do hemisfério
que transcende a Existe uma espécie de prazo biológico para
experiência concreta. que determinadas tarefas sejam executadas cerebral esquerdo do que do direito, na
Adolescentes e adultos com eficiência. Chamados de "janelas", esse
podem receber
aquisição da linguagem. O que os estudos mais
prazo tem a ver com o desenvolvimento
eventual ajuda das atualizados vieram comprovar, no entanto, é que
explicações gramaticais maturacional do sistema nervoso. Antes se
e do pensamento acreditava que, fechada determinada janela, ambos são importantes e trabalham
dedutivo lógico. Já as o sujeito já não mais poderia desenvolver
crianças aprendem determinada habilidade. Hoje se sabe que o conjuntamente para esta função, embora com
uma língua sem a ajuda
do pensamento formal
cérebro é bem mais plástico do que se estratégias e especificações determinadas. Em
acreditava outrora e que, embora a janela
operativo
tenha se fechado, é possível desenvolver
um primeiro momento, o hemisfério direito
novas habilidades. O que ocorre é que, após acolhe a língua em aprendizado e,
18
UNIDADE A

posteriormente, repassa para o hemisfério Fatores Psico-Sócio-Afetivos


esquerdo, onde fica registrada e utilizada de Dentro dos estudos psicolingüísticos, observa- Embora inconsciente, o
aprendizado de uma
maneira funcional. se ainda que fatores psico-sócio-afetivos afetam língua é uma tarefa
Para Leke (2004) esse processo acontece diretamente o aprendizado da língua. Dominar prodigiosa - mas,
apesar das diferenças
de forma semelhante durante toda a vida. No uma língua é muito mais que aprender suas de modalidade, a
aquisição da ASL [NM:
entanto, à medida que as "janelas" são fechadas, formas e saber usá-las. A aquisição de uma língua American Sign
pode-se dizer, analogicamente, que menos Language] por crianças
requer a mobilização de ambos os hemisférios
surdas tem
espaço há para a aquisição efetiva de novos cerebrais. Widdoson (apud RICHTER, 2000, semelhanças notáveis
com a aquisição da
idiomas em um sentido mais amplo. O cérebro p.105) ilustra o quão complexo é a língua falada por uma
criança ouvinte. De
tendo fixado as normatizações da língua aprendizagem de uma língua, pois não se maneira específica, a
materna, filtrará os novos idiomas a partir das aprende só a formar frases e falar corretamente, aquisição da gramática
parece idêntica,
normas já internalizadas. Por outro lado, se a é mais que isso, aprende-se a comunicar. A ocorrendo de modo
relativamente súbito,
criança for exposta precocemente a uma aprendizagem de uma língua está para além da como uma
reorganização, uma
segunda língua, esta poderá ser internalizada gramática, está na comunicação em um contexto
descontinuidade no
de forma semelhante à língua materna e se específico. pensamento e
desenvolvimento,
desenvolvendo em amplo espectro. No que diz respeito à linguagem e quando a criança passa
dos gestos para a
Ao estimular os centros nervosos de pensamento, nota-se uma estreita relação entre língua, da indicação ou
linguagem, estimula-se, em cadeia, outros as teorias de Vygotsky (2000) e Piaget (1970), gesticulação pré-
lingüística para um
centros, causando um desenvolvimento pois ambos acreditam que o significado das sistema lingüístico
totalmente regido pela
cerebral múltiplo, não apenas restrito. Tal palavras é o resultado da união do pensamento gramática: isso ocorre
na mesma idade
aquisição desperta as capacidades lingüísticas com a linguagem. Quanto ao aspecto social, (aproximadamente 21
do hemisfério esquerdo, ao passo que sua tanto Piaget, como Vygotsky, o consideram a 24 meses) e da
mesma maneira, quer
privação, total ou parcial, gera efeitos de retardo primordial para o desenvolvimento cognitivo, a criança fale, quer use
a língua de sinais
no desenvolvimento global deste hemisfério. embora com enfoques diferentes. (SACKS, 1998, p.102).
Cudworth (apud CHOMSKY, 1966), exemplifica De acordo com Piaget (1970), a criança na
o desenvolvimento de funções múltiplas, a partir fase sensório-motora não reflete o
de um processo de aprendizado restrito, conhecimento que tem do real. Mesmo que
relatando ter observado que sujeitos expostos não expresse a percepção do mundo através
precocemente a novos idiomas desenvolvem de palavras, há uma intensa interação com os
outras habilidades afetivas e sociais, além de acontecimentos e com as pessoas ao seu redor.
maior fluência em seu próprio idioma. Tal interação acontece na medida em que, a
Portanto, do ponto de vista criança, para apreender o significado das coisas
neuropsicológico, derruba-se o mito de que o necessita de uma ação sobre o mundo. Nota-
aprendizado de uma segunda língua prejudica se aqui as idéias comuns de Piaget e Vygotsky:
o desenvolvimento da língua materna. Ao o pensamento antes da linguagem.
contrário, o que se tem apontado é justamente Para exemplificar esse conceito comum a
o efeito potencializador do novo aprendizado ambos os autores, recorre-se ao exemplo de
sobre o que já foi aprendido. Faria (1997), sobre o aprendizado da palavra
19
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

"bico". Para o bebê, tal vocábulo não contém um adolescente e o adulto.


nenhum significado. Ao tomar contato com o Nota-se também, além dos fatores afetivos,
objeto "bico" através da visão, tato, paladar, que o "ego lingüístico" (RICHTER, 2000) infantil
olfato e audição, associando tal experiência com é mais flexível, uma vez que aprender uma
a pronúncia de "bico", tal vocábulo será língua diferente do seu contexto social não
internalizado como representativo da experiência representa uma ameaça. Nesta idade, ainda não
com o objeto. No entanto, transcendendo ao há uma total identificação com um ou outro
exemplo, pode-se afirmar que isso será válido idioma. Tais fatores tornam as crianças mais
para qualquer vocábulo a ser associado à espontâneas e menos preocupadas com o
experiência: "chupeta". processo de aprendizagem em si.
Antes de adquirir a linguagem, a criança, não Traços de personalidade devem ser
separa o significante e o significado. Este é um igualmente observados quando da aquisição de
dos fatores que facilitam a aquisição de uma uma língua. No entanto, não se pode afirmar
segunda língua nesta fase, pois a criança ainda que tais traços de personalidade sejam decisivos
não tem os signos lingüísticos de sua língua por si só, até porque o ensino de línguas
materna estabelecidos. Portanto ao ouvir uma depende de uma série de fatores que ocorre
palavra na língua alvo não haverá a tradução simultaneamente. O que se pode constatar, por
para língua materna. A apreensão do significado meio de observação em sala de aula, é que a
se dá através da ação sob o objeto e não pela personalidade pode contribuir positiva ou
tradução dos signos (LEKE, 2004). negativamente, mas não impede que o aluno
De acordo com Faria Além da idade, existem fatores psicológicos aprenda.
(1975, p. 209) "a
linguagem fornece o que influenciam na aprendizagem da língua, Tendo com base a experiência em sala aula,
protótipo de um como a inteligência; aptidão; personalidade observa-se que dentre os fatores acima
sistema de significantes
distintos, uma vez que (incluindo: auto-estima, inibição, ansiedade, mencionados por Richter (2000), os que mais
na conduta verbalizada
o significante é empatia, extroversão, motivação e audácia ou poderiam interferir na aprendizagem são
constituído pelos
signos coletivos que
iniciativa); estilos de aprendizagem e atitudes motivação, iniciativa e inibição. Uma vez que o
são as palavras, sócio culturais (RICHTER, 2000). aluno esteja motivado, seja pela demanda
enquanto o significado
é fornecido pela Algumas vantagens no aprendizado de uma externa, ou pelo desejo de aprender, terá mais
significação das
palavras, ou seja, pelos língua são observadas a partir de fatores afetivos, sucesso, na aquisição de uma língua. Cordiè
conceitos(...)".
pois as crianças não são tão críticas em relação (1997, p.119), remete-se a Piaget: "Piaget tinha
aos seus erros quanto os adultos, o que gera total consciência de que a criança que ele
uma maior autoconfiança e faz com que não observava, tinha afetos e emoções, contudo
haja tanta inibição, por parte do aprendiz. Para para ele, o afetivo intervinha como fator
que ocorra a aprendizagem, torna-se necessária energético, princípio de motivação cognitiva".
a exposição do aluno, tanto para o professor, A iniciativa está diretamente ligada com a
como para os colegas. A criança tem menos disposição de correr riscos na aprendizagem da
vergonha de errar e de manifestar suas dúvidas, língua. O aprendiz que tem iniciativa, não tem
não sendo tão consciente de si própria como é medo de errar, tendo mais chances de testar e
20
UNIDADE A

de criar, a partir do que lhe foi ensinado. Desse podendo-se constatar que fatores psico-sócio-
modo, a inibição relaciona-se com o medo de afetivos influenciam diretamente sobre a
exposição e com a auto-estima do sujeito, aprendizagem do indivíduo.

21
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

5 Modelos Interacionistas
de leitura I e II
Como e por que duas relações ou comuni-
No percurso da história, podemos classificar a dades sociais anteriormente semelhantes
existência de três modelos de leitura, que chegaram a uma organização social bastante
diferente do uso da língua e comportamento
acompanham as teorias lingüísticas e de com relação à língua (FISHMAN, 1972, apud
aprendizagem: a Comportamentalista (estrutura- BRAGGIO, 1992, p. 28).

lista), a Psicolingüística (gerativo-transformacio-


nal) e a Interacionista (sociolingüística). A assertiva acima denota que a sociolingüísti-
Direcionaremos o enfoque para o modelo ca trata dos elementos constitutivos da lingua-
interacionista de leitura, uma vez que, a partir gem, fala ou desempenhos, que não foram
dos meados dos anos sessenta, surge um novo trabalhados nas teorias Comportamentalista e
interesse, por parte dos lingüistas, em desvendar Psicolingüística. Desse modo, a sociolingüística
a rede de interações do cérebro humano. "assume a heterogeneidade e a diversidade
Contrapondo-se à psicolingüística surge a lingüística, buscando formas de descrever,
sociolingüística. sistematizar e explicar os usos completos da
Apoiando-se em Braggio (1992) a Teoria linguagem por falantes reais em comunidades
interacionista de leitura pode ser classificada heterogêneas de fala" (BRAGGIO, 1992, p. 28).
nos modelos I e II. A teoria interacionista I tem Os estudos sociolingüísticos tendem a
suas raízes teóricas na sociolingüística e na centrar o foco de seus estudos em pequenos
Teoria dos Esquemas de Rumelhart (1980). Já, grupos (microsociolinguistica) e nas instituições
a teoria interacionista II tem sua concepção mais significativas da sociedade estudada
fundamentada nos escritos de Goodman e (macrosociolinguistica). Para Peñalosa (1981),
Goodman (1978), no qual a comunicação e também faz parte da sociolingüística a etnografia
função são as palavras que norteiam o ato de da comunicação, que examina as funções que
ler e escrever. a língua desempenha na sociedade e a maneira
pela qual as pessoas usam a língua para
Modelo de Leitura preencher determinadas funções dentro da
Interacionista I sociedade.
A sociolingüística se preocupa com as relações Portanto, os estudos sociolingüísticos têm
entre os dados lingüísticos e os fenômenos uma maior compreensão da natureza da
socioculturais, questionando: linguagem, do falante, e da interação com seu
Como e por que a organização social do uso meio, oportunizando a expansão e o
da língua e o comportamento com relação à entendimento dos fenômenos lingüísticos.
língua se tornam seletivamente diferentes
nas mesmas relações ou comunidades
Tendo como pressuposto que a construção
sociais em duas diferentes ocasiões [...] do conhecimento é um processo dinâmico de
22
UNIDADE A

permanente interação social, a psicologia cogni- Para o autor, os esquemas podem ser vistos
tiva, ao que se refere ao estudo da leitura, en- como blocos de construção do conhecimento,
controu na Teoria dos Esquemas alguns signifi- que são os elementos sobre os quais os dados
cados importantes para explicar como o conhe- lingüísticos e não lingüísticos são interpretados,
cimento é adquirido, organizado, armazenado sendo construídos por meio de interações. Todo
e representado na memória ao longo do tempo. ser humano interage com o ambiente, dentro
Para Rumelhart (1981, apud BRAGGIO, de um contexto sóciocultural, isto é, todas as
1992, p. 42) a Teoria dos Esquemas pode ser pessoas possuem esquemas baseados em suas
definida como uma teoria sobre o conhecimento. experiências sócioculturais.
Na Teoria dos Esquemas, a leitura tem como
Um esquema, então, é uma estrutura de
dados para representar os conceitos objetivo principal em sua análise, a interação
genéricos armazenados na memória. Há entre o leitor e o texto. Adams e Collins (1985,
esquemas representando nosso
conhecimento sobre todos os conceitos: apud BRAGGIO, 1992, p. 43) argumentam que
aqueles subjacentes a objetos, situações, essa interação visa: "especificar como o
eventos, seqüências de eventos, ações e
seqüências de ações. Um esquema contém, conhecimento do leitor interage e molda a
como parte de sua especificação, uma cadeia informação sobre a escrita e como aquele
de inter-relações que normalmente
acreditamos serem mantidos entre os
conhecimento deve ser organizado para
constituintes em questão. corroborar a interação."
Bruno da Veiga Thurner

Figura A.8: A teoria dos esquemas


23
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Verifica-se, então, que uma criança ao ler Na prática de ensino destacam-se duas
um texto desconectado de sua realidade cultural, correntes, tendo como base a teoria de
não compreenderá, por inteiro, a mensagem esquemas. A primeira argumenta que as
emitida pelo escritor. Isso decorre que, para crianças chegam à escola com alguns esquemas
compreendermos um texto, além do prontos, baseados em suas experiências de vida,
conhecimento da língua e das interpretações os quais poderão ser transformados e ampliados.
subjacentes à sua visão de mundo, a criança A segunda corrente aponta que, desde o início
utiliza-se de outras estratégias cognitivas no ato da alfabetização, o texto em sua totalidade, é o
da leitura. Essas estratégias estão diretamente principal objeto a ser trabalhado, pois pequenos
ligadas à Teoria dos Esquemas fazendo com que fragmentos de língua, ou seja, frases curtas,
o leitor aprenda, a partir do estabelecimento soltas e fora do contexto, tornam o processo
de relações, com o contexto em que vive, de inferenciamento mais difícil.
inferindo sobre o que está escrito. Tendo como base essas correntes, Braggio
Para fazer inferência, o leitor precisa trazer (1992), recomenda que a criança deve interagir
em sua bagagem algum conhecimento sobre o e ser exposta a diferentes tipos de textos,
conteúdo tratado no texto, as características contextualizados ou não; conhecer outras
sócio-culturais são levadas em conta, no normas culturais, que não as suas; compreender
momento de estabelecer as relações sobre os no texto as relações de causa e efeito; ser
fatos. aclarado sobre assuntos desconhecidos no texto;
Portanto, dentro de uma concepção utilizar conhecimentos prévios para dar
interacionista de leitura, é através do processo significado ao texto e para produzir novos
de inferenciamento, que ocorre a compreensão textos; e, ser incentivado a fazer inferências .
da leitura.
Modelo Interacionista
de Leitura II
Uma das conseqüências da utilização de O Modelo Interacionista de Leitura II se
experiências e conhecimentos passados e fundamenta nos prescritos de Goodman e
de inferências para compreender um texto Goodman, onde comunicação e função são as
é de que existe mais de que uma leitura referências chaves do ato de ler e escrever. Os
do texto, isto é, uma reprodução o texto autores deixam claro a necessidade de visualizar
que pode ser menos fidedigna ao escritor. a linguagem escrita sobre o ponto de vista da
O texto pode ser modificado e novos comunicação. Para os Goodman (1976, apud
elementos podem ser neles introduzidos. BRAGGIO, 1992, p.57) "é o propósito
Logo, várias interpretações de um texto são comunicativo que motiva o desenvolvimento
possíveis (BRAGGIO, 1992, p. 45). da linguagem e que move as crianças em
direção à língua que as circunda".

24
UNIDADE A

Denota-se que aprendizagem da linguagem Para expandir a escrita e a leitura, tem-se


oral ou escrita é motivada pela necessidade de como referência as sete funções da linguagem
se comunicar, entender e ser entendido. As propostas por Halliday (apud BRAGGIO, 1992,
crianças estão sempre a procura de significados p.58):
que as levem a compreender e se comunicar.

Figura A.9: Funções da linguagem (HALLIDAY, apud BRAGGIO, 1992, p.58)


25
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Bruno da Veiga Thurner

Figura A.10: As funções da linguagem

Além das funções da linguagem demonstra- A assertiva acima está intrinsecamente


das acima, observa-se a necessidade de uma relacionada ao processo interacional da leitura,
constante preocupação com as variedades aquele em que o leitor interage com o texto,
lingüísticas, decorrentes do contexto sócio- no sentido abordado pela teoria dos esquemas.
cultural da criança.. Desta forma, o texto é impregnado de
A partir de 1977, a palavra interação passa a significados, ao quais estão no próprio corpo
ser ainda mais valorizada. Nos escritos de do texto e na cabeça do leitor.
Goodman (apud BRAGGIO, p.60, 1992), Neste sentido, para trabalhar com crianças,
aparece a definição de leitura, segundo esta torna-se imperativo que os professores
perspectiva: reconheçam as diferenças culturais e lingüísticas
das crianças, aceitando a língua falada em casa
O leitor interage com um autor através do
como ferramenta para expandir a língua padrão.
texto para construir significados. Isto significa
que há uma interação entre pensamento e A escola precisa se ajustar às crianças, e não ao
linguagem... [e de que] ...a leitura depende
contrário, como normalmente acontece.
do uso de estratégias para compreender, isto
é, construir significados e interação com A criança deve ser vista como única, e seus
textos. interesses, habilidades, necessidades devem ser
26
UNIDADE A

respeitados para que ela possa crescer. Desta salienta que:


forma, o professor tem como papel ser o
A leitura e a escrita fazem parte do mundo
facilitador do aprendizado. O material usado em
da criança. Todavia, a proporção com que
sala de aula deve estar relacionado com o ambos ocorrem não é, segundo os autores,
igualitária. [...] Embora ambas façam parte do
mundo em que a criança vive. O ambiente da
mundo da criança, a leitura ocorre mais
sala de aula deve ser organizado de modo que freqüente, ou seja, é usada com maior
facilite o intercâmbio entre as crianças. A número de propósitos do que a escrita. [...]
Isto demonstra uma importante influência
avaliação deve ser elaborada com o foco no da leitura sobre a escrita: a de que as crianças
próprio aluno, com vistas ao professor entender usam na escrita o que elas observam ao
ler....e que as crianças lêem à medida em
as necessidades dos mesmos e facilitar seu que escrevem, pois é principalmente
aprendizado. quando elas tentam criar a linguagem escrita
que elas se dão conta de como a forma
Com referência a leitura propriamente dita,
escrita serve a diferentes funções.
Goodman (apud BRAGGIO, 1992, p.64),
Bruno da Veiga Thurner

Figura A.11: A leitura e a escrita no mundo da criança

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CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Denota-se que há uma inter-relação entre 8h - Exame médico na academia.


aprender ler e escrever. As pessoas aprendem 10h - Audiência com a orientadora
a escrever à medida que lêem, e aprendem a educacional Maria Silva.
ler à medida que escrevem, demonstrando uma 12h - Almoçar com os funcionários do setor I.
sintonia no processo de aquisição da linguagem. 14h - Banco do Brasil: reajuste do contrato
O processo de escrever não depende somente de aluguel.
das características pessoais de quem escreve, 16h - Palestra na Creche Ipê Amarelo, tema:
da forma como mentalmente a pessoa organiza a Teoria de Piaget.
e enxerga o mundo ao seu redor, mas 18h - Aniversário da Maria Braga, End.: Rua
principalmente das funções e do uso da escrita. das Rosas, 1000.
Tome-se como exemplo as anotações de
uma pessoa em uma agenda: Na terceira situação, observa-se um modo
- almoço diferente de escrever, onde possivelmente o
- academia escritor não seja o leitor.
- orientadora Os exemplos acima, demonstram como
- aniversário leitor e escritor se relacionam, uma vez que:
- banco 1. ler e escrever deve ter um propósito, uma
- creche função e estão diretamente ligados à
comunicação, ao tempo e a distância;
Nesta primeira situação, as atividades não 2. escrever ocorre num contexto, onde as
têm especificações nenhuma, uma vez que, pessoas estejam motivadas para uma escrita
quem escreveu as informações, é o próprio específica;
leitor. 3. escrever tem sempre um pretenso
Observe as mesmas anotações colocadas público de leitores;
de outra forma: 4. o conteúdo do texto é relevante para
8h - academia quem escreve;
10h - orientadora 5. a estrutura e formato do texto devem
12h - almoço estar adequados à função que se designa;
14h - banco 6. o texto deve ser composto de maneira
16h - creche que seu conteúdo sirva tanto ao escritor quanto
18h - aniversário ao leitor.

Nesta segunda situação, verifica-se uma Com referência ao modo de trabalhar na


maneira pessoal de organizar as anotações, escola, é preciso que o professor esteja atento
apontado para os horários dos compromissos. ao solicitar a criança para escrever um texto. O
Observe as mesmas anotações, ainda de texto não pode ser visto como um mero
outro modo: compromisso, visando apenas atender a
solicitação do professor; à produção do texto,
28
UNIDADE A

para a criança, tem que estar inserida num


contexto familiar, ser comunicativo e atender
uma determinada função. Após você ter estudado acerca das teorias
Concluindo, as bases interacionistas I e II lingüísticas e de aprendizagem, como você
apontam algumas formas para o professor relaciona essas teorias à educação especial,
trabalhar em sala de aula. A aprendizagem deve sobretudo ao que se refere aos modelos
estar relacionada ao meio em que a criança interacionistas de leitura. As informações
vive, considerando as diferenças culturais e específicas para a realização dessa atividade
lingüísticas. Com base nesses pressupostos, a estarão disponíveis no ambiente virtual.
leitura e a escrita podem ser trabalhadas como
uma ferramenta que vise desenvolver a
lingüística e expandir o universo comunicativo
da criança.

29
30
UNIDADE

HABILIDADES
BÁSICAS DA
COMUNICACAO
LINGUÍSTICA: FALAR,
OUVIR, LER E
ESCREVER
Objetivos da Unidade
- Estudar as quatro habilidades básicas da
comunicação lingüística: falar, ouvir, ler e escrever.
- Fornecer sugestões de atividades para o
desenvolvimento das quatro habilidades lingüísticas.

31
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Introdução
Para que ocorra a aprendizagem de uma língua comunicação lingüística têm influência decisiva
no ensino regular, é sobremaneira importante nos índices escolares negativos como a evasão
que o aluno seja estimulado a desenvolver as e a repetência.
quatro habilidades básicas da comunicação É através do desenvolvimento das
lingüística. De nada adianta ensinar gramática, habilidades básicas que o indivíduo poderá
se o aluno não sabe falar e escrever, por outro expressar-se com clareza, compreender as
lado, ele também não saberá se comunicar, se mensagens recebidas, atribuir significado,
as habilidades lingüísticas de ouvir e ler não comunicar-se mais ampla e eficazmente dentro
forem desenvolvidas. Considerando as do grupo social. Através do domínio da
particularidades que poderão ser encontradas linguagem oral e escrita pode-se compreender
nas salas de aula, o educador especial deverá o povo, e valorizar a diversidade da cultura
ter condições de atender os alunos e encontrar brasileira.
meios de auxiliá-lo a comunicar-se, senão com O professor, ao procurar estimular e
as quatro habilidades lingüísticas, de outro modo desenvolver as habilidades básicas da criança,
que julgue apropriado. não deve adotar uma atitude preconceituosa,
Portanto, essa unidade irá apresentar as uma vez que a linguagem que a criança carrega
quatro habilidades básicas da comunicação consigo, significa a sua visão de mundo. Mundo
lingüística, procurando oferecer sugestões de significa o acervo de conceitos e conhecimentos
atividades que deverão ser adaptadas a cada que cada indivíduo possui, ou seja, quanto mais
realidade. palavras se conhece, quanto mais conceitos se
Para compreender qualquer idioma é pode articular, maior é o mundo, maior é o
necessário desenvolver as quatro habilidades alcance e a amplitude da consciência (DUARTE
básicas da comunicação lingüística: falar, ouvir, JUNIOR, 1982). Cabe ao professor
ler e escrever. Ensinar a criança a ler, a escrever compreender estes significados, as "limitações"
e a se expressar de maneira satisfatória na língua culturais e sociais, e encontrar formas de
portuguesa é um grande desafio para o estimular e desenvolver a fala, a audição, a
professor. Com certeza, as dificuldades com a leitura e a escrita.

32
UNIDADE B

1 Falar
A criança já chega à escola falando. Neste
sentido, Chomsky (1966) afirma que o falante A lingüística pode e deve contribuir muito
sabe instintivamente sua língua e só precisa ser mais à prática dos professores de português.
ajudado a desenvolver-se nela por meio de Sobretudo, deve ensejar a compreensão de
prática e de exercícios agradáveis. que a língua constitui um instrumento de
Sabe-se, no entanto, que o domínio oral, comunicação destinado a cobrir uma grande
tanto da criança quanto do adulto, está diversidade de necessidades humanas -
diretamente ligado ao contexto de comunicação comunicação racional, afetiva,
em que o indivíduo vive. No Brasil, é normal argumentativa, informativa, etc.
observarmos na fala das pessoas a falta de Esta compreensão permitirá que o
consonância com a dita norma culta. Exemplo professor de português não caia na tentação
disso, segundo Carboni (2003) é o próprio de transformar as aulas de expressão
Presidente da República do Brasil, Lula, e seus lingüísticas em lições de ortografia, de
"deslizes" ao verbalizar o português padrão. gramática normativa ou, o que é pior, de
Frequentemente ele usa palavras do tipo "acho nomenclatura lingüística e enfatize, ao
de que", "percas", "menas" e costuma nos contrário, o desenvolvimento da
discursos suprimir a vogal "s" do plural. competência textual dos alunos, para o
De acordo com os Parâmetros Curriculares maior número possível de necessidades
Nacionais da Língua Portuguesa (BRASIL, 1999), comunicativas e discursivas.

O desenvolvimento da capacidade de
expressão oral do aluno depende considera-
velmente de a escola constituir-se num
Isto posto, é de fundamental importância
ambiente que respeite e acolha a vez e a
voz, a diferença e a diversidade. Mas, sobre- que a escola crie um espaço onde o aluno não
tudo, depende de a escola ensinar-lhe os
tenha medo de expor suas dúvidas, possa
usos da língua adequados a diferentes situa-
ções comunicativas. De nada adianta aceitar compartilhar idéias, seja incentivado a falar.
o aluno como ele é mas não lhe oferecer No entanto, para que o aluno aprenda outras
instrumentos para enfrentar situações em
que não será aceito se reproduzir as formas formas de falar, de maneira especial à língua
de expressão próprias de sua comunidade. padrão, somente estas oportunidades não são
É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar
adequadamente a linguagem em instâncias suficientes. É de fundamental importância criar
públicas, a fazer uso da língua oral de forma diversificadas situações onde seja necessário o
cada vez mais competente.
aluno falar.
Mas afinal, o que a escola pode fazer para Neste caso, o planejamento da ação
ensinar o aluno usar adequadamente a língua? pedagógica, de forma a garantir, escuta e
Para responder esta pergunta, tem-se como reflexão sobre a língua, é de grande relevância.
pressuposto a assertiva de Carboni (2003): Propor situações didáticas, através das quais os
33
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

alunos se apropriem da fala. Sugestões de atividades:


Segundo com o PCN da Língua Portuguesa,
a produção oral pode acontecer através de: NÃO ESQUEÇA NUNCA:
- atividades em grupo que envolvam o
planejamento e realização de pesquisas e - as atividades devem estar contextualizadas
requeiram a definição de temas, a tomada
dentro da realidade do aluno;
de decisões sobre encaminhamentos, a
divisão de tarefas, a apresentação de - as diferenças lingüísticas devem ser
resultados;
respeitadas.
- atividades de resolução de problemas que
exijam estimativa de resultados possíveis,
verbalização, comparação e confronto de
procedimentos empregados;
- atividades de produção oral de planejamen- - promover a dramatização de textos
to de um texto, de elaboração propriamente teatrais.
e de análise de sua qualidade;
- atividades dos mais variados tipos, mas que - ouvir programas de rádio e televisão;
tenham sempre sentido de comunicação de - simular programas de rádio e televisão;
fato: exposição oral, sobre temas estudados
apenas por quem expõe; descrição do
- ouvir e dramatizar discursos de políticos
funcionamento de aparelhos e e de outras pessoas públicas com domínio
equipamentos em situações onde isso se
da língua oral;
faça necessário; narração de acontecimentos
e fatos conhecidos apenas por quem narra. - assistir, ouvir e ler entrevistas e debates.
(BRASIL, 1999).
- dramatizar entrevistas e debates;
- ouvir CDs de histórias e de poesias;
- convidar pessoas que narrem historias ou
É importante que a exposição oral faça parte declamem poesias.
dos projetos de estudo e seja ensinada
desde as séries iniciais. Esta prática permite
a articulação de conteúdos de língua oral e
escrita.

34
UNIDADE B
Bruno da Veiga Thurner

Figura B.1: A habilidade de falar

Todas as atividades descritas acima requerem complementar para conferir sentido aos textos.
preparação pelo professor, explicando Como sugestão a avaliação pode ser feita
previamente aos alunos quais os objetivos de através da gravação das exibições dos alunos,
cada atividade, as anotações que devem ser onde posteriormente se usará a mesma para
feitas, o tempo necessário para realização da discutir com os alunos os pontos fortes e fracos,
tarefa e as dificuldades que por ventura possam e fazer um comparativo da linguagem usada.
aparecer, Acredita-se que estes tipos de atividades são
Em atividades desse tipo, é possível dar potencializadoras para ajudar o aluno a se
sentido e função ao trabalho com aspectos expressar corretamente, fazendo disso, o
como entonação, dicção, gesto e postura que, verdadeiro e correto uso da fala.
no caso da linguagem oral, têm papel

35
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Com os estudos do lingüista Chomsky


(1994), obteve-se um melhor entendimento
O texto a seguir, denominado Linguagem, está disponibilizado acerca da linguagem e do seu funcionamento.
no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), cujo Suas considerações partem do fato de que é
endereço é http://www.ines.org.br/ines_livros/30/ muito difícil explicar como a linguagem pode
30_PRINCIPAL.HTM Este endereço pertence a Secretaria de ser adquirida de forma tão rápida e tão precisa,
Educação Especial do MEC. apesar das impurezas nas amostras de fala que
a criança ouve. Chomsky, junto com outros
estudiosos, admite, ainda, que as crianças não
A intenção de colocá-lo como parte seriam capazes de aprender a linguagem, caso
integrante deste Caderno Didático está para que não fizessem determinadas suposições iniciais
o aluno do Curso de Graduação a Distância de sobre como o código deve ou não operar. E
Educação Especial, ao iniciar seus estudos acrescenta que tais suposições estariam
acerca das metodologias para o ensino da Língua embutidas no próprio sistema nervoso humano.
Portuguesa, faça, desde já, relações com as A palavra tem uma importância excepcional
áreas estudas no Curso, dentre elas, a Surdez. no sentido de dar forma à atividade mental e é
A linguagem permite ao homem estruturar fator fundamental de formação da consciência.
seu pensamento, traduzir o que sente, registrar Ela é capaz de assegurar o processo de abstração
o que conhece e comunicar-se com outros e generalização, além de ser veículo de
homens. Ela marca o ingresso do homem na transmissão do saber.
cultura, construindo-o como sujeito capaz de Os indivíduos "normais" parecem utilizar, em
produzir transformações nunca antes sua linguagem, os dois processos: o verbal e o
imaginadas. não verbal. A surdez congênita e pré-verbal pode
Apesar da evidente importância do raciocínio bloquear o desenvolvimento da linguagem
lógico-matemático e dos sistemas de símbolos, verbal, mas não impede o desenvolvimento dos
a linguagem, tanto na forma verbal, como em processos não-verbais.
outras maneiras de comunicação, permanece A fase de zero a cinco anos de idade é
como meio ideal para transmitir conceitos e decisiva para a formação psíquica do ser
sentimentos, além de fornecer elementos para humano, uma vez que ocorre o ativamento das
lançar, explicar e expandir novas aquisições de estruturas inatas genético-constitucionais da
conhecimento. personalidade, e a falta do intercâmbio auditivo-
A linguagem, prova clara da inteligência do verbal traz para o surdo prejuízos ao seu
homem, tem sido objeto de pesquisa e desenvolvimento.
discussões. Ela tem sido "um campo fértil" para A teoria sobre a base biológica da linguagem
estudos referentes à aptidão lingüística, tendo admite a existência de um substrato neuro-
em vista a discussão sobre falhas decorrentes anatômico, no cérebro, para o sistema da
de danos cerebrais ou de distúrbios sensoriais, linguagem, portanto todos os indivíduos nascem
como a surdez. com predisposição para a aquisição da fala.
36
UNIDADE B

Nesse caso, o que se deduz é a existência de - um pré-requisito para o entendimento da fala


uma estrutura lingüística latente responsável - parece depender do lóbulo temporal esquerdo
pelos traços gerais da gramática universal do cérebro. Danos a essa zona neural ou seu
(universais lingüísticos). A exposição a um desenvolvimento "anormal" geralmente são
ambiente lingüístico é necessária para ativar a suficientes para produzir problemas de
estrutura latente e para que a pessoa possa linguagem.
sintetizar e recriar os mecanismos lingüísticos. Segundo Luria (1986), os processos de
As crianças são capazes de deduzir as regras desenvolvimento do pensamento e da
gerais e regularizar os mecanismos de uma linguagem incluem o conjunto de interações
conjugação verbal, por exemplo. Dessa forma, entre a criança e o ambiente, podendo os
utilizam as formas "eu fazi", "eu di" fatores externos afetar esses processos, positiva
enquadrando-os nas desinências dos verbos ou negativamente. Torna-se, pois, necessário
regulares - eu corri, eu comi. desenvolver alternativas que possibilitem às
As crianças "ditas normais" e também um crianças "com necessidades especiais" meios
grande número de crianças "com necessidades de comunicação que as habilitem a desenvolver
especiais" aprendem a língua de uma forma o seu potencial lingüístico. Pessoas surdas
semelhante e num mesmo espaço de tempo. podem adquirir linguagem comprovando assim
No entanto, não se podem esquecer as seu potencial lingüístico.
diferenças individuais. Essas são encontradas nos Já está comprovado cientificamente que o
tipos de palavras que as crianças pronunciam ser humano possui dois sistemas para a
primeiro. Algumas emitem nomes de coisas, produção e reconhecimento da linguagem: o
enquanto outras, evitando substantivos, sistema sensorial que faz uso da anatomia
preferem exclamações. Outras, ainda, expressam visual/auditiva e vocal (línguas orais) e o sistema
automaticamente os elementos emitidos pelos motor que faz uso da anatomia visual e da
mais velhos. anatomia da mão e do braço (língua de sinais).
Há crianças, no entanto, que apresentam Essa é considerada a língua natural dos surdos,
dificuldades na aquisição da linguagem. Às emitida através de gestos e com estrutura
vezes, a dificuldade aparece, principalmente, sintática própria. Na aquisição da linguagem, as
no que se refere à percepção e à discriminação pessoas surdas utilizam o segundo sistema
auditiva, o que traz transtornos à compreensão porque apresentam o primeiro sistema
da linguagem. Outras vezes, a dificuldade é seriamente prejudicado. Várias pesquisas já
relativa à articulação e à emissão da voz, o que comprovaram que crianças surdas procuram
produz transtornos na emissão da linguagem. criar e desenvolver alguma forma de linguagem,
Tudo isso pode ou não ter relação com a surdez, mesmo não sendo expostas a nenhuma língua
visto que muitas crianças que apresentam de sinais. Essas crianças desenvolvem
dificuldades lingüísticas não têm audição espontaneamente um sistema de gesticulação
prejudicada. Por exemplo: A capacidade de manual que tem semelhança com outros
processar rapidamente mensagens lingüísticas sistemas desenvolvidos por outros surdos que
37
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

nunca tiveram contato entre si e com as línguas morfossintático, como nos níveis semântico e
de sinais já conhecidas. Existem estudos que pragmático.
demonstram as características morfológicas. É de fundamental importância que os efeitos
A capacidade de comunicação lingüística da língua oral portuguesa sobre a cognição não
apresenta-se como um dos principais sejam supervalorizados em relação ao
responsáveis pelo processo de desempenho do portador de surdez,
desenvolvimento da criança surda em toda a dificultando sua aprendizagem e diminuindo
sua potencialidade, para que possa suas chances de integração plena. Faz-se
desempenhar seu papel social e integrar-se necessário, por conseguinte, a utilização de
verdadeiramente na sociedade. alternativas de comunicação que possam
Entre os grandes desafios para pesquisadores propiciar um melhor intercâmbio, em todas as
e professores de surdos situa-se o de explicar e áreas, entre surdos e ouvintes. Essas alternativas
superar as muitas dificuldades que esses alunos devem basear-se na substituição da audição por
apresentam no aprendizado e uso de línguas outros canais, destacando-se a visão, o tato e
orais como é o caso da Língua Portuguesa. movimento, além do aproveitamento dos restos
Sabe-se que, quanto mais cedo tenha sido auditivos existentes.
privado de audição e quanto mais profundo for Face ao exposto, pode-se concluir que o
o comprometimento, maiores serão aquelas portador de surdez tem as mesmas
dificuldades. No que se refere à Língua possibilidades de desenvolvimento que a
Portuguesa, a grande maioria das pessoas surdas, pessoa ouvinte, precisando, somente, que
já escolarizada, continua demostrando tenha suas necessidade especiais supridas, visto
dificuldades tanto nos níveis fonológico e que o natural do homem é a linguagem.

38
UNIDADE B

2 Ouvir
Ensinar a Língua Portuguesa passa pela expansão diretamente relacionado às habilidades de falar
das possibilidades do uso da linguagem. Para e ouvir, não podendo estar desconectadas uma
tanto, é necessário desenvolver as quatro habili- da outra.
dades lingüísticas básicas, dentre elas o ouvir. Para produzir e compreender um texto, é
Os conteúdos de Língua Portuguesa, no importante saber ouvir. Quando o aluno está
ensino fundamental, são selecionados em escutando alguém ler, um colega falar, ou um
função do desenvolvimento dessas habilidades programa de rádio e televisão, ele está adquirin-
e organizados em torno de dois eixos básicos, do e armazenando um conjunto de informações
de acordo com os Parâmetros Curriculares que serão fundamentais para a produção de
Nacionais: o uso da língua oral e escrita e a textos. Essas informações ajudam o aluno a criar
análise e reflexão sobre a língua. sua bagagem de vida, atribuindo significado às
Deste modo, o uso da linguagem oral está coisas.
André Schmitt da Silva Mello

Figura B.2: A habilidade de ouvir


39
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

É importante que o aluno seja estimulado a - Ouvir Superficialmente - Neste nível, se


aprender a ouvir, a captar as mensagens emitidas ouve as palavras, mas não entende seu sentido.
na fala dos outros. Segundo Goulart (2001), A pessoa participa da comunicação, no entanto
quando se ouve atentamente uma pessoa, na não capta a mensagem, não interage com o
verdade, está se ouvindo duas partes distintas outro, não reconhece os sentimentos
de sua mensagem. expressados na fala da outra pessoa.
- Em primeiro lugar, estamos prestando Ouvir Atentamente - Neste nível, o ouvinte
atenção nas palavras, isto é, no conteúdo da está totalmente envolvido no processo de
mensagem. comunicação, retendo as idéias principais
- Em segundo lugar, estamos prestando emitidas. O emissor se coloca no lugar do outro,
atenção no sentindo por trás das palavras; o havendo uma empatia entre ambos. A
tom de voz e a linguagem corporal. Em outras mensagem é recebida de forma completa, tanto
palavras, estamos ouvindo também o em palavras, como em sentimentos.
significado da mensagem.
Portanto, ouvir corretamente é: Sugestões de Atividades
- permanecer em alerta; - Organizar situações contextualizadas de
- possibilitar uma boa recepção da escuta, em que ouvir atentamente faça sentido
informação; para alguma tarefa que se tenha que realizar.
- decodificar a informação de maneira a Por exemplo, ao repassar instruções para uma
extrair dela o real significado. gincana, explicar os objetivos de uma tarefa.
A capacidade de ouvir varia muito, ela - Incentivar a leitura de textos de grande
depende da situação de quem fala e dos interesse dos alunos. Esse tipo de atividade
hábitos e da vontade de quem está ouvindo. A estimula os alunos a ouvir com atenção. Como
habilidade de ouvir, se distingue em três níveis exemplos, contar histórias, fazer relatos.
gerais de atenção:
- Ouvir Passivamente - Este é o menor nível Saber ouvir faz parte das regras do processo
da habilidade de ouvir. Neste nível, não se presta de comunicação, as quais devem ser aprendidas
atenção nas palavras, nem no significado da em contextos significativos, nos quais ficar
mensagem emitida pela outra pessoa. O quieto, esperar a vez de falar e respeitar a fala
emissor da mensagem percebe que não estão do outro, tenham função e sentido, e não sejam
sendo ouvido. apenas solicitações ou exigências do professor.

40
UNIDADE B

3 Ler
sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar
Um dos maiores problemas enfrentados pela com a diversidade de textos e de
combinações entre eles. Significa trabalhar
escola é a dificuldade de ensinar as crianças a
com a diversidade de objetivos e
ler e escrever. Os índices de 30% de alunos modalidades que caracterizam a leitura, ou
reprovados na primeira série, segundo dados seja, os diferentes "para quês" - resolver um
problema prático, informar-se, divertir-se,
disponíveis no INEP (ARAÚJO e LUZIO, 2003), estudar, escrever ou revisar o próprio texto -
reforçam essa assertiva. No entanto, e com as diferentes formas de leitura em
função de diferentes objetivos e gêneros:
especialistas em dificuldades de aprendizagem, ler buscando as informações relevantes, ou
afirmam que as crianças têm desempenho o significado implícito nas entrelinhas, ou
dados para a solução de um problema.
cognitivo real, com grande capacidade para (BRASIL, 1999).
aprender (SOLIGO, 2003).
Se as crianças têm capacidade para aprender, Desse modo, o aluno é capaz de De acordo com o INEP
- Instituto Nacional de
será que não é a escola que não está sabendo compreender o texto e não apenas decodificá-
Estudos e Pesquisas
ensinar? Talvez este seja um dos maiores lo, e a escola deve oferecer material de leitura Educacionais Anísio
Teixeira, um terço dos
desafios da prática de ensino: buscar o melhor de qualidade, diversidade de textos, que estudantes brasileiros
da primeira série do
método para ensinar a ler e escrever. abarquem novos horizontes, possibilitando ensino fundamental,
A leitura é um processo no qual o leitor mostrar outras realidades, um novo mundo. As em 2003, foi
reprovado, ou
realiza um trabalho ativo de construção do situações de descobertas vão requer do aluno abandonou o sistema
escolar. Leia mais no
significado do texto, a partir dos conhecimentos reflexão, inferência sobre novas possibilidades, artigo Fracasso aos sete
anos? de Carlos
pré-existentes, Leitura não é apenas e, portanto, o aprendizado.
Henrique Araújo e
decodificação de texto. Trata-se de uma ação A intervenção do professor é fundamental. Nildo Luzio, disponível
em:http://www.inep.
que envolve os sentidos, a compreensão, e Além da seleção do material para leitura, gov.br/imprensa/
artigos/
interesses próprios. professor deve agrupar os alunos de forma a artigo_02_05.htm
Para a leitura ser interessante, as crianças socializar as informações, oportunizando o
devem encontrar nos textos algo desafiador, ser debate, a troca, a descoberta do novo proposto
uma conquista capaz de dar autonomia e pelo texto. A heterogeneidade da turma,
independência. pedagogicamente bem explorada, pode ser um
De acordo com os Parâmetros Curriculares facilitador da aprendizagem.
Nacionais, para que a leitura se torne um objeto De modo interativo, o professor levará o
de aprendizagem, é necessário que faça sentido aluno a perceber os sentidos do texto, pois, "a
para o aluno: leitura incide sobre a palavra do outro, onde o
leitor pode descobrir outras formas de pensar
A atividade de leitura deve responder, do
seu ponto de vista, a objetivos de realização que, contrapostas, poderão levar à construção
imediata. Como se trata de uma prática social de novas formas, fazendo da leitura uma
complexa, se a escola pretende converter a
leitura em objeto de aprendizagem deve
verdadeira atividade de produção dos sentidos"
preservar sua natureza e sua complexidade, (GERALDI, 1993, p.171).
41
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Com referência às práticas interativas,


Karwoski (2002) salienta que o professor precisa Formar bons leitores requer condições
ter clareza da leitura, não monopolizar a favoráveis, como uma boa biblioteca na
discussão, nem formular perguntas cujas escola, uma vez que o uso que se faz dos
respostas são incompreensíveis ou previsíveis livros e demais materiais impressos é o
pelos alunos. O professor precisa permitir que aspecto mais determinante para o
o aluno utilize o discurso para expressar a sua desenvolvimento da prática e do gosto pela
contrapalavra buscando o sentido que é leitura. Por isso, as escolas devem ter, em
construído na compreensão responsiva suas bibliotecas:
- enciclopédias, dicionários e afins;
- histórias em quadrinhos, textos de jornais,
revistas e suplementos infantis, anúncios,
classificados;
- poesias, contos de fadas e de
assombração, mitos e lendas populares;
- textos teatrais;
- vídeos, slides, fotografias, gravadores, fitas
e CDs.
André Schmitt da Silva Mello

Figura B.3: A habilidade de ler


42
UNIDADE B

Sugestões de Atividades: meio ambiente, descrição do bairro, etc.


Incentive a leitura diária: de acordo com a Disponha das atividades seqüenciais de
atividade que está sendo desenvolvida em leitura: para introduzir a leitura pela primeira
classe, os alunos podem ler em silêncio, ou em vez, procure um livro de grande interesse para
voz alta, em grupo ou individualmente. os alunos, leia uma parte, crie um suspense
Use a estratégia de leitura colaborativa: o em torno do livro, isso ajudará a despertar o
professor lê o texto para o aluno, dando pistas interesse pela leitura.
lingüísticas dos sentidos dos textos. Textos literários e poesias também devem
Procure trabalhar com textos diversificados: ser usados: através da estrutura do texto, o
é muito fácil conseguir textos diversificados para aluno é incentivado a reconhecer a sonoridade,
usar em sala de aula. Eles estão nos jornais, a fazer pausa na leitura, buscar a entonação de
folhetos de propagandas, revistas. Até algumas voz.
embalagens de produtos alimentícios trazem Concluindo, a prática da leitura é uma das
pequenos textos repletos de informações. atividades mais importantes da escola, tendo
Crie projetos de leitura: os projetos de leitura em vista que ela amplia a visão de mundo e
normalmente envolvem outras habilidades, oportuniza a inserção do leitor na língua padrão.
como falar e escrever. Crie produção de peças Por fim, uma verdadeira prática de leitura, é
teatrais, feiras culturais, projetos envolvendo o aquela que desperta e cultiva o desejo de ler.

43
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4 Escrever
Apesar de estar sendo tratado leitura e escrita intenções, ações, idéias e
de forma separada, é importante salientar que sentimentos(VYGOTSKY, 2000).
estas duas habilidades são correlatas: a escrita Para Barbosa (2001), o ensino da
transforma a fala e, por outro lado, se adquire linguagem escrita vem sofrendo uma série de
o domínio da linguagem escrita muito mais pela reestruturações e tentando respeitar a
leitura, do que pela própria escrita. funcionalidade da linguagem num primeiro
A escrita é o principal instrumento de momento, para depois poder preocupar-se com
aprendizagem, que os alunos necessitam se a correção da forma, tanto no sentido gramatical
apropriar, para poder apreender o mundo e todo quanto ortográfico e caligráfico Esta
o conhecimento que nele se produz e se funcionalidade se refere à capacidade da
produziu. Portanto, para ensinar a escrever é: linguagem de prestar alguns serviços como, por
exemplo, comunicar; registrar fatos, dados,
... preciso oferecer aos alunos inúmeras
informações importantes; e eternizar
oportunidades de aprenderem a escrever
em condições semelhantes às que descobertas, inventos, criações, etc. Enfim, a
caracterizam a escrita fora da escola. É preciso principal função da linguagem escrita é a de
que se coloquem as questões centrais da
produção desde o início: como escrever, permitir ao ser humano fazer e registrar a
considerando, ao mesmo tempo, o que história, fato este que o diferencia de outros
pretendem dizer e a quem o texto se destina
- afinal, a eficácia da escrita se caracteriza animais.
pela aproximação máxima entre a intenção Dada à relevância da escrita, é dever das
de dizer, o que efetivamente se escreve e a
interpretação de quem lê. É preciso que
metodologias de ensino buscar alternativas para
aprendam os aspectos notacionais da escrita ensinar o aluno a escrever bem e cada vez
(o princípio alfabético e as restrições
melhor. Para tanto, apresentam-se algumas
ortográficas) no interior de um processo de
aprendizagem dos usos da linguagem escrita. referências para produção de textos:
É disso que se está falando quando se diz
- a leitura diária de diversos textos, com
que é preciso "aprender a escrever,
escrevendo". (PARÂMETROS CURRICULARES diferentes gêneros, é fundamental para produzir
NACIONAIS) textos de qualidade;
- o professor deve ler para seus alunos.
Produzir textos bem escritos depende da Quanto mais os alunos ouvirem, maior a
diversidade de textos apresentados aos alunos capacidade de produção de textos;
e, também das possibilidades que o professor - o professor deve ajudar na organização e
dispõe para o aluno refletir e discutir sobre o revisão do texto;
ato de redigir. - incentivar o aluno a produzir textos mesmo
O professor ao ensinar escrever, deve ter que ele não saiba escrever;
claro que a língua é viva, que possui uma função - é importante que outras pessoas leiam o
social de informar, comunicar, expressar texto produzido e critiquem-no;
44
UNIDADE B

- para redigir bem, é importante guardar os por exemplo: transformar uma história infantil
textos produzidos, e depois de algum tempo, em uma história em quadrinhos;
realizar uma revisão crítica, verificando o que - criar projetos onde os alunos possam
pode ser alterado; produzir textos de forma contextualizada, por
- as primeiras produções de textos devem exemplo, narrar a história de vida da pessoa
buscar subsídios em outros textos; mais velha do bairro. Elaborar uma cartilha sobre
- a produção do texto deve acontecer dentro a coleta seletiva do lixo;
de um contexto, com uma função (a quem se - produzir textos a partir de outros já
dirige) e com significado; conhecidos pelos alunos, por exemplo, uma
mensagem de alerta sobre os riscos de dirigir
alcoolizado;
- dar o início de um texto para que os alunos
A leitura é condição básica para a escrita. escrevam de forma criativa o meio e o final;
- planejar coletivamente o texto, para,
posteriormente, cada aluno escrever a sua
Sugestões de atividades: versão;
- propor aos alunos reescreverem textos - escrever e reescrever textos em parceria,
conhecidos através da leitura; podendo utilizar personagens e acontecimentos
- transformar os gêneros dos textos, como de histórias vivenciadas pelos alunos.
André Schmitt da Silva Mello

Figura B.4: A habilidade de escrever


45
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

A partir do estudo das quatro habilidades


lingüísticas, ler, escrever, falar e ouvir,
aponte, com base nos textos disponíveis no
ambiente virtual de aprendizagem,
alternativas metodológicas para o
desenvolvimento dessas habilidades na
educação especial. Informações mais
específicas sobre essa atividade serão
fornecidas pelo professor da disciplina.

46
UNIDADE

CONTEÚDOS DE LÍNGUA
PORTUGUESA E SUAS
METODOLOGIAS: LEITURA,
PRODUÇÃO TEXTUAL
E ANÁLISE LINGUÍSTICA

Objetivos da Unidade
Fornecer ao aluno bases teóricas e práticas para que
estabeleça e desenvolva relações de metodologias
de ensino para conteúdos de língua portuguesa, tais
como: leitura, produção textual e análise lingüística.

47
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

Introdução
Há constantemente uma preocupação, por o meio em que o aluno está inserido. Desse
parte dos educadores especiais, em encontrar modo, essa unidade irá apresentar a leitura,
metodologias de ensino que possam ser entendendo-a como base para a escrita, e, por
utilizadas com alunos portadores de deficiência. conseguinte, da aprendizagem; a produção
Em se tratando do ensino da Língua Portuguesa, textual, abordando os aspectos referentes ao
há que se ter claro, que nesse ou em qualquer texto e à textualidade e; por fim a análise
outro contexto em que o educador especial irá lingüística.
atuar, deve levar em consideração, a cultura e

48
UNIDADE C

1 Leitura
Quando se fala sobre metodologias, abordagens, subconscientemente, e passam a integrar o
modelos de leitura, os professores costumam vocabulário, o qual foi adquirido, em um
se preocupar com a melhor forma de se processo iniciado na infância, de forma contínua
apresentar o texto e este ser compreendido, e através da observação do ambiente,
preferencialmente na sua grande maioria, pelo observando outras pessoas falar, prestando
receptor. atenção nas palavras utilizadas em determinadas
Primeiramente, o processo de leitura de um situações e também através da leitura.
texto deve ocorrer como um enigma a ser Para que a informação seja retida pelo
desvendado. Todos os leitores possuem alguns leitor, é preciso situá-la dentro de um
elementos familiares, as palavras que referencial de conhecimentos. A informação
conhecem, e outras desconhecidas. Deve-se nova precisa se integrar à visão do mundo, à
concluir, por meio de conhecimentos anteriores, experiência prévia do leitor. Apenas deste modo,
o que as palavras desconhecidas podem pode-se esperar que o conhecimento adquirido
significar. Para que se possa compreender um seja duradouro.
texto, não se deve preocupar com todas as Para que se possa garantir uma boa leitura
palavras, mas apenas com aquelas que de um texto, Abaurre et al (2004) estabelecem
desempenhem um papel importante no texto. alguns passos a serem seguidos:
No entanto, como saber quais são elas? Se 1-identificar o tema do texto
uma palavra está presente com relativa Qual o foco principal, do que se trata, qual
freqüência em um texto, ela certamente o grau de conhecimento que se tem sobre o
desempenha um papel importante na tema.
compreensão do todo. Ao contrário, se uma 2-elaborar uma síntese do texto
palavra ocorre apenas uma vez, muito Ao elaborar a síntese, faz-se uma seleção e
provavelmente não deve se preocupar com ela. organização dos elementos mais importantes
O que se observa é que essa prática não é muito do texto, sendo necessário o estabelecimento
bem aceita por alguns professores e até mesmo, de critérios de relevância.
por alunos. Como é possível, ignorar uma palavra 3-organizar as próprias idéias com relação
e seguir a leitura como se nada houvesse aos elementos relevantes
acontecido? Por outro lado, não se tem o hábito A partir do estabelecimento de critérios de
de procurar no dicionário cada palavra que se relevância, o leitor irá se posicionar frente às
desconhece, pois o conhecimento na língua informações do texto, confrontando-as com
materna permite um entendimento geral do àquelas que já possuía.
que se esta tratando no texto. As palavras 4-estabelecer relações entre os elementos
desconhecidas são intuídas, quase que relevantes e/ou entre eles e outras informações
49
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

de que o leitor disponha informações contidas no texto, procura uma


Após o posicionamento do leitor, realizado explicação, hipótese explicativa, para entendê-
na etapa anterior, ele deverá estabelecer las e apropriar-se do novo conhecimento
relações entre os elementos, se há tematizado no texto.
complementação entre eles, se opõem,
subordinam-se, etc. Quando a imagem é um texto
5-demonstrar capacidade para interpretar os Textos escritos não são a única fonte de
dados e fatos apresentados informações. Existem outras como, fotografias,
O leitor dá sentido ao seu texto, a sua leitura. desenhos, pinturas e imagens, que podem ser
Charge: Desenho Qual o sentido do que eu li? lidos e interpretados. É o caso das charges, que
humorístico, com ou
sem legenda ou balão,
6-elaborar hipóteses explicativas para é um tipo de texto, cuja leitura depende
geralmente veiculado fundamentar sua análise das questões inteiramente do leitor conhecer o contexto a
pela imprensa e tendo
por tema algum tematizadas no texto. que ela se refere. Sem isso, a charge perde o
acontecimento atual,
que critica, por meio O leitor, após ler, relacionar e interpretar as sentido.
de caricatura, uma ou
mais personagens
envolvidas.
Adaptado do Dicionário
Houàiss da Língua
Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.

Figura C.1: A charge


Fonte: Jornal do Brasil. Edição de 15 de Abril de 2006.

www.jb.com.br

50
UNIDADE C

Análise de gráficos segurança, desde que se reconheça e analise


Um outro tipo de linguagem é a dos gráficos. A as informações apresentadas.
sua leitura também pode ser feita com Veja o exemplo:

Figura C.2: A utilização de gráficos

Ao realizar a leitura do Gráfico 1, pode-se reter informação é mais prolongada se esta é


constatar que os sentidos que, em condições apresentada sob a forma áudio-visual. O Gráfico
normais, mais têm influência no ser humano é 4 permite que se conclua, o que já foi verificado
a visão, seguido da audição. No Gráfico 2, no Gráfico 3, ou seja, após três dias de
verifica-se a retenção de dados, quanto à forma apresentação de uma informação, a forma que
de apresentação, podendo-se constatar que a mais o ser humano a fixa é áudio-visual. Essa é
prática e o debate são as formas que mais uma leitura do que está representado nos
possibilitam a fixação de informações. gráficos, mas sobre o que os gráficos estão,
Observando-se o Gráfico 3, a capacidade de especificamente, falando? Quais são os sujeitos
51
CURSO DE EDUCAÇÃO ESPECIAL | UFSM

a que se refere? Quais os tipos de dados? Em


Inferir: processo de
raciocínio, segundo o que condições foram feitas as perguntas? Essas
qual se conclui alguma
coisa a partir de outra e tantas outras perguntas só têm sentido se o
já conhecida.
leitor conhecer o contexto a que os gráficos se
Intertextualidade: é a referem. De qualquer modo, é importante que
relação que se
estabelece entre dois se reafirme, que é possível, mesmo sob a forma
textos, quando um
deles faz referência a hipotética, realizar uma leitura dos gráficos.
elementos existentes
no outro. Esses
Os textos podem ser lidos de maneiras
elementos podem diferentes. Existem outros tipos de leitura, que
dizer respeito ao
conteúdo, à forma, ou demandam que o leitor se adapte às
mesmo à forma e ao
conteúdo. informações presentes, sejam imagens, sons,
símbolos, etc. Ao leitor se propor a ler qualquer
tipo de texto, ele terá que reunir todas as
informações presentes no texto, os
pressupostos, até as que estão implícitas,
considerando para tal, a ambigüidade, as pistas
textuais e a intertextualidade.

52
UNIDADE C

2 Produção textual
O processo de produção e recepção de textos como do lugar e do momento em que o leitor
envolve dois principais participantes: o escritor faz a sua leitura, sobre a interpretação que ele
e o leitor. O escritor, embora tenha um papel faz do sentido do texto.
social definido em seu grupo, tem de trocar de Na escola, é de fundamental importância
papel várias vezes ao dia. Por exemplo, uma que o professor leve em consideração os
determinada criança vem de um grupo social elementos que fazem parte dos processos de
específico, mas tem de desempenhar, produção e recepção textual. A história do aluno,
dependendo das circunstâncias, o papel de sua posição social, os objetivos da leitura e da
aluno, o de filho, o de consumidor, o de jogador prática textual e o conhecimento prévio do
do time da escola; portanto, sua atitude pode assunto a ser abordado não podem ser
igualmente variar, dependendo das situações a desconsiderados.
que tiver de responder (hostil, amável,
indiferente). Ao pertencer a um grupo social Texto e fatores
definido, utiliza um modo de vida e uma de textualidade
linguagem específica. Suas produções são É sabido que, conforme a perspectiva teórica,
influenciadas, de alguma maneira, pela sua o mesmo objeto de estudo pode ser concebido
história, seu passado sociocultural. de diversas maneiras. Isso acontece no campo
As relações que o escritor mantém com seu da linguagem, com o conceito de texto.
leitor influenciam o seu discurso, uma vez que Seguem-se as concepções de Koch (1992),
seu objetivo é atingi-los. Para isso, procura fazer Costa Val (1991) e Fiorin & Savioli (1997),
uma imagem de seu público alvo, utilizando respectivamente.
marcas próprias, que transparecem através de Texto é uma manifestação verbal constituída
suas intervenções no próprio discurso. Além de elementos lingüísticos intencionalmente
disso, ele preocupa-se com o lugar de onde selecionados e ordenados em seqüência,
escreve, o momento em que escreve e, durante a atividade verbal. De modo a permitir
principalmente, "de que" ou "de quem" deve aos parceiros, na interação, não apenas a
falar em seu texto. depreensão dos conteúdos semânticos, em
O leitor é importante no papel de receptor: decorrência da atividade de processos e
a sua própria história, as suas hipóteses sobre o estratégias de ordem cognitiva, como também
sentido do texto e a maneira como se projeta a interação (ou atuação) de acordo com as
no texto influenciam igualmente o processo de práticas socioculturais (KOCH, 1992).
leitura. Ao se produzir um texto, não se pode
Texto é uma ocorrência lingüística falada ou
negligenciar a influência do tipo referente e, escrita, de qualquer extensão, dotada de
sobretudo, dos conhecimentos anteriores ao unidade sociocomunicativa, semântica e
formal (COSTA VAL, 1991, p. 3).
leitor, de sua experiência de mundo, assim
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Texto é um tecido, uma estrutura construída


de tal modo que as frases não têm significado Coesão
autônomo: num texto o sentido de uma Segundo Fávero & Koch (1998, p.38),
frase é dado pela correção que ela mantém
com as demais (FIORIN & SAVIOLI, 1997, p.
O que possibilita o estabelecimento das
14).
relações coesivas, como também de outras
relações semânticas é a organização do
sistema lingüístico em três níveis: o
Com base nesses conceitos, pode-se afirmar
semântico, o léxico-gramatical e o fonológico-
então, que o texto em si cumpre seu papel ortográfico (as expressões).

quando consegue dialogar, deixar claras as suas


intenções, ser coerente, isto é, ter sentido, Para Costa Val (1994), a coesão é
apresentar integração nos seus elementos e ser responsável pela unidade formal do texto e
coeso. constitui-se no emprego de mecanismos
A textualidade é um conjunto de fatores que gramaticais e lexicais. Ela pode ocorrer na
fazem com que um texto seja um texto e não mesma sentença bem como entre sentenças
um conjunto de palavras que não tem sentido. diferentes, sendo a expressão do texto do plano
É todo produto de práticas discursivas orais e/ lingüístico.
ou escritas, que forma um todo significativo,
qualquer que seja a extensão. É uma unidade
de sentido constituída por um conjunto de A coesão é a ligação que se estabelece
relações que se estabelecem a partir da coesão entre os elementos que constituem a
e, sobretudo, da coerência. Dessa forma, um superfície do texto, revelada através das
texto só é um texto quando possui textualidade, marcas lingüísticas o que lhe dá um caráter
isto é, quando pode ser compreendido como linear, seqüencial. A coesão é gramatical,
unidade significativa global. sintática e também semântica, uma vez que
os mecanismos de coesão se baseiam numa
relação entre os significados dos elementos
A textualidade depende de um conjunto da superfície do texto. Os principais
de fatores, discutidos pela Lingüística mecanismos de coesão textual são: a coesão
Textual desde a década de 60, quais sejam: lexical, a referência, a substituição, a elipse
coesão, coerência, Intencionalidade e e a conjunção (conexão).
aceitabilidade, informatividade, situacionali-
dade e intertextualidade. Em grande parte,
os fatores responsáveis pela coesão textual, A coesão lexical se dá através da reiteração,
isto é, pelas relações de sentido que se da substituição e da associação. São fatores
estabelecem entre os enunciados que responsáveis pelo nexo do texto e promovem
compõem um texto, é que fazem com que a sua continuidade e progressão, fazendo com
um texto seja um texto. que o texto se torne único.

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UNIDADE C

Referência são itens da língua que se deixa-se de dizer alguma coisa que pode ser
relacionam a outros elementos necessários à subentendida; a substituição tem uma relação
sua interpretação e não são interpretados em com a palavra e a referência é mais semântica,
nível semântico pelo seu próprio sentido, com relação ao significado.
podendo ser situacional (exófora) ou textual A conjunção é um item coesivo que tem
(endófora). É a propriedade que alguns itens relações significativas específicas que se
da língua têm de ser interpretados estabelecem entre as orações dentro de um
semanticamente não por si mesmos, mas em período, entre os períodos dentro do parágrafo
referência a outros. Os elementos de referência e entre os parágrafos, no interior do texto.
indicam que a informação deve ser procurada Permitem estabelecer relações entre partes da
em outro momento do texto. oração, orações, períodos e parágrafos. Entre
A referência pessoal é feita por meio da os principais elementos conjuntivos estão os
categoria de pessoa do discurso, representada advérbios, locuções adverbiais, conjunções
por pronomes pessoais e possessivos; a coordenativas e subordinadas, locuções
referência demonstrativa é representada pelo conjuntivas preposições, locuções prepositivas
uso dos pronomes demonstrativos e advérbios e itens continuativos, como seguir, e daí.
que indicam lugar; a referência comparativa se A coesão deve colaborar no sentido de que
faz através de identidades. haja compreensão entre os interlocutores,
A referência textual anafórica permite a servindo para que o texto seja um veículo de
interpretação de um item pela relação com algo interação, garantindo a relação entre as partes
que o precede no texto, podendo fazer do texto.
referência a todo o enunciado anterior. A Todas essas formas lingüísticas coesivas têm
referência catafórica depende do que se segue papel muito importante para a construção do
no texto. As referências devem ser "esqueleto" do corpo dissertativo: conjunções,
estabelecidas no texto de maneira adequada locuções conjuntivas, palavras denotativas
para se evitar ambigüidades. constituem-se nos operadores argumentativos,
Através da substituição, um substituto é que têm por função indicar a força
usado em lugar da repetição de um item argumentativa dos enunciados, a direção para
particular. Pode ser nominal ou de ordem o qual apontam. Cabe ao professor, ao trabalhar
genérica. As substituições feitas por meio de com textos dissertativos, conduzir o aluno à
pronomes, numerais indefinidos, classificam-se observação dessas marcas lingüísticas,
como substituição nominal. analisando o efeito que os itens coesivos
A elipse consiste em omitir um item lexical provocam no sentido geral do texto.
que pode ser recuperado pelo contexto. Ela O aluno adquire a capacidade de dissertar
ocorre quando algo deixa de ser dito, mas isto através da prática cotidiana de analisar a produzir
não impede a sua compreensão. textos, orientado por um mestre preocupado
A distinção entre elipse, substituição e em fazer com que ele se estude e analise as
referência, é a seguinte: quando ocorre elipse, formas lingüísticas em textos oferecidos à ele.
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Coerência
A coerência envolve aspectos lógicos,
semânticos, cognitivos e pragmáticos. E não
Coerência deve ser entendida como se pode esquecer de que o texto não tem
unidade do texto. Um texto coerente é um um significado em si mesmo, por conta
conjunto harmônico, em que todas as própria. Segundo Costa Val (1991, p.6), "seu
partes se encaixam de maneira sentido é construído não só pelo produtor,
complementar de modo que não haja nada como também pelo recebedor, que precisa
destoante, nada ilógico, nada contraditório, deter os conhecimentos necessários à sua
nada desconexo. No texto coerente, não interpretação".
há nenhuma parte que não se solidarize
com as demais ( FIORIN & SAVIOLI, 1996,
p.261). O autor ainda apresenta como requisitos
principais para coerência textual a continuidade,
que é a retomada de conceitos durante o
O professor deve mostrar ao aluno, através desenvolvimento do texto, para que seja
de exemplificações e atividades, como se preservada a unidade textual; a progressão, que
empregam os mecanismos que favorecem o é a apresentação de novas idéias ao texto; a
desenvolvimento do texto, para que não se não-contradição, em que é observada a coerên-
perca o fio condutor da idéia a ser defendida. cia através do que é escrito no texto, sendo
O sentido de um texto vai muito além das este de acordo com a realidade a que se refere
palavras, expressões lingüísticas e frases que e, também, que as informações apresentadas
compõem a sua superfície. A coerência está não se contradigam ao decorrer do texto.
ligada ao nível da conexão conceitual e A articulação é considerada pela autora com
estruturação do sentido do texto. Dá conta do outro princípio básico, pois ela afirma que, para
processamento cognitivo do texto e fornece as um texto ser coerente, é necessário que
categorias que permitem a análise do nível mais estabeleça uma relação de pertinência entre
profundo, os fatores que estabelecem as os elementos que fazem parte do texto.
relações causais, pressuposições, implicações A coerência se estabelece em diversos
de alcance suprafasal, o nível argumentativo e níveis. Pode ser semântica, sintática, estilística
os modelos cognitivos globais. A coerência e pragmática. A coerência semântica se refere
textual se dá quando há uma unidade de sentido à relação entre significados dos elementos das
que permite estabelecer relação entre os frases em seqüências em um texto ou entre os
componentes de um texto. É uma compreensão elementos de um texto como um todo.
global que ocorre pela continuidade dos A coerência sintática se dá através da relação
sentidos. Tem a ver com boa formação em adequada entre os termos que se coordenam
termos de interlocução comunicativa. ou subordinam. Entre eles está o uso dos
conetivos, pronomes, sintagmas nominais
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UNIDADE C

definidos e indefinidos. Intencionalidade e aceitabilidade


A coerência estilística se dá através da A coesão da superfície textual e a coerência
harmonia no emprego de elementos lingüísticos subjacente dos mundos textuais não são
que exercem uma função estética no texto. suficientes para estabelecer distinção entre um
A coerência pragmática tem a ver com a texto bem formado e um texto com problemas.
concepção de texto como seqüência dos atos É preciso incluir as atitudes dos usuários entre
da fala e deve ser avaliada nas condições de os critérios de textualidade. Uma configuração
uma dada situação comunicativa. lingüística deve ser pretendida para ser um texto
Apesar desses diferentes tipos de coerência, e aceita como tal para ser utilizada na interação
é preciso ter em mente que ela é um resultado comunicativa.
da ação conjunta destes níveis e implica a
interpretabilidade e compreensão do texto.
Muitos fatores podem determinar problemas A intencionalidade se refere ao empenho
de coerência de um texto: erros conceituais, do escritor em atingir seu objetivo, isto é,
inadequação à circunstância na qual é comunicar algo ao leitor, que é seu alvo
enunciado ou inadequação em relação ao comunicativo. Diz respeito ao modo como
destinatário. Com esses problemas, não ocorre o emissor produz o texto para alcançar os
uma comunicação eficaz, ou por dificuldades efeitos desejados.
na compreensão do conteúdo da mensagem, A aceitabilidade é a resposta do leitor ao
ou simplesmente por não ser possível identificar escritor. Leva em conta a sua informação e
a intenção comunicativa do emissor. a sua clareza. A aceitabilidade constitui a
Apresentar em sala de aula, textos que contraparte da intencionalidade e diz
contenham inadequações também faz parte da respeito ao esforço do o leitor em
vida pedagógica, pois leva o estudante a estabelecer um sentido para o texto
observar, avaliar e reestruturar esses textos a apresentado. Em sentido restrito, implica a
fim de que desenvolva uma posição crítica em aceitação de uma configuração lingüística
relação à sua própria atividade criativa. como um texto coesivo e coerente. Em
sentido amplo, refere-se à aceitação de
participar de uma interação de partilhar um
objetivo comunicativo.

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Assim, é importante levar o aluno não só a


perceber o valor das palavras empregadas em A informatividade é fundamental na
um texto para que, realmente, elas expressem elaboração do texto dissertativo e envolve,
sua intenção de comunicador, como também a por parte do aluno, conhecimentos que são
ser capaz de avaliar se elas serão aceitas pelo adquiridos através da leitura de textos
destinatário. presentes em revistas, jornais e pelo
contato permanente com pessoas capazes
Intertextualidade de oferecer enriquecimento ao seu
universo.

A intertextualidade diz respeito aos fatores


que fazem a utilização de um texto Situacionalidade
dependente do conhecimento de um ou
mais textos previamente elaborados. A
intertextualidade relaciona um texto A situacionalidade diz respeito às relações
concreto com a memória textual coletiva, que se estabelecem entre o texto e o
a memória de um grupo ou de um contexto. O contexto pode ser entendido
indivíduo específico. A intertextualidade em sentido restrito como o contexto da
retoma conhecimentos prévios situação e, em sentido amplo, como o
armazenados pelo leitor. Fazendo com que contexto cultural em que o texto está
ele estabeleça relações cognitivas já inserido, seus valores culturais.
adquiridas somadas às que se apresentam
no novo texto.
Em razão dos estreitos laços existentes entre
o texto e o contexto, ouvintes e leitores fazem
Informatividade predições, ouvem e lêem com expectativas do
Um texto só se torna interessante para o leitor que vem a seguir. Um ponto de passagem pode
se ele tiver algum grau de informação nova. não ser compreendido se o leitor não fizer as
Para que o texto seja compreendido pelo leitor suposições apropriadas derivadas do contexto
deve conter informações necessárias, dados que da situação.
o tornem inequívoco. É importante que o aluno Além do contexto situacional, existe uma
tenha dados a apresentar para convencer o base mais ampla sobre a qual o texto se ancora:
leitor, informações que façam com que haja o contexto de cultura. Qualquer contexto real
compreensão do texto. de situação é um conjunto de coisas que se
unem em razão da cultura.

58
UNIDADE C

Em linhas gerais, são esses os sete fatores com texto em sala de aula. A leitura e produção
que constituem um texto. Portanto, um texto é textual não podem ser desvinculadas de um
muito mais que uma seqüência de frases. contexto. O aluno deve saber os motivos e o
Envolve um produtor e suas intenções, um destinatário de sua atividade. Deve receber
leitor receptivo, um contexto imediato de instruções sobre a maneira de organizar as
comunicação, e sua inserção num contexto de informações recolhidas de diversas fontes e de
cultura, uma base em textos anteriores, uma escolher as estruturas lingüísticas mais
organização de conteúdo, de informação e de adequadas para expressar o que deseja. Essas
expressão lingüística. atividades pressupõem uma análise de variados
Todos esses elementos devem ser levados tipos de texto previamente elaborados que
em consideração pelo professor que trabalha fazem parte de sua cultura.

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3 Análise lingüística
Análise lingüística consiste de reflexões sobre Esses fatores devem ter como objetivo
os textos, re-leituras e auto-correções. As melhorar a capacidade de compreensão e
atividades de análise lingüística consideram expressão dos alunos, em situações de
determinados objetos da linguagem para comunicação oral e escrita. Fundamentando
reflexão e análise e, segundo os Parâmetros essas atividades está o texto, considerado a
Curriculares Nacionais (PCN), estão apoiados matriz das ações lingüísticas, que consiste tanto
em dois fatores: em objeto de leitura, quanto de produção
textual (XAVIER, 1998).
- a capacidade humana de refletir, analisar,
pensar sobre os fatos e os fenômenos da Para Geraldi (1993) o texto significa um
linguagem; e produto de uma atividade discursiva, pois
- a propriedade que a linguagem tem de
poder referir-se a si mesma, de falar sobre a
alguém diz algo a alguém, utilizando uma
própria linguagem. (BRASIL, 1999). seqüência verbal escrita, que forma um todo,
acabado, definido e publicado. Para tanto, o
Desse modo, a análise lingüística refere-se planejamento de atividades de análise
a atividades que podem ser classificadas em lingüística deve considerar o trabalho com
epilingüísticas e metalingüísticas. Ambas são diversos tipos de texto, da bula de
atividades de reflexão sobre a língua, mas medicamento, ao manual de instruções,
diferenciam-se nos seus fins. literatura, etc.; privilegiar formas variadas de
leitura, nas quais se possam realizar
antecipações, inferências e explorações de
Nas atividades epilingüísticas, a reflexão está recursos expressivos; provocar a escrita para
voltada para o uso, no próprio interior da leitores reais, não escrever só o "faz-de-conta";
atividade lingüística em que se realiza. Já e propiciar a reescrita de textos, por meio de
as atividades metalingüísticas estão trabalhos dialógicos e cooperativos.
relacionadas a um tipo de análise voltada
para a descrição, por meio da categorização
e sistematização dos elementos lingüísticos.

60
UNIDADE C
André Schmitt da Silva Mello

Figura C.3: O texto e a análise lingüística

Quanto à linguagem oral, uma atividade


Portanto, o objetivo é trabalhar a gramática epilingüística pode ser realizada quando alguém
no texto para melhor compreendê-lo, questiona: O que você quer dizer? Essa pergunta,
porque é o funcionamento da língua que se planejado pedagogicamente, pode suscitar
se analisa no texto e não o uso do texto, importantes questionamentos, análise e
como pretexto para a gramática. A análise organização de informações sobre a língua e,
lingüística deve explorar a capacidade do no processo de ensino, devem anteceder as
aluno, a partir da sua realidade, de defender práticas de reflexão metalingüística, para que
suas idéias, tendo como base o seu poder essas possam ter algum significado para os
argumentativo e a objetividade expressa alunos.
pela linguagem oral e escrita.

61
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O mesmo pode ser observado na escrita de elementos que os validam ou não. Dessa forma,
textos, em que a análise lingüística pode revelar a recepção ativa tem relação com a produção
conhecimentos "escondidos" dos alunos, oral e a leitura, e permite discutir sobre
permitindo, com isso, uma reelaboração, que diferentes tipos de textos veiculados, sobretudo
de acordo com os PCN, nos meios de comunicação de massa. Essa
"implica uma atividade permanente de prática, além disso, permite o leitor a defrontar-
formulação e verificação de hipóteses sobre se com linguagens e interpretações críticas das
o funcionamento da linguagem que se realiza
por meio da comparação de expressões, da
mensagens, ou ainda, a identificação de
experimentação de novos modos de elementos não lingüísticos, como imagens e
escrever, da atribuição de novos sentidos a
sons. A compreensão crítica depende
formas lingüísticas já utilizadas, da observação
de regularidades (no que se refere tanto ao exclusivamente da recepção ativa, ou seja, a
sistema de escrita quanto aos aspectos
capacidade de mais do que ouvir/ler com
ortográficos ou gramaticais) e da exploração
de diferentes possibilidades de atenção, trabalhar mentalmente com o que se
transformação dos textos (supressões, ouve ou se lê. Trata-se de uma atividade de
ampliações, substituições, alterações de
ordem, etc.)(BRASIL, 1999). produção de sentido que pressupõe analisar e
relacionar enunciados, fazer deduções e
A produção de textos orais mais bem produzir sínteses: uma atividade privilegiada de
elaborados, utilizando vocabulário variado, é reflexão sobre a língua (BRASIL, 1999).
propiciada pela prática de explicitação, que Dessa forma, o estabelecimento da relação
muitas vezes, os alunos a utilizam ser saber de entre elementos não lingüísticos com a fala,
Recepção ativa está que e como fazem, centrando-se sobre os através da recepção ativa, identifica os aspectos
sendo usada aqui aspectos da linguagem. A comparação é uma possivelmente importantes aos propósitos e
como referência
simultânea tanto à das formas de falar utilizadas em situações intenções de quem produz o texto ou infere a
escuta ativa como à
leitura (BRASIL, 1999). diversas, em que o aluno, tenha como finalidade intencionalidade implícita.
a apropriação de diferentes registros. A sugestão para análise lingüística, a partir
Atualmente, os Parâmetros Curriculares de textos orais, prevê a gravação em áudio ou
Nacionais abordam a questão da Análise vídeo - de uma exposição oral, ao vivo, como
Lingüística, atribuindo enorme importância para por meio do rádio ou da televisão, de um
o aprendizado da linguagem oral e escrita. Desse debate, um pronunciamento, uma entrevista,
modo, este Caderno Didático, ao que se refere etc. -, pois permite observar com atenção coisas
a essa questão, terá como apoio fundamental que não seriam possíveis apenas a partir da
essa obra, como referencial bibliográfico. escuta direta e voltar sobre elas, seja da fala do
Outro fator abordado na linguagem oral é a outro ou da própria fala.
diversidade lingüística, pois o que é facilmente Isso permite que se parta da fala para a
observável evidencia-se pelo contraste. As análise da linguagem, e não o contrário, como
atividades de leitura são sobremaneira costuma acontecer, pois, a partir de então,
importantes porque propõem discutir sobre busca-se a adequação da fala ou da escrita
diferentes sentidos dados aos textos e sobre os própria e alheia, a avaliação sobre a eficácia e
62
UNIDADE C

adequação de certas expressões no uso oral ou em atividades realizadas em parceria e sob a


escrito, os comentários sobre formas de falar orientação do professor, que permitem e exigem
ou escrever, a análise da pertinência de certas uma reflexão sobre a organização das idéias, os
substituições de enunciados, a imitação da procedimentos de coesão utilizados, a ortografia,
linguagem utilizada por outras pessoas, o uso a pontuação, etc. Essas situações, nas quais são
de citações, a identificação de marcas da trabalhadas as questões que surgem na
oralidade na escrita e vice-versa, a comparação produção, dão origem a um tipo de
entre diferentes sentidos atribuídos a um conhecimento que precisa ir se incorporando
mesmo texto, a intencionalidade implícita em progressivamente à atividade de escrita, para
textos lidos ou ouvidos, etc. melhorar sua qualidade. Dessa perspectiva, a
As atividades de revisão textual têm revisão de texto seria uma espécie de controle
um espaço de articulação das práticas de leitura, de qualidade da produção, necessário desde o
produção escrita e reflexão sobre a língua (e planejamento e ao longo do processo de
mesmo de comparação entre linguagem oral e redação e não somente após a finalização do
escrita. Chama-se revisão de texto o conjunto produto.
de procedimentos por meio dos quais um texto A revisão de texto, como situação didática,
é trabalhado até o ponto em que se decide exige que o professor selecione em quais
que está, para o momento, suficientemente aspectos pretende que os alunos se concentrem
bem escrito. Pressupõe a existência de de cada vez, pois não é possível tratar de todos
rascunhos sobre os quais se trabalha, produzindo ao mesmo tempo. Ou bem se foca a atenção
alterações que afetam tanto o conteúdo como na coerência da apresentação do conteúdo, nos
a forma do texto. aspectos coesivos e pontuação, ou na ortografia.
Durante a atividade de revisão, os alunos e E, quando se toma apenas um desses aspectos
o professor debruçam-se sobre o texto para revisar, é possível, ao fim da tarefa,
buscando melhorá-lo. Para tanto, precisam sistematizar os resultados do trabalho coletivo
aprender a detectar os pontos onde o que está e devolvê-lo organizadamente ao grupo de
dito não é o que se pretendia, isto é, identificar alunos.
os problemas do texto e aplicar os Para os escritores iniciantes, assim mesmo,
conhecimentos sobre a língua para resolvê-los: esta pode ser uma tarefa complexa, pois requer
acrescentando, retirando, deslocando ou distanciamento do próprio texto, procedimento
transformando porções do texto, com o objetivo difícil especialmente para crianças pequenas.
de torná-lo mais legível para o leitor. O que Nesse caso, é interessante utilizar textos alheios
pode significar tanto torná-lo mais claro e para serem analisados coletivamente, ocasião
compreensível quanto mais bonito e agradável em que o professor pode desempenhar um
de ler. Esse procedimento - parte integrante importante papel de modelo de revisor,
do próprio ato de escrever - é aprendido por colocando boas questões para serem analisadas
meio da participação do aluno em situações e dirigindo o olhar dos alunos para os problemas
coletivas de revisão do texto escrito, bem como a serem resolvidos.
63
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Quer seja com toda a classe, quer seja em Ortografia


pequenos grupos, a discussão sobre os textos De modo geral, o ensino da ortografia dá-se
alheios e próprios, além do objetivo imediato por meio da apresentação e repetição verbal
de buscar a eficácia e a correção da escrita, de regras, com sentido de "fórmulas", e da
tem objetivos pedagógicos importantes: o correção que o professor faz de redações e
desenvolvimento da atitude crítica em relação ditados, seguida de uma tarefa onde o aluno
à própria produção e a aprendizagem de copia várias vezes as palavras que escreveu
procedimentos eficientes para imprimir errado. E, apesar do grande investimento feito
qualidade aos textos. nesse tipo de atividade, os alunos - se bem
que capazes de "recitar" as regras quando
Aprendendo com textos solicitados - continuam a escrever errado.
Um tipo especial de trabalho de análise Ainda que tenha um forte apelo à memória,
lingüística - que quando bem realizado tem um a aprendizagem da ortografia não é um
grande impacto sobre a qualidade dos textos processo passivo: trata-se de uma construção
produzidos pelos alunos - é o de observar textos individual, para a qual a intervenção pedagógica
impressos de diferentes autores com a intenção tem muito a contribuir.
de desvelar a forma pela qual eles resolvem É importante que as estratégias didáticas
questões da textualidade. De preferência, textos para o ensino da ortografia se articulem em
especialmente bem escritos, de autores torno de dois eixos básicos:
reconhecidos, a fim de que, analisando os - o da distinção entre o que é "produtivo" e
recursos que utilizam, possam aprender com o que é "reprodutivo" na notação da ortografia
eles. São situações em que o grupo de alunos da língua, permitindo no primeiro caso, o
busca encontrar no texto a forma pela qual o descobrimento explícito de regras geradoras de
autor resolveu o problema da repetição por notações corretas e, quando não, a consciência
meio de substituições, ou observa as de que não há regras que justifiquem as formas
características da pontuação usada por um corretas fixadas pela norma; e
determinado autor que marca seu estilo - a distinção entre palavras de uso freqüente
particular, ou mesmo o rastreamento, em um e infreqüente na linguagem escrita impressa.
conto, de todas as expressões que o autor usou Em função dessas especificidades, o ensino da
para indicar mudança de lugar, de tempo ou ortografia deveria organizar-se de modo a
do personagem em cena: é possível que, assim, favorecer:
se amplie o repertório em uso pelos alunos, - a inferência dos princípios de geração da
que se avance no conhecimento de recursos escrita convencional, a partir da explicitação das
coesivos e até que, desta última lista de regularidades do sistema ortográfico (isso é
expressões, saia uma de locuções adverbiais (se possível utilizando como ponto de partida a
e quando for o caso). exploração ativa e a observação dessas
regularidades: é preciso fazer com que os alunos
explicitem suas suposições de como se
64
UNIDADE C

escrevem as palavras, reflitam sobre possíveis não requer necessariamente a utilização de


alternativas de grafia, comparem com a escrita nomenclatura gramatical.
convencional e tomem progressiva-mente É produtivo, em ortografia, o que se pode
consciência do funcionamento da ortografia); gerar a partir de regras - o que permite a escrita
de palavras nunca antes vistas por escrito - e
reprodutivo o que não se pode gerar, obrigando
o a tomada de consciência de que existem uma escrita de memória.
palavras cuja ortografia não é definida por A aprendizagem da ortografia das palavras
regras e exigem, portanto, a consulta a irregulares - cuja escrita não se orienta por
fontes autorizadas e o esforço de regularidades da norma - exige, em primeiro
memorização. lugar, a tomada de consciência de que, nesses
casos, não há regras que justifiquem as formas
corretas fixadas pela norma e, em segundo lugar,
Os casos em que as regras existem podem um posicionamento do professor a respeito de
ser descritos como produzidos por princípios quais dessas formas deverão receber um maior
geradores "biunívocos", "contextuais" e investimento no ensino.
"morfológicos". O princípio gerador biunívoco A posição que se defende é a de que,
é o próprio sistema alfabético nas independentemente de serem regulares ou
correspondências em que a cada grafema irregulares - definidas por regras ou não -, as
corresponde apenas um fonema e vice-versa. formas ortográficas mais freqüentes na escrita
As regras do tipo contextual (ex.: o uso de RR, devem ser aprendidas o quanto antes. Não se
QU, GU, NH, M/N antes de consoante, etc.) trata de definir rigidamente um conjunto de
são aquelas em que, apesar de se encontrar no palavras a ensinar e desconsiderar todas as
sistema alfabético mais de um grafema para outras, mas de tratar diferentemente, por
notar o mesmo fonema, a norma restringe os exemplo, a escrita inadequada de "quando" e
usos daqueles grafemas formulando regras que de "questiúncula", de "hoje" e de "homilia" -
se aplicam parcial ou universalmente aos dada a enorme diferenciação da freqüência de
contextos em que são usados. E, por fim, as uso de umas e outras. É preciso que se
regras do tipo morfológico são as que remetem diferencie o que deve estar automatizado o
aos aspectos morfológicos e à categoria mais cedo possível para liberar a atenção do
gramatical da palavra para poder decidir sua aluno para outros aspectos da escrita e o que
forma ortográfica (ex.: ANDA(R), PENSA(R): pode ser objeto de consulta ao dicionário.
verbos no infinitivo; FIZE(SS)E, OUVI(SS)E: A consulta ao dicionário pressupõe
imperfeito do subjuntivo; PORTUGUE(S)A, conhecimento sobre as convenções da escrita
INGLE(S)A: adjetivos gentílicos terminados em e sobre as do próprio portador: além de saber
/esa/; RIQUE(Z)A, POBRE(Z)A: substantivos que as palavras estão organizadas segundo a
terminados em /eza/, etc.). É importante ordem alfabética (não só das letras iniciais mas
observar que a realização desse tipo de trabalho também das seguintes), é preciso saber, por
65
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exemplo, que os verbos não aparecem etc. Assim, o manejo do dicionário precisa ser
flexionados, que o significado da palavra orientado, pois requer a aprendizagem de
procurada é um critério para verificar se procedimentos bastante complexos.
determinada escrita se refere realmente a ela,
André Schmitt da Silva Mello

Figura C.4: A consulta ao dicionário

O trabalho com a normatização ortográfica aspectos da notação escrita - como a pontuação


deve estar contextualizado, basicamente, em -, as restrições da norma ortográfica estão
situações em que os alunos tenham razões para definidas basicamente no nível da palavra. Isso
escrever corretamente, em que a legibilidade faz com que o ensino da ortografia possa
seja fundamental porque existem leitores de desenvolver-se por meio tanto de atividades
fato para a escrita que produzem. Deve estar que tenham o texto como fonte de reflexão
voltado para o desenvolvimento de uma atitude como de atividades que tenham palavras não
crítica em relação à própria escrita, ou seja, de necessariamente vinculadas a um texto
preocupação com a adequação e correção dos específico.
textos. No entanto, diferentemente de outros
66
UNIDADE C

Textualização: Ver
capítulo "linguagem,
atividade discursiva e
Pontuação se agrupam tipograficamente em parágrafos. A textualidade".

O ensino da pontuação tem-se confundido com pontuação aparece sempre em posições que Processamento da
leitura: A prática de
o ensino dos sinais de pontuação. A uma indicam fronteiras sintático-semânticas. Aliás, é leitura silenciosa
disseminou-se a partir
apresentação do tipo "serve para" ou "é usado principalmente para isso que ela serve: para
da produção de livros
para" segue-se uma exemplificação cujo objetivo separar. em escala industrial.
Até então o ato de ler
é servir de referência ao uso. Desse momento Aprender a pontuar é aprender a partir e a se confundia com o ato
de recitar o texto em
em diante costuma-se esperar que os alunos reagrupar o fluxo do texto de forma a indicar voz alta.
incorporem a pontuação a seus textos. ao leitor os sentidos propostos pelo autor,
Forma moderna de ler
A partir da compreensão de que o obtendo assim efeitos estilísticos. O escritor O estudo de textos
antigos mostra que
procedimento de pontuar é parte da atividade indica as separações (pontuando) e sua natureza quem pontuava o texto
não era o escritor e
de textualização, essa abordagem se mostra (escolhendo o sinal) e com isso estabelece sim o leitor. Ele lia,
inadequada e indica a necessidade de rever formas de articulação entre as partes que estabelecia a sua
interpretação e
algumas idéias, nem sempre explícitas, sobre afetam diretamente as possibilidades de sentido. preparava a leitura em
voz alta marcando de
as quais esta didática se apóia. A primeira delas A única regra obrigatória da pontuação é a próprio punho as
é que a pontuação serviria para indicar as que diz onde não se pode pontuar: entre o pausas que considerava
necessárias ao bom
pausas na leitura em voz alta e a segunda é sujeito e o verbo e entre o verbo e seu entendimento pelos
ouvintes. Hoje, quando
que o que se pontuam são as frases. complemento. Tudo o mais são possibilidades. o texto impresso é
formado para ser lido
A história da pontuação é tributária da história Por isso - ao contrário da ortografia - na diretamente pelo olho,
das práticas sociais de leitura. O costume de pontuação a fronteira entre o certo e o errado sem precisar passar
pela sonorização do
ler apenas com os olhos, que caracteriza a forma nem sempre é bem definida. Há, quase sempre, que está escrito, esta
função, de estreitar o
moderna de ler, incorporou ao texto um aparato mais de uma possibilidade de pontuar um texto, campo das
possibilidades de
gráfico cuja função é indicar ao leitor unidades a ponto de alguns gramáticos (ALMEIDA, 1994,
interpretação indicando
para o processamento da leitura. Na página apud PCN) apresentarem-na como "a arte de graficamente as
unidades de
impressa, a pontuação - aí considerados os dividir, por meio de sinais gráficos, as partes do processamento e sua
hierarquia interna,
brancos da escrita: espaços entre parágrafos e discurso que não têm entre si ligação íntima, e pertence ao escritor.
alíneas - organiza o texto para a leitura visual de mostrar do modo mais claro as relações que
Alíneas: Usou-se o
fragmentando-o em unidades separadas de tal existem entre essas partes". termo "alínea" para
designar o recurso da
forma que a leitura possa reencontrar, na Aprender a pontuar não é, portanto, aprender linha no início dos
parágrafos.
articulação visual da página, as conexões um conjunto de regras a seguir e sim aprender
Texto escrito - Convém
intelectuais ou discursivas do raciocínio. um procedimento que incide diretamente sobre lembrar que, se é
verdade que sempre
Não se trata, portanto, de indicar pausas para a textualidade. Um procedimento que só é que há uma vírgula (no
escritor) há uma pausa
respirar, pois, ainda que um locutor possa usar possível aprender sob tutoria, isto é, fazendo (no oral), o contrário
a pontuação para isso, não é essa sua função juntamente com quem sabe: não é verdadeiro. É
comum, por exemplo,
no texto escrito. - conversando sobre as decisões que cada fazer uma pausa (no
oral) entre o sujeito e
O texto não é uma soma de frases, é um um tomou ao pontuar e por quê; o predicado de uma
oração, o que seria
fluxo contínuo que precisa ser dividido em - analisando alternativas tanto do ponto de inconcebível por
partes frase que podem ou não conter partes vista do sentido desejado quanto dos aspectos escrito.

também - os apostos, por exemplo. Frases que estilísticos e escolhendo a que parece melhor
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Parágrafos: O entre as possíveis; legibilidade dos textos e, por outro, a


parágrafo, segundo
Todorov (DUCROT e
- observando os usos característicos da capacidade dos alunos em cada momento.
TODOROV, 1988), é pontuação nos diferentes gêneros e suas razões A propriedade que a linguagem tem de
uma unidade
tipográfica de várias (a grande quantidade de vírgulas/aposições nas poder referir-se a si mesma é o que torna
frases.
notícias jornalísticas como instrumento para possível a análise da língua e o que define um
condensar o texto, por exemplo); vocabulário próprio, uma metalinguagem. Em
- analisando os efeitos estilísticos obtidos relação a essa terminologia característica, é
por meio da pontuação pelos bons autores. preciso considerar que, embora seja peculiar a
situações de análise lingüística (em que
Aspectos gramaticais inevitavelmente se fala sobre língua), não se
É no interior da situação de produção de texto, deve sobrecarregar os alunos com um
enquanto o escritor monitora a própria escrita palavreado sem função, justificado
para assegurar sua adequação, coerência, coesão exclusivamente pela tradição de ensiná-lo. O
e correção, que ganham utilidade os critério do que deve ser ou não ensinado é
conhecimentos sobre os aspectos gramaticais. muito simples: apenas os termos que tenham
utilidade para abordar os conteúdos e facilitar
a comunicação nas atividades de reflexão sobre
Saber o que é substantivo, adjetivo, verbo, a língua excluindo-se tudo o que for
artigo, preposição, sujeito, predicado, etc. desnecessário e costuma apenas confundir os
não significa ser capaz de construir bons alunos.
textos, empregando bem esses Por exemplo, torna-se necessário saber, nas
conhecimentos. séries iniciais, o que é "proparoxítona", no fim
de um processo em que os alunos, sob
orientação do professor, analisam e estabelecem
Quando se enfatiza a importância das regularidades na acentuação de palavras e
atividades de revisão é por esta razão: trata-se chegam à regra de que são sempre acentuadas
de uma oportunidade privilegiada de ensinar o as palavras em que a sílaba tônica é a
aluno a utilizar os conhecimentos que possui, antepenúltima. Também é possível ensinar
ao mesmo tempo em que é fonte de conteúdos concordância sem necessariamente falar em
a serem trabalhados. Isso porque os aspectos sujeito ou em verbo.
gramaticais - e outros discursivos como a Isso não significa que não é para ensinar
pontuação - devem ser selecionados a partir fonética, morfologia ou sintaxe, mas que elas
dos das produções escritas dos alunos. O critério devem ser oferecidas à medida que se tornarem
de relevância dos aspectos identificados como necessárias para a reflexão sobre a língua.
problemáticos - que precisam, portanto, ser Finalmente, é preciso voltar a enfatizar o
ensinados prioritariamente - deve ser composto papel que o trabalho em grupo desempenha
pela combinação de dois fatores: por um lado, em atividades de análise e reflexão sobre a
o que pode contribuir para maior adequação e língua: é um espaço de discussão de estratégias
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UNIDADE C

para a resolução das questões que se colocam oral, é preciso organizar o trabalho educativo
como problemas, de busca de alternativas, de nessa perspectiva.
verificação de diferentes hipóteses, de Sendo assim, ainda que os conteúdos
comparação de diferentes pontos de vista, de relacionados a esse tipo de prática estejam
colaboração entre os alunos para a resolução organizados num bloco separado, eles devem
de tarefas de aprendizagem. O princípio didático remeter-se diretamente às atividades de uso
básico das atividades não apenas deste bloco, da linguagem. Mais do que isso, devem estar a
mas de todos os outros, é sempre o mesmo: seu serviço.
partir do que os alunos já sabem sobre o que
se pretende ensinar e focar o trabalho nas
questões que representam dificuldades para
que adquiram conhecimentos que possam
melhorar sua capacidade de uso da linguagem. Tendo como base os conteúdos estudados,
Nesse sentido, pretende-se que o aluno evolua apresente exemplos de metodologias de
não só como usuário, mas que possa assumir, ensino para o ensino da Língua Portuguesa,
progressivamente, o monitoramento da própria especificamente leitura, produção textual
atividade lingüística. e análise lingüística, voltadas à Educação
Se o objetivo é que os alunos utilizem os Especial. As orientações acerca dessa
conhecimentos adquiridos por meio da prática atividade serão fornecidas pelo professor
de reflexão sobre a língua para melhorar a da disciplina e estarão disponíveis no
capacidade de compreensão e expressão, tanto ambiente virtual.
em situações de comunicação escrita quanto

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