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31 de Mar de 2020

NeuroArquitetura em Tempos de
Enclausuramento
Por Andréa de Paiva

**esse artigo inspirou a reportagem do Jornal da Band do dia 21/04/2020. O vídeo está disponível ao
final do artigo.

Os acontecimentos recentes com a disseminação do COVID-19 e a adoção de políticas de isolamento


social e quarentena mudaram a forma como nos relacionamos com nossa residência. O
enclausuramento imposto fez com que muitos tivessem que aprender a trabalhar de casa em funções
que antes eram feitas em espaços adaptados para elas. Reuniões presenciais passaram a acontecer por
vídeo conferência. Professores tiveram que aprender a ensinar à distância. Alunos tiveram que aprender
a estudar longe de um ambiente de ensino. Famílias que antes se encontravam apenas durante o café
da manhã e o jantar passaram a conviver confinadas num mesmo espaço. Pais tiveram que aprender a
manter seus filhos entretidos por horas, dias, semanas. Casais tiveram que aprender a respeitar ainda
mais o espaço do outro. E tudo isso aconteceu em apenas algumas semanas, sem tempo de muito
preparo. Neste cenário de tantas mudanças tão rápidas, que insights a NeuroArquitetura nos traz?

Image by Free-Photos from Pixabay


Como você escolheu o lugar aonde mora? Talvez você o tenha escolhido pelo preço mais acessível, ou
pela localização próxima ao trabalho. Ou talvez aquela varanda gourmet fez você sonhar com deliciosas
reuniões com amigos e familiares queridos. Ou a área de lazer fez você pensar que seus filhos teriam
bastante espaço para brincar. O fato é que quando escolhemos nossas residências, não pensamos que
viveríamos nelas algumas semanas de enclausuramento imposto. E, nessas condições, características
que antes faziam tanto sentido, durante esse período podem não fazer muita diferença.

A angústia de lidar com a incerteza de um momento de guerra contra um inimigo invisível tende a gerar
um aumento considerável da ansiedade e do stress. Mas, mesmo desconsiderando essa situação, o
simples fato de ter que ficar em casa, em isolamento social e mantendo a produtividade já é o suficiente
para gerar bastante desconforto. Além disso, nossas residências, de maneira geral, não foram projetadas
para uma ocupação contínua. Nesse cenário, a NeuroArquitetura pode nos ajudar a compreender quais
características do ambiente têm maior chance de nos impactar negativamente ao longo de uma
ocupação contínua.

A NeuroArquitetura e as diferentes pesquisas sobre como o ambiente nos afeta vêm nos mostrando que
o tempo de ocupação destes espaços é uma variável importante para entendermos os efeitos que eles
podem gerar. O ambiente pode gerar dois tipos principais de efeito no nosso organismo: efeitos de curto
prazo, que são aqueles mais imediatos e efêmeros, e efeitos de longo prazo, que são mudanças mais
estruturais que demoram mais para acontecer e também persistem por mais tempo [1]. No curto prazo,
o nosso organismo se adapta rapidamente às condições do meio onde se encontra e, como
consequência, nós podemos sofrer alterações no humor ou nas emoções, mudanças de
comportamentos e até mesmo na forma como percebemos o próprio espaço onde estamos. Estímulos
repetitivos ou contínuos, por sua vez, podem gerar outros efeitos, tais como alterações na plasticidade
cerebral como o reforço, a perda ou o ganho de conexões entre os neurônios, alterações no processo de
neurogênese, na expressão gênica, entre outros.

Estudos realizados desde a década de 1960 pelos pesquisadores Mark Rosenzweig, Edward Bennett e
Marian Diamond revelam a importância de algumas características ambientais para que o cérebro não
perca eficiência. Eles compararam os cérebros de ratos que viviam em gaiolas enriquecidas (grupos de
12 ratos em gaiolas maiores, com vários brinquedos que eram trocados regularmente), gaiolas-padrão
(gaiola tradicional com apenas 3 ratos) ou gaiolas empobrecidas (gaiola tradicional com apenas 1 rato
por gaiola). O trio de cientistas percebeu que enquanto os cérebros dos roedores da gaiola enriquecida
apresentaram aumento de peso e de espessura frente aos da gaiola padrão, os cérebros daqueles da
gaiola empobrecida tinham diminuído. O desempenho dos três grupos de ratos também foi testado em
tarefas que exigiam aprendizado e memorização e o grupo da gaiola enriquecida foi o que obteve maior
sucesso nos testes [2].

Os pesquisadores repetiram o mesmo experimento em várias condições na busca de conseguir


entender que fatores eram fundamentais para a manutenção dos resultados positivos apresentados
pelos ratos da gaiola enriquecida. Finalmente, eles conseguiram definir quatro fatores fundamentais:
tamanho do espaço, convívio social, exercício físico e mudança. Ratos confinados em espaços muito
pequenos sofrem aumento considerável nos níveis de stress, o que, no longo prazo, prejudica a saúde
dos neurônios existentes e inibe o processo de neurogênese. O convívio social é uma característica
fundamental para a manutenção da saúde cerebral. Inclusive, eles perceberam que ratos que eram mais
manuseados recebendo carinho dos cientistas tinham vidas mais longas do que os ratos menos tocados.
O exercício físico, principalmente a caminhada, é extremamente importante para o controle dos níveis
de estresse e para o estímulo da plasticidade dos neurônios e da neurogênese. Finalmente, se o
ambiente enriquecido é sempre igual, depois de um tempo ele deixa de ter o impacto positivo que teve
no início, por isso os brinquedos dos ratos eram trocados regularmente, é preciso que haja mudança [3].

Apesar dos estudos realizados pelo trio não terem sido feitos com humanos, várias outras pesquisas
apontam que esses quatro fatores também são importantes para nós. Contudo, na atual condição de
enclausuramento imposto, nós passamos a ocupar ambientes não tão grandes dependendo do
tamanho da casa de cada um; o convívio social passa a ser muito baixo, apenas com aqueles que já
moram com a gente ou através de vídeo conferências; a prática de exercício físico fica limitada a algum
improviso que a gente consiga fazer em casa; e a mudança de ambiente se resume às poucas vezes que
saímos de casa para ir ao mercado. Por isso, fica tão difícil manter a paciência e a produtividade.

Contudo, existem várias estratégias que podem ser adotadas para contornar essa situação. Tendo como
base esses quatro fatores destacados, nós podemos adotar algumas práticas bastante simples e úteis.
Se o tamanho do ambiente importa, mas nós não podemos sair de casa, nós podemos tentar aproveitar
aquilo que temos na nossa própria residência. Uma primeira ideia é mudar de ambiente dentro de casa,
escolhendo aqueles mais amplos para passar uma boa parte do dia. Vale destacar que esse é o
momento de aproveitar ao máximo janelas e varandas (para quem tiver uma!). Mesmo que sua casa seja
pequena, se você ficar próximo à janela e olhar a paisagem, isso já vai dar uma sensação de amplitude!
Além disso, na janela ou na varanda você vai conseguir receber mais luz natural, que é fundamental para
a manutenção do nosso ciclo circadiano, e também poderá se sentir mais próximo da natureza ao
perceber o vento batendo no rosto ou ao olhar o céu! Criar uma rotina ao longo do dia também é
importante, com horas bem definidas para o trabalho e, claro, para o exercício físico! Não importa a falta
de espaço e equipamento, é hora de ser criativo! Uma alternativa é caminhar dentro de casa mesmo.
Outra é apagar as luzes, aumentar o som e dançar no escuro, isso vai ajudar a liberar dopamina e
serotonina e a melhorar seu humor! Finalmente, nós podemos aproveitar o enclausuramento para nós
mesmos mudarmos o nosso ambiente! Além de mudar o layout dos ambientes, alterar a decoração,
pegando aqueles enfeites que estão guardados no fundo do armário e trocando com os que estão
expostos são algumas possibilidades! Para quem tem criança, uma ideia é aproveitar esse momento
para fazer uma bagunça saudável, montar uma barraca de acampamento na sala ou um circuito com
obstáculos no corredor, improvisando com o que tiver disponível! Neste momento, o que importa é
tentar tirar o melhor dele, ficar seguro e manter o corpo e a mente saudáveis!

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Veja a reportagem do Jornal da Band inspirada neste artigo:


Home office: mudança no ambiente faz bem ao cérebro

Referências:

[1] PAIVA, A., JEDON, R. (2019) Short- and long-term effects of architecture on the brain: Toward
theoretical formalization. Frontiers of Architectural Research
Volume 8, Issue 4, December 2019, Pages 564-571
[2] Rozenzweig, M., Bennett, E., Diamond, M. (1972) Brain Changes in Response to Experience. Scientific
American 1972 February; 226(2): 22-29
[3] Rosenzweig, M., Bennett, E. (1996) Psychobiology of plasticity: effects of training and experience on
brain and behavior. Behavioural Brain Research 78. 57 – 65

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