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Licenciatura em Letras

Língua Portuguesa
modalidade a distância
1

Disciplina
Psicologia
da Aprendizagem
Licenciatura em Letras
2 Língua Portuguesa
modalidade a distância

MATERIAL DIDÁTICO
ELABORAÇÃO DO CONTEÚDO
Laura Maria Silva Araújo Alves

REVISÃO
Maria Risolêta Silva Julião

COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO
Maria Cristina Ataide Lobato

CAPA, PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA


Ana Petruccelli
Káyra Matos Badarane

IMPRESSÃO
Gráfica Universitária - UFPA

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) –


Biblioteca do ILC/ UFPA, Belém – PA

Fairchild, Thomas Massao.


Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa I/ Thomas Massao Fairchild.
– Belém: EditAedi, 2014. v.12.
Textos didáticos do Curso de Licenciatura em Letras – Habilitação em
Língua Portuguesa – Modalidade a Distância.
ISBN:
1. Ensino-Aprendizagem. 2. Língua Portuguesa. 3. Linguística. I. Thomas
Massao Fairchild. II. Título.
Laura Maria Silva Araújo Alves

Disciplina
Psicologia
da Aprendizagem

Belém-Pa
2014

volume 15
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MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Aloizio Mercadante Oliva

SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MEC


José Henrique Paim Fernandes

DIRETOR DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


João Carlos Teatini de Souza Clímaco

REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


Carlos Edilson de Almeida Maneschy

VICE-REITOR
Horácio Schneider

PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO (UFPA)


Marlene Rodrigues Medeiros Freitas

ASSESSOR ESPECIAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (AEDI)


José Miguel Martins Veloso

DIRETOR DO INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO (ILC)


Otacílio Amaral Filho

DIRETOR DA FACULDADE DE LETRAS (FALE)


Elizabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade

COORDENADORA DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS


HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – MODALIDADE A DISTÂNCIA
Maria de Fátima do Nascimento
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SUMÁRIO
Unidade 1 – Processos de aprendizagem ..... 9
Atividade 1 – Conceiros, características e tipos de aprendizagem ..... 11
Atividade 2 – Maturação e aprendizagem ..... 17
Atividade 3 – Motivação e aprendizagem ..... 25

Unidade 2 – Teorias da aprendizagem ..... 33


Atividade 4 – Abordagem comportamentista (Skinner, Bandura e Gagné) ..... 35
Atividade 5 – Abordagem cognitivista (Piaget, Ausubel e Bruner) ..... 49
Atividade 6 – Abordagem humanista (Rogers) ..... 67
Atividade 7 – Abordagem sócio-histórica (Vygotsky) ..... 75

Unidade 3 – Multiculturalismo, aprendizagem e desenvolvimento humano ..... 81


Atividade 8 – A linguagem como mediadora da aprendizagem e desenvolvimento ..... 83
Atividade 9 – A rede de significações no desenvolvimento humano ..... 93
Atividade 10 – Cultura e desenvolvimento humano ..... 101
Atividade 11 – Culturas infantis e a infância ..... 109
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APRESENTAÇÃO
Caro (a) aluno (a),
Psicologia da Aprendizagem é uma disciplina que faz parte do sexto módulo do
Curso de Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa – na Modalidade a Distância.
Esta disciplina, que tem uma carga horária de 68 horas, centra-se em conhecer os
processos de aprendizagem; as várias abordagens que deram surgimento às teorias da
aprendizagem (Skinner, Bandura, Gagné, Piaget, Ausubel, Bruner, Rogers e Vygotsky);
o multicuturalismo, a aprendizagem e o desenvolvimento humano. Na última unidade,
você vai conhecer a linguagem, a rede de significações e as culturas infantis.

Para cumprir os objetivos estabelecidos na ementa da disciplina, o conteúdo está


organizado em três unidades, que se dividem em onze subunidades, conforme o sumário.

Durante o período de desenvolvimento desta disciplina, você deverá proceder ao


estudo das atividades previstas no planejamento. Nos dias determinados para os encontros
presenciais, você poderá discutir com o seu tutor o conteúdo estudado nos dias anteriores,
tirar suas dúvidas, entregar o resultado de seus exercícios e realizar as avaliações. Ademais,
no decorrer de seus estudos, procure observar os objetivos de aprendizagem propostos
na introdução de cada unidade didática.

Estão previstas 20 horas por semana para você proceder à leitura do material
didático, ao estudo dos conteúdos, ao desenvolvimento dos exercícios. O seu bom
desempenho neste ou em qualquer módulo do curso depende, em parte, da sua capacidade
de se disciplinar. Não deixe de participar dos encontros com seu tutor e com os colegas,
pois essas interações são imprescindíveis ao alcance sucesso no processo de ensino
aprendizagem. Portanto, organize-se.

Bom estudo!
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Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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u n i d a d e 1

PROCESSOS
DE APRENDIZAGEM
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Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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CONCEITOS,
CARACTERÍSTICAS E TIPOS
DE APRENDIZAGEM

a t i v i d a d e 1
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objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• conhecer os conceitos de aprendizagem;
• distinguir os tipos de aprendizagem;
• identificar as características da aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Os conteúdos reunidos nesta atividade têm como objetivo possibilitar
o entendimento dos processos de aprendizagem além da busca de novas
leituras que possam auxiliá-lo a compreender os aspectos fundamentais
desses processos. Para tal, convidamos vocês a nos acompanhar
nesse estudo e a conhecer os diversos conceitos de aprendizagem, o
s tipos e as características da aprendizagem.
Iniciamos esta Unidade com as seguintes questões que visam à compreensão
sobre aprendizagem e sua importância no ensino. Você sabe o que é
aprendizagem? Qual a relação entre aprendizagem e ensino? Que fatores
ajudam no processo de aprendizagem? Como as teorias psicológicas
explicam o processo de aprendizagem?

Apesar da vasta literatura sobre aprendizagem nos últimos anos, psicólogos e


educadores em geral consideram que a aprendizagem é um processo complexo, pois
envolve muitas variáveis e está norteado por fatores internos e externos, individuais e
sociais. Muitos desses estudos, graças a pesquisas em laboratório e em sala de aula, têm
apontado aspectos úteis para professores, treinadores e outros profissionais responsáveis
por orientar e facilitar a aprendizagem.

Contamos hoje com um respeitável conjunto de pesquisas científicas, que instru-


mentaliza muitos profissionais na busca de uma aprendizagem mais eficiente, duradoura,
gratificadora, proveitosa e significativa para o sujeito aprendiz. “Aprender” é uma palavra
muito antiga. Na língua portuguesa significa fixar na mente ou na memória, conhecer algo.

O ser humano, desde o nascimento, aprende a conviver com as outras pessoas,


aprende os valores culturais; aprende a desempenhar papeis sociais; aprende a usar ins-
trumentos e signos construídos historicamente pelo ser humano; aprende a ter desejos e
interesses. Neste sentido, a aprendizagem envolve o uso e desenvolvimento de todas as
capacidades e potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e afetivas.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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A maioria das definições destaca os aspectos externos observáveis da aprendizagem


e as mudanças de comportamento ou de desempenho. Mas aprendizagem é muito mais
abrangente. O desenvolvimento está sempre relacionado com
a experiência de aprendizagem: é preciso que o sujeito apren-
da coisas novas, pois só assim desenvolverá suas capacidades APRENDIZAGEM

cognitivas, motoras e afetivas. Observe algumas das numerosas


definições de aprendizagem propostas
A maioria das pessoas, não versada em psicologia, tem a por vários teóricos:
• A aprendizagem ocorre sempre
tendência de conceber a aprendizagem como significante para
que o comportamento do aprendiz
adquirir habilidades e competências em leitura, escrita, conhe- exibe uma mudança ou tendência
cimentos de artes, história, geografia, entre outros. Trata-se de progressiva.
uma concepção limitada de aprendizagem, pois aprendizagem • A aprendizagem consiste na
é muito mais complexo que se pode imaginar. assimilação de informação.
• Aprendizagem é a aquisição de
Aprendizagem não é apenas aquisição de conhecimentos conhecimentos, na qual a modificação
ou aquisição de desempenho. É um fenômeno que abrange três e a combinação de estruturas
áreas do desenvolvimento humano, quais sejam: cognitiva, cognitivas são os processos básicos.

psicomotora e afetiva. Veja o esquema ao lado sobre a dinâmica • Aprendizagem refere-se à mudança
no comportamento de um sujeito
de interação desses três elementos da aprendizagem.
a uma determinada situação.
• Aprendizagem pode ser definida
Dinâmica da interação entre como um processo de construção
os elementos da aprendizagem e de assimilação de uma nova resposta.
• Aprendizagem é uma modificação
no desempenho que ocorre em função
da prática.
• Aprendizagem é um processo que
se manifesta por meio de mudanças
adaptadas no comportamento
individual.
• Aprendizagem pode ser definida
como um processo de construção
e de assimilação de uma nova resposta.

Aprendizagem Cognitiva é aquela que resulta no armazenamento organizado de


informações na mente do ser que aprende. Esse complexo organizado é conhecido como
estrutura cognitiva. Na aprendizagem cognitiva é o sujeito ao processar a aprendizagem,
aciona elementos de natureza intelectual, tais como a percepção, a atenção, a raciocínio,
a memória, a abstração, o julgamento, entre outros. Assim, para que o sujeito aprenda de
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APRENDIZAGEM
forma não-mecânica, por exemplo, uma data histórica, são
Como exemplo de aprendizagem
necessárias as causas e as consequências deste fato histórico
cognitiva podemos citar atividades
desenvolvidas pelo sujeito para que o sujeito reelabore o conhecimento a ser adquirido.
cotidianamente: ler um livro, fazer um
Aprendizagem Psicomotora é aquela que envolve
cálculo, tocar um instrumento musical,
teclar um computador, entre outras. respostas musculares adquiridas mediante treino e prática.
Um exemplo de aprendizagem Há, de fato, aprendizagens em que é importante à aquisição
psicomotora: quando uma criança de habilidades psicomotoras. A aprendizagem psicomotora
começa a aprender a escrever é aquela em que o sujeito utiliza o desenvolvimento motor
percebe-se que todo o seu corpo fica
na aprendizagem, que pode ser classificado em dois tipos:
tenso, seus dedos tornam-se rígidos,
agarrando o lápis com muita força; primário e secundário. O tipo primário inclui os movimentos
observa-se, que só com a prática globais do corpo, como andar, saltar, atirar, nadar, correr,
os movimentos ficam mais flexíveis entre outros; já o secundário envolve o controle de músculos
e mais delicados. Portanto,
menores, como escrever e usar instrumentos que exigem a
determinadas aprendizagens
exigem o envolvimento coordenação dos músculos.
de aspectos psicomotores.
Aprendizagem Afetiva é aquela que resulta de sinais
Entre as diversas aprendizagens
internos ao indivíduo e pode ser identificada como experi-
afetivas podemos destacar as
preferências por determinados ências, tais como prazer e dor, satisfação ou descontenta-
atividades como: esportes, cinema, mento, alegria ou ansiedade. Algumas experiências afetivas
leituras, músicas, entre outras. acompanham sempre as experiências cognitivas, portanto
a aprendizagem afetiva é concomitante com a cognitiva. A
aprendizagem afetiva, que é também conhecida como apren-
dizagem apreciativa e aprendizagem emocional, compreende atitudes e valores sociais,
definidos por gostos, preferências, simpatias, costumes, crenças, hábitos e ideais. Todo ser
humano busca em suas aprendizagens o envolvimento de emoções que lhe proporcione
prazer e satisfação.

Você já deve ter percebido que a aprendizagem acontece no decorrer de toda a


vida do ser humano. Trata-se de um processo importante para o desenvolvimento do
sujeito, no qual estão envolvidos aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores. Para que
você compreenda bem o que é aprendizagem, apresentamos algumas características
básicas, a seguir:
- Processo Dinâmico: a aprendizagem não é um processo passivo, pois se trata de
uma atividade emocional e cognitiva, que envolve a participação total e global do sujeito,
em seus diferentes aspectos: físico, intelectual, emocional e social.
- Processo Contínuo: a aprendizagem é um processo que se inicia desde o nasci-
mento. O bebê, nos primeiros meses de vida, aprende a sugar o seio materno e desenvolve
outras aprendizagens vitais para sua sobrevivência, como, por exemplo, movimentos de
deglutição e respiração. Os conhecimentos que o sujeito apresenta e que correspondem
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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a um percurso de aprendizagem contínuo são fundamentais na aprendizagem de novos


conhecimentos.

- Processo Global: a aprendizagem é global, porque abrange elementos cognitivos,


afetivos e psicomotores. Assim, uma aprendizagem exige do sujeito a participação de
aspectos do intelecto ou mentais, como percepção, atenção, raciocínio, memória; a par-
ticipação de aspectos emocionais, como interesses e desejos em aprender; a participação
de aspectos motores, como movimentos físicos.
- Processo Pessoal: a aprendizagem é individual, pois ninguém aprende por ou-
trem, ou seja, é um processo intransferível de um sujeito para outro. O caráter pessoal
da aprendizagem promoveu o ensino centrado na pessoa do aprendiz.
- Processo Gradativo: aprendizagem é um processo que se desenvolve por etapas
gradativas que vai de atividades simples para mais complexas. Cada nova aprendizagem
acontece ancorada em aprendizagem anterior, pois realizamos nossas aprendizagens
partindo de operações simples até as operações mais complexas, que exigem do sujeito
conhecimentos anteriores.
- Processo Cumulativo: a aprendizagem resulta de um progressivo acúmulo de
conhecimentos anteriores. A aprendizagem constitui-se em um processo pelo qual acu-
mulamos as experiências que levarão à organização de novos conhecimentos que modi-
ficarão o comportamento do aprendiz. O processo de aprendizagem é pessoal, e resulta
na construção de que, por sua vez, influenciam as aprendizagens futuras. Ao aprender,
o sujeito acrescenta aos conhecimentos que possui novos conhecimentos, estabelece
ligações entre o que é novo e o que já existia em sua estrutura cognitiva.

exercício
1. Elabore uma pesquisa, em bibliotecas e na internet, sobre os diversos conceitos de
aprendizagem.

2. Disserte sobre a importância dos desejos, gostos e necessidades na escolha de uma


aprendizagem.

3. Faça um texto, de quatro a cinco parágrafos, destacando a necessidade da aprendizagem


na escola ser cumulativa e gradativa.

4. Sugerimos que você assista ao filme “Nenhum a Menos”, vencedor do festival de Veneza
de 1999, e faça as atividades que se propõe a seguir:
a) relacione as atitudes da personagem central com os tipos de aprendizagem;
b) descreva os comportamentos das personagens considerando as características da
aprendizagem.
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modalidade a distância

bibliografia
bock, Ana Maria, gonçalves, Mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia Sócio-Histórica:
uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
campos, Dinah Martins de S. Psicologia da Aprendizagem. São Paulo: Vozes, 1987.
moreira, Marco Antônio. Ensino Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo: Editora
Moraes, 1987.
netto, Samuel Pfromm. Psicologia da Aprendizagem e do ensino. São Paulo: Editora da usp, 1987.

resumo da atividade 1
Como o objetivo de apresentar os conceitos de aprendizagem, nesta atividade
aprendemos que o ser humano desde o nascimento aprende a conviver com as outras
pessoas; aprende os valores culturais; aprende a desempenhar papeis sociais; aprende a
usar instrumentos e signos construídos historicamente pelo ser humano; aprende a ter
desejos e interesses. Nesse sentido, a aprendizagem envolve o uso e desenvolvimento de
todas as capacidades e potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e afetivas.
Abordamos ainda, nesta atividade, que a aprendizagem — um processo importante para
o desenvolvimento do sujeito — abrange aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores.
Destacamos também que a aprendizagem humana apresenta algumas características
básicas como: dinâmica, contínua, global, pessoal, gradativa e cumulativa.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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MATURAÇÃO
E APRENDIZAGEM

a t i v i d a d e 2
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objetivos
Ao final desta atividade, você terá capacidade de
• conhecer a abordagem maturacionista;
• identificar as matrizes inatista - maturacionistas;
• distinguir os princípios da abordagem inatista - maturacionista.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Tem início aqui a atividade 2, sobre maturação e aprendizagem e os
princípios de determinam a maturação como elemento importante para o
desenvolvimento e a aprendizagem. O conteúdo desta atividade certamente
contribuirá para o aprofundamento sobre os fatores determinantes da
maturação. Para início de conversa, perguntamos: você acha que os fatores
biológicos são determinantes para a aprendizagem? Os elementos biológicos
são mais importantes para aprendizagem do que a experiência?

A abordagem inatista - maturacionista atribui papel central aos fatores biológicos,


pressupondo serem os fatores hereditários ou de maturação mais importante para o
desenvolvimento do que os relacionados com a aprendizagem e com a experiência. Isto
é, o desenvolvimento do comportamento e das habilidades da criança é governado por
um processo de maturação biológica, independente da aprendizagem e da experiência.

A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de traços e características


que o sujeito recebe de seus pais, ou seja, herança genética como, por exemplo, a cor dos
olhos e do cabelo, o tipo sanguíneo etc.

Partindo do princípio de que os fatores biológicos determinam o desenvolvimento


dos sujeitos, os teóricos da abordagem inatista-maturacionista supõem que a inteligência
é uma característica herdada, isto é, é determinada biologicamente quando a criança
nasce. O papel do meio social é, portanto, o da educação, que permitirá ou impedirá que
as aptidões inatas se manifestem. Considera-se, assim, que as diferenças individuais são
determinadas pela herança genética e não pelas diferenças culturais ou pelas possíveis
oportunidades.

Para a abordagem inatista - maturacionista, a aprendizagem depende do desenvol-


vimento, isto é, do nível de maturidade ou prontidão do sujeito. A partir dessa percepção,
foi definida a premissa de que existe uma ideia precisa para aprender certos conteúdos.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
19

No começo do século xx, os pesquisadores procuraram investigar as diferenças


individuais e hereditariedade da inteligência. Perguntavam-se: Por que as pessoas são
diferentes uma das outras? Por que alguns sujeitos parecem ter tendência a determinadas
atividades enquanto outras se sentem melhor com outras bem
diferentes? Há diferenças entres os sujeitos quanto a trações
BINET
de personalidade, de habilidades, de desempenho intelectual? Alfred Binet nasceu em 8 de julho
de 1857 em Nice, e faleceu em 18
Os pesquisadores constataram, de um lado, que sujei- de outubro de 1911 em Paris. Teve
tos com aptidão, por exemplo, para a música normalmente importante papel no desenvolvimento
tinham contato com familiares que apresentavam a mesma da psicologia experimental na França
aptidão e, de outro lado, que havia também diferenças de e deu uma contribuição fundamental
à avaliação da inteligência por meio
aptidões e de traços mentais entre sujeitos de sexo e raças de testes desenhados para esse fim.
diferentes. Binet passou a trabalhar no laboratório
de pesquisa da Sorbonne em 1891 e foi
As considerações feitas pelos pesquisadores apontam seu diretor de 1895 a 1911. A partir de
que os fatores inatos são mais poderosos na determinação então procurou desenvolver testes de
das aptidões individuais e do grau em que estas podem se avaliação da inteligência e habilidades
do indivíduo. Em 1903 publicou L'ttude
desenvolver do que a experiência, o meio social e a educação.
experimentale de l'intelligence, com
Segundo eles, uma criança que é filha de músicos apresenta base na observação das características
facilidade para aprender música porque herdou de seus mentais de suas duas filhas. A partir de
familiares, e não porque conviveu em um ambiente onde a 1905, em colaboração com Theodore
música é valorizada. Simon, desenvolveu escalas para medir
a inteligência das crianças, introduzindo
Foi justamente no início do século passado que os o conceito de idade mental. Estas
escalas foram a base de todos os testes
pesquisadores ocuparam suas investigações na busca de
de inteligência realizados mais tarde.
entender as diferenças individuais e, consequentemente,
avaliar a inteligência.

Interessado em investigar a inteligência da criança, Binet propõe, por meio da


experimentação e observação, considerações sobre como as crianças eram capazes de
executar tarefas e sobre como seria possível medir a sua inteligência.

Binet partiu da experimentação e da observação de que as crianças eram capazes


de fazer em idades variadas. Ele selecionou questões cuja solução envolvesse os efeitos
combinados de atenção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens an-
teriores. As questões eram organizadas em grupos por idade, e, se um teste era resolvido
satisfatoriamente por 60% a 90% das crianças de determinada idade, ele era considerado
adequado para aquela idade.

Ao seguir esse mesmo procedimento, Binet selecionava um número determinado


de tarefas, em ordem crescente de dificuldades, para cada idade. O teste de inteligência
avaliava sujeitos dos 3 anos de idade até a fase adulta. Assim, se uma criança conseguisse
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resolver todos os testes propostos para cada idade, sua inteligência seria considerada
normal. Se ela resolvesse tarefas para crianças com mais idade, seu qi estaria acima da
média. E, se, ao contrário, ela acertasse questões propostas a crianças de menor idade,
sua inteligência seria considerada abaixo da média.

As idéias de Binet (psicólogo que, com a colaboração de Simon, desenvolveu o teste


de inteligência qi) são representativas da abordagem inatista; são marcantes na prática
escolar, e, principalmente, chamam a atenção para as especificidades da criança, como
os conceitos de prontidão, da maturidade, de idade e de aptidão.

Em suma, a ênfase dada aos fatores biológicos reduz a criança a um conjunto de


habilidades inatas, desconsiderando os fatores sociais e históricos que fazem parte do
sucesso ou do insucesso na aprendizagem e no desenvolvimento do sujeito. A inteligência
de um sujeito não é a qualidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de
julgar, compreender e raciocinar.

Essas habilidades, segundo Binet, não podem ser aprendidas, mas, ao contrário,
são biologicamente determinadas. Portanto, a inteligência é vista com atributo fixado
pela hereditariedade.

Interessado em investigar a inteligência da criança, Binet realiza por meio da ex-


perimentação e observação, considerações de como as crianças eram capazes de executar
tarefas e assim medir a sua inteligência.

Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças eram capazes


de fazer em idades variadas. Ele selecionou questões cuja solução envolvesse os efeitos
combinados de atenção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens an-
teriores. As questões eram organizadas em grupos por idade, e se um teste era resolvido
satisfatoriamente por 60% a 90% das crianças de determinada idade, ela era considerada
adequada para aquela idade. Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número
determinado de tarefas, em ordem crescente de dificuldades, para cada idade. O teste
de inteligência avaliava sujeitos dos 3 anos até a idades adulta. Assim, se uma criança
conseguisse resolver todos os testes propostos para cada idade, sua inteligência seria con-
siderada normal. Se ela resolvesse tarefas para crianças mais velhas, se qi estaria acima
da média. E se, ao contrário, ela acertar questões propostas para crianças mais novas, sua
inteligência seria considerada abaixo da média.

As idéias de Binet (psicólogo que, com a colaboração de Simon, desenvolveu o teste


de inteligência qi são representativas da abordagem inatista; são marcantes na prática
escolar, e, principalmente chamam a atenção para as especificidades da criança, como
os conceitos de prontidão, de maturidade, de idade e de aptidão.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
21

Em suma, a ênfase dada aos fatores biológicos reduz a criança a um conjunto de


habilidades inatas. Desconsidera-se assim, os fatores sociais e históricos que fazem parte
do sucesso ou do insucesso na aprendizagem e no desenvolvimento do sujeito.

A inteligência de um sujeito não é a qualidade de conhecimentos que ele possui,


mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar. Essas habilidades, segundo
Binet, não podem ser aprendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas.
Portanto, a inteligência é vista como atributo fixado pela
hereditariedade.
ARNOLD GESELL
Também Arnold Gesell, outro pesquisador teórico da Arnold L. Gesell nasceu em 21 de junho
maturação, defendia a prioridade dos fatores de maturação de 1880 em Alma, Estados Unidos e
faleceu em 29 de maio de 1961 em New
sobre os fatores de aprendizagem, ou de experiência, na
Haven, Estados Unidos.
evolução do comportamento da criança. Para ele, há um Foi o psicólogo desenvolvimentista
padrão de desenvolvimento comum à maioria das crianças: que demonstrou maior interesse
é o processo de biológico. Em outras palavras, para Gesell, pelos aspectos maturacionais em
desenvolvimento humano. Estudou na
a evolução psicológica da criança seria determinada biolo-
Universidade de Clark (Massachuts),
gicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no onde foi influenciado a pesquisar
útero materno. O ambiente social e as influências externas, o desenvolvimento infantil. Em
geralmente, limitam-se a facilitar ou dificultar o processo de 1906, doutorou-se na mesma
maturação. Assim, o desenvolvimento se processa no ritmo universidade e em 1911 dirigiu uma
Psicoclínica, conhecida como Clínica
e sequência determinados pela maturação.
de Desenvolvimento Infantil. Os
Para exemplificar essa visão de Gesell, podemos des- seus primeiros trabalhos visaram o
estudo do atraso mental nas crianças,
tacar como exemplo uma criança que raramente é tirada do
mas cedo percebeu que é necessária
berço e deixada à vontade no chão. Provavelmente a criança a compreensão do desenvolvimento
nessa condição vai demorar mais para engatinhar ou andar. normal para se compreender um
desenvolvimento anormal.
Como se vê, tanto Binet quanto Gesell acreditavam
que a inteligência e o desenvolvimento psíquico da criança
são biologicamente determinados. Assim como Binet, Gesell também se utilizou da
observação e experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvi-
mento. No entanto, Gesell utiliza uma nova técnica de observação dos comportamentos
das crianças - as câmaras cinematográficas. Essa inovação fez com que Gesell criasse um
observatório cinematográfico na Clínica do Desenvolvimento da Criança, em 1930, para
registrar todas as reações das crianças.

É importante ressaltar que tanto Binet quanto Gesell desenvolveram trabalhos


sobre os comportamentos típicos da criança de cada faixa etária. Entretanto defendiam
aspectos diferentes: Gesell não apenas destacava quais são os comportamentos infantis
comuns a determinada idade, mas também procurava investigar a maneira como esses
comportamentos evoluem, transformam-se. Binet, por sua vez, preocupava-se com
Licenciatura em Letras
22 Língua Portuguesa
modalidade a distância

aqueles comportamentos que, numa determinada idade, pudessem ser tomados como
indicadores do nível de inteligência da criança, ou seja, a evolução dos comportamentos
considerados típicos não o interessaram, mas sim a capacidade da criança de realizar as
tarefas na idade tida como adequada.

Partido das concepções apresentadas por Binet e Gesell, a perspectiva inatista -


maturacionista entende que a aprendizagem depende do desenvolvimento. Isto é, o que
a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas
habilidades e do seu pensamento ou pelo seu nível de inteligência. Enfim, a abordagem
inatista-maturacionista entende que a criança é portadora de atributos universais
(biológicos).

exercício
1. Analise a seguinte afirmativa: “Os fatores biológicos (hereditariedade e maturação) são
mais decisivos na determinação da inteligência e do desenvolvimento do que os fatores
externos ou do contexto social em que vivem as crianças”.

2. Parafraseando o ditado popular “filho de peixe, peixinho é”, o que você acha da abor-
dagem do inatista - maturacionistas de que uma criança que é filha, neta ou sobrinha
de músico apresenta inclinação e facilidades para aprender música. Você acha que tal
aptidão existe porque a criança herdou ou porque foi educada num ambiente que favo-
receu contato com a música?

3. Leia o livro “A Terra dos Meninos Pelados”, de Graciliano Ramos. Neste livro, o refe-
rido autor conta história de um menino considerado diferente. Após a leitura, procure
desenvolver as seguintes atividades:
a) exponha as diferenças sentidas pelo menino;
b) apresente as consequências dessas diferenças na vida do menino.

bibliografia
binet, a.; simon, t. Testes para medida do desenvolvimento da inteligência nas crianças. São
Paulo: Editora Companhia Melhoramentos, 1929.
gesell, Arnold. Criança dos 5 aos 10 anos. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
______. O jovem dos 10 anos aos 16 anos. Lisboa: Publicação Dom Quixote, 1996.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
23

resumo da atividade 2
Nesta atividade procuramos destacar que, para a abordagem inatista - matura-
cionista, a aprendizagem depende do desenvolvimento, ou seja, que o sujeito é capaz ou
não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades. A ideia é
que o sujeito é portador de atributos universais. Verificamos também que a maturação,
aptidão, inteligência são temas destacados pelos inatistas - maturacionistas, que atribuem
um papel central a fatores biológicos no desenvolvimento do sujeito. Aproveitamos para
destacar os estudos em psicologia desenvolvidos no início do século xx pelos pesquisa-
dores Alfred Binet e Arnold Gesell.
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modalidade a distância
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
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MOTIVAÇÃO
E APRENDIZAGEM

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26 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• compreender a importância da motivação na aprendizagem;
• identificar os processos motivacionais;
• verificar a relação da motivação com o ensino-aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Aqui tem início a atividade 3, acerca da motivação como fator
importante no processo ensino e aprendizagem. Os conteúdos
desta atividade certamente contribuirão para um aprofundamento
em torno dos processos motivacionais e o ajudarão a perceber
que a motivação é um elemento importante tanto intrínseco c
omo extrinsecamente.
Para dar início as discussões sobre motivação, questionamos:
você sabe o que motivação? A motivação é fator relevante
para uma aprendizagem eficiente?

A aprendizagem só acontece quando o sujeito tem interesse, desejo e vontade


para aprender algo. Por isso que, ao se abordar a aprendizagem, está implícito tratar
de processos motivacionais. É cada vez mais significativo, nos dias atuais, o número de
profissionais das ciências humanas interessados pela motivação humana.

A motivação varia conforme a idade, a cultura, o ambiente e até mesmo as ex-


pectativas de cada sujeito em satisfazer seus desejos. Nos últimos anos, a Psicologia tem
demonstrado que diferentes sujeitos possuem motivações divergentes para alcançar o
mesmo objetivo. Por isso, a forma como se dedicam para alcançar esse objetivo varia
conforme o desejo, a personalidade, a recompensa etc. Em vista disso, percebe-se que a
motivação envolve uma grande variedade de aspectos comportamentais, o que permite
que cada sujeito busque os seus próprios fatores de satisfação.

O ser humano vive uma constante busca de satisfazer suas vontades, e isso que o
motiva nas suas variadas atividades desde que as estas lhe sejam interessantes. A motivação
como algo interior a cada pessoa, pois o grau de satisfação ou insatisfação faz parte dos
sentimentos e emoções de cada sujeito.

Cada sujeito executa suas ações de maneira única, pois estas estão marcadas pela
personalidade de cada ser. O modo como cada um desempenha uma tarefa é particular,
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
27

pois cada pessoa possui estratégias próprias, ou seja, ninguém pratica de forma idêntica
uma mesma ação, em visa que as pessoas têm suas experiências individuais que irão
exercer forte influência no desenvolvimento das ações. Cada sujeito tem o seu perfil de
motivação, de modo que certos impulsos são particularmente fortes, ou seja, se o sujeito
aprendiz gosta de determinado objeto ou situação mais ele sentirá prazer com esses ob-
jetos e situações e tentará se afastar do que não lhe desperta interesse.

Para a Psicologia da Motivação, todo sujeito dispõe de certos recursos pessoais, que
são: tempo, energia, talentos, conhecimentos e habilidades. Estes poderão ser investidos
numa certa atividade e esse investimento pessoal recairá sobre esta atividade escolhida
e será mantido enquanto os fatores motivacionais estiverem atuando. A motivação tem
a ver com a importância ou o valor que a pessoa enxerga nas atividades que irá realizar.

A motivação para aprender é um fator de grande importância no processo ensi-


no - aprendizagem e é um problema que preocupa os educadores em todos os níveis de
ensino. Os professores colocam os problemas da motivação
entre os mais sérios que enfrentam no ensino. Sabe-se que MOTIVAÇÃO
quanto mais motivado o sujeito, mais disposição terá para Você sabia que pesquisas desenvolvidas
aprender, e melhores serão seus resultados na aprendizagem. por psicólogos e educadores apontam
Uma parte importante dessa motivação reside no interesse que o autoconceito acadêmico está
relacionado com o desempenho
do sujeito em satisfazer seus desejos.
acadêmico e com a motivação?
Nas décadas de 1970 e 1980 pesquisas
Pesquisas na área da Psicologia têm demonstrado que
voltadas para a análise da autoestima
o sujeito que vive em um ambiente familiar equilibrado, no no contexto de sala de aula ganharam
qual há condições mínimas de experimentar e expressar força significativa. Os estudos realizados
suas emoções tem chances de lidar com maior segurança e demonstraram que a auto-estima do
aluno é afetada pelo fracasso escolar.
tranquilidade com seus sentimentos e pode, dessa maneira,
O autoconceito nasce da percepção
trabalhar com seus sucessos e fracassos de forma mais ade- que o aluno tem das suas habilidades
quada. Nesse caso, o educando tem mais possibilidades de e competências. O fato de se considerar
se adaptar ao ambiente escolar, principalmente no início de “bom” ou “ruim” pode acabar
influenciando o se desempenho escolar
sua escolarização, bem como às exigências demandadas pela
na medida em que poderá afetar
escola. Porém, se ele não tiver esta segurança pode tudo isso o seu grau de esforço, de persistência
ser motivo de muitas angústias e de inseguranças por parte e o seu nível de ansiedade. Ou seja,
dos sujeitos envolvidos em todo o processo, uma vez que a auto-estima e o desempenho andam
de mãos dadas alimentando-se
estes se veem obrigados a corresponder às exigências tanto
mutuamente. Desse modo, é possível
dos pais como dos educadores. dizer que é preciso haver certo nível
de auto-estima para que o aluno
A motivação humana é observada desde tenra idade,
alcance sucesso escolar e desenvolva
sob diferentes formas. O bebê que busca a satisfação de sua satisfatoriamente a aprendizagem.
fome, somada ao aconchego de um colo quente e acolhedor,
demonstra, ao sugar o peito ou uma mamadeira, possuir
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28 Língua Portuguesa
modalidade a distância

motivação de sobra, proveniente de seu instinto e da fisiologia que lhe cobra nutrição
e dos afetos expressos pelo choro, por vezes intensos e fortes, e pelos movimentos mais
bruscos de braços e pernas.

Segundo os pesquisadores da aprendizagem, a motivação está presente como


processo em todas as esferas de nossas vidas: no trabalho, em família, na escola e em
outros lugares.

Quanto ao contexto de ensino-aprendizagem escolar, o objetivo primeiro da edu-


cação é o de levar o aluno com determinado nível inicial a atingir um determinado nível
final. Se a escola conseguir fazer com que o aluno passe de um nível para outro, então
terá registrado um processo de aprendizagem. Assim, cabe aos educadores proporcionar
situações de interação tais que despertem no educando motivação para interação com o
objeto do conhecimento, com seus colegas e com os próprios professores.

Como se sabe, para que aprendizagem se efetive no sujeito, o processo de construção


do conhecimento deverá realizar-se na diversidade e na qualidade das suas interações.
Logo, a ação educativa da escola deve propiciar ao aluno oportunidades para que esse seja
induzido a um esforço intencional, visando aos resultados esperados e compreendidos.

A motivação humana pode se intrínseca e extrínseca. O segredo


motivacional do aprendizado escolar está em conseguir conciliar o
DESENVOLVIMENTO
DA MOTIVAÇÃO desenvolvimento da motivação intrínseca da criança com a moti-
Você compreendeu que a vação extrínseca.
motivação é um elemento
fundamental para a nossa A motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de de-
formação e que ela está terminada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante,
diretamente relacionada às atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação. A motivação
nossas atividades profissionais? extrínseca tem sido definida como a motivação para trabalhar em
Você também deve ter notado
resposta a algo externo à tarefa ou atividade, a fim de obter re-
que muitos profissionais
apresentam problemas de compensas (materiais ou sociais) ou reconhecimento, objetivando
desmotivação com o trabalho atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou demonstrar
ocupacional. No caso da escola, competências ou habilidades.
o professor pode interferir no
desempenho do aluno, pois Você deve estar se perguntando:
é papel dele como facilitador afinal, o que tem haver as condições de trabalho do professor
da aprendizagem fortalecer
com a discussão sobre motivação?
desafios, encorajar as tentativas
de realizações dos alunos, de Quando se fala em ensino - aprendizagem indubitavelmente a
modo que, se eles fracassarem
motivação para o trabalho docente é hoje um assunto preocupante e
no desempenho de alguma
habilidade, o professor estará de interesse de pesquisadores da educação. Sabemos que o professor
presente para desenvolver a como facilitador da aprendizagem tem um papel importante para o
autoconfiança do aluno. desenvolvimento da qualidade do ensino.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
29

O autoconceito procede de processos cognitivos, pois ele é fruto da percepção que a


pessoa tem de si mesma. Como todo processo de percepção, está sujeito a uma série de
fatores externos e internos à própria pessoa. Informações que vamos colhendo aqui e ali,
a nosso respeito, fruto de opiniões alheias, formam, possivelmente, os primeiros rudi-
mentos do nosso autoconceito. A essas informações vão-se somando aquelas originárias
das avaliações que nós próprios fazemos dos nossos desempenhos, das nossas ações, das
nossas habilidades e características pessoais.

Autoconceito e a autoestima referem-se à representação da avaliação afetiva que


a pessoa tem de suas características em um determinado momento. O autoconceito é a
percepção que a pessoa tem de si mesma. Já a autoestima é a percepção que ela tem do seu
próprio valor. Em termos práticos, a autoestima se revela como a disposição que temos
para nos ver como pessoas merecedoras de respeito e capazes de enfrentar os desafios
básicos da vida.

A insatisfação docente entra em um quadro psicológico exarcebado que afeta


o seu autoconceito e sua autoestima. A autoestima docente positiva é condição muito
importante à construção positiva da autoestima do aprendiz. Esses elementos têm le-
vado os professores à autoestima negativa, interferindo significativamente nas relações
interpessoais dentro da instituição de ensino. Além disso, as consequências geradas
pela insatisfação docente têm reflexo na sala de aula e contribuem diretamente para o
desinteresse dos alunos e para a menor qualidade do processo de ensino - aprendizagem.

No caso da escola, constata-se cotidianamente nos professores um sentimento de


frustração, exaustão em relação ao trabalho desempenhado, o que causa uma sensação
de inquietação que aumenta à medida que as exigências da sala de aula se acumulam.
Muitos se mostram desmotivados, desorganizados e se irritam frequentemente com os
alunos e, por qualquer motivo, entram em conflito com os alunos.

Teorias psicológicas constatam que o aluno que entra na escola com medo do fracas-
so tende a desencadear sentimento de insegurança. À medida que passa a ter no fracasso
a sua “marca registrada”, o aluno desenvolve uma autopercepção negativa de si mesmo.
Experiências sistemáticas de insucesso causam no aluno um autoconceito que obedece
a um processo de internalização que está relacionada com o mundo externo, isto é, com
pessoas ou situações sociais. Com a continuação do contato e com o passar do tempo,
esse processo, que era interpessoal, passa a ser internalizado, tornando-se intrapessoal.

O conhecimento que o sujeito faz de si não é inato, ou seja, não nascemos com
o conceito pronto de nós mesmos. Ao contrário, ele é construído e definido ao longo
do desenvolvimento do sujeito graças às experiências de sucessos e fracassos vividas no
ambiente familiar, escolar e social. Em outras palavras, a criança, nos primeiros anos
Licenciatura em Letras
30 Língua Portuguesa
modalidade a distância

de vida, recebe a informação sobre si dos pais e dos familiares próximos; no entanto, à
medida que a criança cresce e amplia seu círculo de relações aparecem outras pessoas
significativas que influenciam paulatinamente suas informações sobre si.

Para os estudiosos culturalistas, as pessoas têm suas identidades sociais constru-


ídas nos encontros interacionais dos quais participam, na medida em que aprendem a
se construir a partir dos interlocutores. Ou seja, nossa identidade como pessoa só pode
existir no contexto social, visto que nossa capacidade de pensar sobre nós mesmos é
construída no social, tendo a interação como força mediadora. Essas identidades são
múltiplas e estão sempre em processo de construção e reconstrução.

No caso dos alunos a recorrência de um autoconceito em vista de uma história de


fracasso, em que o mau desempenho vem se juntar à baixa autoestima, gera uma situação
que os arrasta para a evasão escolar. Quando o aluno é reprovado tende a incorporar,
como parte do seu autoconceito, a informação de que é “intelectualmente incapaz”.

Para a Psicologia da aprendizagem, acontece um fenômeno curioso: aquilo que


deveria estar restrito apenas à área cognitiva acaba se expandindo, tomando conta da
pessoa. A evasão passa a ser um caminho natural para muitos alunos, e muitos acabam
saindo prematuramente do processo educacional formal. É fato que grande maioria se
evade porque simplesmente não consegue mais tolerar novos fracassos e sentimentos
incomensuráveis de baixa autoestima e de autodesvalorização.

O descontentamento com o trabalho docente tem sido cada vez mais acentuado,
o que acarreta nos professores algum problema de saúde relacionado à profissão, como:
dor de garganta e fadiga mental, além de inúmeros problemas de relacionamento com os
alunos em sala. Sabe-se que os fatores que levam professores e alunos a terem autoestima
baixa não são tão óbvios como se poderia supor. O fato de os sujeitos se auto atribuírem
ou de se rotularem alguém como tendo uma autoestima baixa precisa ser visto com
muito cuidado.

Pesquisas realizadas no Brasil sobre o trabalho docente, tanto na zona rural e/


ou urbana, entre escolas municipais e/ou estaduais, em diversos níveis de ensino, têm
apontado que um conjunto de aspectos que afetam significativamente as condições de
trabalho do professor. Entre os diversos aspectos, podemos destacar os seguintes:
1. Jornadas de trabalho extensas e densas;
2. Vínculo de trabalho e remuneração;
3. Estrutura física da escola;
4. Instrumentos e materiais didáticos defasados e insuficientes;
5. Indisciplina na sala de aula e desinteresse dos alunos;
6. Perda da autoridade do professor;
7. Problemas sociais, como drogas, marginalidade, delinquência, entre outros.
Unidade 1
Processos de
Aprendizagem
31

A relação entre a autoestima e a evasão vem sendo investigada há alguns anos por
diversos pesquisadores da educação e da psicologia. Os estudos indicam que os alunos
evadidos tendiam a ter autoestima mais baixa do que os que ficavam. Outra pesquisa
constatou que, entre os sete principais fatores que concorrem para a evasão escolar, quatro
estariam relacionados com autoestima. Alunos evadidos tendiam a cultivar o sentimento
de que lhes falta inteligência ou habilidade para se sair bem nos estudos e apresentavam
um nível baixo de autoestima. Com relação ao professor, por sua vez, apesar de complexo,
o problema apresenta elementos que permitem algumas inferências.

Estudos direcionados à profissão docente constatam que, em geral, o professor


com baixa autoestima apresenta recorrentemente transtornos mentais e que afetam o
trabalho docente, o que interfere nas relações interpessoais e torna a prática docente um
exercício de solidão.

Pesquisas sobre satisfação/insatisfação dos professores constataram que o professor


desenvolve sentimento de baixa autoestima decorrente de baixos salários, desvalorização
da profissão, condições inadequadas de trabalho, desmotivação com a profissão, entre
outras. Atrelado a isso, o estresse da profissão contribui significativamente para a des-
motivação com a docência.

exercício
1. Converse com alguns professores e alunos do 4º ano. Pergunte-lhes como veem a
motivação na escola, ou seja, o que eles gostam e não gostam na escola. Anote as res-
postas. Confronte o que pensam os alunos e professores sobre as motivações intrínsecas
e extrínsecas. A seguir, apresente os fatores que ambos apontam como problemáticas
motivacionais para a aprendizagem.

2. Assista aos filmes “Ao Mestre com Carinho” e “A Sociedade dos Poetas Mortos” e
elabore um texto reflexivo sobre a motivação no processo ensino - aprendizagem.

bibliografia
birch, David; veroff, Joseph. Motivação. São Paulo: Herder, 1970.
coll, César; marchesi, Álvaro; palácios, Jesús & Colaboradores. Desenvolvimento
psicológico e educação: psicologia da educação escolar. 2 edição. Porto Alegre: Artmed, 2004.
filho, Geraldo Francisco. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.
lipp, Marilda. O stress do professor. Campinas, São Paulo: Papirus, 2002.
______. Ensino Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo: Editora Moraes, 1987.
moysés, l. A auto-estima se constrói passo a passo. Campinas, São Paulo: Papirus, 2001.
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32 Língua Portuguesa
modalidade a distância

oliveira, i. m. de. Preconceito e autoconceito: identidade e intervenção na sala de aula.


Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.

resumo da atividade 3
Por meio desta atividade procuramos discutir que a motivação humana pode
se intrínseca e extrínseca. A motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de
determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de
alguma forma, geradora de satisfação. A motivação extrínseca tem sido definida como
a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, para a ob-
tenção de recompensas (materiais e sociais), de reconhecimento, objetivando atender
aos comandos ou pressões de outras pessoas, ou demonstrar competências. Discutimos
ainda que a motivação para aprender é um fator de grande importância no processo
ensino - aprendizagem e é um problema que preocupa os educadores em todos os níveis
de ensino. Uma parte importante dessa motivação reside no interesse do sujeito em
satisfazer seus desejos e habilidades.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
33

u n i d a d e 2

TEORIAS
DA APRENDIZAGEM
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Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
35

ABORDAGEM
COMPORTAMENTISTA
(SKINNER, BANDURA E GAGNÉ)

a t i v i d a d e 4
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36 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você estará preparado para
• conhecer os princípios que fundamental a abordagem comportamentista;
• identificar os princípios das teorias comportamentistas;
• identificar a visão de aprendizagem de Skinner, Bandura e Gagné.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Como já apresentado na unidade anterior, o conceito de aprendizagem,
para a Psicologia, não é tão simples como se pensa. Há diversas
concepções de aprendizagem, ou seja, há controvérsias básicas entre
as várias teorias psicológicas.
Desse modo, neste tópico você conhecerá algumas teorias que explicam
como se realizam os processos de aprendizagem e qual sua contribuição
para a educação. Essas teorias podem ser reunidas em quatro grupos
de abordagens: teoria comportamentista; teoria cognitivista, teoria
humanista e teoria sócio - histórica, conforme veremos a seguir.

teoria comportamentista
Como já foi abordado na unidade 1, o conceito de aprendizagem, não é tão simples
como se pensa. Há diversas concepções de aprendizagem, ou seja, há controvérsias básicas
entre as várias teorias psicológicas que procuram explicar os processos de aprendizagem
e mostrar sua contribuição para a educação.

Ancorada em uma matriz behaviorista, a abordagem comportamentista considera


o organismo sujeito às contingências do meio, ou seja, destaca a experiência como base
do conhecimento e ressalta que o comportamento humano pode ser modificado a partir
de mudanças no ambiente, uma vez que as contingências de reforçamento são capazes
de manter ou alterar o comportamento.

Os principais pressupostos desta teoria são:


1. A aprendizagem se realiza por meio da repetição a estímulos;
1) os reforços positivos e negativos têm influência fundamental para a formação
dos hábitos desejados;
2) a aprendizagem ocorre melhor se as atividades forem graduadas.

Para os estudiosos dessa abordagem, os comportamentos complexos podem ser


interpretados a partir de conceitos e princípios simples, e que a aprendizagem é um
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
37

processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência, ou


seja, mecanicamente determinada por estímulos externos.

Ao contrário da abordagem inatista - maturacionista, que enfatiza os fatores bio-


lógicos internos, como a hereditariedade e a maturação, a abordagem comportamentista
destaca a importância da influência de fatores externos, do ambiente e da experiência
sobre o comportamento do sujeito.

Entre os principais representantes da teoria comportamentista, podemos desta-


car os americanos B. F. Skinner, pioneiro no estudo da Psicologia Experimental; Albert
Bandura, criador da Aprendizagem Social, e Robert Gagné, criador do Modelo de Pro-
cessamento de Informação.

b. f. skinner
B. F. Skinner, psicólogo americano comumente tido como o fundador
do Behaviorismo, foi o mais famoso representante desta corrente da psi-
cologia, fundada por seu compatriota John Watson. Skinner nasceu em
20 de março de 1904 na pequena cidade de Susquehanna, na Pensilvânia.
Seu pai era advogado e sua mãe uma mulher de personalidade forte que
o criou segundo padrões muito exigentes de educação. Graduou-se em
língua inglesa no colégio de Hamilton, no Norte do Estado de Nova York,
onde não se adaptou muito bem, por ser avesso ao jogo de futebol e a
encontros sociais. Escrevia no jornal da escola com manifesto radicalismo,
atacando professores e colegas estudantes, e inclusive criticando a própria
escola, proclamando que era ateu, apesar de estar em uma Universidade
onde a presença diária ao serviço religioso na capela era uma exigência. Seu ambiente da infância
era estável e não lhe faltou afeto por parte dos familiares. Quando criança e adolescente, gostava
de construir coisas tais como trenós, carrinhos, jangadas, carrosséis, entre outros. Apresentava
interesse pelo comportamento dos animais, mantendo um estoque de tartarugas, cobras, lagartos,
sapos e esquilos listrados. É influenciado pela teoria dos reflexos condicionados de Ivan Pavlov
e pelas ideias de John B. Watson sobre a teoria do reforço positivo e negativo do behaviorismo.
Um de seus livros O Comportamento dos Organismos foi considerado “um dos poucos livros
que mudaram a face da Psicologia moderna”. Doutorou-se em Harvard, em 1931, e depois de
alguns anos lecionou na Universidade de Minnesota e na Universidade de Indiana, da qual foi
presidente. Regressou a Harvard como professor e pesquisador em 1947. Desenvolveu trabalhos
de aplicação tecnológica dos princípios da análise experimental do comportamento no campo do
ensino e no trabalho psicoterapêutico. Skinner morre em 1990, aos 86 anos.

Skinner é considerado o principal representante do comportamentismo. Os prin-


cípios do comportamentismo de Skinner têm influenciado muitos psicólogos americanos
e de outros países onde a Psicologia comportamentista tem grande penetração. A base
do pensamento skinneriano está ancorada no comportamento operante, pois a maioria
dos comportamentos dos sujeitos é aprendida por condicionamento operante.
Licenciatura em Letras
38 Língua Portuguesa
modalidade a distância

A abordagem comportamental baseia-se na teoria comportamental de Skinner,


a qual defende que a aprendizagem é fruto de condicionamento operante, ou seja, um
comportamento reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que ao se retirar
o reforço o comportamento continue a acontecer. Mas você sabia que o primeiro tipo
de condicionamento, denominado condicionamento Clássico, foi desenvolvido pelo
fisiologista russo Ivan Pavlov (1849-1936)?

Pavlov fez uma experiência envolvendo um cão, uma campainha e um pedaço de


carne. O fisiologista percebeu que quando o cão via o pedaço de carne, ele salivava; o que
foi chamado de reflexo não-condicionado. Pavlov também começou a tocar a campainha
(estímulo neutro) quando ia mostrar o pedaço de carne. Rapidamente o cão passou a
associar a carne com a campainha, salivando também toda vez que ela era tocada. Essa
reação a um estímulo neutro foi chamada de reflexo condicionado. Pavlov pesquisou o
comportamento a partir dos reflexos, ou seja, respostas dos estímulos naturais. A apren-
dizagem é entendida como uma resposta obtida por estímulos condicionados.

Skinner interessou-se pela aprendizagem por condicionamento operante, reali-


zando pesquisas inicialmente com ratos, depois com pombos e, posteriormente, com
humanos. Para estudar o condicionamento operante, Skinner realizou pesquisas com
ratos numa caixa, denominada “caixa de Skinner”, em cujo interior havia um dispositivo
(uma pequena barra de metal) que, quando acionada, liberava água ou comida. Skinner
adotava o seguinte procedimento: inicialmente, toda vez que o rato se aproximava da
barra de metal, o experimentador liberava-lhe água por meio de um dispositivo. Após
determinado tempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele a tocasse
com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a
barra com a pata e, depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-
-se que o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Skinner
denominou esse procedimento como “modelagem de comportamento”.

Para Skinner, a aprendizagem pelo reforço por meio do condicionamento ope-


rante, pois o sujeito será operante toda vez que obtiver o reforço. O reforço é o provoca
a aprendizagem. Com a retirada dos reforços acontecerá inevitavelmente a extinção da-
quela aprendizagem. O sujeito da aprendizagem com pouca participação e manipulado
pelo agente do reforço.

Para Skinner, o reforço é toda consequência que, seguido de uma resposta, altera
a probabilidade futura de ocorrência dessa resposta. Assim, o reforço pode ser positivo
ou negativo. O reforço positivo é todo evento que aumenta a probabilidade de futura
resposta que o produz. O reforço negativo é todo evento que aumenta a probabilidade
da resposta que o remove. Os chamados reforços negativos devem ser usados para des-
timular certos comportamentos, como, por exemplo, repressões e ameaças. O reforço
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
39

é uma constante e os comportamentos são condicionados ao longo de nossas vidas. A


cultura valoriza (reforça) certos comportamentos e proíbe (pune) outros.

Outros processos foram observados por Skinner na análise experimental do com-


portamento, como, por exemplo: extinção e punição. A extinção é um procedimento
no qual uma resposta deixa de ser reforçada. Como consequência, a resposta diminuirá
de freqüência e deixará de ser emitida. A punição, por sua vez, envolve a consequência
de uma resposta quando há apresentação de um estímulo aversivo ou remoção de um
reforçador positivo presente.

Para Skinner, as instituições educacionais usam o reforço para treinar, para


exercício e para toda a prática escolar. Assim, os reforçadores usados pelas instituições
educacionais são conhecidos: notas boas, diplomas, promoções de grau, medalhas etc. As
famílias, comenta Skinner, são reforçadores primários; depois outras agências, também
educacionais, prosseguem como reforçadores secundários.

No contexto do ensino, Skinner defende que o processo educativo deve criar


situações experimentais capazes de levar o aprendiz a operacionalizar estas situações a
partir de estímulos ambientais. As chamadas tecnologias tradicionais, a fala, a escrita e
a imprensa, são ferramentas necessárias à construção e transmissão do conhecimento
e exercem o controle do aprendizado do aprendiz. Se considerarmos que o processo de
ensino-aprendizagem é direcionado, programado a atingir os objetivos e habilidades que
levem a competência, então o aprendiz (aluno) precisa de incentivos e motivação para
compreender e cumprir os requisitos colocados pelo professor.

Assim, para Skinner, é importante um planejamento cuidadoso da aprendizagem,


das sequências das atividades de estudo, sendo totalmente linear e guiado de forma a
tornar a aprendizagem eficiente. Skinner diz que para uma aprendizagem eficiente o
professor tem como função planejar, arranjar e controlar a aprendizagem para um maior
desempenho, sendo ele e os textos a fonte de informação. Além disso, o professor deve
promover situações de reforço para estimular o aluno para a aprendizagem.

No processo de aprendizagem, Skinner condena o uso da punição que tem como


efeito colateral levar o aprendiz a associar certas atividades a contingências aversivas.
Ele defende o uso de contingências reforçadoras para motivar o aprendiz no sentido
de mantê-lo ativo, respondendo e participando da aprendizagem. Skinner não estava
preocupado em explicar o que ocorre dentro da mente do indivíduo durante o processo
de aprendizagem, mas sim em realizar o controle do comportamento observável por
meio de respostas do sujeito. Porém, é importante ressaltar que isso não significa que
Skinner negue que esses processos existam, mas sim que acredita serem eles neurológicos
e obedecerem a certas leis.
Licenciatura em Letras
40 Língua Portuguesa
modalidade a distância

Para Skinner, cabe ao professor criar passo a passo as etapas de ensino de maneira
gradual evitando assim que a aprendizagem não seja cansativa ou enfadonha. Em ou-
tras palavras, quer dizer que não se deve dar um passo tão grande que o aprendiz fique
desorientado ou não saiba para onde ir, ou onde se perdeu. Ao aprendiz cabe adquirir
os comportamentos desejáveis, fazendo os ajustes necessários para promover a apren-
dizagem de forma adequada.

albert bandura
Nasceu em 1925, em Mundare, uma pequena aldeia no Canadá. Graduou-
-se com o Prêmio Bolocan em Psicologia. Em 1951 e 1952, Bandura re-
cebeu seu diploma de mestrado e doutorado da Universidade de Iowa. A
teoria da Aprendizagem Social de Bandura alcançou projeção nos estudos
do comportamento da criança, na década de 60 do século XX nos EUA.
Ainda hoje esta teoria tem dado contribuições para os estudos de agressi-
vidade e violência na Educação Infantil. É, assim como Skinner, da linha
behaviorista da Psicologia, porém enxerga o comportamento humano
com um viés cognitivo. Enfatiza a modificação do comportamento do
indivíduo durante a sua interação. Para ele, o indivíduo é capaz de aprender também por reforço
vicário (ou aprendizagem vicariante), ou seja, pela observação do comportamento dos outros e de
suas consequências, com contato indireto com o reforço. Entre o estímulo e a resposta, afirma ele,
há também o espaço cognitivo de cada indivíduo. Doutorou-se em 1952 na Universidade do Iowa,
exercendo a partir de então a atividade de professor na Universidade de Stanford. No início da
década de 1960 Bandura propôs a Teoria da Aprendizagem Social, segundo a qual uma boa parte
das aprendizagens que um indivíduo adquire decorre da imitação ou modelagem. O ponto forte
da Teoria da Aprendizagem Social é o fato de ela reconhecer e combinar elementos das teorias
comportamentalistas e cognitivistas. Para Bandura, as estruturas cognitivas, o comportamento
e o meio interagem entre si, sendo cada uma destas influenciadas e influentes sobre as outras.
Nessa perspectiva, as pessoas são o produto do seu meio, mas escolhem e moldam o meio por um
processo de interações que tem influências recíprocas. Nessa teoria emerge o conceito de Mode-
lagem, segundo o qual as pessoas podem aprender por imitação do comportamento dos outros.

Outro importante representante do comportamentismo é o americano Albert Ban-


dura, que desempenhou um papel fundamental nos estudos sobre o processo de apren-
dizagem. Esse autor desenvolveu trabalhos a respeito da “aprendizagem observacional”,
em que um sujeito aprende eficazmente a partir da observação de um comportamento
emitido por outro e de sua realização posterior.

A teoria de aprendizagem, por meio da modelagem social, proposta por Bandura,


descreve que todos os fenômenos de aprendizagem que resultam de experiência direta
podem ocorrer de forma vicária (imitação), ou seja, por meio da observação do compor-
tamento de outros sujeitos. Em outras palavras, para Bandura, o sujeito pode adquirir
padrões e respostas por meio da observação do comportamento de modelos apropriados.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
41

Ele contribuiu com a observação de que o reforço pode não ser necessário somente
para o sujeito da resposta, pois o reforço age sobre todos do grupo pela imitação. É um
reforço vicariante. Mas pode ocorrer que o sujeito imitado desenvolva comportamentos
especiais, que não serão imitados. Há muitos comportamentos aprendidos pela imitação
de um modelo comportamento.

Os comportamentos de medo e fuga, por exemplo, podem ser extintos vicaria-


mente por meio da observação do comportamento do modelo que não desenvolve mais
comportamento de medo e fuga, pois, para Bandura, o sujeito aprenderá a não temer a
situação que lhe provoca tais comportamentos aversivos.

A aprendizagem por imitação e por reforço vicário, segundo Bandura:


1. A aprendizagem por imitação se apresenta da mesma maneira que a aprendi-
zagem por observação. São termos sinônimos: modelação, imitação, aprendizagem por
observação, identificação, cópia, facilitação social, contágio, desempenho e papel. Portan-
to, a aprendizagem por observação seria o aprendizado pelo qual o observador adquire
novos padrões de resposta que não faziam parte de seu repertório comportamental.
2. A aprendizagem por observação ou vicariante é a aprendizagem baseada na
observação de outro comportamento. Vários experimentos subseqüentes demonstram
que as crianças, por exemplo, aprendem uma variedade de reações novas só de percebê-
-las em outras, por meio da aprendizagem por imitação. Isso é preocupante porque elas
estão assistindo a uma quantidade cada vez maior de filmes e programas de televisão
bastante violentos.

A Teoria da Aprendizagem Social, proposta pela primeira vez por Bandura na dé-
cada de 60, sobretudo quanto ao efeito da violência, foi importante para a compreensão
dos processos de aprendizagem na criança.

Para Bandura, observando os modelos da televisão, as crianças aprendem quais


comportamentos são apropriados, isto é, quais comportamentos serão recompensados e
quais serão punidos. Na busca de recompensas, as crianças querem imitar esses modelos
da mídia. Desse modo, segundo esse teórico, quando a criança vê um modelo agressivo
que é recompensado ou punido pelo seu comportamento toma-o como modelo, e os que
são positivamente reforçados influenciam a imitação entre os espectadores.

Bandura explica a Aprendizagem Social a partir de algumas etapas:


1. Atenção: somos influenciados por modelos mais atraentes, repetidamente dispo-
níveis, importantes para nós ou semelhantes a nós. Prestamos atenção ao comportamento
de outra pessoa e suas consequências.
2. Retenção: a influência de um modelo dependerá de quão bem o indivíduo lembra
da ação na ausência do modelo.
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modalidade a distância

3. Reprodução: depois de ter visto um novo comportamento no modelo, a obser-


vação deve ser convertida em ação.
4. Motivação: é improvável que haja reprodução de uma resposta observada, a
menos que exista motivação para fazê-lo. A motivação depende de como se encara a
situação e se acredita que a resposta trará resultados positivos.

Comportamentos positivamente reforçados terão mais atenção, serão mais bem


aprendidos e desempenhados com mais frequência.

Para ilustrar o processo de aprendizagem social apresentada pelo psicólogo


Albert Bandura e sua teoria da Aprendizagem Social, apresentamos a você um trabalho
experimental conhecido como Bobo Doll Experiment. Esse experimento de Bandura
demonstra como a observação de comportamentos agressivos (como bullying) influi no
comportamento dos sujeitos, sobretudo das crianças.

Bandura e seus colegas conduziram uma série de estudos pioneiros nesta área, hoje
bastantes conhecidos sobre a aprendizagem observacional de comportamentos agressivos
em crianças. Nesses estudos, Bandura estabeleceu dois grupos: um experimental e outro
de controle. Em um grupo as crianças assistiam a um filme que mostrava um adulto ten-
do comportamento agressivo com um palhaço de plástico inflável – socando, batendo,
dando pontapés e marteladas no boneco João Bobo.

Bandura e seus colaboradores constaram então que as crianças que assistiam às


cenas de comportamento agressivo eram mais propensas a comportarem-se agressiva-
mente quando depois lhes era permitido brincar com o boneco. Além disso, quando as
crianças viam o adulto ser recompensado pela agressão também tendiam a comportarem-
-se agressivas, em comparação com aquelas que estavam no grupo de controle em que o
adulto não era recompensado nem punido.

Contrariamente, as crianças do segundo grupo que assistiam à punição do adulto


eram menos propensas a comportarem-se de modo agressivo do que as do grupo de con-
trole. Porém, ver um comportamento agressivo ser recompensado não era necessário para
induzir o aumento da agressão. Desse modo, as crianças que não viam o comportamento
agressivo ser recompensado eram mais agressivas posteriormente do que as que viam
o mesmo modelo adulto ter comportamentos neutros (e também não recompensados).
Logo, Bandura conclui que a aprendizagem observacional não exigia a observação de
recompensas; apenas o ato de ver o próprio comportamento agressivo era suficiente para
ensiná-lo às crianças.

Bandura afirmou que as crianças podem reunir informações provenientes de


várias observações distintas, de modo que novos modelos de comportamento um tanto
quanto diferentes de qualquer outro antes estudado podem ser desenvolvidos. Enfim,
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
43

o experimento de Bandura nos demonstra a capacidade que as crianças (e todos os seres


humanos) possuem de aprender comportamentos agressivos apenas com a mera obser-
vação desses comportamentos. Essa situação, no caso do bullying, aplica-se a todos os
envolvidos (inclusive espectadores e vítimas), que acabam internalizando esse padrão de
comportamento (uso da violência) em suas vidas.

robert gagné
Robert M. Gagné  nasceu em North Andover, Massachusetts, em 1916.
Obteve o grau de Mestre na Universidade de Yale e o de Doutor em
psicologia, na Universidade de Brown. Em 1969 foi professor na Univer-
sidade Estadual da Flórida. Considerado neobehaviorista, Gagné situa-se
entre os pesquisadores interessados na tecnologia educacional, isto é,
na aplicação dos princípios da ciência da aprendizagem aos problemas
práticos do ensino. Gagné define aprendizagem como uma modificação
na disposição o na capacidade do homem, modificação esta que não pode
ser retirada ou simplesmente atribuída ao processo de crescimento. Foi
diretor de pesquisa do laboratório da formação aérea dos EUA e consul-
tor do departamento de defesa. Em 1962, publicou o artigo Treinamento Militar e princípios de
aprendizagem. Em 1968 publicou Hierarquias da Aprendizagem. Considera que a habilidade de
cada um varia conforme a capacidade de cada um. Para que aconteça a aprendizagem deve haver
o interesse do aluno, a motivação, o desejo de realizar a tarefa. Deve-se respeitar a capacidade do
aluno, as diferenças individuais e as habilidades especificas, com avaliações constantes. A escola
perde a qualidade porque não avança para novos conceitos. A avaliação não comparativa, que só
é valida se houver mudança de comportamento desejada, não precisa ser escrita mas tem que ser
desafiadora. Morreu em 2002.

Segundo Gagné (1971), aprendizagem é um processo que permite a organismos


vivos modificarem seu comportamento de maneira bastante rápida e de modo mais ou
menos permanente, de forma que a mesma modificação não tenha que se repetir a cada
nova situação.

A prova de que a aprendizagem ocorreu consiste na verificação de uma mudança


comportamental relativamente persistente. A aprendizagem, segundo Gagné, é uma
mudança de estado interior que se manifesta por meio da mudança de comportamento
e na persistência dessa mudança. Um observador externo pode reconhecer que houve
aprendizagem quando observa a ocorrência de uma mudança comportamental e também
a permanência desta mudança.

Para muitos estudiosos da aprendizagem, Gagné adotou uma concepção mais


cognitivista em relação à aprendizagem do que comportamentista. Embora continuasse
a enfatizar que a aprendizagem deve ser visível, ressaltava também que, por ser ela um
processo, é preciso atentar-se para certas condições internas.
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modalidade a distância

Na perspectiva gagneniana, a aprendizagem ocorre dentro do cérebro de cada


indivíduo, constituindo um processo formalmente comparável a outros processos or-
gânicos humanos, como a respiração e a digestão. Gagné tem um enfoque sistêmico e
trabalha especificamente dentro de um quadro de referências que enfatiza as condições
antecedentes, os processos internos e os produtos resultantes da situação de aprendizagem.

Gagné considera que a aprendizagem se realiza “dentro da cabeça” do aprendiz,


e procura destacar a importância das teorias de aprendizagem, ressaltando a chamada
“teoria de processamento da informação”, apresentando e discutindo um modelo básico de
aprendizagem e memória como consequência de teorias de processamento de informação.

Nessa teoria, são dois tipos distintos de eventos, os externos e os internos ao apren-
diz. Os primeiros relacionados à estimulação e os produtos resultantes da sua resposta.
Os últimos, acredita-se, ocorrem no sistema nervoso central do estudante, e são inferidos
de observações externas.
Atos de aprendizagem são precedidos, segundo Gagné, por uma série típica de
eventos de aprendizagem a qual se dá por meio de oito fases (Modelo de Processamento
de Informação), cada uma com um nome que identifica o processo interno envolvido no
evento. As fases e os processos de aprendizagem, segundo Gagné (1971)são: motivação,
apreensão, aquisição, retenção, lembrança ou rememoração, generalização, desempenho
e feedback ou retroalimentação.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
45

Para Gagné, os processos de aprendizagem são construídos por atividades internas.


A primeira fase - a motivação - envolve expectativas. Para promover a aprendizagem,
devem-se utilizar incentivos motivacionais que levem o aprendiz a perseguir um objetivo.
A segunda fase - a da apreensão - envolve a atenção e a percepção seletiva. Nesta fase o
aprendiz presta atenção às partes de estímulo que considere relevantes para seus objetivos
e os organiza a seu modo. A terceira fase é a da aquisição. Nela, a informação é codificada
e armazenada. Compreende a transformação do estímulo perce-
bido de modo a torná-lo mais facilmente armazenável. A quarta MEMÓRIA
fase é a da retenção. Nela o conteúdo apreendido, já alterado pelo A memória é a capacidade de
processo de codificação, é armazenado na memória de longo adquirir (aquisição), armazenar
prazo. O conteúdo aprendido pode ser armazenado de maneira (consolidação) e recuperar
(evocar) informações disponíveis,
permanente, com uma intensidade pouco ou nada diminuída
seja internamente, no cérebro
com o passar do tempo; pode estar sujeito a algum enfraqueci- (memória biológica), seja
mento ou esquecimento com o passar do tempo. A quinta fase externamente, em dispositivos
é da lembrança ou rememoração. O seu processo está associado artificiais (memória artificial).
com a recuperação. O que foi armazenado deve estar acessível, de A memória focaliza coisas
forma a poder ser localizado na memória a qualquer momento. específicas, requer grande
quantidade de energia mental
A sexta fase é a da generalização, que está associada ao processo e deteriora-se com a idade. É um
de transferência da aprendizagem. O conteúdo aprendido nem processo que conecta pedaços de
sempre é recuperado na mesma situação ou no mesmo contexto memória e conhecimentos a fim
em que houve a apreensão original. A recuperação do conteúdo de gerar novas idéias, ajudando
a tomar decisões diárias.
apreendido e sua aplicação em contextos novos e diferentes
Para Gagné, o armazenamento
denomina-se transferência da aprendizagem. A sétima fase é a da inforamção se dá na memória
do desempenho. Nela o aprendiz produz ou emite uma respos- de curto prazo e na memória
ta. O gerador de resposta organiza as respostas do aprendiz e de longo prazo.
permiti-lhe mostrar o que aprendeu. Esse desempenho possibilita
o caminho para o feedbeck, que é a fase seguinte. O desempenho é também uma função
essencial para o professor, que, ao observá-lo, verifica se a aprendizagem ocorreu e se o
comportamento anterior foi modificado. A fase final é o feedbeck, que permite ao aprendiz
perceber imediatamente se alcançou o objetivo previsto. Esse feedbeck é essencial para
o processo de reforço.

Gagné propõe que existem cinco principais classes de capacidades humanas, as


quais podem ser aprendidas: informação verbal, habilidades intelectuais, estratégias
cognitivas, atitudes e habilidades motoras, enfatizando, em sua proposta, a habilidade
intelectual. Embora Gagné afirme que não há hierarquia nessas categorias, pode-se supor
que existe um nível subjacente de complexidade.
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habilidades no processo de aprendizagem


condições externas do
habilidades na aprendizagem
processo de aprendizagem

Informação Verbal A informação verbal é o principal método usado para


transmitir às gerações seguintes os conhecimentos
acumulados a respeito do mundo e das pessoas, os eventos
históricos, suas tendências, sua cultura e civilização etc. É
o domínio que inclui a aquisição de informação por meio
de leitura, audição de rádio, televisão

Habilidades Intelectuais As habilidades intelectuais são capacidades que tornam o


sujeito competente. Estas habilidades capacitam o sujeito a
responder aos conceitos necessários para a compreensão do
seu ambiente e constituem as estruturas mais fundamentais
e mais usuais na educação formal. Elas compreendem desde
habilidades elementares de linguagem, como compor uma
sentença, até habilidade avançadas de ensino científico.

Estratégias Cognitivas As estratégias cognitivas são capacidades internamente


organizadas que o aprendiz usa para guiar seus próprios
processos de atenção, de aprendizagem, de memória e de
pensamento. O aprendiz usa uma estratégia cognitiva, por
exemplo, ao prestar atenção nas diversas características
daquilo que está lendo.

Atitudes As atitudes representam uma classe distinta de produtos


de aprendizagem. Muitos tipos de atitudes compõem o
currículo e a lista dos objetivos educacionais da escola. A
escola e a família propõem estabelecer atitudes socialmente
aceitas: tolerância, bondade, espírito de ajuda, percepção
de sentimento dos outros etc. Certas atitudes estão
relacionadas aos gostos, como ouvir música , ler, fazer
cálculos, praticar esportes ou gostar de aprender.

Habilidades Motoras As habilidades motoras são um tipo aprendizagem


relacionado a tarefas que envolvem o uso de músculos,
como, por exemplo, escrever, tocar um instrumento
musical, dirigir um carro ou falar uma língua estrangeira.

Na teoria de Gagné, as habilidades mais simples, que representam os “pré-requisitos


imediatos”, podem ser analisadas para identificar habilidades ainda mais simples, o que
aponta serem tais habilidades hierarquizadas.

Com relação à instrução e ao papel do professor, por se tratar de uma teoria que
prevê mudança comportamental persistente, a fase da aprendizagem consiste de um
ou mais processos internos, no sistema nervoso central do aluno, que transformam a
informação até que o aprendiz responda com um desempenho. Tais processos internos
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
47

podem ser influenciados por eventos externos, por estimulação do ambiente do indiví-
duo. Logo, cabe ao docente a tarefa de promover a aprendizagem por meio da instrução,
planejando-a, administrando-a e avaliando-a quanto à sua eficácia por meio da avaliação
da aprendizagem do aprendiz.

A proposta idealizada por Gagné situa-se entre o behaviorismo e o cognitivismo.


Apresenta-se por meio de estímulos, respostas, estimulação do ambiente, comportamen-
tos, entre outros. Porém, ao longo de sua teoria, processos internos de aprendizagem são
muito comentados; além disso enfatiza-se a importância das teorias de aprendizagem.

Gagné estabelece que aprendizagem em cadeia é a conexão entre um conjunto de


associações individuais e utiliza o termo associação verbal para cadeias de aprendizagem
ligadas a procedimentos mediados pela linguagem. A estrutura de aprendizagem em ca-
deias de Gagné pressupõe que existem vários processos de associação durante sequências
de aprendizagem.

A aprendizagem, para Gagné, realiza-se quando surgem diferenças na performance


anterior e posterior ao que foi proposto na situação de aprendizagem. Desta maneira,
podem ser planejadas sequências de ensino nas quais o conteúdo deverá ser adequado
aos oito tipos de aprendizagem.

Neste contexto é possível trabalhar do final para o início de cada objetivo de apren-
dizagem para determinar quais são os requisitos necessários e os tipos de aprendizagem
a serem utilizados. Após essa análise, é possível estabelecer um mapa e uma sequência de
aprendizagem. Segundo Gagné, a importância de mapear a sequência de aprendizagem
é principalmente evitar erros que surgem quando etapas são omitidas na aquisição de
um determinado conhecimento em uma área de conteúdo.

exercício
1. Organize um quadro comparativo com as idéias do pensamento de Skinner, Bandura
e Gagné sobre aprendizagem.

2. Com base na concepção de aprendizagem de Gagné, faça uma análise sobre a influência
do computador no processo ensino – aprendizagem.

3. Baseado na Aprendizagem Social de Bandura, faça uma análise da influência da tele-


visão no comportamento da criança.

4. Assista ao filme “Entre os Muros da Prisão” e elabore um texto relacionando a teoria


de Skinner com as práticas disciplinares que o jovem órfão Ives Treguier, de 14 anos,
sofre em um internato na França dos anos 30.
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bibliografia
francisco filho, g. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.
mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.
gagné, r. Como se realiza a aprendizagem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1971.
moreira, Marco Antônio. Teorias de aprendizagem. Porto Alegre: epu, 1999.
oliveira. j. b. a; Chadwick c. b. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 1994.
filho, Geraldo Francisco. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.

resumo da atividade 4
Com o objetivo de apresentar os teóricos da abordagem comportamentista, na
atividade 4 discorremos sobre os principais teóricos da aprendizagem. Verificamos que
a abordagem comportamental se baseia na teoria comportamental de Skinner, a qual
defende que a aprendizagem é fruto de condicionamento operante, ou seja, um compor-
tamento reforçado, até que ele seja condicionado de tal forma que, ao se retirar o reforço,
o comportamento continue a acontecer. Durante a atividade, você aprendeu que a teoria
de aprendizagem por meio da modelagem social proposta por Bandura descreve que todos
os fenômenos de aprendizagem que resultam de experiência direta podem ocorrer de
forma vicária (imitação), ou seja, por meio da observação do comportamento de outros
sujeitos. Para Bandura, o sujeito pode adquirir padrões e respostas por meio da obser-
vação do comportamento de modelos apropriados. Apresentamos ainda a concepção de
aprendizagem em Gagné, chamando atenção para os procedimentos da aprendizagem
por um modelo de processamento de informação.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
49

ABORDAGEM
COGNITIVISTA
(PIAGET, AUSUBEL E BRUNER)

a t i v i d a d e 5
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objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• identificar as teorias cognitivistas;
• distiguir as concepções de aprendizagem nas diversas teorias cognitivistas;
• reconhecer as contribuições das teorias de Piaget, Ausubel e Bruner para o processo
ensino – aprendizagem;
• identificar as diferenças no processo de aprendizagem nas teorias de Piaget, Ausubel
e Bruner.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Antes de iniciarmos nossa apresentação sobre a visão de Piaget, Ausubel
e Bruner quanto ao processo de aprendizagem, tornam-se necessário
voltarmos rapidamente à questão principal do nosso estudo: O que é
teoria cognitivista? Quais as teorias cognitivistas aplicadas no ensino-
aprendizagem? O seu primeiro desafio é, portanto, compreender as
concepções de aprendizagem dos diversos teóricos cognitivistas.

teorias cognitivistas
Para os cognitivistas, aprendizagem é mais que um produto do ambiente, das
pessoas ou de fatores que são externos ao sujeito. Podemos dizer então que este tipo de
abordagem é predominantemente interacionista, pois considera que o sujeito e o mundo
são analisados conjuntamente.

A teoria cognitiva aborda como o ser humano conhece seu mundo ou obtém
conhecimentos a respeito deste, e como usa este conhecimento para guiar suas decisões
e agir. Portanto, procura-se em compreender a mente e suas capacidades ou realizações
na aprendizagem; ocupa-se, em saber de que maneira a mente obtém o conhecimento
e como o utiliza. Enfim, o cognitivismo está mais preocupado em explicar como os su-
jeitos processam os estímulos que encontram. Em outras palavras, como eles percebem,
interpretam mentalmente e armazenam a informação que recebem do ambiente.

Como você já deve ter percebido, esta abordagem organiza-se de maneira a


estimular o desenvolvimento de mecanismos intelectuais que possibilitem a aquisição
de novos conceitos, o estabelecimento de relações, o levantamento de hipóteses e a
apresentação de soluções.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
51

jean piaget
Nasceu na Suíça, em 1896. Desde criança interessou-se pelo estudo dos
moluscos, chegando a publicar seus primeiros trabalhos de observação
quando tinha 15 anos de idade. A partir de estudos realizados na área da,
dedica maior interesse à epistemologia genética. Há indícios de que rea-
lizou análise do comportamento dos próprios filhos. Essas observações
foram significativas para a construção das etapas do desenvolvimento
infantil que realizou nas Faculdades de Genebra e Sorbonne. Estudou
inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente se dedicou à área de
Psicologia, Epistemologia e Educação. Em 1923 lança seu primeiro livro
“A linguagem e o pensamento da criança”. Abordou temas gerais, como
a relação entre pensamento e linguagem (1923), o desenvolvimento na criança, do julgamento e
do raciocínio (1924), da representação do mundo (1926), da causalidade física (1927) e do jul-
gamento moral (1927). Foi professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954;
tornando-se mundialmente reconhecido pela sua revolução epistemológica. Em 1955, tornou-se
diretor do Centro de Epistemologia Genética de Genebra, onde reuniu cientistas de diferentes áreas
(matemáticos, biólogos, psicólogos e lógicos) interessados em pesquisar problemas epistemológi-
cos. É considerado um dos principais teóricos do desenvolvimento infantil pela sua contribuição
na área da psicogenética. A formação em Ciências Naturais levou-o a buscar compreender o co-
nhecimento com base biológica. Para ele, conhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade
a partir daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento. Durante sua
vida, Piaget escreveu mais de cinquenta livros e diversas centenas de artigos. Faleceu em 1980 em
Genebra, aos 84 anos de idade.

A abordagem cognitivista focaliza o desenvolvimento do sujeito, privilegiando os


aspectos relacionados com a aprendizagem e os processos de cognição. Essa evolução,
observada desde o nascimento do sujeito, vai sofrendo um processo de maturação e de
desenvolvimento. Desse modo, os estágios desse processo são universais embora cada
sujeito possua características próprias. Entre os diversos estudiosos desta abordagem
podemos destacar como principais representantes o suíço Jean Piaget (1896-1980) e os
norte-americanos David Ausubel (1918 – 2008) e o Jerome Bruner (1915-).

As teorias de Jean Piaget, portanto, tentam nos explicar como se desenvolve a


inteligência nos seres humanos. Daí o nome dado a sua ciência de Epistemologia Gené-
tica, que é entendida como o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos.
Convém esclarecer que as teorias de Piaget têm comprovação em bases científicas. Ou
seja, ele não somente descreveu o processo de desenvolvimento da inteligência, mas,
experimentalmente, comprovou suas teses.

Desde muito cedo Jean Piaget demonstrou sua capacidade de observação. Aos onze
anos percebeu um melro albino em uma praça de sua cidade. A observação deste pássaro
gerou seu primeiro trabalho científico de observação. Formado em Biologia, interessou-se
por pesquisar sobre o desenvolvimento do conhecimento nos seres humanos, sobretudo
como a criança constrói o conhecimento. Piaget questionava-se: como a criança constrói
o conhecimento.
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É importante ressaltar que Piaget não se dedicou a estudar o pensamento infantil


motivado por um interesse pela infância e também não construir sua psicologia genética
arquitetada pelo interesse por questões propriamente psicológica. De fato, o centro do
seu trabalho e de todos as suas considerações é o desenvolvimento do conhecimento.
Influenciado pela Ciências Naturais, Piaget buscou compreender o conhecimento com
base na biologia. Para ele, conhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade a partir
daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos de conhecimentos. Porém, ex-
periência não é a mesma coisa que conhecimento, pois este pressupõe a organização da
experiência num sistema de relações.

Esse sistema de relações ocorre fundamentalmente por meio da ação do sujeito


sobre o objeto. Assim, ao agir sobre o meio, o sujeito incorpora em si elementos que
pertencem ao meio. Por meio desse processo de incorporação, denominado por Piaget
de “assimilação”, as coisas e os fatos do meios são inseridos em um sistema de relações
e adquirem significado para o sujeito.

Ele conclui, a partir de observações experimentais com a criança, por exemplo, que o
desenvolvimento é adaptação, a busca de um equilíbrio entre organismo e os desafios que
o ambiente apresenta a ela, como pessoas, situações, necessidades e objetos novos. Sendo
assim, a cada nova ação ou conhecimento irá se construir a partir de outros esquemas de
ação ampliados ou transformados, isto é, a partir do esquema de ação já sedimentada nas
estruturas cognitivas da criança, ela poderá construir uma nova forma de ação. A criança,
diz Piaget, só é capaz de perceber o mundo e atuar sobre ele com a ajuda de esquemas de
ação que já está consolidado na sua estrutura cognitiva. Daí o conhecimento na criança
ser gradativamente construído.

Na perspectiva piagentiana, um organismo adaptado ao meio é aquele que mantém


um equilíbrio em suas trocas com o meio. Isto é, é aquele que interage com o ambiente
mantendo um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as dificuldades e
restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possível graças aos processos de
assimilação e de acomodação.

Para Piaget, o mecanismo de interação da criança com o ambiente é construído


por um movimento em espiral ascendente que se dá em dois polos: assimilação e acomo-
dação. A assimilação é a incorporação dos dados da realidade exterior, do ambiente, aos
esquemas de ação/cognitiva já construídos pela criança. A acomodação, por sua vez, é a
mudança que se realiza nestes esquemas de ação. Portanto, para Piaget não há assimilação
sem acomodação e vice-versa.

O processo de construção do conhecimento, segundo Piaget, depende de:


esquema: esquema é uma estrutura cognitiva, ou padrão de comportamento ou pen-
samento, que emerge da integração de unidades mais simples e primitivas em um todo
mais amplo, mais organizado e mais complexo. Dessa forma, temos a definição de que os
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
53

esquemas não são fixos, mas mudam continuamente ou tornam-se mais refinados.Para
Piaget, uma criança, quando nasce, apresenta poucos esquemas (sendo de natureza reflexa),
e à medida que se desenvolve, seus esquemas tornam-se generalizados, mais diferenciados
e mais numerosos. Estes esquemas são utilizados para processar e identificar a entrada de
estímulos, e graças a isto o organismo está apto a diferenciar estímulos, como também
está apto a generalizá-los. O funcionamento é mais ou menos o seguinte: uma criança
apresenta um certo número de esquemas, que grosseiramente poderiam ser comparados
com fichas de um arquivo. Diante de um estímulo, a criança tenta “encaixar” o estímulo
em um esquema disponível. Os esquemas são estruturas intelectuais que organizam os
eventos como eles são percebidos pelo organismo. Classificam-se em grupos, de acordo
com características comuns.
equilibração: a equilibração é uma propriedade intrínseca e constitutiva da vida
mental. Por meio dela é que se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação em
relação ao meio. Segundo Piaget, toda vez que, em nossa relação com o meio, surgem
conflitos, contradições ou outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de auto-regulação
ou equilibração entra em ação, no sentido de recuperá-los. Portanto, a equilibração, de
uma maneira geral, trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação,
e, assim, é considerada como um mecanismo auto-regulador, necessária para assegurar à
criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente.

O desenvolvimento na concepção piagentiana é fundamentalmente um processo


sucessivos que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada vez mais complexas e
elaboradas. Esse processo apresenta estágios definidos, caracterizados pelo surgimento
de novas formas de organização mental.

O desenvolvimento ocorre por um processo contínuo de construção de estruturas


pela progressão dos períodos cognitivos. Assim, Piaget dividiu o desenvolvimento em
quatro estágios, cada estágio é diferente do ponto de vista qualitativo, tem suas formas
próprias de adaptação ao meio. Os estágios são:

Estágio Sensório-Motor (do nascimento até aproximadamente os 2 anos): a criança


busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. Esse
estágio se chama sensório-motor porque o bebê adquire o conhecimento por meio de
suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas. O desen-
volvimento cognitivo inicia-se a partir dos reflexos que gradualmente se transformam em
esquemas de ação. Do nascimento até aos 2 anos, aproximadamente, a criança passa do
nível neonatal, marcado pelo funcionamento dos reflexos inatos. Segundo Piaget, para co-
nhecer os objetos, a criança tem que agir sobre eles e, por conseguinte, transformá-los; tem
que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los, separá-los e juntá-los. E complementa Piaget, a
consciência da criança sobre o meio externo expande-se lentamente, conforme suas ações
se deslocam de seu próprio corpo para os objetos. A criança com a mão agarra, aproxima
o objeto ao corpo, à boca que experimenta, empurra-o para longe de si. A criança puxa,
empurra, distende, apanha, larga, espalha, aperta etc. e estas são ações que se repetem.
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Neste estágio, o eu e o mundo tornam-se progressivamente distintos. A criança e


os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações exteriores, e a permanência
dos objetos vai sendo construída. Ou seja, a criança com o tempo começa a perceber que
os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estão fora do seu campo de
visão. Por volta dos dois anos de idade a criança começa a diferenciar o eu e o mundo,
reorganizando-se em um plano representativo.

Estágio Pré-Operatório (2 anos aos 7 anos): a criança busca adquirir a habilidade


verbal. Nesse estágio, ela já consegue nomear objetos e raciocinar intuitivamente, mas
ainda não consegue coordenar operações fundamentais. É também conhecido como a
fase simbólica. Também é chamado de estágio da Inteligência Simbólica. Caracteriza-se,
principalmente, pela interiorização de esquemas de ação construídos no estágio anterior
(sensório-motor).

Este período caracteriza-se pelo egocentrismo: isto é, a criança ainda não se mostra
capaz de colocar-se na perspectiva do outro, o pensamento pré-operacional é estático e rí-
gido, a criança capta estados momentâneos, sem juntá-los em um todo; pelo desequilíbrio:
há uma predominância de acomodações e não das assimilações; pela irreversibilidade: a
criança parece incapaz de compreender que existem fenômenos reversíveis, isto é, que se
fizermos certas transformações, somos capazes de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio
original, como, por exemplo, a sensibilidade do estado da água, que se transforma em
gelo e que volta à forma original ao ser aquecida.

Estágio Operatório Concreto (7 aos 11 anos): a criança começa a lidar com con-
ceitos abstratos como os números e relacionamentos. Esse estágio é caracterizado por
uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos. É
caracterizado pela capacidade da criança em mentalmente fazer a reversibilidade. Apesar
de ainda trabalhar com objetos (material concreto) agora representados, sua flexibilidade
de pensamento permite um sem número de aprendizagens.

A criança também desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, ca-


sualidade, já sendo capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair dados da realidade.
Ela não se limita a uma representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto
para chegar à abstração. A criança desenvolve ainda a capacidade de representar uma
ação no sentido inverso ao de uma anterior, ou seja, de anular a transformação observada
(reversibilidade).

Neste estágio, a linguagem tem um papel importante, pois acarreta modificações


importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, uma vez que a lingua-
gem possibilita as interações  interindividuais e  fornece, principalmente, a capacidade de
trabalhar com representações para atribuir significados à realidade. Tanto é assim que a
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
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aceleração do alcance do pensamento, neste estágio do desenvolvimento, é atribuída, em


grande parte, às possibilidades de contatos interindividuais fornecidos pela linguagem.

O enfoque dado por Piaget ao egocentrismo e à fala egocêntrica é essencialmente


intelectual. Trata-se de a inabilidade inicial para descentralizar, que implica a não dife-
renciação entre o ponto de vista do sujeito e de outras pessoas. Além do egocentrismo
social, está o egocentrismo puramente epistêmico, que é caracterizado pela confusão
do sujeito e do objeto durante um ato de conhecimento; o sujeito ignora a si mesmo e
não consegue descentralizar-se, voltando-se para o objeto. A fala egocêntrica diminui à
medida que aumenta a descentralização. Por exemplo, a fala egocêntrica em crianças pe-
quenas de aproximadamente 4 anos é percentualmente muito maior do que em crianças
em idade escolar de 7 a 8 anos, e essa porcentagem vai diminuindo na adolescência até
quase desaparecer na idade adulta.

Como já vimos, a linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco
socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue dis-
tinguir o ponto de vista próprio, do ponto de vista do outro e, por isso, revela confusão
entre o pessoal e o social, o subjetivo e o objetivo.

Para Piaget, entre os 2 e os 7 anos distinguem-se dois subestágios: o do pensamento


intuitivo e o do pensamento pré-conceptual. O pensamento intuitivo surge a partir dos 4
anos, o que permite que a criança resolva determinados problemas, mas este pensamento
é irreversível, isto é, a criança está sujeita às configurações preceptivas sem compreender
a diferença entre as transformações reais e aparentes.

O pensamento pré-conceptual, em que domina um pensamento mágico, no qual


os desejos se tornam realidade, possui também as seguintes características:
a) Animismo: a criança atribui características humanas a seres inanimados. Este animismo
vai desaparecendo progressivamente, conforme a criança avança no estágio.
b) Realismo: a realidade é construída pela criança. Se no animismo ela dá vida às coisas,
no realismo dá corpo, isto é, materializa as suas fantasias.
c) Finalismo: existe uma relação entre o finalismo e a causalidade. Ao olhar o mundo,
a criança tenta explicar o que vê, diz que se as coisas existem têm de ter uma finali-
dade, no entanto ela ainda é muito egocêntrica. Tudo o que existe, existe para o bem
essencial dela própria.
d) Artificialismo: é a explicação de fenômenos naturais como se fossem produzidos pelos
seres humanos para lhes servir como todos os outros objetos.

Estágio Operatório Formal (dos 11 anos em diante): a criança começa a raciocinar


lógica e sistematicamente. Esse estágio é definido pela habilidade de engajar-se no
raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos.
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56 Língua Portuguesa
modalidade a distância

No estágio das operações formais, desenvolvido a partir dos 12 anos de idade, a criança
inicia sua transição para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideias
abstratas. Tem início os processos de pensamento hipotético-dedutivos. A representação
agora permite a abstração total.

A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações


previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente,
buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. Em
outras palavras, as estruturas cognitivas da criança alcançam seu nível mais elevado de
desenvolvimento e tornam-se aptas a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de
problemas.

Nesta fase, para Piaget, existe um desenvolvimento da moral que ocorre por eta-
pas, de acordo com os estágios do desenvolvimento humano. Para Piaget, toda moral
consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no
respeito que o indivíduo adquire por essas regras. Isso porque Piaget entende que nos
jogos coletivos as relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas
culturalmente, podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores, no entanto
o dever de ‘respeitá-las’ implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade.
Desse modo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange três fases:
a) Anomia: na fase de anomia, natural na criança pequena até os 5 anos, amoral não se
coloca, ou seja, as regras são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado
pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, de dever;
b) Heterônoma: na moralidade heretônoma, os deveres são vistos como externos, im-
postos coercitivamente, e não como obrigações elaboradas pela consciência. Aos 9, 10
anos, a moral é a autoridade, ou seja, as regras não correspondem a um acordo mútuo
firmado entre os jogadores, mas sim a algo imposto pela tradição e, portanto, imutável;
c) Autonomia: nesta fase a criança adquire a consciência moral. Os deveres são cumpridos
com consciência de sua necessidade e significação. Corresponde ao último estágio do
desenvolvimento da moral, em que há a legitimação das regras e a criança pensa a
moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a regras é entendido como decorrente
de acordos mútuos entre os jogadores, no entanto cada um deles consegue conce-
ber a si próprio como possível ‘legislador’ em regime de cooperação entre todos os
membros do grupo.

Piaget contribuiu com a Educação por trazer ideias e resultados que alertam
sobre as fases próprias para a construção da cognição, e, além disso, por considerar o
aluno como agente e ao mesmo tempo como parte de algo maior, que é a sociedade e o
ambiente; enfim, por alertar que o conhecimento se dá pela interação do sujeito com o
meio ambiente físico e social.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
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david ausubel
Nasceu em Nova York, em 1918. Após sua formação acadêmica, em
território canadense resolve dedicar-se à educação no intuito de bus-
car as melhorias necessárias ao verdadeiro aprendizado. Ausubel foi
totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, tornando-se
então um representante do cognitivismo. Filho de família judia e pobre,
imigrantes da Europa Central, cresceu insatisfeito com a educação que
recebera. Revoltado contra os castigos e humilhações pelos quais passara
na escola, afirma que a educação é violenta e reacionária. Para ele, “A
escola é um cárcere para meninos. O crime de todos é a pouca idade e por isso os carcereiros
lhes dão castigos”. Totalmente contra a aprendizagem puramente mecânica, torna-se um repre-
sentante do cognitivismo, e propõe uma aprendizagem que tenha uma “estrutura cognitivista”,
de modo a intensificar a aprendizagem como um processo de armazenamento de informações
que, ao agrupar-se no âmbito mental do indivíduo, seja manipulada e utilizada adequadamente
no futuro, por meio da organização e integração dos conteúdos apreendidos significativamente.
Morreu em 2008.

A teoria da assimilação de Ausubel, ou teoria da aprendizagem significativa, é uma


teoria cognitivista e procura explicar os mecanismos internos que ocorrem na mente
humana com relação ao aprendizado e à estruturação do conhecimento. Contemporâneo
de Piaget, Ausubel tem propostas que em alguns pontos se assemelham às do biólogo
suíço, mas que em outros se afastam bastante.

Diferentemente de Piaget, cujo foco principal de pesquisa não era a aprendizagem


que ocorria na sala de aula, Ausubel concentra-se principalmente nesta questão, de modo
que dos seus trabalhos se percebe uma proposta concreta para o cotidiano acadêmico.
Como Piaget, Ausubel acredita no valor da aprendizagem por descoberta, mas volta a
valorizar a aula do tipo expositivo, que será o grande foco da sua pesquisa.

Para que a aprendizagem significativa ocorra, é preciso entender um processo de


modificação do conhecimento, em vez de comportamento em um sentido externo e obser-
vável, e reconhecer a importância que os processos mentais têm nesse desenvolvimento.

O pensamento ausubeniano também caracteriza-se por basear-se em uma reflexão


específica sobre a aprendizagem escolar e o ensino, em vez de tentar somente generalizar
e transferir à aprendizagem escolar conceitos ou princípios explicativos extraídos de
outras situações ou contextos de aprendizagem.

Segundo Ausubel, para haver aprendizagem significativa são necessárias duas con-
dições: em primeiro lugar, o aprendiz precisa ter uma disposição para aprender, pois se o
sujeito quiser memorizar o conteúdo arbitrária e literalmente, então a aprendizagem será
mecânica; em segundo, o conteúdo escolar a ser aprendido tem que ser potencialmente
significativo, ou seja, ele tem que ser lógica e psicologicamente significativo. O significa-
do lógico depende somente da natureza do conteúdo, já o significado psicológico é uma
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58 Língua Portuguesa
modalidade a distância

experiência que cada indivíduo tem. Cada aprendiz faz uma filtragem dos conteúdos que
têm significado ou não para si próprio.

Para Ausubel, a aprendizagem acontece, quando o aprendiz trabalha com material


que é potencialmente significativo e que pode ser relacionado com a estrutura cognitiva,
de um modo não-arbitrário. Ele considera que decorar passivamente, sem atentar para
a significação do material, é armazenar na memória itens que têm pouca ou nenhuma
associação com a estrutura cognitiva existente no aprendiz.

Nesse sentido, aprendizagem consiste na “ampliação” da estrutura cognitiva, por


meio da incorporação de novas ideias a ela. Dependendo do tipo de relacionamento que
se tenha entre as ideias já existentes nesta estrutura e as novas que se estão internalizando,
pode ocorrer um aprendizado que varia do mecânico ao significativo.

A Aprendizagem Mecânica abrange a aprendizagem de novas informações, com


pouca ou nenhuma associação com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva
do aprendiz. Ou seja, este simplesmente recebe a informação e a armazena, de forma que
ela permanece disponível por certo intervalo de tempo. Na ausência de outras informações
que lhe sirvam de combinação, a informação nova permanece na estrutura cognitiva de
forma estática.

A Aprendizagem Significativa tem como base as informações já existentes na


estrutura cognitiva, que ele considerada como idéia - âncora ou subsunçor. As novas
informações, segundo Ausubel, podem interagir, o que contribui para a transformação
do conhecimento em novos conhecimentos, de forma dinâmica, não aleatória, uma vez
que se relacionam a nova informação e os aspectos relevantes da estrutura cognitiva do
sujeito. Isto é, a aprendizagem significativa ocorre quando a nova informação se ancora
em conceitos relevantes pré-existentes na estrutura cognitiva de quem aprende.

Ausubel relaciona alguns aspectos que devem existir para que ocorra
a aprendizagem significativa no aprendiz:
1. a chave da aprendizagem significativa está na relação das novas ideias
e conceitos com a bagagem cognitiva do aprendiz;
2. o aprendiz só aprende o que potencialmente é significativo para ele;
3. o material da aprendizagem deve ser potencialmente significativo;
4. o aprendiz deve querer e estar motivado para aprender os novos conhecimentos.

A aprendizagem significativa se verifica quando o banco de informações no plano


mental do aluno se revela por meio da aprendizagem por descoberta e por recepção. O
processo utilizado para as crianças menores é o de formação de conceito, envolvendo
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
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generalizações de interesses específicos para que, na idade escolar, estas já tenham


desenvolvido um conjunto de conceitos, de modo a favorecer o desenvolvimento da
aprendizagem significativa.

A aprendizagem é muito mais significativa à medida que o novo conteúdo é in-


corporado às estruturas de conhecimento do aprendiz e adquire significado para ele a
partir da relação com seu conhecimento prévio. Ao contrário, ela se torna mecânica ou
repetitiva, uma vez que se produziu menos essa incorporação e atribuição de significado,
e o novo conteúdo passa a ser armazenado isoladamente ou por meio de associações
arbitrárias na estrutura cognitiva.

O professor deve criar desequilíbrios e desafios, sem nunca oferecer aos alunos a
solução pronta, mas deve apresentar a informação de forma organizada e mostrar ao aluno
como as ideias novas se relacionam com as antigas. Portanto, cabe ao professor observar
e analisar o comportamento dos alunos e tratá-los de acordo com suas características
peculiares, dentro de sua fase de aprendizagem.

Ausubel acreditava que o professor deve dar aos alunos liberdade para elaborarem
suas conclusões, bem como evitar rotinas e respostas padronizadas. Considera a impor-
tância de o aluno investigar, pesquisar, orientar e criar ambientes que favoreçam a troca
e a cooperação. Ao aluno cabe adquirir experiência pelo trabalho autônomo, integrar e
processar as informações para gerar novos conhecimentos.

O objetivo maior do ensino acadêmico é que todas as ideias sejam aprendidas de


forma significativa. Isso porque é somente deste jeito que estas novas ideias serão “armaze-
nadas” por bastante tempo e de maneira estável. Além disso, a aprendizagem significativa
permite ao aprendiz o uso do novo conceito de forma inédita, independentemente do
contexto em que este conteúdo foi primeiramente aprendido. O princípio norteador da
teoria de Ausubel, baseia-se na ideia de que, para que ocorra a aprendizagem, é neces-
sário partir daquilo que o aprendiz já sabe. Ou seja, dos conhecimentos já cristalizados
nas estruturas cognitivas.

Ausubel preconiza que os professores/educadores devem criar situações didáticas


com a finalidade de descobrir esses conhecimentos. Ausubel inclui não só conhecimen-
tos, mas também outros aspectos da aprendizagem, tais como atitudes, personalidades,
interesses, entre outros. Estes conhecimentos foram designados por ele mesmo como
“conhecimentos prévios”, que seriam os suportes em que o novo conhecimento se apoiaria.
A este processo ele próprio designou de “ancoragem”.

Por isso, Ausubel sugere a utilização de organizadores prévios para, de fato, ancorar
a nova aprendizagem, levando o aprendiz ao desenvolvimento de conceitos subsunçores,
de modo a facilitar a aprendizagem subsequente.
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60 Língua Portuguesa
modalidade a distância

Os organizadores prévios são informações e recursos introdutórios, que devem


ser apresentados antes dos conteúdos da matriz curricular, uma vez que têm a função de
servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve saber para que o conteúdo
possa ser realmente aprendido de forma significativa.

Segundo Ausubel, os organizadores prévios se tornarão mais eficazes se forem


apresentados no início das tarefas de aprendizagem para que suas propriedades possam
integrar-se como elemento atrativo para o aprendiz, visando provocar o interesse e de-
sejo de aprender. Sua formulação deve contar com um vocabulário bastante familiar ao
aprendiz, de modo que sua organização, bem como a aprendizagem sejam consideradas
como material de valor pedagógico. Muitas vezes, os aprendizes possuem essas ideias de
base, mas elas não estão ativadas adequadamente.

Assim, o “subsunçor” constitui um conceito, uma ideia ou uma proposição, já exis-


tente na estrutura cognitiva, capaz de servir de “ancoradouro” a uma nova informação,
de modo que esta adquira, assim, significado para o sujeito. Caberia, então, ao professor
descobrir esses conhecimentos prévios, ativá-los e, a partir disso, ensinar o novo tema.

Ausubel chama as ideias que proporcionam ancoragem de subordinadores, inte-


gradores ou subsunçores. Pode-se dizer então que a aprendizagem significativa ocorre
quando a nova informação “ancora-se” em conhecimentos especialmente relevantes
(subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva.

A avaliação pode assumir as seguintes potencialidades:


1) permitir avaliar os principais objetivos que foram traçados para a aprendizagem.
Para tal, os objetivos devem ser formulados de maneira clara e apresentados pre-
viamente para os alunos, de modo que isso, por si só, já facilite a aprendizagem
significativa pelo aprendiz, que se concentraria no estudo dos pontos principais
da disciplina (em vez de “perder” muito tempo com pontos secundários e menos
importantes);
2) garantir experiência útil de aprendizagem para os alunos, uma vez que ma ava-
liação os obriga a revisar, consolidar, esclarecer e integrar os diversos assuntos
tratados;
3) oferecer ao professor informações a respeito da eficácia dos materiais e dos mé-
todos que ele utiliza, bem como indícios sobre as possíveis causas para eventual
mau desempenho de algum (ns) aluno(s) (o que pode estar relacionado com falta
de interesse ou esforço dos aprendizes, ou com problemas relativos aos materiais
e técnicas instrucionais _ como a própria avaliação _ utilizados).
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
61

jerome bruner
Jerome S. Bruner nasceu no ano de 1915 na cidade de Nova Iorque e viveu
a maior parte da sua carreira como professor e investigador. Graduou-
-se em Psicologia pela universidade de Duke em 1937. Foi então para
Harvard em 1941, onde obteve o grau de Doutor em Psicología. No
começo da Segunda Guerra Mundial, Bruner iniciou suas pesquisas em
Psicologia Social. Nesse contexto, ingressou-se na guerra, trabalhando
no Departamento de Psicologia do seu quartel. Depois da guerra, voltou
a Harvard e publicou em 1947 um artigo onde descrevia a importância
das necessidades no desenvolvimento da percepção humana. Nesse artigo
constatamos que seu estudo conclui que os valores e as necessidades determinavam as percepções
humanas. A Psicologia Cognitiva objetiva desenvolver habilidades intelectuais da pessoa, para que
esta obtenha o máximo conhecimento. Em 1960, Bruner fundou o Centro de Estudos Cognitivos
da Universidade de Harvard. Bruner deu um forte impulso à Psicologia, tornando-a científica e,
com isso, obteve respeito social e acadêmico. Bruner manteve a regra básica da ciência: observar
os fenômenos e, a partir dessa observação, elaborar as conclusões.

Bruner realizou estudos em dois campos importantes para a aprendizagem: Cog-


nição e Cultura. O seu interesse pelos processos cognitivos o levou a passar um período
de estudos com Jean Piaget, o que influenciou sua concepção de desenvolvimento psico-
lógico como um processo evolutivo de representação de mundo. Bruner foi responsável
pelo intercâmbio entre pesquisadores do Centro de Epistemologia Genética em Genebra
e pesquisadores do âmbito de Estudos Cognitivos em Harvard. No final da década de
1950, Bruner envolve-se com estudos na área da educação, graças a um encontro de
pesquisadores e educadores promovido pela Academia Nacional de Ciências dos Estados
Unidos, em Massachusetts, cujo objetivo era reformular as bases para um novo currículo
em ciências e matemática para o ensino básico.

Em decorrência da Guerra Fria, a sociedade americana precisava formar jovens com


habilidades e competências em ciências e tecnologia. Como resultado das reflexões desse
encontro, Bruner publica, em 1960, o livro O Processo de Educação. Nesse livro, Bruner
faz referências aos processos motivacionais, ao papel do professor, ao quê e como ensinar.

Na Inglaterra, Bruner envolve-se com pesquisas sobre desenvolvimento infantil e


o papel da linguagem no desenvolvimento do psiquismo, cujo estudo havia lido na obra
de Vygotsky. Influenciado pelo pensamento vygotskiano, Bruner reafirma sua crença na
importância da dimensão cultural na formação do psiquismo humano. Como resultado
dessa sua admiração por Vygotsky, a convite de Luria, Bruner faz o prefácio do livro de
Vygotsky Pensamento e Linguagem. Para Bruner, o sujeito nasce em uma cultura, cuja
principal função é a conservação e a transmissão de aprendizagens passadas que ele deve
adquirir para se adaptar.
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modalidade a distância

A cultura, em virtude de sua relevância no processo de desenvolvimento, é, na obra


de Bruner, uma das dimensões mais importantes na educação. No livro A Cultura da
Educação, Bruner ressalta que o objetivo da educação deveria ser a promoção da realização
individual ou a preservação da cultura e que aprendizagem ocorre do inter ou intrapsí-
quico, ou seja, ocorre de dentro para fora, ou inversamente. Segundo ele, a aprendizagem
humana se dá na interação com o outro, graças à linguagem e à intersubjetividade.

Influenciado pelo pensamento de Vygotsky, Bruner enfatiza que, embora tenha a


influência de Piaget na sua visão de desenvolvimento, considera a teoria piagentina mais
interessante em desvendar o desenvolvimento do conhecimento humano do que em reve-
lar o funcionamento do nosso psiquismo. Assim, a visão de Vygotsky de funcionamento
psicológico como moldado pela cultura atende melhor à concepção de desenvolvimento
e aprendizagem de Bruner.

A aprendizagem que ocorre por meio da educação necessita de motivação, por


existir adaptação do aluno ao ambiente escolar e a seus procedimentos. Para Bruner,
o aprendizado é um processo ativo, no qual aprendizes constroem novas idéias, ou
conceitos, baseados em seus conhecimentos passados e atuais. O aprendiz seleciona e
transforma a informação, constrói hipóteses e toma decisões, contando, para isso, com
uma estrutura cognitiva.

A estrutura cognitiva (esquemas, modelos mentais) fornece significado e orga-


nização para as experiências e permite ao indivíduo “ir além da informação dada”. O
professor deve incentivar os alunos a descobrir por si sós os princípios. O professor e o
aluno devem se engajar em um diálogo ativo. A tarefa do professor no processo ensino-
-aprendizagem é traduzir a informação a ser aprendida em um formato apropriado ao
estado verdadeiro de compreensão do aluno. O currículo deve ser organizado em espiral,
para que o aluno construa continuamente sobre o que já aprendeu.

Bruner afirma que a teoria de instrução deve se direcionar para quatro aspectos
principais: (1) predisposição na direção do aprendizado, (2) modos nos quais um corpo de
conhecimento pode ser estruturado, para que seja facilmente compreendido pelo aluno,
(3) sequências mais efetivas nas quais apresentar o material e (4) natureza e ritmo das
recompensas e punições. Bons métodos para estruturar o aprendizado devem resultar em
simplificação, geração de novas proposições e aumento da manipulação da informação.
Em seu trabalho mais recente, Bruner expandiu sua estrutura teórica para abranger os
aspectos sociais e culturais do aprendizado.

Bruner foi um dos grandes impulsionadores da teoria cognitivista, mas acabou mais
tarde por abandonar essa mesma teoria, alegando que se tratava de um modelo bastante limi-
tado por não considerar a cultura como elemento importante para a constituição do sujeito.
Em relação ao pensamento humano, ele afirma que a mente humana não percorre os
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
63

mesmos caminhos de um computador no que diz respeito ao seu processamento de


informação, defendendo assim que o desenvolvimento da mente humana está ligado à
construção de significados, criados pelos seres humanos na relação que estabelecem com
o meio ambiente.

Segundo Bruner, uma informação por si só sozinha não possui qualquer tipo de
significado e, para que essa representação possa ser útil para nós, tem obrigatoriamente
que ter significado. A mente, mais do que tratar a informação, cria significados para
cada uma, enquanto o computador se limita a aplicar regras que alguém as introduziu e
que para ele são abstratas. Neste processo, a mente é criativa, produz sentido, é pessoal,
subjectiva, insere-se num contexto social e numa determinada cultura.

Na visão de Bruner, o significado de uma informação só tem sentido para o sujeito


se ele atribuir significado a essa informação. Portanto, o significado de uma informação
pode ser diferente de sujeito para sujeito. Além de a mente ser algo individual e interior,
também é partilhada com os outros no sentido de que a pertença a um determinado grupo
social irá condicionar a forma como os indivíduos pensam e se comportam.

Bruner reconhece que, em cada cultura, existe ao que se chama de psicologia po-
pular, que consiste na forma como um sujeito num determinado contexto social tenta
compreender o que são os sujeitos, por que razão se comportam de determinada forma
e como encaram os seus problemas. Estes conteúdos são adquiridos no processo de so-
cialização numa dada sociedade.

Ele defende também que o desenvolvimento da mente está ligado à construção de


significados pelos seres humanos na sua relação com o meio. Esses significados construídos
pelos sujeitos nada têm ver com o modo informático do processamento da informação.
A mente, neste processo, é criativa, pessoal e subjetiva. Ao mesmo tempo é partilhada
com os outros que fazem parte do contexto social do sujeito.

Na concepção bruneriana, o desenvolvimento intelectual da criança depende do


modo como a mente usa a informação que recebe. No decurso do seu desenvolvimento,
a criança adquire três diferentes modos de representação do meio que a envolve, do mais
simples ao mais complexo: enativo, icônico e simbólico.

Assim, para Bruner o desenvolvimento da criança se dá por esses três estágios:


Estágio Enativo: o primeiro nível de representação designa-se por representação
“enativa”, isto é, ligada à ação, à manipulação. As crianças representam o mundo por
meio de suas ações sensório-motoras, agindo, imitando, manipulando objetos.
Estágio Icônico: na representação “icônica”, o pensamento baseia-se nas imagens
mentais (nos objetos situações não presentes) e domina no período pré-operatório e das
operações concretas, de Piaget. Adquire uma importância maior à medida que a criança
Licenciatura em Letras
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modalidade a distância

cresce e aprende conceitos e princípios que não se podem “mostrar”. A representação icônica
realiza-se por interiorização dos gestos e das percepções sob forma de esquemas estáveis.

Estágio Simbólico: uma outra fase de representação é designada por representa-


ção “simbólica” que é uma representação do meio que se faz por intermédio, e na qual
assume particular importância a linguagem falada e escrita.

A linguagem é o principal sistema simbólico utilizado pelo adulto na


aprendizagem: a aquisição e a retenção de conhecimentos é a mais eficaz, sendo, por isso,
um meio de aprendizagem mais generalizado.

Para Bruner, a cada modo de representação (estágio) corresponde um modelo


de aprendizagem. Ele considera que as aprendizagens devem ser compatíveis com as
diferentes fases de representação (estágios). Assim, por exemplo, na fase enativa domi-
nam as aprendizagens centradas na manipulação dos objetos; na fase icônica, há uma
aprendizagem das representações e das características dos objetos; na última fase, a ca-
pacidade simbólica vai possibilitar a compreensão de conceitos lógicos e abstratos. Um
mesmo assunto pode ser abordado de formas distintas nas três fases, o que se designa
por currículo em espiral.

Bruner defende que existe um desejo natural de aprender por parte da criança, uma
motivação que conduzirá a um maior sucesso escolar. Refere-se também à necessidade
do reforço, ou seja, entende que uma aprendizagem bem sucedida deveria ser reforçada
para aumentar a probabilidade de se repetir.

A escola, segundo Bruner, deveria reconhecer esse aspecto cooperativo na constru-


ção do conhecimento, em vez de opor-se a uma postura mais ativa do aluno que desem-
penhe papel de modelador. O professor, no ensino, envolve mais do que a transmissão
do conteúdo, devendo se constituir em um modelo para o aluno, até no plano afetivo
de relação com a disciplina. Além disso, o professor pode ajudar o aluno a adquirir essas
ferramentas por meio de recursos como filmes ou narrativas, que permitem o resgate das
ideias intuitivas acerca do objeto.

Quanto aos recursos didáticos, Bruner diz que eles podem ajudar o processo de
ensino caso forneçam informação não disponível na experiência escolar. Quanto ao aluno,
Bruner considera que este precisa ser educado e, para tanto, terá de se adaptar à escola e
sentir-se motivado a aprendizagem.

exercício
1. Comente a afirmativa: “Para Piaget os estágios do desenvolvimento da criança são
universais embora cada criança possua características peculiares”. Você concorda com
essa afirmativa?
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
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2. Baseado nos estudos de Piaget sobre desenvolvimento infantil, Bruner destaca a


aprendizagem por descoberta e o desenvolvimento da criança em três fases: inativa,
icônica e simbólica. Faça um breve comentário sobre as semelhanças e diferenças entre
os dois autores.
3. Para Ausubel, no processo ensino - aprendizagem os organizadores prévios são im-
portantes para o desenvolvimento da aprendizagem. Faça então uma pesquisa em que
você entreviste alguns professores sobre quais os organizadores prévios mais utilizados.
4. Leia o livro “A Bolsa Amarela”, de Lygia Bojunga. Nesse livro, a autora narra o imaginá-
rio da menina Raquel e sua relação com a bolsa amarela. Após a leitura, procure elaborar
um texto, de quatro a cinco parágrafos, desenvolvendo a seguinte atividade: analise o
imaginário de Raquel considerando os estágios de desenvolvimento propostos por Piaget.
5. Assista ao filme “O Menino do Pijama Listrado” e elabore um texto dissertativo so-
bre o filme, relacionando os comportamentos do menino Bruno com a abordagem dos
teóricos cognitivistas.

bibliografia
bock, Ana Maria, gonçalves, Mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia sócio- histórica:
uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
bruner, j. O processo de educação. São Paulo: Nacional, 1972.
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francisco filho, g. A psicologia no contexto educacional. São Paulo: Editora Átoma, 2002.
goulart, Iris Barbosa. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. 5. ed.
Petrópolis: Vozes, 1983.
mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.
moreira, Marco Antônio. Teorias de aprendizagem. Porto Alegre: epu, 1999.
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Editora Vozes, 1994.
richmond, Peter Graham. Piaget: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: ibrasa, 1981.

resumo da atividade 5
A atividade da atividade 5 teve por objetivo o reconhecimento de que para os
cognitivistas a aprendizagem inclui perceber, interpretar e mentalmente armazenar a
informação que é recebida do ambiente. Aprendemos, por essa abordagem, que o processo
Licenciatura em Letras
66 Língua Portuguesa
modalidade a distância

dessa aprendizagem deve organiza-se de maneira a estimular o desenvolvimento de


mecanismos intelectuais, que possibilitem a aquisição de novos conceitos, estabelecendo
relações, levantando hipóteses e apresentando soluções. Aprendemos também que Piaget
explica o conhecimento por meio da interação do sujeito com o meio ambiente, físico e
social, cujo sujeito é o agente segundo suas capacidades. Ele contribui com a Educação
por trazer as ideias e resultados que alertam para as fases próprias para a construção da
cognição e por, além disso, considerar o aluno como agente e ao mesmo tempo parte
de algo maior, como a sociedade e o ambiente. Foi mostrado ainda que, para Ausubel, a
aprendizagem significativa se verificada quando o banco de informações no plano mental
do aluno se revela, por meio da aprendizagem por descoberta. O processo utilizado
para as crianças menores é o de formação de conceito, que envolve generalizações de
interesses específicos para que, na idade escolar, já tenha sido desenvolvido um conjunto
de conceitos, de modo a favorecer o desenvolvimento da aprendizagem significativa.
Nessa atividade você conheceu a visão de aprendizagem na perspectiva de Bruner, que
diferentemente de Piaget e Ausubel, procura enfatizar os aspectos culturais no processo
de desenvolvimento e aprendizagem da criança.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
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ABORDAGEM
HUMANISTA
(ROGERS)

a t i v i d a d e 6
Licenciatura em Letras
68 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• identificar os princípios filosóficos e psicológicos da teoria humanista;
• compreender as diferenças no processo de aprendizagem na teoria de Rogers.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Antes de iniciarmos nossa abordarmos sobre a concepção de Carl
Rogers sobre o processo de aprendizagem, torna-se necessário voltarmos
rapidamente à questão principal do nosso estudo, que é entender os
princípios da abordagem humanista. Focalizaremos os aspectos filosóficos
que norteiam a concepção humanista, destacando principalmente os
processos interpessoais e o desenvolvimento da personalidade do sujeito.

teoria humanista
A abordagem humanista vem preencher um imenso vazio no campo psicológico
e educacional em geral, com uma importância enorme, já que trata, preferencialmente,
dos sentimentos, valores e expectativas dos seres humanos, os quais não tinham sido
considerados nem pelo comportamentalismo, nem pelo cognitivismo.

Os humanistas preocupam-se com os processos integrais da pessoa cognitiva;


afetivo, social, psicomotor e a personalidade humana são uma organização ou totalidade,
que está em contínuo processo de desenvolvimento. Portanto, podemos dizer que se trata
de uma abordagem fundamentada na filosofia do existencialismo.

Para os humanistas, o ser humano é um agente eletivo, capaz de escolher seu pró-
prio destino; que também é um agente livre, capaz de estabelecer suas próprias metas, e,
finalmente, e também um agente responsável pelas suas próprias escolhas.

A teoria humanista privilegia a criatividade, o amor, o altruísmo e outras mani-


festações do afeto e respeito mútuo. Rogers considera o ser humano ativo, responsável e
capaz de se autodeterminar. Compreende que o meio deve permitir ao sujeito liberdade
e respeito à individualidade.

Para os humanistas, as pessoas não são motivadas somente por impulsos básicos
de necessidades fisiológicas ou de subsistência. Elas sentem necessidade de desenvolver
as suas capacidades e os seus potenciais  para alcançar a autorrealização; o foco não é,
portanto, o do ego ou a adaptação ao meio. O significado e os valores do sujeito devem
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
69

ser os condutores centrais do processo; valoriza-se, assim, menos os métodos rigorosos


ou até mesmo a objetividade na interpretação das observações.

A abordagem humanista, que surge nos anos 60, foi adotada num cenário onde
até então reinavam a psicanálise e o beharvorismo. A abordagem humanista dá ênfase às
relações interpessoais e ao crescimento que delas resulta relacionado ao desenvolvimento
da personalidade do sujeito, em seus processos de construção e organização pessoal da
realidade e da capacidade que o sujeito tem de atuar como pessoa integrada. O principal
representante da abordagem humanista é o americano Carl Rogers (1902-1987).

Para os humanistas, o desenvolvimento explica-se a partir de uma única necessi-


dade ou motivo humano básico, que é a fonte de toda a energia – a tendência inata do
organismo para desenvolver todas as suas potencialidades. Esta tendência é uma função
do organismo como um todo. A personalidade faz parte desse todo, enquanto uma estru-
tura interna que se desenvolve a partir da experiência. É a personalidade que possui essa
pré-disposição à auto-realização. Por isso, diz-se que o desenvolvimento é auto-dirigido.

Na teoria humanista a noção de "eu" é um conceito importante para se compreender


o desenvolvimento do homem como pessoa. Refere-se à maneira pela qual a pessoa se
percebe, atuando no meio. Essa imagem se desenvolve quando a pessoa se relaciona com
outras pessoas – é como uma auto-imagem. Características funcionais da noção de "eu":

O autoconhecimento é o processo de se autoconhecer, de desenvolver a noção de


‘eu’, de se perceber a si mesmo. É o desenvolvimento dos valores pessoais, a partir de
experiências igualmente pessoais.

Assim, para os humanistas, a mesma forma que o desenvolvimento é auto-dirigido,


o conhecimento é autodescoberto. Por isso, no processo ensino-aprendizagem o professor
exerce a função de um integrador de conhecimentos.

carl rogers
Carl R. Rogers nasceu no dia 8 de janeiro de 1902 em Oak Park, Chicago,
Estados Unidos, numa família cristã cuja religiosidade era rigorosamente
fundamentalista. Estudou na Universidade de Wisconsin. Como psicó-
logo, trabalhou primeiramente com crianças em Rochester, Nova York,
num centro de orientação infantil, onde permaneceu por doze anos, os
quais os ajudaram a compreender formal e diretamente o que ele iria
denominar mais tarde de Abordagem Centrada na Pessoa, que foi apri-
morada por suas experiências como professor na Universidade de Ohio
e depois como diretor de um novo centro de aconselhamento baseado
em suas ideias na Universidade de Chicago, onde publicou Terapia
Centrada no Cliente (1951), que continha sua primeira teoria formal sobre a terapia, sua teoria
da personalidade e algumas pesquisas que reforçavam sua conclusão. Foi um dos pioneiros nos
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70 Língua Portuguesa
modalidade a distância

movimentos de grupo de encontro, um dos fundadores da Psicologia Humanista e o primeiro


psicólogo a dirigir um departamento de psiquiatria em uma grande universidade (Universidade
de Wisconsin). Carl Rogers ajudou a criar o Centro de Estudos de Educação da Pessoa. A Abor-
dagem Centrada na Pessoa desenvolveu-se essencialmente a partir das suas próprias experiências
clínicas. Foi duas vezes eleito presidente da Associação Americana de Psicologia, profissional.
Rogers morreu em 5 de fevereiro de 1987, mesmo ano em que é indicado ao Prêmio Nobel da Paz.

Carl Rogers ficou famoso como psicólogo clínico e psicoterapeuta ao introduzir


e aplicar, sobretudo a partir da década de 40, no campo da psicoterapia, o que chamou
Terapia Centrada no Cliente – Client Centered Therapy – ou Abordagem Centrada na
Pessoa. Diferentemente das abordagens convencionais da época – behaviorista e psica-
nálise −, a abordagem humanista defendia a Terapia Centrada no Cliente ou também
conhecida orientação não diretiva em terapia.

Rogers, como humanista, centra sua atenção na capacidade interior do homem


para avançar num sentido positivo, sugere que em cada pessoa existe um impulso inerente
em direção à expansão: tornar-se autônomo, desenvolver-se, amadurecer e ativar todas
as capacidades do organismo. Essa tendência atualizante é o postulado fundamental de
sua teoria.

O modelo de ensino não-diretivo baseia-se nos estudos sobre psicoterapia centra-


da no cliente de Carl Rogers. O modelo não-diretivo dá mais importância ao domínio
emocional do que ao domínio cognitivo. No desenvolvimento dessa abordagem à pessoa,
os princípios e as atitudes valorizadas no modelo psicoterapêutico vão-se alargando de
tal modo que a sua aplicação é estendida a muitos outros domínios das Ciências Sociais
e a campos tão diversos como os da educação, das relações interpessoais, das relações
familiares, inclusive das relações conjugais, da comunicação interpessoal, da gestão de
recursos humanos, da gestão de empresas, da resolução e mediação de conflitos pessoais,
interpessoais, sociais, e até mesmo políticos e raciais.

A partir da década de 70, Rogers indica a orientação não diretiva ou abordagem


centrada na pessoa em terapias de grupos de encontro. Na sua prática psicoterápica,
Rogers considera que a maior força orientadora da relação terapêutica deve centrar-se
no cliente e não no terapeuta.

Rogers acredita que as pessoas crescem melhor psicológica e emocionalmente se


rodeadas de relações humanas positivas, francas, afetuosas e autênticas. Desse princípio
decorrem importantes implicações para o ensino: o processo educativo deve centrar-se no
desenvolvimento da pessoa; os conteúdos disciplinares e os resultados de aprendizagem
não podem confundir-se com as finalidades da educação.

Para a teoria rogeriana, o papel do professor não consiste na transmissão de co-


nhecimentos, mas sim na orientação do crescimento pessoal num clima de liberdade e
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
71

autenticidade; o professor assume-se como um facilitador das relações interpessoais; a


aprendizagem verdadeira e duradoura é a que o aluno faz por si próprio, com autonomia
e elevado nível de independência. O ambiente deve ser tão livre quanto possível e ausente
de controles exteriores que condicionam e oprimem a mente humana.

Carl Rogers acredita que ninguém ensina ninguém. O importante não é o ensino,
mas sim a aprendizagem. O professor não ensina, facilita a aprendizagem e ajuda ao cres-
cimento da pessoa. O primeiro objetivo do modelo não-diretivo é ajudar o aluno a atingir
níveis mais elevados de integração pessoal, de bem estar e de autoestima. O professor
assume o papel do psicoterapeuta, numa relação de ajuda que permite ao aluno um melhor
conhecimento de si, a tomada de consciência dos seus valores e das suas necessidades.

Na concepção rogeriana, o papel do professor não é provocar mudanças com-


portamentais, mas sim ajudar o aluno a conhecer as suas necessidades e a autodirigir
a sua educação em direção à realização do seu potencial humano. É ao aluno, e não ao
professor, que cabe identificar os problemas e encontrar as soluções que preencham as
suas necessidades.

Assim, para Rogers, a tarefa do professor não é a transferência do conhecimento


para a mente do aluno, mas sim a construção de um ambiente empático, onde haja co-
municação livre e onde todos possam comunicar com autenticidade, sem medos e sem
pressões. Para que a atmosfera seja autêntica e livre, o professor não avalia, reserva para
si os seus juízos de valor e manifesta uma abertura total face aos diferentes projetos de
vida dos seus alunos.

Segundo Rogers, o professor funciona como um “alter ego” benevolente, alguém


que aceita todos os sentimentos e opiniões, uma pessoa mais velha que compreende,
aceita e não recrimina. Esse clima de aceitação, autenticidade, congruência e empatia
favorece o desenvolvimento emocional do aluno, leva-o a aceitar-se melhor como pessoa
e a aumentar sua autoestima. A orientação não-diretiva é um conjunto de encontros entre
o professor e o aluno, nos quais o professor ajuda o aluno a explorar as suas emoções e
os seus sentimentos num processo que conduz ao autoconhecimento.

Com a orientação não-diretiva, pretende-se aconselhar os alunos sobre as difi-


culdades e progressos na aprendizagem e sobre os seus gostos e interesses em matérias
do conhecimento. Nos casos em que os alunos estão a ter problemas de integração es-
colar, a técnica da orientação não-diretiva é particularmente útil para ajudar os alunos
a tomarem consciência daquilo que os aflige, a conhecerem as consequências das suas
ações e a encontrarem formas mais saudáveis de resolverem os seus problemas. Com
essa técnica, o professor abandona o estilo autoritário e centra a sua atuação no respeito
pelos sentimentos e emoções do aluno, numa relação de inter-ajuda que se aproxima da
noção de companheirismo.
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modalidade a distância

Durante o processo da orientação, o aluno explora os seus sentimentos e emoções,


clarifica as suas percepções e identifica as mudanças apropriadas, de forma a atingir
níveis mais elevados de bem estar e de felicidade. A orientação não-diretiva tem quatro
características básicas:
1. o professor mostra compreensão e afeto e expressa uma vontade autêntica de aceitar
o aluno como pessoa;
2. o professor não julga, não avalia e não emite juízos de valor face às opiniões e aos
sentimentos do aluno;
3. o professor não se deixa controlar pelo aluno e mantém sempre uma certa distância e
objetividade face ao universo emocional do aluno;
4. o professor recusa todo tipo de preconceitos culturais e mostra ser capaz de respeitar
os sentimentos, opiniões e valores do aluno. O objetivo é levar o aluno a passar por
quatro etapas de crescimento pessoal: libertação dos sentimentos e emoções; tomada
de consciência; ação; integração em direção a uma nova orientação.

No ambiente escolar o professor é, antes de mais nada, um facilitador. O aluno de-


fine os seus problemas, é responsável pelas suas ações, formula os seus objetivos e escolhe
os procedimentos para os alcançar. Rogers acredita que a autenticidade, a congruência
e a empatia levam o sujeito a superar os sentimentos de medo, angústia e hostilidade,
substituindo-os por outros mais positivos, como a confiança, a aceitação do outro e a
autoestima. O professor é o “alter ego” do aluno e funciona como o recurso que o ajuda a
tomar consciência das emoções e dos sentimentos, numa atmosfera segura, confiante e livre.

Atitudes do Facilitador da Aprendizagem:


a) ter autenticidade no facilitador da aprendizagem;
b) prezar, aceitar e confiar;
c) ter compreensão empática.

Para Rogers, na concepção não-diretiva a função da educação é preparar o aluno


para se aceitar tal como é, para ser feliz consigo próprio e para realizar todo o seu poten-
cial. Nesse processo de desenvolvimento emocional, os alunos tomam consciência das
suas necessidades, das suas fraquezas, dos seus limites e dos seus pontos fortes.

Os métodos de ensino são flexíveis, individualizados e centrados na pessoa. A


criatividade é a atitude mais acentuada. As aulas expositivas são banidas em proveito de
atividades de autoformação individual e do trabalho em pequenos grupos. A avaliação
do processo de ensino e aprendizagem é feita, no dia a dia, a cargo de cada aluno, que
compara os seus resultados com os objetivos por si definidos. Na orientação não-diretiva
as atividades de aprendizagem não são obrigatórias, cabendo ao aluno a escolha das
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
73

tarefas a realizar, num processo de aprendizagem autônoma, em que o professor se


assume como recurso e facilitador.

O professor facilita; o aluno toma a iniciativa, faz as suas opções, seleciona os


procedimentos e, sempre que necessário, pede ajuda ao professor. Por fim, cada aluno faz
a sua autoavaliação. As recompensas são intrínsecas e incluem aceitação, compreensão
e empatia. Não há castigos nem prêmios.

Rogers considera a facilitação da aprendizagem como o objetivo maior da edu-


cação. Ao invés de apresentar uma teoria de aprendizagem, Rogers propõeuma série de
princípios de aprendizagem:

Princípios básicos da aprendizagem para Rogers


1. Todo aluno tem potencialidade natural para aprender e tendência a realizar essa
potencialidade;
2. A aprendizagem significativa ocorre quando o conteúdo da aprendizagem é percebido
como relevante para o aluno, a partir de seus próprios objetivos;
3. A aprendizagem que envolve mudança na organização do “eu” na percepção de si
mesmo, é ameaçadora e tende a suscitar a resistências;
4. Se a resistência do aluno à aprendizagem significativa é pequena, então ele realiza sua
potencialidade para aprender. As aprendizagens que ameaça o “eu” soa mais facilmente
percebidas e assimiladas quando as ameaças externas se reduzem;
5. Quando é pequena a ameaça do “eu”, aluno que realiza sua potencialidade para apren-
der, torna-se aberto à experiência e reciprocidade;
6. Grande parte da aprendizagem significante é adquirida pela realização de atos. A au-
toavaliação é função da capacidade de cada um de valoração pessoal;
7. A aprendizagem é facilitada quando o aprendiz participa responsavelmente ao processo
de aprendizagem;
8. A aprendizagem autoiniciada que envolve o aprendiz como um todo (sentimento e
intelecto) é mais duradoura e abrangente;
9. A independência, a criatividade a autoconfiança são todas facilitadas quando a autoa-
valiação e a autocrítica são básicas; a avaliação feita por outros é secundária;
10. A aprendizagem socialmente mais útil no mundo moderno é a do próprio processo
de aprender, por se tratar de uma contínua abertura à experiência e à incorporação,
dentro de si mesmo, do processo de mudança.
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74 Língua Portuguesa
modalidade a distância

exercício
1. Rogers considera que o aluno tem o livre arbítrio para decidir o que aprender e que
ele é capaz de avaliar o que é significativo para ele ou não; depende do próprio aluno
perceber-se a si mesmo e valorar-se com consciência. Qual a sua opinião a esse respeito?

2. O que você acha da autoavaliação do aluno no processo ensino-aprendizagem?

3. Rogers afirma de que um relacionamento de confiança entre professor e aluno e um


entendimento de valores, com clima de liberdade e respeito, é fundamental à autoavaliação
e para o desempenho do aluno. Você concorda com essa afirmação de Rogers? Por quê?

bibliografia
francisco filho, g. A Psicologia no contexto educacional. São Paulo; Editora Átoma, 2002.
frick, willard b. Psicologia humanista: entrevistas com Maslow, Murphy e Rogers. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975.
mizukami, m. das g. n. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: epu, 1986.
moreira, Marco Antônio. Teorias de aprendizagem. Porto Alegre: epu, 1999.
oliveira, j. b. a; Chadwick c. b. Tecnologia educacional: teorias da instrução. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 1994.
rogers, c. O tratamento clínico da criança-problema. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
________. Sobre o poder pessoal. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
________. Liberdade de aprender em nossa década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

resumo da atividade 6
Como o propósito de conhecer a concepção humanista de aprendizagem, apre-
sentamos a você nesta atividade o pensamento de Rogers. Com ele você aprendeu que
sua abordagem explica que o ensino seja centrado no aprendiz, que clima da sala de aula
deve ter o aprendiz como centro do processo ensino-aprendizagem. Rogers confirma
que na potencialidade do sujeito para aprender e que ele tem o livre arbítrio para decidir
o que quer aprender. Portanto, verificamos que, para Rogers, o sujeito tem a liberdade
para aprender. Ele reconhece ainda que o professor é um facilitador da aprendizagem.
Entende que é preciso banir a educação ameaçadora e desconfortável para o aprendiz.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
75

ABORDAGEM
SÓCIO-HISTÓRICA
(VYGOTSKY)

a t i v i d a d e 7
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76 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• entender os princípios da abordagem sócio-histórica;
• identificar a visão de Vygotsky sobre os processos de aprendizagem;
• reconhecer as contribuições de Vygotsky à Educação.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Nesta atividade você vai estudar a concepção de desenvolvimento
da aprendizagem de Vygotsky. Para iniciarmos a discussão sobre o
pensamento vygotskiano sobre aprendizagem, torna-se necessário
destacarmos a fundamentação da teoria sócio-histórica. Vamos nos
debruçar especificamente sobre a matriz sócio-histórica que influenciou
o pensamento de Vygotsky sobre a constituição do sujeito.

teoria sócio-histórica
Ancorada na Psicologia Soviética a perspectiva sócio-histórica, tendo o materia-
lismo histórico-dialético como pano de fundo, expressa em seus métodos e arcabouço
conceitual as marcas de sua filiação dialética. Ele assinala a “crise da Psicologia” de seu
tempo, que se debate entre modelos que privilegiam ora a mente e os aspectos internos
do indivíduo, ora o comportamento externo. Defendia construir o que chamou de uma
nova Psicologia Dialética, que deveria refletir o sujeito em sua totalidade, articulando
dialeticamente os aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito
com a sociedade à qual pertence.

A matriz sócio-histórica é composta por elementos sociais, econômicos, políticos


e culturais, todos historicamente construídos e em contínua construção. A matriz sócio-
-histórica pode ser concebida por duas partes íntimas e dialeticamente interrelacionadas.
A primeira é constituída das condições socioecnômicas e políticas as quais representam
as condições concretas de vida de uma comunidade específica, em que o sujeito nasce,
vive e se desenvolve, bem como é constituída pressões sociais mais estáticas às quais os
sujeitos estão submetidos. A segunda são as práticas discursivas, que representa o do-
mínio das representações, dos símbolos etc. Entende-se, a esse respeito, que o signo está
ligado a diferentes períodos.

Entre os diversos teóricos da aprendizagem na linha sócio-histórica, destacamos


Lev Semanovich Vygotsky (1896-1934).
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
77

l. s. vygotsky
Nasceu em 1896 e morreu em 1934. Foi advogado, filósofo; estudou
história, além de neuropsicologia. Analisou e fez criticas sobre as bases
do pensamento behaviorista, gestaltista e sobre o positivismo e o prag-
matismo americano, adotando o marxismo como epistemologia básica
para realizar seus trabalhos de pesquisa. Fez estudo sobre a história da
Psicologia, tendo inclusive criticado as principais correntes psicológicas
por não compreender o homem como sujeito cultural. Fez ainda estudos
sobre o desenvolvimento dos seres humanos, dando destaque à lingua-
gem, à formação de conceitos, ao pensamento em diferentes culturas,
ao processo de aprendizagem e ao cérebro humano diante da evolução
histórica e ao intercâmbio social. Iniciou sua carreira aos 21 anos, após a Revolução Russa de
1917. Trabalhou com crianças com problemas de cegueira, retardo mental severo, afasia etc.
Seus estudos e publicações de seus livros só chegaram ao mundo ocidental na década de 1980.
Sua produção intelectual foi intensa : Vygostsky chega a elaborar cerca de 200 estudos científicos
sobre diferentes temas.

Vygotsky é considerado um dos precursores da teoria Sócio-Construtivista ou


Sócio-Histórica. Seus trabalhos centram-se principalmente na origem social da inteli-
gência e no estudo dos processos socioculturais.

Ele distingue duas formas de funcionamento mental: os processos mentais ele-


mentares e os superiores. Os processos mentais elementares correspondem ao que Piaget
denomina estágio de inteligência sensório-motora e são resultantes do arcabouço genético
da espécie, da maturação biológica e da experiência da criança com seu ambiente físico.

As funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do


homem. Isso ocorre na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos
desenvolvidos culturalmente, o que faz com que o homem se distinga dos outros animais
nas suas formas de agir no e com o mundo. Enfim, para Vygotsky a cultura é um aspecto
importante na construção das estruturas mentais superiores do sujeito.

Vygotsky nos faz pensar que temos dois nascimentos: um primeiro nascimento
que é o físico, no qual apresentamos nosso arcabouço genético; e um segundo nasci-
mento, o social no qual nos desenvolvemos a partir da cultura e das relações sócias que
estabelecemos ao logo da vida.

Você já deve ter observado que, desde o nascimento, a criança está em constante
interação com os adultos, que procuram incorporar nessa interação conhecimentos da
cultura, atribuindo significado às condutas e aos objetos culturais que se formaram ao
logo da história do homem. Assim, a criança internaliza conhecimentos por meio das
interações sociais. Conforme o pensamento vygotskiano, o desenvolvimento e a apren-
dizagem do sujeito humano se dão a partir das constantes interações com o meio social
em que este vive.
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78 Língua Portuguesa
modalidade a distância

A teoria psicológica sociocultural de Vygotsky valoriza principalmente a mediação


simbólica e se preocupa com as capacidades psíquicas a serem desenvolvidas na interre-
lação do sujeito com as demais pessoas. Outro ponto importante é o papel da linguagem
na constituição do sujeito.

A linguagem habilita os sujeitos a providenciarem instrumentos auxiliadores


na solução de tarefas difíceis, a superarem a ação impulsiva, a planejarem a solução de
problemas antes de sua execução, ou seja, tanto expressa o pensamento do sujeito como
também o organiza.

Portanto, ao aprender a usar a linguagem para planejar ações, o sujeito consegue ir


além das experiências imediatas. A linguagem é a ferramenta psicológica mais importante.
Dessa maneira, é possível verificar não apenas o que o aluno é num dado momento, mas o
que pode vir a ser, rompendo-se com o conceito de que na organização de turmas deve-se
buscar uma homogeneidade. Este tema será estudado com mais detalhes na Unidade iii.

Vygotsky destaca, ainda, o papel da mediação social: (1) nas relações entre o sujeito
e seu ambiente (mediado pelas ferramentas) e (2) nas atividades psíquicas intraindividuais
(mediadas pelos signos); e ressalta também, (3) a passagem entre o interpsíquico e o in-
trapsíquico nas situações de comunicação social. Estes são os três princípios fundamentais,
totalmente interdependentes, nos quais Vygotsky sustenta a teoria do desenvolvimento
dos processos mentais superiores. Um dos pontos mais interessantes no processo de
aprendizagem é a zona de desenvolvimento proximal (zdp).

Todos os sujeitos possuem dois planos de conhecimento: no plano inferior, do


desenvolvimento real, está o conhecimento que o sujeito já domina. Já o plano superior,
do desenvolvimento potencial, está o conhecimento no limite máximo que um sujeito
pode atingir, naquele estágio de conhecimento. Seria determinado como o máximo a que
o aprendiz consegue chegar, naquele momento, com a ajuda de alguém mais experiente
(um professor, ou outro aprendiz).

Entre esses dois planos está a zdp, que indica a região onde os conteúdos devem
ser trabalhados, pois está acima do que já se sabe, e abaixo daquilo que, naquele momento,
não se conseguiria aprender. Assim, novos conteúdos vão sendo internalizados, recons-
truídos no plano interno de atividades. Com isso, o plano inferior, de desenvolvimento
real sobe e empurra, consigo o plano de desenvolvimento potencial, o que gera assim o
aprendizado.

Para Vygotsky, a finalidade do professor seria justamente a de trabalhar com seus


alunos, na zdp deles, de modo que eles tenham papel ativo neste processo. O professor
não é mais aquele que se coloca como centro do processo como se via na educação auto-
ritária, mecânica, mas aquele que ensina, para que os alunos aprendam.
Unidade 2
Principais teorias
da aprendizagem
79

Nessa perspectiva, o professor passa a ser o agente mediador, facilitador desse


processo, propondo desafios aos seus alunos e ajudando-os a resolvê-los, realizando ou
proporcionando atividades em grupo, em que aqueles que estiverem mais adiantados
poderão cooperar com os demais. Com suas intervenções, o professor estará contribuindo
para o fortalecimento de funções ainda não consolidadas, ou para a abertura de zonas de
desenvolvimento proximal. Não se pode esquecer de que a aprendizagem é fundamental
para o desenvolvimento.

Vygotsky rompe com a concepção de que o aprendiz deve, sozinho, descobrir suas
respostas; de que a aprendizagem é resultante de uma atividade individual, basicamente
interpessoal. Aquilo que o aprendiz realiza hoje com a ajuda dos demais estará realizan-
do sozinho amanhã. A aprendizagem implica apropriação de conhecimentos, que exige
planejamento constante e reorganização contínua de experiências significativas para os
alunos. A reorganização das experiências de aprendizagem deve considerar o quanto de
colaboração o aluno ainda necessita, para chegar a produzir determinadas atividades, de
forma independente.

O professor como mediador da aprendizagem, poderá avaliar, durante o proces-


so, não somente o nível das propostas que estão sendo feitas, mas, sobretudo, o nível
de desenvolvimento real do aprendiz – revelado por meio da produção independente
– bem como seu nível de desenvolvimento proximal – em que ainda necessita de ajuda.
Chega-se, assim, a um conhecimento maior da realidade do aluno, do curso interno
de seu desenvolvimento, tendo condições de prever o quanto de ajuda o aluno ainda
necessita, e como se deve reorientar o planejamento para apoiá-lo, quando necessário.
Para que todo esse processo tenha condição de se consolidar, o diálogo deve permear
constantemente a prática docente.

exercício
1. Sintetize o desenvolvimento da linguagem na criança segundo a concepção de Vygotsky.

2. Faça um quadro com as convergências e divergências básicas entre o pensamento de


Piaget e o de Vygotsky acerca do processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança.

3. Comente a afirmativa: “Vygostsky é considerado o mais importante estudioso da lin-


guagem infantil, sobretudo pela sua visão de aprendizagem e do papel da linguagem no
desenvolvimento cognitivo da criança”.

4. Assista ao documentário “Nascidos em Bordéis”e faça uma análise, com base no pen-
samento de Vygotsky, de como a cultura é um elemento fundamental no processo de
internalização dos conhecimentos sociais.
Licenciatura em Letras
80 Língua Portuguesa
modalidade a distância

bibliografia
berger, p. i; luckmann, t. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985.
bock, a. m., gonçalves, m. g., furtado, o. (orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma
perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
moll, l. c. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
oliveira, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizagem e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Scipione,
1993.
rego, t. c. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 13.ed, São Paulo: Editora
Vozes. 2002.
vygotsky, liev s., luria, alexander r. et leontiev, alexis n. Linguagem, desenvolvimento
e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988.
vygotsky, liev s. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

resumo da atividade 7
Na atividade 7 destacamos a teoria psicológica sociocultural de Vygotsky, que va-
loriza principalmente a mediação simbólica e se preocupa com as capacidades psíquicas
a serem desenvolvidas na interrelação do sujeito com as demais pessoas. Aprendemos
também que, segundo Vygotsky, isso ocorre na relação do aprendiz com o mundo, me-
diada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o que faz com que o
homem se distinga dos outros animais nas suas formas de agir no e com o mundo. Por
fim, destaca nesta atividade o pensamento de Vygotsky sobre os processos de aprendiza-
gem e desenvolvimento, dando ênfase à linguagem e à internalização de conhecimentos
do inter para o intrapsíquico.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
81

u n i d a d e 3

MULTICULTURALISMO,
APRENDIZAGEM
E DESENVOLVIMENTO
HUMANO
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82 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
83

A LINGUAGEM COMO
MEDIADORA
DA APRENDIZAGEM
E DESENVOLVIMENTO

a t i v i d a d e 8
Licenciatura em Letras
84 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade você deverá
• identificar a linguagem como mediadora da aprendizagem;
• conhecer as diversas abordagens sobre a linguagem;
• verificar o papel da linguagem na constituição do sujeito.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Na unidade anterior, vimos que as teorias da aprendizagem abordam
aspectos diferentes nos processos de ensino-aprendizagem e que
a linguagem tem um papel importante na construção do conhecimento.
Nesta unidade, veremos como a linguagem pode ser utilizada na
aprendizagem e como ela pode mediar os processos de internalização dos
conhecimentos. Para iniciar as discussões sobre a linguagem, perguntamos:
Você sabe definir o que é linguagem? Qual relação da linguagem no
aprendizado e desenvolvimento do aprendiz? Será que a linguagem
é utilizada apenas para o sujeito se comunicar?

A linguagem é um sistema de signos que possibilita o intercâmbio social entre


sujeitos que compartilham desse sistema de representação da realidade. A linguagem
permite a comunicação entre os homens.

Sabe-se, no entanto, que a linguagem verbal não serve apenas como instrumento
de comunicação, o seu papel vai mais além. O homem a utiliza para expressar seus pensa-
mentos, raciocinar, ordenar, analisar, sintetizar a informação, relacionar fatos percebidos,
enfim, para conhecer, interpretar e transformar o mundo. Acima de tudo, a linguagem
permite ao homem transmitir informações das mais complexas que foram produzidas
ao longo de muitos séculos de prática histórico-social.

Ao final da década de 50 do século xx, o campo da psicolinguística (estudiosos da


psicologia que enveredaram pelos estudos da linguagem) tornou-se muito importante nos
estudos da linguagem e do desenvolvimento humano. Entre os mais relevantes autores
da psicologia que abordaram a linguagem como fundamental para o desenvolvimento,
podemos destacar: Skinner, Bandura, Chomsky (comportamentais); Piaget (cognitivista);
e Vygotsky, Luria e Leontiev (socioculturalistas).

A linguagem, segundo Luria (1991), não existe entre os animais, que apenas emitem
sons que expressam seus estados e contagiam seus semelhantes, como, por exemplo, o
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
85

guia de um bando de cegonhas, ao sentir o perigo, solta gritos alarmantes promovendo


no bando uma reação de ajuntamento. Portanto, a linguagem dos animais nunca designa
coisas, não distingue ações nem qualidades.

Na busca de compreender os processos que cercam o universo da linguagem,


vários foram os estudiosos que se interessaram pelos processos mentais relacionados
com a linguagem e aprendizagem da fala. Linguistas, psicólogos e filósofos, ainda que
sustentando opiniões nem sempre convergentes, ampliam e enriquecem a pesquisa e o
conhecimento sobre os processos da linguagem oral e escrita.

Os linguistas estão preocupados com a descrição formal da estrutura da língua, isto


é, com a estrutura que abrange os sons e os significados da fala, como também o complexo
sistema da gramática. Já os psicólogos dedicam-se a desvendar as capacidades subjacentes
que o sujeito deve ter para usar a linguagem, além de investigar o processo de aquisição
da linguagem pelas crianças, analisando a linguagem como mediadora das estruturas
cognitivas. Assim, começaram a verificar a linguagem ligada às estruturas mentais e a
linguagem como suporte de expressão de conteúdos superiores (aspectos cognitivos).

Para a teoria do reforço defendida por Skinner, a linguagem é aprendida por meio
do condicionamento operante baseado em reforçamento seletivo de respostas verbais
emitidas pelo sujeito. Os pais e outros adultos reforçam
gradativamente a criança que aprende para que ela imite as
REFORÇAMENTO
respostas de fala de e adultos, ou seja, estimulam a aprendi-
O reforçamento seria um esquema
zagem por meio do reforçamento.
de observações e imitações do
comportamento verbal para ampliar
Bandura parece ter razão ao falar do modelo social no
o repertório verbal da criança.
qual as crianças escutam a linguagem à sua volta e, mesmo não Influenciado pelo behaviorismo
imitando a fala do modelo social, estão certamente adquirindo americano de Skinner, Bandura
cognitivamente informações do seu meio cultural. Portanto, (apud rappaport, 1981, p. 78)
podemos dizer que, para os teóricos da aprendizagem social, vai mais além dizendo que a criança
aprende a sua língua materna por meio
a modelagem seria indispensável à aquisição da linguagem.
de uma aprendizagem social, ou seja,
O grande marco do contexto dos estudos da lingua- a aprendizagem se dá mediada por
modelos sociais, porque como diz ele:
gem foi na década de 1960 com os trabalhos de Chomsky,
se a aprendizagem social ocorresse
entre os quis a Gramática Gerativa-Transformacional, um exclusivamente em ternos de
modelo analítico segundo o qual a criança aprende sua lín- consequências reforçadoras e punitivas,
gua materna por meio de um sistema de regras. Esse novo a maioria das pessoas não sobreviveria
modelo teve uma extraordinária repercussão no contexto ao processo de socialização [...].

dos estudos da linguagem.

Segundo Gardner (1995), há uma área da Psicologia na qual as ideias de Chomsky


tiveram uma enorme influência: a psicologia da linguagem ou a psicolinguística, como
costuma ser chamada.
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86 Língua Portuguesa
modalidade a distância

Nas últimas décadas, a psicolinguística se tornou uma importante área de inves-


tigação, que abrange estudos da linguagem normal no adulto, do desenvolvimento das
habilidades linguisticas em crianças, de distúrbios da linguagem após situações de lesão
cerebral e do uso da linguagem em populações excepcionais como, por exemplo, a dos
surdos. Muitos trabalhos em cada uma dessas áreas concentram-se nas habilidades sin-
táticas, como modelos de análise geralmente fornecidos por Chomsky.

Considerado um teórico inatista, Chomsky defende uma


teoria capaz de explicar a capacidade que as crianças têm
CHOMSKY
para falar fluentemente uma língua. Para ele, a criança tem
Chomsky nasceu no Estados Unidos
em 1928. É um linguista, filósofo e propriedades peculiares para desenvolver sua língua materna,
ativista político. É professor de Lin- isto é, predisposição biológica que está associada à espécie
guística no Instituto de Tecnologia humana para aquisição das línguas, caracterizando, portanto,
de Massachusetts.Seu nome está as-
uma Gramática Universal.
sociado à criação da gramática ge(ne)
rativa transformacional, abordagem Chomsky acredita que o sujeito é constituído congeniti-
que revolucionou os estudos no domí-
vamente de um conhecimento das características da lingua-
nio da linguística teórica. É também
o autor de trabalhos fundamentais gem humana. Podemos então compreender, com base no pen-
sobre as propriedades matemáticas das samento chomyskiano, que a criança desde o seu nascimento
linguagens formais, sendo o seu nome é dotada de certa sensibilidade para traços das gramáticas da
associado à chamada Hierarquia de
linguagem humana. Em outras palavras, a criança possui um
Chomsky. Seus trabalhos, combinando
uma abordagem matemática dos fenó- tipo de sistema inato, chamado por ele de “Dispositivo de
menos da linguagem com uma crítica Aprendizagem da Linguagem”, que propicia a sua aquisição de
do behaviorismo,nos quais a lingua- linguagem, ou melhor, uma estrutura, de certa forma, habilita
gem é conceitualizada como uma a criança a processar a linguagem, elaborar regras, pronunciar
propriedade inata do cérebro/mente
humanos, contribuem decisivamente
frases para produzir uma fala gramatical com competência.
para a formação da psicologia cogniti-
A criança, para Chomsky, apresenta um dispositivo de
va, no domínio das ciências humanas.
aquisição da linguagem situado, presumivelmente, em algum
lugar do sistema nervoso central. Embora não seja literalmente
uma caixa, entrariam, por meio dos ouvidos da criança, dados linguísticos que seriam
muitas vezes extremamente fragmentados, ou seja, fragmentos do discurso que a crian-
ça escuta à sua volta. Mas, para o autor, o dispositivo seria tão bem sintonizado com os
traços essenciais da linguagem humana que, embora esses dados sejam insuficientes, a
criança poderia extrair as regras gramaticais. Esse dispositivo seria tão sensível e bem
preparado que poderia produzir quase imediatamente as hipóteses corretas sobre quais
seriam estas regras.

No pensamento chomyskiano, a criança apresenta competência e desempenho para


apreender sua língua-mãe. Na criança, a gramática é uma representação de sua competên-
cia intrínseca para a aquisição da linguagem e para isso desenvolve igualmente sistemas
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
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de desempenho para colocar em ação este saber. Podemos entender, pela compreensão
de Chomsky, que a criança ouve enunciados gramaticais e não gramaticais e só constrói
sua linguagem simplesmente ao ser exposta aos desempenhos de alguém. Impressio-
nado com a rapidez extraordinária das aquisições linguísticas de crianças pequenas, ele
deduziu que não se trata de uma aprendizagem, mas principalmente de uma estrutura
pré-formada, pré-programada. Assim, com o termo “Gramática Universal”, certamente
Chomsky está se referindo a essas estruturas comuns a todas as linguagens.

A abordagem chomyskiana chamou atenção dos estudiosos da linguagem para as


bases neurológicas que servem de arcabouço para o processamento da linguagem humana,
pois temos um complexo e inato mecanismo para processar a linguagem, isto é, para um
associado funcionamento cerebral.

Como se sabe, temos dois hemisférios: o direto e o esquerdo, mas a dominância da


fala está relacionada com a região esquerda do cérebro. Essa capacidade biológica permite
a aprendizagem da linguagem, sustentada por características biológicas e culturais da
vida humana que dão aos bebês oportunidades de ouvir sua língua nativa e começar a se
comunicar com aqueles que a utilizam.

Outro aspecto importante que os estudiosos da linguagem consideraram funda-


mental para compreensão da aquisição da linguagem refere-se à interação verbal e às
relações coletivas e sociais como importantes para as investigações da linguagem e sua
relação com o pensamento. Questionaram: as crianças estão pensando enquanto estão
adquirindo a linguagem? Estão lembrando palavras ou associando-as durante o desen-
volvimento da linguagem? Para responder a esses questionamentos, apresentaremos a
você a concepção de Piaget, Vygotsky, Luria e Leontiev.

Para Piaget, a linguagem reflete as capacidades cognitivas da criança, no entanto


o pensamento aparece antes da linguagem, pois a formação do pensar depende, basica-
mente, de coordenação dos esquemas sensório-motores, e não da linguagem. Esta só pode
ocorrer depois que a criança já atingiu um determinado nível mental.

Piaget diz que ambos são processos separados: a linguagem só acontece depois
que a criança já alcançou determinados níveis de habilidades mentais. O desempenho
linguístico da criança, além de depender dos aspectos maturacionais orgânicos, depende
do grau de estimulação verbal e social que a criança vai receber do ambiente, quer dizer
que, num ambiente social onde a linguagem do adulto é “bem elaborada”, é provável que
as expressões ouvidas pela criança ampliem e enriqueçam seu repertório verbal.

Abordando a lógica da criança, Piaget considera que no inicio de seu desenvolvi-


mento ela fala sozinha (fala egocêntrica), porque esse fenômeno serve de preparação para
a chamada linguagem socializada. A linguagem egocêntrica tem origem no pensamento
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modalidade a distância

infantil e representa, sobretudo, a passagem de uma forma autista de pensamento a uma


forma socializada.

A linguagem socializada acontece antes dos cinco anos quando a criança começa
a se manifestar por meio de ordens, pedidos, ameaças, súplicas, entre outros. É a fase
em que a criança troca pensamentos com os outros, seja para informar seu interlocutor
acerca de algo, seja para buscar com ele um objetivo comum, estabelecendo o diálogo.
Para Piaget, nas crianças a linguagem está especialmente ligada à ação, principalmente
nas atividades lúdicas.

É importante ressaltar que Piaget foi um dos primeiros pesquisadores da psicologia


infantil que sistematicamente investigou as estruturas cognitivas e lógicas da criança e sua
relação com a linguagem. ParaVygotsky não é exagero afirmar que Piaget revolucionou
o estudo sobre a linguagem e o pensamento das crianças [...] Ele desenvolveu o método
clínico de investigação das ideias infantis; além do mais, trouxe para o seu objeto de
estudo uma nova abordagem, de amplitude e ousadia incomuns.

Para os estudiosos soviéticos Vygotsky, Luria


e Leontiev, a língua é um produto coletivo e históri-
LURIA
Luria nasceu na Rússia em 1902. co, ou seja, a língua é concebida como instrumento
Graduou-se em medicina em 1937. de troca social, já que ela não existe num vácuo,
Obteve seu doutorado em Pedagogia mas numa rede de valores enunciativos, na qual
(1937) e Ciências Médicas (1943).
o universo linguístico se constrói coletivamente.
Foi um famoso neuropsicólogo
soviético especialista em psicologia do
Em articulação com a posição de Luria, a
desenvolvimento. Foi um dos fundadores
de psicologia cultural-histórica. Ele concepção da linguagem exposta por Leontiev
estudou no Curso de Ciências Sociais apoia-se em bases neuropsicológicas. Assim como
da Universidade Estadual de Kazan outros autores interacionistas, ele criticou as con-
(graduado em 1921) e, graças ao seu
cepções mecanisistas do comportamento humano,
interesse em psicologia e à sua erudição,
em 1924, foi convidado a participar do, pois sustentava uma abordagem dialética para a
recém - criado, Instituto de Psicologia psicologia baseado no materialismo histórico.
de Moscou. Durante a Guerra, Luria
continuou seu trabalho no Instituto Para Leontiev, a linguagem humana não
de Psicologia de Moscou. Por um pode ser reduzida à aplicação de um sistema de
determinado período, ele ficou afastado regras como viam muitos linguistas, mas a uma
do Instituto de Psicologia, principalmente
como resultado da intensificação interação entre os recursos dos sistemas linguísticos
do anti-semitismo e optou por pesquisar que estão à disposição da criança e a maneira como
crianças mentalmente retardadas no os recursos funcionam, isto é, pode ser entendida
Instituto de Defectologia durante
como um conjunto de métodos empregado para
os anos cinquenta. Morre em 1977.
utilizar a linguagem na busca de conhecimentos e
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
89

de comunicação. Leontiev afirma que a criança desde o seu nascimento está rodeada de
um mundo objetivo criado pelo homem, isto é, a linguagem, as proposições, os conceitos,
as ideias.

Sendo assim, a criança, quando entra em relação com LEONTIEV


esses fenômenos, percebe-os já condicionados e organizados Leontiev nasceu na Rússia em 1903.
culturalmente pelo homem, pois o desenvolvimento mental Em 1921, começou seus estudos na
Faculdade de História e Filologia da
da criança se inicia num mundo humanizado. Nesse proces-
Universidade. A Faculdade de História
so de desenvolvimento, a criança não se adapta ao mundo e Filologia incluía, na época, um
dos objetos humanos e aos fenômenos que a circundam, Departamento de Filosofia no qual
mas sim apropria-se dele. G. I. Chelpanov ensinava psicologia,
e Leontiev estudou psicologia com
Para Leontiev, a linguagem é um produto objetivo da ele. Em 1924, Leontiev graduou-se
onde depois veio a ser a Faculdade
atividade das gerações humanas da qual a criança se apropria
de Ciências Sociais. De 1924 a 1930,
no curso do seu desenvolvimento. Ora, se considerarmos trabalhou junto com L.S.Vigotski.
que a criança se apropria do conhecimento no decorrer Em 1931, foi indicado para uma das
de sua evolução e que isso ocorre nos diferentes sujeitos, instituições de psicologia em Kharkov,
mas continuou sua colaboração
então consideramos que o desenvolvimento da linguagem
com Vigotski. Leontiev estudou a
da criança se dá certamente pela mediação social. memória e a atenção deliberadas, e
desenvolveu sua própria teoria da
De acordo com Leontiev, a aprendizagem da lingua- atividade que ligava o contexto social
gem é o alicerce para o desenvolvimento mental, uma vez com o desenvolvimento. Sua teoria da
que o conteúdo da experiência histórica do homem e da ex- atividade foi a base de muita pesquisa
na Rússia, particularmente nas áreas da
periência histórico-social não está consolidado somente nas
brincadeira e da aprendizagem. Morreu
coisas mentais, mas se reflete na forma verbal da linguagem. de ataque cardíaco em 1979.
Enfim, é dessa forma que a criança acumula o conhecimento
humano mediada pela linguagem.

Assim como Luria e Leontiev, Vygotsky também se preocupou com a linguagem


infantil. Abordou-a não como um sistema linguístico de estrutura abstrata, mas em seu
aspecto funcional, psicológico e fundamentalmente social, histórico. Interessava-lhe es-
tudar a linguagem como constituidora do sujeito, procurando, assim, enfocar a relação
entre pensamento e linguagem.

Para Vygotsky, o pensamento evolui sem a linguagem nas crianças pequenas. Os


primeiros balbucios formam-se sem o pensamento e têm como objetivo atrair a atenção
do adulto. Percebe-se, assim, a presença de uma função social da fala desde os primeiros
meses da criança. Vygotsky comenta, ainda, a possibilidade de estabelecer, no desen-
volvimento do pensamento da criança, um pensamento pré-linguístico. Por volta dos
dois anos, o pensamento pré-linguístico e a linguagem pré-intelectual encontram-se e
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modalidade a distância

juntam-se, surgindo um novo tipo de organização linguístico-cognitivo. Ele diz que essas
duas linhas se encontram neste momento – o pensamento se torna verbal e a linguagem
racional. A partir das ferramentas que estão à sua disposição, a criança passa a sentir a
necessidade das palavras e tenta aprender os signos, porquanto a criança começa a per-
ceber que existem propósitos para a fala e que há um nome para cada coisa. É, portanto,
a descoberta da função simbólica da palavra.

Partindo da compreensão desse teórico, podemos entender que no curso do de-


senvolvimento, a fala aberta da criança torna-se pouco a pouco internalizada; e à medida
que o fenômeno ocorre, a linguagem vem a ser usada cada vez mais como instrumento
para organizar as atividades e regular as ações. Ele sustenta que as ações da criança são
medidas por meio de palavras.

A capacidade mental da criança progride à medida que ela se apropria da lingua-


gem. Segundo Vygotsky, desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas
atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e,
sendo dirigidos os objetivos definidos, são retratadas por meio do prisma do ambiente
da criança. O caminho do objetivo até a criança e desta até o objeto é intermediado por
outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvol-
vimento enraizado nas ligações entre história individual e história social.

Pela lente vygotskiana, uma vez adquirida a linguagem, a criança desenvolve


com facilidade o raciocínio e a formação de conceitos. A linguagem não é apenas uma
manifestação externa do pensamento. O pensamento não é simplesmente expresso em
palavras: é por meio delas que ele passa a existir. A palavra tem assim um papel central no
desenvolvimento do pensamento e na evolução histórica da consciência como um todo.

Ao falar do desenvolvimento da criança, esse teórico russo alerta-nos de que a


linguagem assume um lugar fundamental para a construção das estruturas superiores –
a consciência. É por meio da palavra que se manifestam os conteúdos da consciência; é,
pois, por essa via que a criança compreende o seu ambiente social.

Sabe-se que o meio social no qual o falante se situa está repleto de conceitos, de
valores, de sentido ideológico, que impulsionam e, consequentemente, organizam a
sua atividade mental. Além disso, para Vygotsky, a linguagem representa um marco
no desenvolvimento da criança, pois a linguagem habilita as crianças a providenciarem
instrumentos auxiliadores na solução de tarefas difíceis, a planejarem a solução para um
problema antes de sua execução e a controlarem seu próprio comportamento.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
91

exercício
1. Faça um trabalho de pesquisa abordado o papel da linguagem no processo de apren-
dizagem.
2. Luria, Leontiev e Vygotsky criticavam os estruturalistas da linguagem e consideravam
a linguagem o alicerce para o desenvolvimento mental e social da criança. Explique as
críticas aos estruturalistas da linguagem.
3. Comente a afirmativa: “O homem é um sujeito histórico, datado, concreto, marcado
pela cultura. A linguagem é mediadora da consciência.

bibliografia
skinner, b. f. Ciência e comportamento. 9.ed. São Paulo: Martins Pontes, 1994.
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leontiev, a. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, 1972.
luria, a. r. Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos sociais e culturais. Porto Alegre:
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luria , a.; leontiev, a.; vygotsky, l. s. al et. Bases psicológicas da aprendizagem e
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vygotsky, l. s. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 8
Nesta atividade focalizamos os autores que destacam a linguagem como um ele-
mento importante para a aprendizagem e para o desenvolvimento. Aprendemos que a
linguagem e a mediadora das estruturas mentais superiores e fundamental para a forma-
ção da consciência. Aprendemos que, assim como Luria e Leontiev, Vygotsky também
se preocupou com a linguagem infantil. Abordou-a não como um sistema linguístico de
estrutura abstrata, mas em seu aspecto funcional, psicológico e fundamentalmente social,
histórico. Interessava-lhe estudar a linguagem como constituidora do sujeito, procurando,
assim, enfocar a relação entre pensamento e linguagem.
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A REDE DE
SIGNIFICAÇÕES NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

a t i v i d a d e 9
Licenciatura em Letras
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objetivos
São objetivos de aprendizagem a serem alcançados ao final dos seus estudos nesta
atividade:
• explicar a rede de significações e o desenvolvimento humano;
• compreender o processo de construção do ser humano e a rede de significações na
formação do sujeito;
• identificar a matriz teórico-metodológica da rede de significação;
• verificar a importância da rede de significações no processo de desenvolvimento e
aprendizagem.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


No estudo da atividade 9 do programa, relativa à rede de significação
no desenvolvimento do sujeito e sua relação com o desenvolvimento
e aprendizagem, abordaremos que a rede de significações (RedSig) como
uma nova perspectiva teórico-metodológica para as ciências humanas,
que vem sendo elaborada de forma a construir uma ferramenta capaz
de auxiliar tanto nos procedimentos de investigação como na compreensão
do processo de desenvolvimento humano.

Quando pensamos no desenvolvimento do ser humano, logo vem à mente que o


sujeito cresce, amadurece e que se constitui a partir de uma rede de relações familiares,
sociais e culturais. Pense na seguinte cena: uma pessoa desconhecida em uma festa, em
uma loja ou em uma fila de supermercado. Não sabemos nada a seu respeito, embora
saibamos identificar o sexo (homem ou mulher), a faixa etária (criança, jovem, adulto,
velho), a etnia; não sabemos particularidades desse sujeito. Afinal, como se dá o desen-
volvimento humano? Que fatores biológicos, sociais e culturais constituem o sujeito, ou
seja, que rede de relações forma o sujeito? Você já parou para pensar na sua constituição
como pessoa? Quais as redes de relações familiares, sociais e culturais que o constituem
como sujeito?

Os questionamentos levantados, nesta atividade, visam orientá-lo no estudo sobre


a construção do ser humano e na busca de novas fontes para ampliar seus conhecimentos
sobre a Psicologia do Desenvolvimento Humano. Para compreender o processo de cons-
tituição de um sujeito, é preciso olhar para a rede de significação que fez parte da sua vida.

À luz da Psicologia, o desenvolvimento humano é um processo que se dá do


nascimento à morte, dentro de ambientes culturalmente organizados e socialmente
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
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regulados, por meio de interações estabelecidas de poder, de troca e de afetividade.


Todos eles interagem dinâmica e dialeticamente, compondo uma rede, a qual contempla
condições macro e microindividuais e estrutura um universo simbólico, constituindo o
que chamamos de Rede de Significações (RedSig).

O desenvolvimento humano ocorre, durante todo o ciclo de vida, por meio de


processos progressivamente mais complexos. O sujeito é caracterizado por um comple-
xo sistema interado de processos psicológicos (cognitivos, sociais, afetivos, emocionais,
motivacionais), os quais operam em interações mútuas. Desse modo, é adequado pensar
que a cultura cria formas específicas de conduta, muda o tipo de atividade das funções
psíquicas (mente).

Cada um de nós enfrenta de forma única e singular o desafio que a vida nos
apresenta. Certamente, você deve lembrar-se de um fato vivenciado na sua infância, das
relações estabelecidas com amigos, parentes e diversas outras pessoas que, ao longo dessa
fase, passaram por sua infância. Quando narramos nossa infância, por exemplo, podemos
ver como nos constituímos como sujeitos, que pertencemos a um contexto social, que
pertencemos a uma família e estabelecemos uma rede de relações em ambientes diversos.

Para esclarecer melhor esse aspecto, trazemos como exemplo a história de Marcos,
que, ao fazer um memorial da sua vida, nos apresenta parte de sua infância vivida no Piauí:
História de infância e a rede de significados (redsig)
Nasci na cidade da Parnaíba, Piauí, sou filho mais velho de minha mãe que se casou aos
15 anos e me te teve com 17 anos. Antes de mim nasceu minha irmã Socorro, que morreu
logo bebê. Quando eu nasci meu pai estava preso por ter assassinado um homem por
causa de uma briga banal por conta de uns litros de leite. Ambos vendiam leite líquido
oferecendo de porta em porta em um lugarejo pequeno chamado Luís Corrêa. Enquanto
meu pai estava preso, minha mãe alugou um quarto próximo à delegacia no sentido de
facilitar suas visitas ao meu pai, que logo foi absolvido por apresentar legítima defesa e
ser réu primário. Um irmão de meu pai cedeu uma casa num sítio para que morássemos.
Morei lá até os 6 anos. Logo depois de mim nasceu minha irmã Regina, que morreu vítima
de pneumonia. Em seguida vieram o Carlos, o Paulo e o Roberto. Em 1974, a cidade de
Parnaíba passou por enchentes e muitas famílias ficaram desabrigadas. Meu pai ficou
desempregado, a minha mãe era quem sustentava a casa trabalhando em uma fábrica.
Ela teve que dispensar a pessoa que tomava conta de nós e tive de assumir a responsa-
bilidade dos serviços domésticos. Meu pai nos levava à escola de bicicleta. No caminho
passávamos por vacarias, campos e ruas de areia. Quando chegava a casa ia cuidar dos
afazeres domésticos. Eu tinha que puxar água do poço comunitário e dar banho nos meus
irmãos. À noite, quando a mamãe chegava eu podia estudar ou ir para frente da nossa
casa ouvir histórias de assombrações, piadas, adivinhações ou brincar de cair no poço,
pira se esconde ou bom barqueiro. Quando eu tinha 8 anos, com o dinheiro da fábrica,
minha mãe comprou uma máquina de costura e passou a costurar roupas e a fazer
panos de crochê para vender na feira. Aos sábados e domingos eu e minha mãe íamos à
feira vender suas produções. Ela estirava uma esteira na calçada em frente a uma loja
e nós arrumávamos as peças conforme os preços. Vendíamos muito. Assim minha mãe
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modalidade a distância

comprou a nossa primeira televisão preta e branca. Comprava também carrinhos e bolas
para os meus irmãos e bonecas para a minha irmã Claudia, que por sinal quando bebê
era eu quem trocava suas fraldas e dava banho, fazia mingau e a colocava para dormir
cantando músicas de ninar. “Era a mamãe quem fazia as nossas roupas e cada um de
nós possuía um par de sandálias e um par de sapatos”.
O texto narrativo citado foi extraído do artigo “A Rede de Significados na Constituição
do Sujeito para Bakhtin”, publicado na Revista Margens (v.2, n.3, jun, 2005), Editora
da ufpa, Belém: Paka-Tatu.

A narrativa da infância de Marcos é o retrato de muitas histórias de crianças e


famílias brasileiras pobres, de poucos recursos, em um ambiente privado de bens cultu-
rais e marcado por perdas de parentes. Desenvolver-se não é apenas crescer fisicamente,
cognitivamente e socialmente; é passar por etapas de desenvolvimento no sentido de pro-
gredir individualmente como pessoa, a partir, entre outras coisas, também, da dinâmica
e do funcionamento de sua família, das relações de poder no contexto vivido e entre os
diferentes cenários e encontros e construções de amizades e brincadeiras compartilhadas
por Marcos, que esteve submetido a uma série de circunscritores produzidos na história
e na cultura, na sociedade nos quais se fazem presentes vozes sociais construídas em
diferentes momentos e contextos de sua história social e pessoal.

A infância de Marcos percorre lugares e relações construídas e geradas numa Rede


de Significações (RedSig) comuns na sua vida privada: uma história marcada de pobreza;
problemas familiares; trabalho infantil; perdas de parentes e de experiências lúdicas que
são indubitavelmente importantes para o desenvolvimento da criança.

Compreendemos que o sujeito humano é essencialmente histórico, datado e


marcado pela sua cultura. Sua fala é produzida a partir de um determinado lugar e de
um determinado tempo e espaço. A narrativa de infância de Marcos é um recorte das
representações de um tempo histórico e de um espaço social bem definido.

Sabemos que os sujeitos são seres humanos: amam, sofrem, divertem-se, pensam a
respeito de suas condições e de suas experiências de vida, posicionam-se, possuem desejos
e propostas de melhoria de vida. Enfim, são sujeitos imersos numa Rede de Significações
que constroem a história de suas vidas e que precisam mostrar a suas singularidades.
Certamente é nesse processo que cada um vai se arquitetando como sujeito, dando assim
significado e sentido à sua existência. Mas, então, o que é a rede de significações?

A RedSig é uma nova perspectiva teórico-metodológica para as ciências humanas


que vem sendo elaborada de forma a construir uma ferramenta capaz de auxiliar nos
procedimentos de investigação e compreensão do processo de desenvolvimento huma-
no. Esse processo que é construído nas e por meio das múltiplas interações estabelecidas
pelas pessoas em contextos sociais e culturalmente organizados, está identificado em
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
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97

uma matriz sócio-histórica elaborada por Vygotsky, Valsiner, Bruner e Bakhtin, pilares
da perspectiva teórico-metodológica dessa nova concepção de desenvolvimento humano.

A perspectiva teórico-metodológica da RedSig é baseada em uma visão sócio-


-histórica que pressupõe que o desenvolvimento ocorre a partir de interações que o sujeito
estabelece ao longo de sua vida com parceiros diversos em práticas sociais concretas. As
formas culturais de organização do ambiente, as maneiras como os sujeitos atuam em
variadas situações, os modos como interagem com os outros fornecem aos sujeitos que
nele estão imersos os conhecimentos, as técnicas, os instrumentos e também os motivos
para suas ações.

Para a Rede de Significação, o sujeito nasce numa complexa rede de processos


de desenvolvimento, e a meta é buscar compreender quais e como os vários elementos
(interacionais - pessoais - contextuais) participam desses processos. Como se sabe, ao
nascer um bebê, simultaneamente “nasce” uma mãe, um pai, um irmão, um tio, um avó
entre outros. E é, também, por meio da relação com o bebê, que os papéis dessas outras
pessoas são assumidos ou rejeitados, que suas identidades se completam, que suas atitudes
tomam forma e adquirem significados na rede de relações familiares.

Por essa ótica, entende-se que, desde o início da vida, as relações são construídas
a partir das “interações”, ou seja, de ações partilhadas. Dessa forma, não existe uma
única rede de significações na constituição de um sujeito, mas várias redes articuladas
entre si, interligando e interligadas por teias, compondo uma malha com diversos
pontos de encontro.

Ao entrar nessa rede de relações sociais, a criança vai construindo, com a ajuda
das pessoas, habilidades que facilitarão o seu desenvolvimento. A criança nos primeiros
meses de vida aprende reflexos como o de agarrar e de sugar, que são facilitados pelo
contato intimamente associados ao contato do bebê com a mãe. Ainda no primeiro ano
de vida, as crianças são capazes de localizar fontes sonoras, discriminar cheiros e ritmos.
Nesse contexto, as pessoas com as quais a criança convive desempenham um papel muito
importante para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, sobretudo a figura
materna. É a mãe, principal figura de referência para a criança, que irá proporcionar o
desenvolvimento das habilidades inatas do bebê, por meio de suas ações e interações com
ele, bem como estimular a organização de seu ambiente. O ambiente diversificado em
estímulos e recursos facilitará e ampliará as capacidades de desenvolvimento da criança.

Para os teóricos da abordagem sócio-histórica, o sujeito se insere em um universo


sociocultural e por meio das relações e experiências que aí mantém desenvolverá seu
mundo psicológico, ou seja, seu mundo de registros. O sujeito é um ser ativo, social e
histórico. Essa é sua condição humana, e assim constituíra suas formas de pensar, sentir
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e agir: sua própria consciência e identidade. O sujeito é um ser social, por isso, além de
um nascimento físico, o homem experimenta um segundo nascimento, o social.

Bakhtin (1992a,b), Bruner (2001) e Valsiner (2000) entendem que a mente é


criadora de significados e que constitui e é constituída pela cultura, isto é, a mente seria
constituída pelo uso da cultura humana, criadora de significados (construção de signifi-
cados mediando esta interação entre mente e cultura).

Propondo uma Psicologia Cultural, Bruner (2001) enfatiza que não é possível negar
nossa constituição biológica, mas esta sozinha nos oferece apenas um conhecimento par-
cial sobre o sujeito, especialmente porque é a cultura que nos diferencia e nos distingue
um dos outros. A cultura, na visão de Bruner e Valsiner, é moldadora do comportamento
humano, pois os sujeitos produzem significados nos contextos culturais onde estão inse-
ridos. Enfim, os sujeitos são resultados desse processo de produção de significados. Como
diz Bruner (2001), a cultura molda (educa) a mente. Em outras palavras, ele afirma que
nossa mente pode ser tão influenciada pela cultura simbólica
que esta poderá remodelar a estrutura rígida e operacional
BAKHTIN
do sistema cognitivo.
Bakhtin nasceu em 1895 em Orel,
localidade a sul de Moscovo, de família Para Bakhtin (1992a,b), Bruner (2001) e Valsiner (2000),
aristocrática em decadência, cresceu a cultura forma e estrutura a mente. Há uma espécie de
entre Vínius e Odessa. Estudou
Filosofia e Letras na Universidade simbiose entre cérebro e cultura. Sendo assim, não podemos
de São Petersburgo, abordando em compreender o sujeito e sua ação sem conhecer a cultura na
profundidade a formação em filosofia qual ele está inserida, sem conhecer suas relações sociais, sua
alemã.Viveu em Leningrado após a
história, sua identidade social. Seguindo o mesmo raciocínio
vitória da revolução em 1917. Entre os
anos 24 e 29 conheceu os principais bakhtiniano, Bruner também enfatiza o papel da linguagem
expoentes do Formalismo russo e na constituição do sujeito, colocando-a como uma ferra-
publicou Freudismo (1927), O método menta essencial no processamento do mundo, sobretudo,
formal nos estudos literários (1928) e
no planejamento da ação do sujeito.
Marxismo e Filosofia da Linguagem
(1929), sendo esta última talvez a sua
Nessa mesma direção, para Vygotsky o cérebro é visto
obra mais célebre. Os seus trabalhos
só foram conhecidos no Ocidente como um sistema flexível capaz de servir a novas e diferentes
progressivamente a partir da década funções, sem que sejam necessárias transformações no órgão
de 80, atingiram grande prestígio e físico. O funcionamento cerebral é moldado ao longo da his-
referencialidade póstuma nos anos
tória da espécie e do desenvolvimento individual. Como diz
90 e ainda se destacam na atualidade.
Seu trabalho considerado influente na Vygotsky, a estrutura e o funcionamento do cérebro humano,
área de teoria literária, crítica literária, que levaram milhões de anos para evoluir, também passam
sociolinguística, análise do discurso e por mudanças no curso do desenvolvimento do sujeito,
semiótica. Morreu em 1975.
devido à interação do homem com o meio físico e social.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
99

exercício
1. Elabore um texto no qual se destaquem os aspectos que norteiam a matriz da rede de
significação na constituição do sujeito.
2. Com base nos pressupostos da rede de significações, elabore um memorial de sua
infância tendo como base a história de infância narrada de Marcos.
3. Você pode assistir aos filmes “A Cidade das Crianças” e “Filhos do Paraíso”, para enten-
der o universo infantil, sobretudo as relações das crianças com o mundo social e cultural.

bibliografia
alves, l. m. s. a. A rede de significados na constituição do sujeito para Bakhtin. Revista Margens,
v.2, n.3, jun, 2005, Editora da ufpa, Belém: Paka-Tatu, 2005.
bakhtin, m. Estética da criação verbal. São Paulo: hucitec, 1992a.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: hucitec, 1992b.
kishimoto, t. m. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação. Petrópolis: Vozes, 1993.
bruner, j. A cultura da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.
rogoff, b. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
rossetti-ferreira, m. c.; amorim, k. de s., silva, a. p. s.; carvalho, a. m. a.(orgs.).
Rede de significações e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.
valsiner, j. Culture and human development: na introduction. London: Sage, 2000.
vygotsky, l. s. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 9
Nesta atividade procuramos trazer à discussão a rede de significações no desenvol-
vimento e sua contribuição no processo de construção dos seres humanos. Para a rede de
significações, o ser humano é um ser de relações, e essas relações se dão em complexas
redes nas quais se articulam significações de várias origens. Destacamos também, nesta
atividade, os principais pilares teóricos dessa perspectiva: autores sócio-históricos ou
socioculturais, como Vygotsky, Bruner, Valsiner e Bakhtin. A perspectiva da rede de
significações destaca que o sujeito se constitui por meio das interações sociais e da cultura.
Licenciatura em Letras
100 Língua Portuguesa
modalidade a distância
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
101

CULTURA E
DESENVOLVIMENTO HUMANO

a t i v i d a d e 10
Licenciatura em Letras
102 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
- verificar a importância da cultura no desenvolvimento humano;
- identificar a visão de Vygotsky, Luria e Leontiev e a cultura;
- discutir a relação da cultura com o desenvolvimento e aprendizagem do sujeito.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Ao iniciarmos o estudo da atividade 10 do programa, relativa às questões
da cultura e do desenvolvimento humano, torna-se necessário destacarmos
que a cultura pode ser entendida como um sistema de padrões de ação e
interação simbólicas, constituídos e partilhados por um grupo de pessoas,
que organizam suas experiências, criam realidades, dão significados à vida
por meio dela e a perpetuam de uma geração a outra.
Nesta atividade, você vai estudar a cultura e o desenvolvimento humano na
perspectiva da RedSig. A proposta da Rede de Significação, ancorada numa
matriz sócio-histórica, representa uma forma de interpretar os papéis das
dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas, todas historicamente
construídas. Certamente o fenômeno mais intrigante para entender a vida
humana é compreender como nos tornarmos as pessoas que somos.

Mas, afinal, o que caracteriza o ser humano? O que diferencia o humano dos outros
animais? Quais nossas particularidades como humanos? Qual o papel da cultura no nosso
desenvolvimento? Quando nos colocamos essas questões, logo pensamos na capacidade
humana de se comunicar e resolver situações complexas que outros animais não teriam.

Poderíamos ainda dizer que uma característica do humano é o trabalho e o uso


de instrumentos. Caberia, então perguntar: os animais não executam atividades que se
assemelham ao trabalho humano? Sim, se observamos as atividades de muitos animais
percebemos que eles executam atividades semelhantes ao humano. As abelhas fabricam a
colmeia, as aranhas tecem a teia, as formigas, por meio de uma organização de trabalho,
carregam folhas e restos de animais para alimentar a sua espécie. Quanto aos instrumen-
tos, não podemos defender que é uma atividade exclusivamente da espécie humana. Os
macacos, por exemplo, fazem uso de instrumentos na solução de situações problemas
de modo semelhante ao homem.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
103

Experimento realizado por Wolfgang Kohler (1887-1967) com chimpanzés empi-


lhando caixotes para alcançar alimentos comprovou que estes têm condições de resolver
problemas relativamente mais complexos, como por exemplo, contornar um obstáculo
e abrir fechaduras para fuga; o que os aproxima da inteligência humana.

Mas, então, o que nos diferencia dos macacos? Estudos realizados por Vygotsky e
Luria apontam que, embora existam similaridades no padrão de aprendizagem de ma-
cacos e humanos, indiscutivelmente o fator cultural é determinante. Segundos eles, os
macacos desenvolvem ferramentas para resolução de problemas, mas não o trabalho, que
é considerado uma condição fundamental para a vida e atividade humana. Além disso,
falta-lhes a comunicação por meio da linguagem verbal.

Somente a espécie humana tem condições de criar e


recriar seus instrumentos e a capacidade de questionar os seus
KOHLER
próprios hábitos e modificá-los. Para explicar esse processo
Um dia um chimpanzé não foi
do desenvolvimento, Vygotsky e Luria o dividiram em três
alimentado pela manhã, mas o seu
etapas principais: alimento foi pendurado no teto
1. comportamentos instintivos, ou seja, inatos e de seu viveiro. Pusemos uma caixa
geneticamente determinados; no chão, a alguns metros do local
adequado, mas o animal não a utilizou.
2. reflexos condicionados, construídos a partir da Na verdade, ele nunca havia utilizado
primeira etapa, mas baseados em experiência anteriormente uma caixa como
individual; instrumento auxiliar. Tentou, em vão,
alcançar o alimento dependurado no
3. comportamentos racionais, construídos a partir da teto, pulando para alcançá-lo, subindo
primeira e segunda etapas. pelas paredes externas e se deslocando
ao longo do telhado. Em dado
Para esses teóricos, a maioria dos animais apresen- momento, ficou tão fatigado que foi
ta comportamentos característicos das etapas um e dois, várias vezes até a caixa para sentar-se
e descansar um pouco, enquanto olhava
enquanto os macacos antropóides e os humanos chegam a
tristemente para a comida dependurada
apresentar comportamentos complexos da etapa três. En- no teto. Passaram-se muitas horas sem
tretanto, pesquisas realizadas recentemente observaram que que o chimpanzé mostrasse qualquer
os cetáceos (principalmente os golfinhos) podem apresentar indício de ter atinado com a solução
do problema. Peguei, então, a caixa,
alguns comportamentos da etapa três, talvez em função de
coloquei-a debaixo do alimento,
seu modo de vida altamente social, pois são animais que subi nela, e toquei o alimento com
interagem com o humano – característica que os teóricos as mãos. Em seguida desci e novamente
também evidenciaram como importantes no desenvolvi- empurrei a caixa para longe. Em menos
de um minuto, o chimpanzé, que havia
mento comportamental humano. observado os meus procedimentos,
pegou a caixa, arrastou-a para baixo
Numa perspectiva antropológica, toda a criação huma-
do alimento, subiu nela, e conseguiu
na é cultura. Entendemos como cultura todos os materiais, a fruta desejada.
Licenciatura em Letras
104 Língua Portuguesa
modalidade a distância

as representações simbólicas, os conhecimentos, as crenças, os sistemas de valores, o


conjunto de normas que orienta o comportamento humano. O homem age de acordo
com seus padrões culturais. Para os culturalistas, com o tempo os instintos foram par-
cialmente anulados pelo longo processo evolutivo porque para o ser humano a cultura é
cumulativa, isto é, resulta de toda a experiência histórica das gerações anteriores.

Podemos dizer que, no caso do chimpanzé, suas experiências não beneficiam a sua
espécie, pois nasce e acaba imediatamente com ele. Já no caso do humano, o processo
ocorre de forma contrária, uma vez que toda experiência de um sujeito é transmitida aos
demais, o que promove um grande processo de acumulação de conhecimentos, isto é, de
transferência de conhecimentos produzidos pela espécie humana.

Nos estudos realizados por Vygotsky, a criança é dotada de um aparato biológico


que estabelece limites e possibilidades para o seu funcionamento psicológico, interage
simultaneamente no mundo real em que vive com as formas de organização do real
construído pela cultura. Há, portanto, um movimento dialético, mediado pelo signo,
que parte do interpessoal para o intrapessoal.

No caso do desenvolvimento da criança, o signo tem uma função social, primeiro


interpsicológico (intermental) e posteriormente intrapsicológico (intramental). Logo,
esse percurso permite à criança a internalização da linguagem e a formação de um dis-
curso interno.

Para Vygotsky, a cultura molda o psicológico, isto é, determina a maneira de pen-


sar. Os sujeitos de culturas distintas possuem diferentes perfis psicológicos. As funções
psicológicas de um sujeito são desenvolvidas ao longo do tempo e mediadas pelo social,
por meio dos símbolos criados pela cultura. A linguagem representa a cultura e depende
do intercâmbio social.

Em todas as culturas, os símbolos culturais fazem a mediação. Os conceitos são,


segundo Vygostky, construídos e internalizados de maneira não linear e diferente para
cada pessoa. A linguagem então surge da interação com os membros mais maduros da
comunidade, pois a língua é histórica e o pensamento é reflexo da linguagem.

No contexto da aprendizagem e desenvolvimento do sujeito há uma perspectiva


de análise que destaca a cultura como aspecto importante para sua compreensão. Para
analisar a cognição e a afetividade, por exemplo, a Psicologia Cultural tem resgatado o
significado da experiência humana, sobretudo a subjetividade do sujeito, aspecto consi-
derado indispensável para a compreensão do funcionamento psicológico humano.

Para os psicólogos culturalistas, o funcionamento psicológico do sujeito é cons-


tituído de processos que são mediados culturalmente e desenvolvidos historicamente.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
105

Podemos então entender que cada sujeito, ao interagir com sua cultura, envolve-se
ativamente na interpretação do significado da experiência, e também cria coletivamente
mundos interacionais.

A cultura pode ser entendida como um sistema de padrões de ação e interação


simbólicas, constituídos e partilhados por um grupo de pessoas, que organiza suas
experiências, cria realidades, dá significado à vida por meio dela e a perpetua de uma
geração a outra.

Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (apud laraia, 1988), a cultura


surgiu no momento em que o homem convencionou a primeira regra, a primeira nor-
ma que determinou o padrão de comportamento comum da espécie humana. Já para o
antropólogo norte-americano Leslie White (apud laraia, 1988, p. 56), a passagem do
estado animal para o humano ocorreu quando o cérebro do homem foi capaz de criar
símbolos. Vejamos o que diz esse autor:
Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o símbolo que
transformou nossos ancestrais antropóides em homem e fê-los humanos. Todas as
civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de símbolos [...] Toda cul-
tura depende de símbolos. É a faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de
símbolos que tornam possível a sua perpetuação. Sem símbolos não haveria cultura, e
o homem seria apenas animal, não um ser humano. [...] O comportamento humano é
o comportamento simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente
quando é introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que é a cultura.
E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo.

O ser humano torna-se um ser cultural porque evolui biologicamente para tanto,
o que, por sua vez, favoreceu a evolução da cultura.

As crianças ribeirinhas e das zonas rurais que estudam em escolas de ilhas e escolas
de fazendas, respectivamente, se locomovem por meio de barcos e canoas e animais, como
é o caso das crianças da ilha do Marajó que chegam à escola montadas em búfalos. Existe
no Brasil uma pluralidade em relação à infância, pois se configura uma heterogeneidade de
crianças: que trabalha e não estuda; a que cuida de outra criança, entre outras atividades
domésticas. No Estado do Pará, por exemplo, as crianças vivem em ambientes diversos.
Existem as ribeirinhas, as da carvoaria, as indígenas, as do campo, entre outras.

O desenvolvimento humano não acontece de modo similar. A perspectiva sociocul-


tural, defendida por Vygotsky, aponta que as crianças são participantes culturais em todas
as comunidades, vivendo em uma determinada comunidade, em uma época específica.
Para ele, as crianças aprendem a utilizar os instrumentos para pensar proporcionados
pela cultura, por meio de suas interações com parceiros mais habilidosos na ZDP (Zona
de Desenvolvimento Proximal).
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106 Língua Portuguesa
modalidade a distância

Para Vygotsky, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado


que este realiza num determinado grupo cultural, por meio das interações com outros
sujeitos da sua espécie.

De fato, a cultura e a interação social são importantes para o desenvolvimento


humano, tanto que a criança que só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade
de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora ne-
cessárias, não são suficientes para que a criança adquira a linguagem. A esse respeito,
é importante destacar o que diz Vygotsky (1991, p.99) “O aprendizado pressupõe uma
natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual daqueles que as cercam”.

A cultura não é estática, mas dinâmica, construída por meio dos esforços de sujeitos
que trabalharam conjuntamente, utilizando e adaptando instrumentos mentais e simbóli-
cos proporcionados por predecessores e, durante o processo, criando novos instrumentos.
A herança de milhares de anos de história humana dá a cada geração genes de processos
inatos que a prontifica para se somar à vida humana. A aprendizagem humana é facilitada
por uma infância longa, em comparação com outras espécies animais, que conseguem
imediatamente sua independência. A infância longa ajuda a criança a aprender a usar a
linguagem e outras invenções culturais.

Neste ponto, você deve ter percebido que a discussão não terminou, que continua
ainda. Desse modo, discutiremos a seguir como as culturas infantis foram construídas
no decorrer do desenvolvimento da criança em épocas passadas e como se realiza a da
cultura infantil na modernidade.

exercício
1. Faça uma pesquisa em bibliotecas e na internet sobre o conceito de cultura.
2. Você concorda com a concepção de que a cultura é um elemento fundamental para
entendermos o sujeito?
3. Comente a seguinte afirmativa: “O homem age de acordo com seus padrões culturais”.
4. Assista ao documentário “Não é o que parece”, produzido pelo canal Futura em parceria
com o Conselho Regional de Psicologia, que trata da importância da dimensão subjetiva
em nossas vidas.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
107

bibliografia
alves, l. m. s. a. A rede de significados na constituição do sujeito para Bakhtin. Revista Margens,
v. 2, n.3, jun, 2005, Editora da ufpa, Belém: Paka-Tatu. 2005.
bock, Ana Maria, gonçalves, mª Graça & furtado, Odair (orgs.). Psicologia socio-histórica:
uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
carvalho, a.; salles, f. & guimarães, m. Desenvolvimento e aprendizagem. Belo
Horizonte: Editora ufmg, 2002.
laraia, r. de b. Cultura: um conceito antropológico. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar editora, 1988.
rogoff, b. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2005.
rossetti-ferreira, m. c.; amorim, k. de s., silva, a. p. s.; carvalho, a. m. a.(orgs.).
Rede de significações e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2004.
vygotsky, l. s. A formação social da mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
______. Pensamento e linguagem. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

resumo da atividade 10
Nesta atividade verificamos a importância do multiculturalismo nos estudos do
desenvolvimento e da aprendizagem. Foi possível também identificar a cultura como ele-
mento fundamental para o processo de desenvolvimento da criança. Constatamos ainda
que o homem age de acordo com seus padrões culturais, pois a cultura é determinante
para formação da consciência do sujeito. Para os psicólogos culturalistas, o funciona-
mento psicológico do sujeito é constituído de processos que são mediados culturalmente
e desenvolvido historicamente.
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Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
109

CULTURAS INFANTIS
E A INFÂNCIA

a t i v i d a d e 11
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110 Língua Portuguesa
modalidade a distância

objetivos
Ao final desta atividade, você deverá
• entender a importância das culturas infantis;
• identificar o papel das culturas infantis no desenvolvimento da criança;
• reconhecer as contribuições das brincadeiras no processo de aprendizagem e desen-
volvimento.

PRA INÍCIO DE CONVERSA


Para concluirmos esta unidade, apresentamos na atividade 11 a discussão
sobre as culturas infantis. Você deverá aprender que as culturas das crianças
são um conjunto de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que
as crianças produzem e partilham em interações com os seus pares. Essas
atividades culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no
mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das
produções culturais geradas pelas crianças nas interações.

A infância é uma construção social, uma criação da sociedade sujeita a mudar sem-
pre que surgem transformações sociais mais amplas. Estudiosos da Psicologia, tal como
Piaget, pensavam que o desenvolvimento da criança era moldado por forças biológicas
e que seus estágios de desenvolvimento biológico seriam fixos e imutáveis.

Sabe-se hoje que a infância não pode ser compreendida isoladamente, desconectada
das estruturas sociais em que as crianças estão inseridas e de suas relações com as culturas
adultas. Isto é, as culturas infantis surgem na medida em que as crianças, interagindo com
os adultos e certamente com seus pares, estabelecem sentidos ao mundo em que vivem.

Você já deve ter observado que as crianças brincam e que durante a brincadeira
elas expressam sua percepção de mundo e vivenciam papeis sociais nas brincadeiras de
faz-de-conta. Além disso, a sua cultura está presente como norteadora das atividades
lúdicas. Perguntamos a você: como a criança efetivamente expressa a sua cultura nas
brincadeiras? É importante lembrarmos que a criança em desenvolvimento não é um ser
passivo. Pelo contrário, desde o nascimento a criança estabelece interações com o adulto,
e isso possibilita que elas apresentem sua forma de interagir com o mundo e, assim, criam
suas representações deste mundo.

As culturas das crianças, como já foi dito, são um conjunto de atividades ou roti-
nas, artefatos, valores e ideias que elas produzem e partilham em interações com os seus
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
111

pares. As manifestações infantis são provenientes de uma cultura própria das crianças.
Suas expressões, nas mais variadas linguagens, decorrem da relação com a cultura que as
cerca, ou seja, com os bens culturais que a sociedade disponibiliza para elas.

Para Sarmento (2001), as culturas da infância vivem do vai-e-vém das represen-


tações do mundo feitas pelas crianças em interação com as representações “adultas”
dominantes. As duas culturas – a especificamente infantil e as da sociedade – que se
conjugam na construção das culturas da infância, na variedade, pluralidade e até contra-
dição que internamente informa, uma outra, referenciam o mundo de vida das crianças
e enquadram a sua ação concreta.

A cultura infantil é diferenciada em cada grupo cultural, dependo da valorização


que se atribui a tais culturas. A criança contemporânea ocupa um novo lugar social,
construindo culturas infantis que tem substituído as brincadeiras tradicionais pelas
eletrônicas. As culturas da infância são resultantes da convergência desigual de fatores
que se localizam, em uma primeira instância, nas relações sociais e, em uma segunda
instância, nas relações inter e intra-geracionais.

No cotidiano infantil, a brincadeira é o resultado de relações entre as crianças;


pressupõe uma aprendizagem social. Aprender a brincar e a interagir com o outro é o
momento de a criança adquirir conhecimentos da sua cultura. Certamente, há muitas
brincadeiras que podem ser transmitidas às crianças por elas próprias ou pelos adultos.

Sarmento (2001) configura as culturas infantis em torno de quatro eixos. No pri-


meiro eixo, as culturas infantis integram de forma específica uma ludicidade que não é
exclusiva das crianças. Outro eixo é a interatividade: à medida que as crianças realizam
o processo cultural interativo e contínuo, imitam outras crianças. Para o referido autor,
esses aspectos desenvolvidos pelas crianças constituem o processo de transmissão cultural
intra-geracional.

Um terceiro eixo é o da transposição fantástica do real, da ligação entre imaginação


e realidade, da ficção, que é própria da literatura, da poesia, do cinema. Entendemos
então que as culturas infantis não são redutíveis aos produtos da indústria para a in-
fância ou aos elementos integrantes das culturas escolares, mas são ações, significações
e artefatos, produzidos pelas crianças, que se apresentam simbolicamente nas relações
sociais cotidianas. Nesta perspectiva, relacionamos as culturas infantis na matriz teórica
da Sociologia da Infância a partir da perspectiva dos jogos, das brincadeiras, das cantigas,
das estórias orais e do folclore (cultura popular regional).

Na última década do século xx, segundo Sarmento (2001), houve avanços signifi-
cativos na pesquisa sobre culturas infantis no âmbito dessa abordagem. E a brincadeira,
como atividade lúdica, é um traço fundamental da cultura infantil, sendo condição de
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112 Língua Portuguesa
modalidade a distância

aprendizagem e recriação do mundo que cerca a criança. O lugar da infância na con-


temporaneidade é um lugar em mudança, em transformação, de certo, pela indústria
cultural de consumo.

Como fenômeno da cultura, a brincadeira se configura como um conjunto de prá-


ticas, conhecimentos e artefatos construídos e acumulados pelos sujeitos nos contextos
históricos e sociais. É sabido que o brincar não é a única atividade por meio da qual as
crianças constroem culturas próprias, mas, indiscutivelmente, abre caminho para que
a criança amplie suas interpretações, compreensões e ações sobre a realidade, ou seja, o
brincar destaca-se como um dos pilares da constituição das culturas infantis.

As brincadeiras tradicionais convivem com suas formas contemporâneas, pois as


crianças vivem em uma sociedade globalizada. Nesse contexto, o convívio com outras
crianças e com adultos contribui para a transmissão da cultura infantil e o entendimento
da importância de produzir e recriar outras formas de brincadeiras entre si, o que
evidenciará suas produções como culturais, próprias da infância.

Culturalmente aprender significa realizar, em cada experiência vivida coletivamente,


a relação com a natureza e a cultura. Compreendemos que as culturas infantis requerem
o reconhecimento, entre outros aspectos, da sua própria vivência em volta do mundo dos
adultos e da mídia televisiva, fatores que influenciam a formação do universo simbólico e
a representação do sentido nas culturas infantis.

Sarmento (2001) comenta, ainda, que a constituição do mercado de produtos cul-


turais para a infância, entre os quais a televisão, programas de vídeo, jogos informáticos é
acompanhada de incremento comercial de outros produtos de consumo para as crianças:
moda infantil, guloseimas, fast-food, bonecas Barbie e outros.

Para esse autor, os produtos culturais constituem a maior difusão mundial em


torno da cadeia de franquias, a que favorece a difusão da cultura midiática. Os produtos
contribuem de forma poderosa para a globalização da infância. Portanto, a mídia é um
lugar fundamental em que e pelo se induzem, as crianças de forma intensa e muitas vezes
maldosa, a sair do seu faz de conta. Por outro lado, a mídia permite as crianças viverem
em contextos sociais complexos e facilita até mesmo quebrar barreira e fronteira entre
cultura local e cultura universal.

A criança brinca porque necessita se exercitar, exprimir seu mundo interior, imitar
aspectos da vida adulta para compreendê-la. Além disso, brincar faz parte do processo
de socialização da criança, pois no brincar ela desenvolve seu raciocínio lógico e suas
habilidades, assim como valores, costumes da sociedade a qual pertence. O brincar edu-
cativo remete à experimentação de emoções, desejos, sentimentos e, principalmente à
apropriação da cultura na infância.
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
113

Brougère (2003) define o brincar como uma atividade cultural dinâmica e infor-
mativa, que tem como função promover e desenvolver a criança. “É uma construção
cultural”, não tem um tempo determinado e preciso para acontecer e, quando acontece,
faz-se de forma espontânea e criativa, envolvendo as múltiplas linguagens que se apre-
sentam no âmbito familiar e nas instituições educacional, impregnadas de significação
social e cultural. Vygotsky especifica ainda que uma das funções básicas e importantes
do ato de brincar é dar liberdade para que a criança aprenda a resolver situações que se
apresentam no seu cotidiano.

O brincar é compreendido como uma atividade que permite a criança elaborar e


organizar suas idéias. Trata-se de uma necessidade humana de se apropriar dos brinquedos
e das brincadeiras que vão contribuir de forma significativa para o desenvolvimento e
aprendizagem. Além disso, a criança assinala valores culturais e sociais essenciais para
sua formação.

As crianças por meio do brincar experimentam diferentes tipos de situações


que vivencia no universo adulto, expressam valores, costumes, cultura, assimilando tudo
isso de forma natural, espontânea e imprevisível. Elas agem como se fossem outra coisa
e estivessem em outro tempo e lugar. O brincar como linguagem simbólica é essencial
ao desenvolvimento do ser humano, uma vez que o brincar não se encontra presente
apenas no imaginário da criança, mas em toda atividade que promova a construção de
significados que vão contribuir efetivamente na aprendizagem (brougère, 2003).

O brincar contribui no desenvolvimento infantil por possibilitar novas experiências


e aprendizagem, assim como o desenvolvimento motor, cognitivo, da linguagem, emo-
cional, social e da escrita. Em seu livro “Brinquedo e Cultura”, Brougére afirma que a
brincadeira das crianças evolui nos seis primeiros anos de vida, e que nesse período a
criança, por meio da brincadeira, vivencia experiências e tomadas de decisões, uma vez
que em um jogo qualquer ela é que decide brincar ou não. Assim, a brincadeira oportu-
niza o desenvolvimento da autonomia, criatividade e responsabilidade quanto as suas
próprias ações.

Segundo Brougère (2003), na sua brincadeira, a criança não se contenta em desen-


volver comportamentos, mas sim, em manipular as imagens, as significações simbólicas
que constituem uma parte da impregnação cultural à qual está submetida. Como conse-
quência, ela tem acesso a um repertório cultural próprio de uma parcela da civilização.
[...] a criança, na maior parte das vezes, não se contenta em contemplar ou registrar as
imagens; ela as manipula na brincadeira e, ao fazê-lo, transforma-as, dá novas significações.

Para Vygotsky (1991), a brincadeira tem uma função significativa no processo de


desenvolvimento infantil. Ela também é responsável diretamente por criar uma zona de
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modalidade a distância

desenvolvimento proximal, pois, por meio da imitação realizada na brincadeira, a criança


internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social, que
passam a orientar o seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo. É neces-
sário que as crianças tenham tempo e espaços para brincar, assim como opções diversas
para criar a brincadeira e montar casinhas, cabanas, tendas, entre outras. O brinquedo
não somente possibilita o desenvolvimento de processos psíquicos por parte da criança,
como também serve como instrumento para a criança conhecer o mundo físico e social
e assim apreender diferentes modos de comportamento humano.

Wajskop (2005) afirma que na perspectiva sócio-histórica e antropológica a


brincadeira é tipo de atividade cuja, base genética é comum à da arte, ou seja, trata-se
de uma atividade social, humana, que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos
quais a criança recria a realidade por meio da utilização de sistemas simbólicos próprios.

Deste modo, a brincadeira torna-se uma atividade primordial para a construção


do sujeito, pois identificamos nela as alterações das necessidades em diferentes fases da
criança, assim como as alterações de consciência. A brincadeira de faz-de-conta cria
“zona de desenvolvimento proximal”. A criança interage com significados desligados de
seus objetos, sem que isso interfira em sua ação real. Na brincadeira, a criança submete
suas atitudes às regras estabelecidas.

Vygotsky (1991) considera que a brincadeira do faz-de-conta estabelece uma ligação


entre o real e o imaginário, como um processo dialético. Afirma que há uma criatividade
capaz de reorganizar o real em novas combinações; assim, a imaginação é fruto de situ-
ações reais de experiências partilhadas. A fantasia irá ampliar a experiência acumulada
para além do que foi vivenciado, à medida que possibilita construir uma imagem mental
de algo trazido pela mediação de outros sujeitos sociais.

Estudos apontam que as crianças de uma mesma cultura brincam com temas
comuns a elas, e representam papeis de pessoas que interagem nessa cultura. Nas brinca-
deiras de faz-de-conta, por exemplo, os temas como educação, escola, relações familiares
aparecem recorrentemente quando as crianças brincam de “casinha”, situação em que
se representam as figuras da mãe, do pai, dos filhos, do médico, do policial, do bandido
e assim por diante. Além disso, as crianças em suas brincadeiras, buscam fugir de deter-
minados contexto, uma vez que a fantasia, por ser mais desejável, as fazem se afastar da
realidade; dessa maneira, o faz-de-conta pode ser considerado uma fuga do mundo real.

A brincadeira assume um significado importante na formação da criança ao lon-


go de sua vida, e consequentemente no espaço educacional. Isso porque, no brincar, a
criança aprende a conviver e a construir relações com os outros, e com isso aprende aos
poucos a comunicar-se consigo mesma e com o mundo, promovendo, assim, relações
sociais dinâmicas e interativas. A brincadeira está relacionada ao presente, ao passado,
Unidade 3
Multiculturalismo, aprendizagem
e desenvolvimeto humano
115

ao mesmo tempo em que projeta para o futuro. Ao brincar, a criança representa ações
que terá quando for adulta (mãe, professora, médico, entre outras).

Como uma prática pedagógica, a brincadeira contribui para a aprendizagem e para


o desenvolvimento da criança. Pode ser percebida, também, como recurso que contribui
para o desenvolvimento cultural, pois, ao brincar, a criança disponibiliza um tempo e
necessita de um espaço para entregar-se ao prazer da brincadeira, que pode acontecer com
a ajuda de um objeto ou não. O interessante é que no ato de brincar a criança faz uso da
linguagem e dos símbolos que fazem parte do seu cotidiano e utiliza-os na brincadeira.
Por isso, o brincar é tão importante para a formação da criança, enquanto sujeito, seja
ela no campo social, cultural e individual.

exercício
1. Você já parou para pensar por que a criança brinca? Qual a função da brincadeira para
o desenvolvimento da criança?
2. Faça um trabalho de observação das brincadeiras de um grupo de crianças, destacando:
a) O que elas brincam?
b) Com quem brincam?
c) Quais os objetos ou brinquedos?
d) Qual o tempo da brincadeira?
3) A partir da observação das brincadeiras infantis faça um debate sobre as brincadeiras
infantis, confrontando os modos como a veem Piaget e Vygotsky.
4) Assista ao documentário “Criança, a alma do negócio”, que aborda os temas sobre
publicidade, consumo e infância. Após essa tarefa, faça um texto crítico em que sejam
destacadas as influências da propaganda no comportamento da criança.

bibliografia
bomtempo, e. A brincadeira de faz-de-conta: lugar do simbolismo, da representação, do
imaginário. In: kishimoto, t. m. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez,
2009, p.57 – 72.
brougère, g. Brinquedo e cultura. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
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Centro de Ciências da Educação. v. 23, Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa
Catarina, 2005.
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a.b. (org.). Crianças e miúdos: perspectivas sócio-pedagógicas da infância e educação. Coleção
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Licenciatura em Letras
116 Língua Portuguesa
modalidade a distância

______. A globalização e a infância: impactos na condição social e na escolaridade. In: garcia,


r. l.; filho, a. l. (org.). Em defesa da educação infantil. Rio de Janeiro: dp&a, 2001.
wajskop, g. Brincar na pré-escola. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2005.
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resumo da atividade 11
Nesta atividade destacamos como a criança brinca e porque necessita se exerci-
tar, exprimir seu mundo interior, imitar aspectos da vida adulta para compreendê-la.
Brincar faz parte do processo de socialização da criança, pois no brincar ela desenvolve
seu raciocínio lógico e suas habilidades, assim como valores, costumes da sociedade a
qual pertence. Verificamos também, nesta atividade, que o brincar educativo remete a
experimentação de emoções, desejos, sentimentos e principalmente a apropriação da sua
cultura. Ou seja, o brincar é compreendido como uma atividade que permite a criança
elaborar e organizar suas ideias, assim como, é uma necessidade humana se apropriar
dos brinquedos e das brincadeiras que vão contribuir de forma significativa para o de-
senvolvimento e aprendizagem, além disso, a criança assinala valores culturais e socais
essenciais para sua formação. Finalizamos as atividade abordando que a brincadeira de
faz-de-conta cria “zona de desenvolvimento proximal”, a criança interage com signifi-
cados desligados de seus objetos, sem que isso interfira em sua ação real. Na brincadeira
a criança submete suas atitudes às regras estabelecidas.
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SOBRE A CONTEUDISTA
Profa. Dra. Laura Maria Silva Araújo Alves
é professora do Instituto de Ciências da Educação da ufpa. Psicóloga, mestre em
Letras pela ufpa e doutora em Psicologia da Educação pela puc-São Paulo. Trabalha
com o ensino da Psicologia da Aprendizagem e desenvolvimento humano nos cursos de
Licenciatura da ufpa. É coordenadora do grupo de pesquisa ecos (Constituição do
Sujeito, Cultura e Educação). Orienta dissertações e teses do ppged-ufpa na temática
da história da infância na Amazônia paraense, na Psicologia do desenvolvimento humano
e Linguagem.

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