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DESENHO DE APRENDIZAGEM E FERRAMENTAS CONCEPTUAIS PARA

O DESENHO DE CURSOS ONLINE

Antonio Quintas-Mendes
(Laboratório de Educação a Distância e E-Learning, Le@d,
Universidade Aberta , Portugal)

Rozangela Maria Wyszomirska


Universidade Federal de Alagoas

Pedro Cabral
(Laboratório de Educação a Distância e E-Learning, Le@d,
Universidade Aberta , Portugal)

I. Introdução

Procuramos neste capítulo caracterizar alguns modelos teóricos que podem servir de

ferramentas conceptuais par o desenho de cursos online. Importa em primeiro lugar

clarificar a importância do conceito de design para a prática e para a investigação

educacional. Já Herbert Simon, a partir da década de 80 do século passado, tinha

teorizado sobre a natureza artificial do mundo em que vivemos: “the world we live in

today is much more a man-made, or artificial, world than it is a natural world. Almost

every element in our environment shows evidence of human artifice” (SIMON, 1996, p.

2). Para Simon, os seres humanos são artificiais no sentido em que se adaptam a

ambientes complexos e parecem estar especificamente “desenhados” para se adaptarem

a esses ambientes. Nesse sentido, e na perspetiva de Simon, as ciências cognitivas seriam

ciências do artificial. Tal como a engenharia ou a arquitetura, as ciências cognitivas lidam

com o contingente mais do que com o necessário, com as coisas não como elas são mas

como elas poderiam ser. Assim pode afirmar-se que as ciências da aprendizagem são

1
certamente ciências do artificial e certamente ciências de design. Ou, como afirmam Cole

& Packer (2016): “Teaching and learning are not natural processes, they are themselves

designed and artificial activities” (p. 506). Desde os trabalhos de ANN BROWN ( 1992)

que a importância do design se impôs como fundamental na experimentação e na

inovação em educação. Brown (op. cit.) introduziu o termo "Design Experiment" que

constitui uma tentativa de ir além do design experimental clássico na investigação em

educação, atenuando a importância dada às variáveis de "controle" e enfatizando a

dimensão de intervenção, trazendo a investigação educacional do laboratório para a sala

de aula e para a comunidade. Por essa altura também Collins (1992) sugeria que uma

ciência do design em Educação deveria determinar como é que diferentes desenhos de

diferentes ambientes de aprendizagem contribuem para a aprendizagem, a cooperação, a

motivação, etc.

Ann Brown (op. cit.) argumentou que os “design experiments” implicavam

simultaneamente uma engenharia da sala de aula e, ao mesmo tempo, uma

experimentação investigativa, o que parece apontar para uma intervenção em dois planos

diferenciados. Nesse sentido, Reigeluth e Carr-Chellman (2009) defenderam que as

teorias do design são diferentes das teorias descritivas, na medida em que aquelas são

normativas e orientadas a metas e identificam bons métodos para atingir objetivos,

enquanto que as teorias descritivas descrevem relações de causa e efeito. Mas como

afirma Connole (2013) os professores necessitam de desenvolver uma expertise em

ambos os domínios: uma expertise em design através da aplicação de uma abordagem

baseada em desenho para a criação de intervenções de aprendizagem e uma expertise em

termos de interpretação e compreensão das aprendizagens que ocorrem em contextos

específicos.

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No domínio da Educação Online várias têm sido as teorias que se têm desenvolvido ao

longo dos anos como por exemplo a Teoria da Distância Transacional de Michael Moore

(1993) o Modelo da Comunidade de Inquirição de Garisson, Anderson e Archer (2000)

ou o Conectivismo de Siemmens (2004). Porém raras vezes estes modelos teóricos são

vistos explicitamente como ferramentas de desenho que possam servir directamente para

conceber e implementar cursos online, inscrevendo-se portanto mais numa lógica de

teorias descritivas/interpretativas do que numa lógica de modelo de desenho de

aprendizagem que é a que aqui valorizamos. Para Conole (2018, p. 193) o Desenho da

Aprendizagem envolve três registos, ou três níveis diferenciados de trabalho: 1) fornecer

modelos ou guiões para o design; 2) prover ferramentas de visualização do design e 3)

prover mecanismos e dispositivos que permitam aos professores partilhar e discutir entre

si os seus desenhos. Assim, podendo as linguagens de design ter vários graus de

granularidade (Botturi et al., 2006) assumimos aqui que os próprios modelos teóricos da

Educação Online podem constituir-se como uma primeira camada de ferramentas

conceptuais úteis para o desenho de cursos online antes mesmo de mergulharmos em

outras camadas do design, como sejam as linguagens de representação e visualização e

os sistemas de notação que permitem representar, visualizar e partilhar vários tipos de

desenhos de cursos. Estes modelos permitem, por exemplo, colmatar o primeiro nível do

modelo dos 7 C (CONOLE, 2015) nomeadamente no que diz respeito à construção de

uma “visão” /conceptualização sobre um curso.

II. Distância Transacional e Controlo Transacional

A interação é um dos componentes mais importantes de qualquer experiência de


aprendizagem e é certamente também um dos construtos mais importantes na pesquisa

3
em Educação a Distância e em Educação Online (MOORE, 1989; DRON, 2007; DRON
& ANDERSON, 2014). No domínio da Educação a Distância, Moore (1993) introduziu,
com base no conceito de transação de Dewey, o importante conceito de Distância
Transacional. Segundo Moore a não copresença física dos sujeitos tem como
consequência a abertura a um espaço particular de interação, o da distância transacional.
Moore considera que a distância transacional é um fenómeno de natureza psicológica,
comunicacional e pedagógica e não tanto de natureza espacial ou geográfica. A teoria de
Moore está assente em duas variáveis que determinam a distância transacional: estrutura
(desenho do curso) e diálogo (por exemplo, interação entre o professor e estudante). O
sentimento de distância percecionado e experienciado pelo estudante é maior quando não
há qualquer sensação de apoio ou suporte (Figura 1), isto é, quando não temos presente
nem o diálogo nem a estrutura (Moore, 1977).

Figura 1: A Distância Transacional – diálogo e estrutura

A partir desta visão inicial, SABA e SHEARER (1994) construíram um modelo


matemático que indica que quando o diálogo aumenta e a estrutura diminui se verifica
uma diminuição na distância transacional; e quando aumentamos a estrutura, a
consequência é o aumento da distância transacional e a diminuição do diálogo. De facto
podemos afirmar que há estudantes que necessitam de maior estrutura e outros que sentem
maior necessidade de diálogo, o que nos remete para experiências de aprendizagem
diferentes e para o conceito de autonima na aprendizagem. A Figura 2 ilustra diferentes
graus de estrutura, diálogo e autonomia na aprendizagem.

Figura 2: Distância transacional – diálogo, estrutura e autonomia

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Apesar da distância transacional ser um conceito amplamente utilizado, também se deteta
alguma confusão e inconsistência na sua aplicabilidade e nesse sentido DRON (2007)
elaborou o conceito de Controlo Transacional. O conceito de controlo foi tratado por
alguns autores como Garrison e Bayton (1987, cit. por DRON, 2007) que o definiram
como a oportunidade e habilidade para influenciar e determinar, de modo direto, decisões
relacionadas com o processo educativo. Para que este controlo seja bem sucedido deve
haver um processo de negociação constante entre o docente e o estudante na determinação
desse controlo. Se o controlo está demasiado centrado num dos elementos, a comunicação
será reduzida. A forma como se dá este controlo está dependente da forma como
diferentes elementos macro (professor, estudante e conteúdos) e micro (proficiência,
suporte e independência) se balanceiam numa comunicação bidirecional (GARRISON,
ANDERSON & ARCHER, 2000).

Enquanto que o conceito de Controlo Transacional se centra na questão de se saber quem


controla, em cada momento, o processo de aprendizagem, a distância transacional
descreve o processo pelo qual o controlo é assumido. Por exemplo, se a estrutura é muito
forte e não existe diálogo, o controlo está estritamente centrado no professor. Se o
controlo é negociado então haverá diálogo e o controlo é assumido, através desse diálogo,
em simultâneo pelo professor e pelo estudante. Se num dado momento, ou num dado
curso, o controlo do processo de aprendizagem é assumido pelo estudante (por exemplo,
em momentos de aprendizagem independente), então diremos que existe autonomia do
estudante. Portanto, de acordo com Dron (2007), se o professor é o decisor no processo

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de aprendizagem então temos que identificar o controlo transacional como sendo baixo
para o estudante e elevado para o professor; se o estudante tem poder de decisão, ou se
tem influência na decisão do professor, consideramos que o controlo transacional assume
um nível inverso ao indicado anteriormente.

Figura 3: Distância Transacional e Controlo Transacional

Olhando a história dos diversos modelos pedagógicos em EaD e Educação Online,


podemos identificar diferentes formas como o controlo transacional ocorre. Se nos
modelos comportamentalistas/cognitivistas o controlo assenta no que é determinado pelo
professor ou pelo instrutional designer, no construtivismo observamos uma alteração no
locus do controlo transacional, muito motivado pela necessidade da construção do
conhecimento em grupo. Assim, no construtivismo o professor, apesar de definir grande
parte das atividades de aprendizagem, dá mais espaço aos estudantes para que controlem
o seu percurso de aprendizagem. Todavia, na interação que os estudantes têm entre si, o
professor pode apresentar níveis de controlo distinto quando procura moldar o processo
de aprendizagem. Finalmente no conectivismo é claro que o controlo transacional está
centrado essencialmente no estudante, o que implica um grau de autonomia de
aprendizagem bastante elevado, que nem sempre consegue ser alcançado.

III. Teorema da Equivalência da Interação (TEI)

Para além de ter introduzido o importante conceito de Distância Transacional , MOORE


(1989) elaborou a distinção entre três tipos de interação: estudante-professor,
estudante-conteúdos e estudante-estudante. Anderson e Garrison (1998) acrescentaram a
este modelo outros três tipos de interação: a) professor- professor; b) professor-conteúdo,
c) conteúdo-conteúdo, (ver Figura 4). A interação professor-conteúdo refere-se ao
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processo que ocorre antes e durante um curso, como por exemplo, a escolha do material
de leitura ou os vídeos que escolhe ou produz e que mais tarde utiliza no curso. A
interação professor-professor diz respeito a situações e oportunidades que o professor
possa ter para participar de redes profissionais e sociais (como por exemplo comunidades
de prática) que tenham implicações no curso que está a desenvolver ou a moderar. E a
interação conteúdos-conteúdos refere-se por exemplo às possibilidades de interação
inteligente entre conteúdos através da web semântica.

Figura 4. Os 3 Pólos da Interação (adaptado de Anderson e Garrison, 1998)

Em face deste conjunto de possibilidades de interação pode ser interessante pensar em


todos estes elementos como opções, como possibilidades ou graus de liberdade que o
professor, o formador ou o designer de um curso têm à sua disposição enquanto
ferramentas conceptuais para pensar o desenho de um curso. Precisamente baseado neste
leque de possibilidades ANDERSON (2003), no seu artigo “Getting the mix right”,
enunciou pela primeira vez um modelo, a que chamou de “Teorema da Equivalência da
Interação” (TEI), onde são defendidas duas teses:

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Tese 1: A aprendizagem formal profunda e significativa é possível desde que uma das
três formas de interação (estudante-professor; estudante-estudante; estudante-conteúdo)
seja de alto nível. As outras duas formas de interação podem ser oferecidas em níveis
mínimos, ou mesmo eliminados, sem degradar a experiência educacional.

Figura 5. Tese 1 – Variações de intensidade nos três tipos de interação.

Na Figura 5 vemos à esquerda o caso em que a interação estudante-conteúdo predomina


sobre as duas outras formas de interação; ao centro encontramos o caso em que a interação
professor-estudante tem muito maior intensidade do que a interação estudante-conteúdo
ou estudante-estudante e à direita o caso em que esta última forma de interação tem muito
maior intensidade que a interação professor-estudante ou que a interação estudante-
conteúdo.

Tese 2: Níveis muito elevados em mais do que um dos três tipos de interação, irão
promover uma maior satisfação na experiência educacional, embora não necessariamente
uma aprendizagem mais eficiente, apesar de implicarem um maior custo e um maior
dispêndio de tempo. Como exemplos dessa segunda tese, podemos observar na Figura 6
a representação de dois cursos com níveis de intensidade diferentes. À esquerda está
representado um curso de elevada intensidade apenas num dos tipos de interação, levando
a menores gastos, menos tempo dispendido e eventualmente a menor satisfação, enquanto
que à direita, se observa a representação de um curso de elevada intensidade nos três tipos

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de interação, havendo, consequentemente, mais custos, maior dispêndio tempo e
eventualmente maior satisfação dos alunos, do que o curso anterior. No entanto, a
qualidade da aprendizagem é hipoteticamente a mesma em ambos os cursos.

Figura 6. Tese 2 – Exemplos de cursos com níveis distintos de interação.

É interessante notar como Anderson (2010) se referiu ao Teorema da Equivalência da


Interação mais como uma ferramenta útil para o design de cursos do que como uma teoria
empiricamente testável:

“O problema com esta “teoria” residia na sugestão de Popper de 1968, de


que uma boa teoria é uma que nunca pode ser provada como verdadeira, mas
que deveria ser passível de ser testada como falsa. Eu não tinha ideia de
como refutar a minha teoria e, assim, pensei que a sua contribuição para o
campo poderia, na melhor das hipóteses, ser uma hipótese em si mesma
interessante e também, eventualmente, uma rubrica relevante para designers
de cursos” (ANDERSON, 2010, p. 25).

De fato, a utilidade deste modelo está em que podemos fazer variar a intensidade de cada
um dos elementos presentes num curso em função dos recursos disponíveis. Podemos
pensar, por exemplo, num curso mais direccionado para a auto-aprendizagem quando

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temos abundância de conteúdos disponíveis mas não temos recursos humanos
(professores ou tutores) capacitados para a moderação de um curso online; ou pelo
contrário, podemos não ter conteúdos elaborados nem recursos financeiros para investir
em conteúdos mas termos pessoal qualificado para desenvolver um curso muito baseado
no diálogo e na conversação entre estudantes e professores. Ou ainda, terceira hipótese,
podemos não ter muitos recursos nem para um nem para outro, mas temos possibilidades
de promover com bastante intensidade a interação estudante-estudante ou formando-
formando, aproveitando o capital de experiência destes, os quais poderão contribuir para
um curso rico em colaboração e partilha de experiências.

Deste modo, o TEI pode surgir como um elemento central no desenho instrucional e
no apoio às decisões que os atores envolvidos no desenvolvimento de cursos têm que
tomar (CABRAL & QUINTAS-MENDES, 2018). De modo a aumentar a eficiência de
gastos e de tempo, podem centrar a aprendizagem apenas num dos nós da interação.
Todavia, podem desenvolver desenhos que tenham alguma flexibilidade, ajustando
esse desenho a cada situação. No caso de um curso online podemos ter um desenho
essencialmente centrado na interação estudante-conteúdo, mas que num dado
momento incorpora uma videoconferência síncrona com o professor, sendo que aí há
uma alteração para uma interação mais centrada no nó estudante-professor.

Modelo da Comunidade de Inquirição


Garrison, Anderson e Archer (2001) desenvolveram o chamado Modelo da Comunidade
de Inquirição ou “Community of Inquiry Model” (CoI). Os autores defendem que para
que a aprendizagem seja significativa é necessária a existência de três “presenças”
distintas: a presença cognitiva, a presença social e a presença de ensino (ver Figura 4).

Figura 4: Estrutura daComunidade de Inquirição (adaptado de GARRISON, D. R.;


ANDERSON, T.; ARCHER, W., 2001)

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Presença Social Presença Cognitiva

Compromisso Compromisso
Discurso de com o
entre os
Apoio Conteúdo
Participantes

EXPERIÊNCIA
EDUCACIONAL
Definição do Regulação de
Ambiente Aprendizagem

Compromisso
com
Compromisso com as
Metas/Direção
Metas/Indicações

Presença de Ensino

A presença cognitiva, que permite a construção do conhecimento pelo estudante, é


definida como a medida em que os estudantes são capazes de construir sentido por meio
do diálogo e da compreensão, da argumentação e da reflexão. A presença social tem a
ver a capacidade de projeção de si próprio através dos media e com a possibilidade de os
participantes se identificarem com uma comunidade, se comunicarem com um propósito
em um ambiente no qual confiem e em desenvolverem relacionamentos interpessoais
num ambiente virtual de aprendizagem. A relevância desta dimensão encontra-se
relacionada com o seu impacto sobre a presença cognitiva (GARRISON & ARBAUGH,
2007). Os autores consideram que a articulação entre os três elementos da presença social
(comunicação aberta, coesão do grupo e expressão afetiva) leva a que, após o
estabelecimento de um ambiente de abertura comunicacional, os estudantes estejam
preparados para atividades que fomentem a coesão do grupo, criando condições naturais
para o desenvolvimento de relações pessoais. A presença do ensino tem duas vertentes:
o design da experiência educacional e a intervenção do professor/tutor através da
interação com os estudantes. Ambas permitem o direcionamento dos processos
cognitivos e sociais de modo a garantir aprendizagens relevantes e com significado. Das

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três dimensões, esta é a que o professor/tutor mais controla, sendo esta presença essencial
para balancear as outras dimensões (GARRISON, ANDERSON & ARCHER, 2000).

Relativamente às consequências para o desenho de aprendizagem, o CoI permite-nos


definir percursos de aprendizagem, tendo em vista, por exemplo, o trabalho
cooperativo/colaborativo entre estudantes. Num primeiro momento (“evento
desencadeador”) os estudantes são colocados numa situação onde se identifica um tema
ou um problema para que possam investigar. Numa segunda fase (“exploração”) essa
temática ou problema é alvo de exploração/pesquisa, quer individual como coletiva,
através da reflexão e da discussão. A fase seguinte (“integração”) é relativa à construção
de significados, proveniente das ideias que foram refletidas e discutidas na fase anterior.
Finalmente, a última fase (“resolução”) diz respeito à aplicação dos conhecimentos
adquiridos pelos estudantes nos diferentes contextos em que mobilizam as suas
aprendizagens. No desenho de um curso online deveríamos levar em consideração o
desenho de atividades que passem por estas fases.

A forma como os estudantes vão construindo o conhecimento está também dependente


de outros conjuntos de variáveis já que tanto características culturais como
organizacionais como individuais entram também em jogo no processo de ensino-
aprendizagem. Nestas variáveis GARRISON E ARBAUGH (2007) identificam
diferentes aspetos, designadamente a importância da composição do grupo (número e
características dos estudantes); o papel do professor/tutor, crucial nas fases de
desencadeamento das questões, de exploração e de resolução; o design de cada atividade
de aprendizagem e a forma como o professor/tutor acompanha cada uma destas fases.
No desenho de um curso

V – Mapeamentos para o Desenho da Aprendizagem e para o Desenho de Cursos


Online - os contributos de Conole e de Picciano.

Conole (2008), em reflexões sobre o aproveitamento do potencial das novas tecnologias


da Web 2.0 em contextos pedagógicas, mostrou que o uso de tecnologias na educação
sofre muitas vezes uma deriva de “determinismo tecnológico” tornando-se necessário
existirem meios para combinar as possibilidades do uso das ferramentas tecnológicas

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com o que elas poderiam oferecer para a aprendizagem. A partir desse pressuposto,
elaborou duas abordagens, sendo que na primeira (CONOLE et al., 2004) propôs um
modelo de aprendizagem que articularia componentes das teorias de aprendizagem
existentes e suas inter-relações, mapeando-as entre si, sugerindo que este modelo poderia
ser usado como: (1) um meio para identificar as teorias de aprendizagem que estão sendo
aplicadas, ou (2) como um processo de capacitar os profissionais para avaliar sua própria
prática, ou ainda (3) como uma ferramenta para ajudar a planejar, desenhar e representar
o perfil de aprendizagem. Assim, a partir da revisão de características das principais
teorias de aprendizagem, e da compreensão de que essas teorias possuíam diferenças em
suas características, sugeriu que o mapeamento das atividades de aprendizagem (tarefas
que devem ser realizadas a fim de atingir os objetivos educacionais) e do design de
aprendizagem (conjunto de atividades associadas aos princípios de aprendizagem)
poderia ser estabelecido através de uma estrutura pedagógica com três eixos de
aprendizagem (ver Figura 6).

Figura 6. Eixos e Dimensões da Estrutura Pedagógica (adaptado de CONOLE,


2004)

Individual
Informação

Não Reflexivo Reflexivo

Experiência
Social

A estrutura para esse modelo é formada de seis componentes ou dimensões: dimensão


individual (indivíduo como o foco da aprendizagem), dimensão social (interação nas suas
diversas formas), dimensão reflexiva (reflexão consciente baseada na experiência),
dimensão não reflexiva (onde a aprendizagem envolve processos como condicionamento,

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aprendizagem pré-consciente, aprendizagem de habilidades e memorização), dimensão
informação (como textos) e dimensão experiência (onde a aprendizagem surge a partir
das experiências, atividades e aplicações práticas do sujeito). Traduzindo estas
componentes para a realidade do desenho de aprendizagem poderíamos pensar em casos
como por exemplo: a) o uso de um blog como um diário reflexivo sobre determinada
experiência, o que encarnaria os eixos individual, reflexivo e experiencial; b) um blog
utilizado como um repositório coletivo de recursos, o que também encarnaria o eixo
reflexivo mas agora baseado no eixo social e na informação.

Numa segunda abordagem (CONOLE, 2008)explora como é que princípios de


aprendizagem podem ser identificados e avaliados para atender quatro características
abrangentes da aprendizagem: Pensamento e Reflexão; Conversação e Interação;
Experiência e Atividade; Evidência e Demonstração (ver Figura 7).

Figura 7. Dimensões da Aprendizagem (adaptado de CONOLE, 2008)


Pensamento e Reflexão

Conversação Experiência
e Interação e Atividade

Evidência e Demonstração

Estas quatro características podem combinar-se de diferentes modos. Dando dois


exemplos que partem de atividades iniciais distintas. Num caso podemos ter uma
atividade que parte de um texto (“pensamento e reflexão”) para ser debatido
(“conversação e interação”), após o que os estudantes deverão mostrar evidência das suas
reflexões através de um ensaio (“evidência e demonstração”). Num segundo caso a
atividade pode partir da experiência dos estudantes (“experiência e atividade”) para ser
debatida (“conversação e interação”), após o que os estudantes deverão igualmente
mostrar evidência das suas reflexões sobre as experiências num e-portefólio (“evidência

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e demonstração”). Outros tipos de combinações entre estas quatro dimensões podem
surgir tendo em vista os objetivos ou competências que queremos que os estudantes
atinjam.

Num outro plano, Conole (2013) descreveu uma variedade de modos pelas quais as
intervenções de aprendizagem podem ser visualizadas e representadas, juntamente com
uma discussão dos benefícios de cada uma delas e como podem ser usadas como parte do
processo de design, a que chamou de Representações de Desenhos de Aprendizagem.
Destacou quatro tipos principais de representações: verbal, textual, visual ou baseado em
dados. Para além disso apresentou várias ferramentas que podem ser utilizadas para a
elaboração destas representações. Para a autora, uma maneira de representar projetos de
cursos é no formato de mapas conceituais, onde o conteúdo e atividades podem ser
organizados no formato de temas e subtemas e cada representação remete para aspetos
particulares ddo desenho da aprendizagem (Figura 8).

Figura 8: Visão do mapa de curso (adaptado de CONOLE, 2013)

Orientação & Suporte


Estrutura de curso e
cronograma
(calendário, guia de
estudo, tutoriais)
Conteúdo & Atividades Comunicação &
Materiais do curso, Colaboração
experiências anteriores, Aspectos dialógicos do
conteúdo gerado pelo curso, interação entre
aluno, e-leituras, DVDs, aluno e tutores - forum
podcasts, laboratório do curso, email, etc.
Reflexão &
Demonstração
questões, e-portfólios.
avaliação formativa ou
somativa

Resumo do Curso Palavras Chave


Nível, créditos, duração, recursos Descrição de palavras com abordagem
principais, pedagógica, recursos

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A visão do mapa do curso vai fornecer um mapeamento geral do mesmo, permitindo que
os professores pensem sobre o eu desenho a partir de quatro aspetos:
1 – Orientação e apoio: é o guia para o percurso de aprendizagem e inclui detalhes sobre
a estrutura do curso e o cronograma. Podem ser incluídos aspectos como o calendário do
curso, guias de estudo, informações sobre tutoriais e outras formas de apoio;
2 – Conteúdo e atividades: inclui informações sobre os materiais (textos, videos,
podcasts) e atividades do curso (trabalho de laboratório ou de campo, trabalho de projeto
de estudante).
3 – Comunicação e colaboração: é a dimensão social do curso e descreve os modos pelos
quais os sujeitos podem interagir. Pode incluir o uso de fóruns, chats, videoconferências,
e-mail, ferramentas de redes sociais, etc.
4 – Reflexão e demonstração: é a componente que envolve processos como os da
avaliação diagnóstica, formativa e somativa, através de e-portefólios, ensaios,
bibliografias comentadas, questionários de múltipla escolha, ou mesmo exames formais.
Além disso, pode haver instruções específicas em pontos-chave para promoverem a
reflexão metacongnitiva dos estudantes.

Os trabalhos de Conole sugerem que representar o design em diversos formatos pode


ajudar os profissionais a pensar de forma mais criativa desde atividades de aprendizagem
até projetos curriculares completos e pode levar a novos insights e entendimentos sobre
o processo de design. Este tipo de mapeamento foi também proposto por PICCIANO (2017)
que, após extensa revisão de teorias e modelos, elaborou um Modelo Multimodal
Integrado, a partir das seguintes seis componentes estruturantes:

1- Conteúdo – conjunto de conhecimentos e um dos principais impulsionadores do


processo de ensino. Pode ser apresentado no formato tradicional mas hoje em
dia não tem de reduzir-se ao plano linguístico/textual (fala ou escrita) sendo
passível de ser veiculado em diversos formados. Os sistemas de gerenciamento
de cursos/aprendizado como Blackboard, Canvas ou Moodle lidam facilmente
com a entrega de uma variedade de mídias, incluindo texto, vídeo e áudio.
2- Suporte social e emocional – o processo de ensino não é simplesmente sobre os
conteúdos da aprendizagem ou sobre habilidades, mas fundamenta-se também
no suporte social e emocional que sustenta o processo de aprendizagem dos

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estudantes dado que ensino e a aprendizagem são atividades inerentemente
sociais.
3- Questionamento dialético – esta componente, que visa a promoção da discussão
de temas (por exemplo através de fóruns ou chats), é uma atividade importante,
pois permite não só a co-construção do conhecimento como também permite
aos membros do corpo docente facilitar o processo de aprendizagem e investigar
o que os alunos já sabem, ajudando-os a refinar seus conhecimentos.
4- Reflexão - pode ser incorporada como uma poderosa estratégia pedagógica: as
atividades pedagógicas que exigem que os alunos reflitam sobre o que
aprendem e compartilhem suas reflexões com seus professores e colegas,
estendem e enriquecem a reflexão. Por exemplo, Wikis e os Blogs podem ser
usados como ferramentas apropriadas, seja para projetos ou atividades em
grupo seja para atividades individuais.
5- Aprendizagem colaborativa - o trabalho em grupo cresceu em popularidade e se
tornou comum em muitas atividades de um curso. As formas de abordagem
online são muitas, desde documentos partilhados a outras formas de
comunicação eletrônica como os wikis, que têm sido vistos como veículos
importantes para a criação colaborativa de conhecimento e de conteúdo, bem
como para gerar revisão por pares e avaliação.
6- Avaliação da aprendizagem – os Sistemas de Gestão de Aprendizagem (LMS) e
de Gerenciamento de Conteúdo (CMS) são ferramentas e plataformas online que
fornecem vários mecanismos nessa área. Elaboração de artigos, testes, tarefas e
portfólios são métodos usados para avaliação de aprendizado do aluno e podem
ser realizados eletronicamente. Apresentações orais em sala de aula estão
dando lugar a vídeos e a podcasts. O próprio portfólio está evoluindo para uma
apresentação multimídia eletrônica de imagens, vídeo e áudio que vão muito
além do tradicional “dossier” em papel.

Um exemplo de aplicação do Modelo Multimodal Integrado encontra-se na Figura 9,


onde Picciano (2017) mostra a representação de um curso totalmente online orientado
para a auto-aprendizagem, destacando-se os três principais componentes (em preto) que

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seriam o conteúdo fornecido em um CMS/LMS, um módulo de estudo individualizado e
uma componente de avaliação. Este exemplo de curso online seria provavelmente
apropriado para programas online que têm admissões contínuas e os alunos não são
limitados por um cronograma semestral.

Figura 9. Mapeamento de um curso orientado para a auto-aprendizagem


(adaptado de Picciano, 2017)

Conteúdo
(LMS, CMS,
Mídia, jogos) Suporte
Social/Emocional
Reflexão
(Blog, Jornal)

Autoaprendizagem
Comunidade de Aprendizagem independente
Colaboração/ (software
Conteúdo gerado adaptativo)
pelo Estudante,
revisão por pares
(Wiki, Tecnologia
Móvel) Questionamento
Avaliação
(Tarefas, Dialético
Análise de (Fórum de
aprendizagem) Discussão)

Poderíamos, a partir deste tipo de mapeamento, representar outros perfis de cursos.


Assim, num curso de natureza mais colaborativa haveria que acrescentar as
componentes de colaboração, reflexão, suporte sócio-emocional, etc.

V . Considerações Finais

Repassámos ao longo deste capítulo todo um conjunto de modelos de educação online


que podem funcionar como heurísticas para o pensamento quando se trata de pensar o

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desenho de cursos online. Não se trata apenas de descrever e explicar como funcionam
esses cursos mas também de encontrar modelos, traços e dimensões conceptuais bem
como estratégias que de certa forma permitam a externalização e a visualização do
pensamento (KALI, 2006). Estas heurísticas podem não só servir de guia à pessoa
individual que pensa e desenha o curso mas podem também além disso, servir como
ferramentas conceptuais partilháveis entre vários sujeitos que assim podem investir
colaborativamente no desenho da aprendizagem (CONOLE, 2013). Esta componente
social e colaborativa do desenho da aprendizagem é fundamental dado que é
praticamente impossível fazer derivar práticas pedagógicas diretamente de teorias da
aprendizagem (DRUMM, 2019) e que aquelas surgem antes de processos iterativos e
reflexivos a partir de práticas pedagógicas partilhadas. Através da partilha de
conhecimentos e problemas e por meio de uma procura ativa de ajuda e colaboração,
os professores podem promover boas práticas pedagógicas num ambiente aberto e de
colaboração (QUINTAS-MENDES & WYSZOMIRSKA , 2018) . Acreditamos que esta visão
sobre a formação está em linha com a perspetiva de SCHON (1983). Schon criticou a
epistemologia positivista, que estaria na origem do ele chama de “Modelo da
Racionalidade Técnica”, segundo o qual a atividade profissional consistiria na resolução
instrumental de problemas tornada rigorosa pela aplicação de teorias científicas
previamente elaboradas. Schön argumentou que este paradigma positivista criou uma
crise de confiança no conhecimento profissional nomeadamente de professores. Ele
criticou a separação entre pesquisa e prática em que os investigadores supostamente
fornecem a ciência básica e aplicada a partir da qual os “práticos” fazem derivar as
técnicas que aplicam no terreno. Julgamos que os modelos que aqui apresentámos, pela
sua relevância, simplicidade e robustês, podem de facto servir como heurísticas
partilháveis para o desenho de cursos online.

REFERÊNCIAS

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