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Aspectos do uso da descarga do órgão elétrico

e eletrorrecepção nos Gymnotoidei e outros peixes amazônicos

T. H . Bullocka(*), N. Fernandes..Souzab, W. Grafc, W. Helligenberga, G , Langnerq O .l. MeyerC, F Pimentel·


Souzab ( **), H. Schei chd e T . A . Viancour a

Resumo ter empinado seu papagaio durante uma tem·


pestade. O poder da enguia elétrica tem des-
Após fazer-se um estudo sobre aspectos gerais de
famílias, gêneros e algumas espécies de Gymnotoidei
pertado tanto respeito que, entre os caboclos
e outros peixes elétricos amazônicos. bem como so- que vivem ~o longo dos rios do Am ~zonas .
bre seus habitats e hábitos de vida, analisam-se os ór· ainda existe a crença de que sua descarga ao
gãos elétricos e respectivas descargas em várias es· redor da base de uma pal meira pode fazer com
pécies . Procuram estabelecer-se as funções da des·
que as frutas caiam . (')
carga do órgão elétrico. (DOE) na vida do animal. cor-
relacionando-se a mesma com o comportamento e ou- Igualmente notáveis são as outras espé-
tros eventos . Em seguida, estuda-se a eletrorrecep- cies de gimnotóides com nomes comuns. co-
ção, seus órgãos dos sentidos especiais e processa- mo sarapó, ituí, tovlra, peixe espada ~ espíri-
mento cerebral, Inclusive o uso de eletrorrecepção por to-negro. A descarga de seus õrgãos elétricos
peixes não elétricos. Conclui-se o trabalho, lnterpre·
tando-se o possível signlfioodo ecológico e prático dos
(daqui para frente apenas DOE) é demasiado
fatos observados . fraca para ser sentida, muito menos para po-
der ser ofensiva ou defensiva, e é usada para
dois outros propósitos - para a detecção de
INTRODUÇÃO objetos - alimento, plantas , obstáculos, cavi-
dades ou de outra espécie . Estas funções re-
A bacia amazon1ca é o ambiente natural querem um sistema nervoso altamente desen-
de um grande e notável grupo de espécies de vo lvido para a percepção de mudanças muito
peixes , os Gymnotoidei, os quais possuem. pequenas no fraco campo elétrico da DOE e
todos, órgãos elétricos . Além da conhecida também para o controle da DOE, pulso por
enguia elétrica, muitas outras espécies seme- pulso .
lhantes dentre incontáveis milhões de peixes. A capacidade para detectar campos elétri-
estão descarregando fracos pulsos elétricos cos extremamente fracos. na água, não está
na água, no ite e dia, durante toda a vida, nu- confinada nas poucas famílias que possuem
ma freqüência de poucos até mais de mil órgãos elétricos e geram DOEs . Vários gran-
pulsos por segundo . des grupos de peixes - embora seja minoria
O Electrophorus e/ectricus, a enguia le- entre todos os peixes - são receptores mas
gendária, desperta um especial interesse. Co- não emissores, pelo menos de pulsos r.ão es-
mo os outros peixes fortemente elét.. igos, o pecia lizados. Todos os peixes. como de fato
'' catfish" do Nilo, Malapterurus e a raia elé- todos os seres vivos , dissipam alguma corren-
trica marinha, Torpedo- os quais pertencem te elétrica, ao menos como uma espécie de es-
a dois grupos não relacionados - sua estra- capamento dos processos internos, e e~te pe-
nha capacidade de excitar tanto a sensação queni nfssimo sinal é usado pelos peixes ele-
quanto a contração foi percebida, senão com- trorreceptivos para encontrar a presa. No
preendida, muito antes de Benjamim Franklin Amazonas, nove famílias de Slluroidel (em in-

(•) - Coordenador do artigo de revisão .


(H ) - Supervisor da tradução do original em Inglês, a cargo do pessoal do INPA .
( 1) - Temos sido questionados a respeito da plauslbilldade deste tato . Considerando que apenas uma fração mi·
nima da corrente do peixe deverá passar através de uma determinada região como tecido de sustentação do
fruto, é altamente improvável que estes pulsos elétricos, que são de curta duração, possam exercer tal efeito.
(a) University of California, San Diego, CA, US
(b) Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil - 5~9
(c) University of Goettingen, Germany
(d) Technische Hochschule Darmstadt, Germany
ACTA AMAZONICA 9(3): 549·572 . 1979
glês • catfish " , no Brasil surubim, CUIU-CUIU, tricos seperados de baixa voltagem, que emi-
caparari, bagre, piraíba, etc.) mais os Elasmo- tem pulsos numa baixa freqüência, irregular-
branchia residentes e visitantes (tubarões e mente, para eletrolocalização e eletrocomuni-
raias) possuem cielicados eletrossensores na cação .
pele.
2. Gymnotoidae. O gênero comum Gym-
Este trabalho tem por objetivo introduzir
notus (sarapó ou carapó) é um grupo euritór>i-
um aspecto raro mas significativo de ..;ompor-
co, largamente distribuído, de espécies muito
tamento e ecologia . É uma atraente pesquisa
semelhantes. G. carapo tem sido muito estu-
em prática na Alemanha, na Holanda, na Ingla-
dado. É um peixe de pulsos (definido mais
terra, na França, nos Estados Unidos, r.a Rús-
aba ixo) de freqüência média (cerca de 50 por
sia e em outros locais, inclusive no Brasil.
segundo) e pode atingir mais de 45 em , alimen-
Cientistas que vivem perto dos habitats na-
ta-se não apenas de invertebrados mas tam-
turais do peixe elétrico têm oportunidades
bém de peixes de vários centímetros de com-
únicas para apl icar estas especializé:ções a
primento.
problemas gerais da biologia de peixes e águas
naturais . 3. Rhamphichthydae . Este grupo de pei-
xes de freqüência média inclui o gênero Rham-
phichthys, que atinge mais de um metro de
AsPECTOS GERAIS DE FAMÍLIAS, GÊNEROS E
comprimento, e Gymnorhamphichthys, o mais
ALGUMAS ESPÉCIES
nitidamente circadiano de um grupo geralmen-
te noturno . Ambos os gêneros normalment e
A. GYMNOTOIDEI ficam imóveis sobre O fundo , durante o perío-
do de repouso, sem procurar manter uma pos-
Todos os peixes elétricos de água doce tura com o dorso para cima.
dv Novo Mundo pertencem a esta subordem
da ordem Cypriniformcs e aparentemente to- 4 . Hypopomidae . Este é um grupo mais
dos os membros da subordem são elétricos. diversificado de peixes de freqüência de pul-
Para o propósito de nosso trabalho, é impor- so: baixa ( <30 por segundo). média e alta
tante dizer que apar entemente todas e:>tas es- (> 100 por segundo), incluindo muitas espé-
pécies também possuem eletrorreceptores - cies de Hypopomus, Hypopygus, Parupygus e
a julgar pela amostra das espécies, que têm Steatogenys. Existe uma acentuada diferença
sido estudadas e que são algumas em cada entr d as espécies na taxa de repetição e uma
uma das famílias conhecidas. Todos os gimno- tendência para correlacionar inversamP.nte es-
tóides são delgados e alongados, sem nada- te fato com a duração do pulso; permit indo
deira dorsal mas com uma nadadeira anal ex- presumivelmente que, espécies de pulsos sim-
traordinariamente longa, lembrando a lâmina pátricos, reconheçam os sinais específicos de
de uma faca pontuda daí o nome de • peixe-es- sua própria espécie .
pada" (Fig . 1) . Uma família tem a forma cte
uma enguia. 5 . Sternopygidae. Esta é a primeira fa-
Seis famílias são reconhecidas pelas mais mília de espécies produtoras de ondas (em
recentes autoridades (Mago-Lecia, 1976), con- oposição a pulsos em nossa lista) . Sternopy-
forme relação abaixo, com alguns de seus gê- gus é um gênero de baixa freqüência (70-140
neros representativos. por segundo). portanto com o pulso mais lon-
go da subordem (acima de 7 ms). Eigenmannia
1 . Electrophoridae. A enguia-elétrica, de várias espécies têm uma descarga de me-
compreendendo o gênero Electrophorus (" po- nos de 200 a mais de 500 por segundo, e são
raquê "), forma uma família própria . É o maior bons exemplos de espécies que ficam suspen-
gimnotóide, o único com alta voltagem, capaz sos na água, com contínuas ondulações da na-
portanto de usar a des~arga para ataque ofen- dadeira anal. Uma onda caudal e outra rostral
sivo ou defensivo. Possui também órgãos elé- encontrando-se e cancelando-se na parte me-

550- Bullock et al.


APTERON O TIDAE

APT ERONOTUS

ADONTOSTERNARCHUS
.,

STERNOPYGIDAE

E IGENMANN IA

--- --..... -

STE RNOPYG US

Fig. 1 - Peixes gimnotóldes. São mostrados exemplos de 4 gêneros em 2 famílias comuns no sistema do Amazonas

Aspectos do . . - 551
dia na do peixe . Este gênero também é um bom Entre outros peixes, todos da América do
exemplo de grupo gregário, já que a maioria Sul e outras partes, existem evidências , su-
dos outros gimnotóides é (erritorial ou man- gestivas ou conclusivas. de que a ~letrorre-
tém espaçamentos entre si .
6 . Apteronotidae. Estes são os peixes
de alta freqüência, produtores de ondas (cer-
ca de 700-2100 por segundo). notáveis também
por possuírem os rítmos mais 1·egulares, em
repouso, conhecidos no mundo vivo. As pe·
quenas modulações de freqüência, sob controle
cerebral, possuem significado comunicativo.
Gêneros comuns na Amazônia incluem Apte·
ronotus, (antigamente Sternarchus), Sternar-
chella, Sternarchorhynchus, Sternarchorham-
phus, Sternarchogiton e Porotergus.

B. OUTROS PELKES ELETRORRECEPTIVOS

órgãos dos sentidos especializados na


detecção de fracos campos elétricos na água
têm sido " inventados" pela evolução muitas
vezes - e não apenas nos vários grupos não
relacionados de peixes que desenvolveram ór-
gãos elétricos (Rajidae, Torpedinae dos Elas-
mobranchia ; a família Astroscopidae de te-
leósteos marinhos; os teleósteos africanos de
água doce dos Mormyridae, Gymnarchidae e
Malapteruridae, os teleósteos de água doce da
América tropical da superfamíl ia Gymnotoi-
dei). mas também em outros. Estes incluem
todos os outros Elasmobranchia (tubarões e
raias). principalmente marinhos, mas também
as raias de água doce, Potamotrygon e Para-
trygon da América do Sul. Entre os peixes
ósseos, o maior grupo eletrorreceptivo é o dos
Siluroidei (Fig. 2), uma superfamília que abran-
ge mais de uma dúzia de famílias. incluindo
nove na Aménca do Sul c milhares de espé-
cies . De acordo com Bates (1964) , a fauna ex-
traordinariamente rica de peixes da América
do Sul (i . e. a lista das espécies) é 40% de si-
luróiáes . Alguns dos mais comuns ou melhor
conhecidos são os Pimelodidae, incluindo
Sorubim, Pseudoplatystoma (capararí) e Bra- Fig . 2 - Peixes slluróldes . São mostrados exemplos
de várias famfllas de • catfi shes • comuns no s1stema do
chiplatystoma (piraíba). os Doradidae, incluin-
Amozonas . A . DORADIDAE, Doras (Acanthodoras) spi-
do Doras e Oxydoras (cuiú-cuiú), os Callich- nosissimus. B. PIMELODIDAE, Ahamdia sebae e C. So-
thyidae, incluindo Corydoras. os Loricariir.lae rubim lima (com vista dorsal da cabeça). D. BUNOCE-
(cascudos) , incluindo Ancfstrus (barbadinhos) PHALIDAE, Bunocephalus bicolor . E. LORICARIIDAE,
e Plecostomus, os Tnchomycteridae (Pygidi i- Ancistrus clrrhosus. F. CALLICHTHYIDAE, Callichthys
dae), incluindo Vande/lia (candiru). callichthys (de Stcrba, 1963).

552 - Bullock et al.


cepção também ocorre nos Chondrastei, in- buição geográ'fica muilo ampla. Sen, dúvida
cluindo Scaphirhunchus (esturjão), Polyodon outras são tão raras quanto locais, mas as
('' spoonbill "), Dipnoi, inc luindo Lepidosiren amostragens tem sido tão esporádicas e a ta-
(pirambóia, peixe pulmonado e possivelmente xonomia é tão pouco conhecida, que não se
mesmo em alguns anfíbios da ordem Gymno- pode confirmar esta suposição. É muito ne-
phiona (=Apoda, Caeciliidae, cobra de duas cessário que se façam coletas sistemáticas
cabeças). em muitas localidades e habitats, com identi-
A eletrorrecepção não é conhecida em in- ficação adequada das espécies.
vertebrados ou em ouLros vertebrados aquáti- A maioria das espécies está sujeita a
cos. Em vertebrados terresLres, incluindo a es- grandes mudanças sazonais, com a subida e a
pécie humana, há alguma razão para crer que, descida nos níve1s da água, a inundação de
mesmo se nenhum órgão de sentido está pre- enormes áreas de florestas e mudanças drásti-
sente para detectar campos elétricos ap licados cas em tipos e disponibilidade de alimento.
externamente, pode ser normal algumas célu- É provável que muitas espécies sejam es-
las do sistema nervoso serem influencladas pecialistas alimentares, por exemplo buscan-
por fracas correntes no tecido. Portanto, os do alimento ao redor de folhas de plantas aquá-
mecanismos que estudamos nos estranhos pei- ticas ou raízes de plantas flutuantes, ou entre
xes podem ter um mais amplo interesse neu- o folhedo do fundo ou no lodo. A julgar pela
robiológico. experiência com os grupos mais bem conheci-
dos, pode esperar-se que especialistas extre-
AsPECTOS GERAIS DE HABITATS E HÁBITOS DE mos em alimentos e em associados e inimigos
VIDA DOS GYMNOTOIDEI não sejam raros entre os gimnotóides. Todos
Entre as seis famílias e dezenas de gêne- os gimnotóides parecem ser carnívoros e a
ros existem espécies que vivem em igarapés maioria alimenta-se de insetos e crustáceos.
e rios, em lagos calmos e igapós, sobre fundo embora as espécies maiores predem peixes -
de areia e sobre lodo, em água brar.ca, água talvez incluindo outros gimnotóides _ Electro-
negra e água azul (crisi:alina), em estuários de phorus e Gymnotus apanham e consomem pei-
alta condutibil idade (ilha de Marajó: > 2000 xes eiéi:ricos pequenos em tanques, mas isto
fLmhos) e em águas de baixo teor mineral, de não nos auxilia muito na estimativa do grau de
condutibilidade extremamente baixa ( < 10 uma tal predação na natureza.
fLmhos). Não quer dizer que os peixes ele- Sabemos menos ainda a respeito de ou-
trorreceptivos, ou mesmo os chamados pei- tros inimigos dos gimnotóides e presumivel-
xes-elétricos (por possuírem órgãos elétricos) mente eles devem prec1sar escapa.- de um
vivam caracte:-isticamente em águas opacas, grande grupo de predadores, como os sílurói-
embora, sem dúvida, a maioria áeles o faça. O des. Em várias localidades, métodos de cole-
mesmo ocorre também com peixes não-ele- ta que apanham todos os peixes em vários me-
trorreceptivos. tros cúbicos de água rasa (cerca de 1 m de
Nosso conhecimento da distribuição exa- profundidade), trazem um grande número de
ta das espécies é tão limitado que não pode- indivíduos e a maiorio deles pode ser gimno-
mos dizer se existem muitas espécies particu- tóides. Isto poderia dizer que o grupo possui
lares confinadas à água negra ou branca, por significado econômico como uma parte subs-
exemplo. Podemos dizer que existem muitas tancial da bioma:>sa disponível para os mem-
que ocorrem tanto em uma quanto em outra, e bros mais altos da cadeia alimentar.
portanto em águas de condutibilidade relativa-
ÓRGÃOS ELÉTRICOS E DESCARGA DO ÓRGÃO
mente mais baixa e mais alta. Algumas espé-
ELÉTRICO EM VÁRIAS ESPÉCIES
cies, tais como Electrophorus electricus. Gym-
notus carapo, Apteronotus albifrons (mais co- No peixe-elétrico, a descarga elétrica é
nhecido no Brasil como ituí-cavalo ou tovira- produzida por uma agregação de tecidos espe-
cavalo) e Eigenmannia virescens (conhecido cializados, que constitui o órgão elétrico. A
como sarapô-branco) parecem ter uma distri- descarga é produzida por células, conhecidas

Aspectos do ... -553


como eletrócitos, que são células musculares to do olho. A maioria das espécies de peixe
modificadas, ou, em certos gêneros, neurônios elétrico pertence aos Mormyriformes africa-
especializados. Os órgãos elétricos formados nos e aos Gymnotoidei da América do Sul;
por eletrócitos derivados de células muscula- nesses grupos os órgãos miogemcos evoluí-
res são " miogênicos" (evoluídos a partir do ram desde músculos axial e da cauda.
músculo). Os que são formados por eletróci-
órgãos elétricos neurogemcos ocorrem
tos derivados de neurônios são "neurogêni-
apenas na família Apteronotidae (inicialmente
cos" (Fig. 3).
Sternarchidae) da superfamíl ia Gymnotoidei
Os órgãos elétricos miogênicos evoluíram
da América do Sul (Fig . 3B). Estes órgãos são
independentemente em vários e diferentes
um resultado da evolução secundária de ór-
grupos de peixes. Na família Torpedinidae dos
gãos miogênicos. Isto ocorreu por degenera-
elasmobrãnquios (raias), os eletrócitos evoluí-
ção da parte miogênica do órgão e especiali-
ram a partir da musculatura branquial . Outras
zação dos neurônios que inicialmente o ener-
famflias de elasmobrânquios, os Rajiclae
varam.
(raias), possuem órgãos elétricos derivados
dos músculos da cauda. No siluróide Malapte- órgãos miogenrcos são capazes d0 produ-
rurus. o "catfish" elétrico. o órgão evoluiu zir descargas mais poderosas de que os ór-
desde o músculo peitoral. A família Astrosco- gãos neurogênicos . No enguia-elétrica (Eiec-
pidae de teleósteos marinhos, os • stargazers", trophorus}, o órgão miogênico pode descarre-
tem órgãos evoluídos a partir de músculos nor- gar rapidamente (1 ms) uma corrente de 1 am-
malmente envolvidos no controle do movimen- pêre numa voltagem de 500 volts (Fig . 3A).

Etectrophorus Apteronotus
A B
Órgão de Soch Orgõo elétrico
\

Órgão de Hunter
Medula espinhal
Medula espinhal
ROSTRAL CAUDAL

EletrÓcito
Face inervado
Órgão elétrico
N6dulos dilatados _)
---. ···········-··-~-
c----·········-- ···--- -~ ---
Elemento ativo do orgõo

Fig . 3 - órgãos elétricos . São mostrados esquematicamente exemplos das células geradoras de corrente e sua iner-
vação em 2 tipos muito diferentes de órgãos elétriccs, ambos dos gimnotóides. A. A enguia elétrica com seus ór-
gãos de alta e baixa voltagem; o esquema em moior aumento mostra os compartimentos do tecido conectivo organi-
zado serialmente, cada um contendo uma camada de eletrócitos com uma especialização de suas superfícies rostral
e caudal, de tal modo que apenas uma é despolarizada pela chegada do impulso nervoso. Cada uma destas mem·
branas pode contribuir com mais de O,IV (de A\tamirano et ai., 1953. B. O ituí-cavalo, uma espécie onduladora dP
alta freqüência e baixa voltagem; seu órgão consiste de terminaçóes nervosas especializadas dos axõnios efetua-
dores . Os nervos repetidos a cada segmento vertebral, orientados na mesma direção adicionam a corrente de seus
grandes nódulos de Ranvier (de Bennett, 1971)

554- Bullock et ai.


A vantagem dos órgãos neurogênicos zados. As duas faces dos eletrócitos d1ferem,
é que eles podem descarregar mais fre- em termos de sua excitabi !idade elétrica . A
qüentemente do que os órgãos miogenl- face posterior dos eletrócitos da ..1nguia é iner-
cos. Isto decorre especialmente devido à vada, eletricamente ativa e produz um pico de
capacidade dos neuron10s de des:::arregar potencial elétrico devido ao sódio em respos-
em taxas mais altas do que as células muscu- ta ao sinal de comando neural. A face anterior
lares. Certas espécies dos apteronotídeos possui uma baixa resistência e é eletricamen-
descarregam o órgão elétrico a mais de 1800 te inexcitável. Combinada com tecidos aces-
vezes por segundo. Fazem isto, dia e noite, sórios isolantes, esta polarização maximiza a
durante toda a vida. produção da corrente elétrica. Parcialmente ,
Os eletrócitos miogênicos estão, geral- devido a esta propriedade de polarização do
mente, entre as maiores células do animal e eletrócito, o estudo dos vários tipos de órgãos
podem ser em forma de fita, disco ou fuso. elétricos conduziu a importantes revelações a
Freqüentemente estão dispostos em pilhas, respeito das propriedades das célulzs exci-
com todas as células orientadas no mesmo táveis.
sentido. Esta disposição é comum na maioria Em células musculares normais, a contra-
dos órgãos miogênicos e parece ser um resul- ção é iniciada por um rápido evento elétrico
tado da evolução convergente para permiti r que se propaga através da célula. Numa célu-
uma produção máxima de voltagem pelo ór- la única, a amplitude de pico a pico deste even-
gão. to elétrico é de 80 a 100 mV. Este evento, o
A engUla-elétr ica possui três órgãos elé- potencial de ação do músculo é gerado como
tricos: o de Sach, de Hunter e o órgãc. princi- um resultado de uma estimulação smáptica
pal. O órgão de Sach e a porção posterior do proveniente de um neurônio que traz informa-
órgão de Hunter podem ser descarregados ção do sistema nervoso central. A maioria dos
sem uma descarga acompanhante do órgão eletrócitos, embora não todos, assim como as
principal. Esta descarga é de baixa amplitude células musculares das quais são derivados,
(1o V) e provavelmente é usada mais para a produzem um potencial de ação tudo ou nada
detecção da presa do que para a sua captura . quando exc1tados pela informação caí'regada
A notória descarga de 500 volts é produzida pelo neurônio inervador. Com os eletrócitos
quando todos os órgãos descarregam simulta- dispostos em série, como pilhas em uma lan-
neamente; a maior contribuição é do órgão terna, e estimulados simultaneamente, as vol-
principal. A maior parte da corrente produzi- tagens das descargas dos eletrócitos indivi-
da pela descarga de alta voltagem é canaliza- duais se somam. Se não ocorre curto circuito
da diretamente para o ambiente, reduzindo as- das descargas, as 6. 000 eletroplacas dispos-
sim o efeito sobre os tecidos do próprio ani- tas serialmente na enguia-elétrica adulta pro-
mal, mas não será surpreendente d-=scobrir duzirão uma descarga elétrica somada de 480
que o sistema nervoso central do animal pos- a 600 volts, o que de hto ocorre .
sui adaptações especiais que o tornam tole- Com base na descarga de seus orgaos
rante às correntes residuais que devam flui r elétricos , os peixes elétricos são classificados
através dele. como pulsadores ou onduladores (Fig. 4). Os
Os eletrócitos (" eletroplacas ") do órgão pulsadores produzem uma descarga curta se-
principal na enguia-elétrica são em forma de melhante a um pulso, a intervalos relativamen-
fita, comprimidas rostro-caudalmente e se es- te longos e irregulares. Dependendo da espé-
tendem lateralmente desde a linha mediana. cie, um pulsador descarregará seu órgão elé-
No adulto existem cerca de 6. 000 eletroplacas trico desde poucas vezes por minuto até mais
dispostas em série, em uma coluna ro!'>tro-cau- de 80 por segundo. Os onduladores descarre-
.da l . Existem cerca de 25 dessas colunas dis- gam numa freqüência constante para produzir
postes em paralelo para formar o órgão prin- um campo elétrico de tipo semelhante à onda
cipal. Como a maioria dos outros eletrócitos senoidal. A regularidade dos intervalos de
miogênicos. estes são fisiologicament e polari- descarga é notável; é suficientemente estável

Aspectos do - 555
para ser o mais acurado dos relógios biológi- este aumento dessa taxa associada ao estímu-
cos. Dependendo da espécie, um ondulador lo, é que o peixe interroga seu ambiente mais
descaregará cerca de 100 vezes por segundo freqüentemente para detectar objetos e dessa
até mais de 1. 800 por segundo. forma obter a informação necessária à sobre-
Os pulsadores possuem uma considerável vivência.
amplitude para variar a taxa de descarga. Os onduladores normalmente não 3lteram
Quando eles estão ativos, alimentando-se, per- a taxa de descarga em mais do que cr->rca de
turbados, ou de outro modo excitados, eles po- 10%, e apenas sob circunstâncias particula-
dem aumentar a taxa de descarga em várias res (ver RES em C do capítulo seguinte). O
centenas por cento. Uma razão plausível para ondulador constantemente obtém informações

(fypOfJOIIIUS sp. f

J lllllliiJIIIIIJIIJ _A_
llypopomus sp. 2
I
I

r i
+
Staetogenes w

llltlllllllllllllllllllllllll
Gymnorus carapo

~
ç .,
- -~-
....- :-:- . .... -~

Srem o{lygus Jilac:runts

~~=~====--
1111111111111111111111111111111111111 -+
Higenmann ia virescens

.'lpterono w s albifrut~s ~·.a~:·


. ~~t.~~~•z .._•a.
- - 100 mscc - 1 msec

Fig . 4 - Tipos de descargas de órgãos eiétrlc•Js. São mostrados vários exemplos de glmnotoides de. América do Sul
para ilustrar a variedade de taxas de repetição e formas de ondas. As primei ras 4 espécies pertencem ao grupo
chamado de " espécies pulsadoras •, porque o intervalo entre as descargas é relativamente longo . As últimas 3 es-
pécies pertenc$111 ao grupo chamado de " espécies onduladoras ·, pois o intervalo é aproximadamente igual à duracão
da descarga . As DOEs são mostradas simultaneamente em escalas de tempo mnis lentas ou mais rápidas (de
Hagiwara & Morita, 1963).

556- Bullock et al.


sobre o ambiente numa alta taxa, e as mu- FUNÇÕES DA DOE NA VIDA DOS GYMNOTOIDES E
danças na freqüência das descargas estão as- OUTROS PEIXES :
sociadas mais estreitamente com comunica- COMPORTAMENTO E DOE CORRELACIONADAS
ção socia l do que com detecção de objetos.
O órgão elétrico descarrega em resposta Duas funções principais da DOE no com-
a um sinal de comando do sistema nervoso portamento tem sido demonstradas por meio
central. Este sinal origina-se em um núcleo de experimentos controlados em tanques de
de células localizado na porção do cérebro laboratório: que denominamos eletrolocação
chamada bulbo e, com exceção do "catfish" e eletrocomunicação. Cada uma delas repre-
elétrico, é transmitido à medu la espir.hal por senta contribuições muito diferentes para a
outros neurônios. No "catfish" elétrico exis- vida do animal. Espécies diferentes podem en-
tem apenas duas células neurais de comando fatizar uma ou outra dessas contribuiç0es, ser-
na medula espinhal, e cada uma delas se r a- vindo para definir as pressões seletivas que
mifica profusamente para inervar todos os eme- presumimos sejam responsáveis pela diversi-
trócitos de cada lado do corpo. dade de formas de DOEs.
O órgão elétrico descarrega uma vez para
cada sinal de comando. Na enguia-elétrica , há A. ELETROLOCAÇÃO
exceção, pois uma série de sinais de coman-
do de baixa freqüência produz a descarga elé- Podemos distinguir um modo ativo e ou-
trica fraca. O desencadeamento de um co- tro passivo. Por conveniência, considerare-
mando de alta freqüência causa potenciais ele mos conjuntamente a orientação própria do
junção sub-limiares nos eletrócitos do órgão an imal em grandes campos elétricos homogê-
principal e na parte anterior do órgão de Hun- neos e sua local ização de objetos ou de pe-
ter; estes potenciais imediatamente somam-se quenas heteroneidades no campo ou na im-
para produzir uma descarga de alta voltagem, pedância.
a qual então segue os sinais de comando na
O modo ativo pode ser baseado na DOE.
proporção de 1 : 1 .
cujo campo é distorcido por objetos, ou nos
Uma descarga max1ma será produzida
movimentos do peixe em um campo magnéti-
quando todos os eletrócitos descarregarem si-
co, pelos quais ele induz um campo elétrico
multaneamente. Isto significa que o sinal de
detectável por seus eletrorreceptores. O pri-
comando deve efetivamente chegar aos vári os
meiro caso depende de pulsos curtos de cor-
eletrócitos simultaneamente. Existem dois
rente e portanto de eletrorreceptores sensí-
modos principais pelos quais a descarga sln-
veis aos componentes de alta freqüência. A
crônica de eletrócitos distribuídos espacial-
detecção de corrente induzida é muito menos
mente pode efetuar-se: a) pelo comprimento
estudada, mas deve depender dos eletrorre-
constante do caminho neuronal dos núcleos de
ceptores sensíveis às baixas freqüências; pas-
comando aos eletrócitos, com um caminho di-
velmente isto é importante só no mar. PrinGi·
reto aos eletrócitos distais a um caminho em
palmente tubarões e raias são conhecidos se-
circuito aos eletrócitos proximais, e b) pela
rem capazes da detecção de campo magnético.
gradação nos tempos de condução, com uma
condução mais rápida do núcleo de comando O modo passivo também pode depender
aos eletrócitos distais do que aos proximais. da alta ou da baixa freqüência da DOE ou de
N3 enguia-elétrica, a sincronia é efetuada fontes de corrente de órgãos não-elétricos. O
pelos tempos de condução das fibras inerva- primeiro caso ocorre quando um peixe elétrico
doras. As fibras que inervam os eletrócitos an- detecta a DOE de outro. O segundo ocorre
teriores (fisicamente mais próximos ao nú- quando um tubarão, um "catfish" ou um peixe
cleo de comando) possuem menor diâmetro e elétrico, utilizando seus receptores de baixa
ve'k>cidade de condução mais baixa do que as freqüência, detecta a fraca corrente contínua
fibras que inervam os eletrócitos mais poste- ou o campo elétrico lentamente modulado de
riores. um peixe, que é a presa.

Aspectos do .. . - 557
Consideraremos apenas o caso de eletro- da pele. Os eletrorreceptores estão localiza-
locação ativa baseada na distorção do campo dos em poros na superfície do corpo e agem
de DOE por heterogeneidade de impedância como monitores das intensidades locais do flu-
(Fig. 5). Esta notável capacidade dos peixes xo da corrente transcutânea. Objetos próxi-
elétricos, como os g1mnotóides, é um ativo mos da superfície do corpo do animal inten-
sistema sensorial eficiente para centímetros, sificarão ou atenuarão o fluxo da corrente
ou melhor, cerca de um ou dois comprimentos transcutânea local, conforme sua resistividade
de corpo. Com relação a esta limitação ao seja mais baixa ou mais alta do que a da água
campo próximo, ela difere da ecolocação em circundante. Estas mudanças locais nos pa-
morcegos, golfinhos e alguns pássaros (assim drões de fluxo representam a ~imagem elétri-
como pelo fato de que a energia emitido é me- ca" dos objetos . A intensidade e o contraste
dida pelos receptores em termos de intensida- de tais imagens são uma função da resistên-
de local em vários pontos do corpo e :-~ão em cia relativa da pele e geometria do coroa. Por
termos de tempo de retorno, o qual é virtual- exemplo, um longo filamento caudal , típico pa-
mente instantâneo). A inda temos apenas in- ra muitas espécies de peixe elétrico, amplia a
formações insuficientes a respeito da capaci- faixa de eletrolocação do animal e o contraste
dade de eletrolocação em relação à resolução, das imagens elétricas é aumentado conforme
discriminação da forma etc. t certo que obje· o animal curve seu corpo e cauda ao redor dos
tos de impedâncias consideravelmente dife- objetos de interesse.
rentes da impedâncla da água - e. g. grave- As imagens elétricas são projeções bidi-
tos, podem ser detectados a uma distância de mensionais do ambiente sobre a superfície do
um comprimento de corpo, mesmo que ~ejam corpo do animal, o que pode ser então compa-
de apenas poucos milímetros de diâmetro. Do rado com a retina no domínio da visão Os ele-
mesmo modo, pequenas aberturas numa rocha trorreceptores projetam-se somatotopicamente
ou num emaranhado de raízes podem ser de· em camadas nas unidades de ordem mais alta
tectadas . Objetos maiores podem ser detecta- no lobo da linha lateral, torus semicirculares
dos, mesmo que suas impedâncias sejam ape- e cerebelo (ver mais abaixo) . Interações mú-
nas levemente diferentes da impedância da tuas entre unidades adjacentes são acionadas
água. Evidências fisiológicas dos receptores para o processamento da imagem elétrica e
tornam provável que pelo menos o peixe ondu- detecção da forma. Os eletrorreceptores são
lador pode distinguir resistência ohmica de assim organizados em padrões de campos re-
reatância capacitotiva. Ainda não está claro ceptivos, os quais assemelham-se aos campos
como alimentos pequenos, e. g. zooplancton, receptivos visuais em termos de centros exci-
podem ser localizados pelo sentido elétrico. tatórios, vizinhanças inibídoras, sensibilidade
Parece que a eletrolocação é útil para encon- a movimentos unidirecionais etc. Parece que
trar alimento, para detectar outro peixe e para a visão e a eletrolocação desenvolveram prin-
evitar obstáculos ou detectar fendas. cípios semelhantes no processamento de ima-
A capacidade ativa de eletro1ocalizar obje- gens bidimensionais do ambiente.
tos em seu ambiente e passiva de detectar si- A eletrolocação assemelha-se à ecoloca-
nais elétricos fracos, permite ao peixe elétri- ção no sentido em que o animal avalia seu am-
co, como os gimnotóides, viver em ágL•as de biente por uma retroalimentação continuamen-
pouca visibilidade, ser mais ativos durante a te avaliada por suas próprias ações do que por
noite e permanecer escondidos durante o dia. uma exp loração passiva de fontes de energia
Desta forma, eles minimizam a captação por estrémhas, como a luz solar. Necessitamos de
predadores visuais, como clclídeos e silurói- novas pesquisas sobre os parâmetros usados
des na eletrolocação em várias espécies, os limi-
A eletrolocação ativa baseia-se no seguin- tes de utilidade em relação, por exemplo, com
te princípio. A corrente da descarga do órgão a forma, tamanho, posição, movimento, con-
elétrico flui sucessivamente através da pele, traste da água em condutância ohmica P. a pre-
da água que circunda o animal e volta através sença e geometria da reatância capacitativa.

558- Bullock et al.


A QJ = 15.6 mm QJ a 3.7 mm

~10cm I

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-n diâmetro do bastão
Fase

Fig. 5 - Eletrolocação. A . Um peixe elétrico, flutuando entre dois bastões de pl exigias suspensos verticalmente
(secção transversal à esquerda), segue um movimento slnusoidal, S (t) e S (t) + D, por translação lateral do corpo
F (t). Esta resposta é prejudicada e 9correm freqüentes colisões quanto menores forem os diâmetros <1> dos bas.
tões escolhidos . Todos os bastões são escondidos dentro de moldes de agat para cancelar a3 diferenças nas lnfor.
mações mecânicas . Uma placa vertical de plexiglas em frente ao animal que flutua est<Jbiliza sua posição entre os
bastões oscilantes (diagrama à esquerda). As anMises de Fourier da resposta de seguimento do animal; F (t), reve-
lam um forte componente na freqüência dos estímulos, S (t), que é de 0,2 Hz em cada registro. A amplitude deste
componente, rt:lativa à amplitude de S (t). é chamada · ganho·. sua diferençe de fase em relação a fase S (t) de
·fase· nas últimas figuras (de Hel ligenberg, 1974). B. • Ganho " e "fase" da resposta de seguimento de Eigenmannia
como uma função do diâmetro do bastão de plexlgias , numa freqüência fixa de oscilação de 0,1 Hz e distância Interna
entre os bastões de 6 em . O animal flutuou no centro do conjunto oscilante e portanto estava aproximadamente a
3 em de cada bastão. Símbolos diferentes representam va!ores médios para espécimes diferentes, as barras verticais
representam desv:os-padrões. Vaiores médios e desvios·padrões foram calculados a partir de dlstribuiçõe'3 bldimen-
sionais de dados originais, representados no plano complexo, com ganho e fase como raio e ângulo, respt:ctivamente
(colocados mais acima, à direita). Desvio-padrão do ganho é definido como o desvio na direção r:.dial, o desvio-pa-
drão da fase é definido como perpendicular ao último (de Heiiigenberg, 1973).

Aspectos do ... - 559


B. ELETROCOMUNICAÇÃO, INCLUINDO SINAIS de DOE ser tão alta (cerca de 800-21 00) e t~o
ASSOCIADOS COM COMPORTAMENTO AGONÍSTICO extremamente regular (desvio-padrão dos in-
tervalos durante épocas sem perturbação
As descargas do órgão elétrico desempe- <0.1 ,u.s!). mas também porque existem tan-
nham um importante papel na comunicação so- tas espécies e mesmo gêneros com freqüên-
cial. A identificação do sexo e da espécie fre- cias fundamentais amplamente sobrepostas.
qüentemente baseia-se nas características das Já existem evidências de que elas se reconhe-
descargas típicas da espécie e do sexo e o es- cem mutuamente, na ausência habitual de in-
tado comportamental de um animal freqüente- teração agonística. Por exemplo, quando uma
mente se reflete nos modos particulares da espec1e intra-especificamente agressiva de
atividade elétrica (Fig. 6). Apteronotus é colocada em um aquário com
Sternarchogiton sp.. Sternarchorhamphus sp.,
Em Sternopygus, por exemplo, o estado
ou Sternarchella sp., elas parecem ignorar-se
fixo da freqüência de DOE das fêmeas é apro-
mutuamente. Contutdo, em uma série de expe-
ximadamente um oitavo mais alto do que em
rimentos, uma Sternarchorhynchus sp. , foi
machos, e estes respondem seletivamente às
persistentemente atacada. Em Apteronotus
freqüências da fêmea em experimentos com
sp .. o ataque foi aliciado por indivíduos da
gravações. A resposta do macho consiste de
mesma espécie recentemente mortos, por uma
breves elevações na freqüência de DOE e cur-
imagem em um espelho ou por um indivíduo
tas interrupções. e estes sinais por sua vez po-
da mesma espécie vivo colocado atrás de uma
dem atrair fêmeas.
chapa plástica transparente. O ataque - geral-
Em Gymnotus carapo, um indivíduo domi- mente acompanhado por "gorjeios" - fases
nante assinala suas ameaças e intenções de transitórias muito breves (20-50ms), durante
ataque por característicos aumentos na taxa os quais a taxa de DOE aumenta de 100 ou
dos DOEs e por breves interrupções. O indiví- mesmo 200 Hz; os gorjeios ocorrem muito es-
duo dominado assinala sua submissão por uma poradicamente até várias vezes em um segun-
longa interrupção (silêncio elétrico por cerca do, mais comumente uma vez a cada poucos
de dois segundos) e isto pode evitar um ata- segundos no encontro agonístico . São raros
que. em indivíduos isolados. Outras modulações
Em Eigenmannia, interrupções curtas e de freqüência em apteronotídeos são poucas
elevações na freqüência de DOE, assinalam e pequenas na porcentagem de mudança
um aumento na prontidão para o ataque em (1-2%). mais lentas ou durando por vários se-
machos territoriais. Elevações graduais segui- gundos e de significado social desconhecido;
das por um lento retorno na freqüência de DOE é mais provável que ocorram quando outros
assinalam um comportamento submisso. Sé- indivíduos da mesma espécie ou suas DOEs
ries de modulações na taxa de DOE acompa- estejam presentes, e totalmente improváveis
nham os comportamentos de corte e territo- com perturbações mecânicas, alimento ou luz.
rial e podem servir a funções semelhantes à As diferenças entre espécies quanto às
do canto dos pássaros. Sua função comunica- características espectrais e temporais de DOE
tiva é evidente pelo fato de que não apenas e a seletividade associada dos eletrorrecepto-
refletem certos estados comportamentais, res às DOEs das espécies, certamente aumen-
mas também provocam respostas específicas tam o reconhecimento e a separação das es-
em indivíduos da mesma espécie. Eigenman- pécies. Espécies simpái:ricas estreitamente
nia, Apteronotus c Sternopygus ignoram-se relacionadas podem geralmente ser ide>ntifica-
mutuamente, o que sugere um reconhecimen- das mais prontamente por suas DOEs do que
to de espécies. pelas clássicas características morfológicas.
As espécies onduladores de alta freqüên- As colorações do corpo servem primeiramen-
cia, os Aptet1:>notidae, têm sido ao menos es- te para a camuflagem do animal, não possuem
tudadas etologicamente e merecem atenção nenhuma função de av1so na comunicação in-
especial, parcialmente face ao fato de sua taxa tra-específica e são muito variáveis. As ca-

560- Bullook et al.


racterísticas de DOE, provavelmente como con· preendente dentro de cada espec1e (Fig . 4).
seqüência de seu papel na comunicação so- Representam mais do que o canto do grilo co-
cial, apresentam considerável variabilidade en- mo informações seguras para a identificação
tre espécies, mas têm uma constância sur- das espécies.

A
B

-
N
I
(A) (S) Mordido

Tempo(s )

Fig. 6 - Eletrocomunicação. Estão Ilustrados um: poucos exemplos de modulaÍ;:ões de freqüência da DOE de Gym·
notus carapo, associadas com o comportamento agonísttco. A-C . Alguns padrões motores ngonísticos. A. Disposição
lateral antiparalela. B. Serpenteamento mútuo ias setas indicam as curvas dos corpos dos peixes). C. Disposicão
frontal mútua. O, E. Atividade elétrica concomitante. O. Freqüência lnstantãnea das DOEs representada contra o
tempo . Exibições Indicadas para o peixe n.o 1 (O) e n.o 2 (E) . (de Black-Cleworth, 1970) .

Aspectos do ... - 561


C. O PROBLEMA DA INTERFERiNC!A DE DOES Considerando que as espécies pulsadoras
DE PEIXES VIZINHOS; UMA RESPOSTA DE requerem portanto intervalos de tempo parti-
ESQUIVA SALTANDO {RES} culares, as espécies onduladoras parecem re-
querer faixas de freqüência particula•·es para
Dois tipos completamente diferentes de eletrolocação acurada. Isto não significa tão
interferência com a recepção de sinais podem particular no sentido de que outro peixe não
ser distinguidos: um deles devido a fontes possa detectar uma dada DOE de um peixe ou
inanimadas de ruído, e.g. relâmpagos (Hopkins, que um determinado peixe possa ser seletiva-
1973), e fluxos de potenciais (Kalmijn, 1974) mente sensível apenas à sua própria DOE . Co-
e o outro devido a DOEs de peixes vizinhos, mo veremos mais adiante, os receptores, em-
especialmente os de outros indivíduos da mes- bora e afienem de modo que sejam mais sen-
ma espécie. Daremos aqui atenção apenas ao síveis à freqüência fundamental da DOE do
problema da interferência de indivíduos da próprio peixe, não são tão nitidamente seleti-
mesma espécie . vos que se tornem insensíveis a um peixe pró-
Particularmente na eletrolocação, a retro- ximo, mesmo após a RES. Mas voltaremos ao
alimentação da DOE do próprio peixe é comu- significado fisiológico e ao mecanismo da RES
mente contaminado pela DOE de outro peixe. quando consideramos os receptores e o siste-
Devemos esperar que existam mecanismos es- ma nervoso central .
pecíficos que diminuam a interferência de si-
Neste ponto, vamos considerar o tipo de
nal entre transmissores vizinhos.
RES, primeiramente nas espécies pulsadoras.
A atuação da eletrolocação em espécies
onduladoras foi medida durante a imposição Desde que a eletrolocação nas espécies
de interferência controlada e mostrou-se mais pulsadoras é mais vulnerável a pulsos estra-
vulnerável a sinais sinusoidais com freqüên- nhos que coincidam com a DO~ do próprio ani-
cias próximas à freqüência fundamental da mal, o peixe elétrico deste tipo deve ser capaz
DOE do próprio animal. Espécies onduladoras de distinguir seu sinal eletrorreceptivo de re-
melhoram sua atuação desviando a freqüência troalimentação das descargas estranhas. Apa-
de suas DOEs de estímulos de freqüência in- rentemente, as espécies pulsadoras de mormi-
terferentes. Esta resposta de esquiva saltan- rídeos e gimnotoides desenvolveram soluções
do (RES) é encontrada apenas na espécie on- diferentes para o mesmo problema: os mor-
duladora africana, Gymnarchus, e nas espécies mirídeos parecem escolher a estimulação ele-
onduladoras da América do Sul, tais como trorreceptiva, por um sinal central subordina-
Eigenmannia e Apteronotus: em ambos os ca· do a seus comandos para a DOE, a fim de pro-
sos a RES serve para manter a capacidade de cessar seletivamente a retroalimentação a
eletrolocação. A atuação da eletrolocação em partir de suas próprias DOEs. As espécies pul-
espécies pulsadoras é mais vulnerável aos es- sadoras de gimnotóides não possuem esta ca-
tímulos de pulsos que coincidem constante- pacidade e, em vez disso, parecem identificar
mente com a DOE do animal. As espécies pul- a retroalimentação escolhendo a estimulação
sadoras melhoram sua atuação sincronizando eletrorreceptiva marcada por sinais reaferen-
suas DOEs de tal modo que minimizam a pos- tes dos receptores. Em algumas espécies, isto
sibilidade de coincidências com salvas de pul- parece ser devido a receptores especiais de
sos desconhecidos . Os mormirídeos africanos alto limiar que. sob condições normais, res-
tendem a repetir as descargas de um indiví- pondem apenas à DOE do próprio animal. Em
duo da mesma espécie em intervalos mais outros casos, isto pode ser a estrutura habi-
curtos do que o intervalo mínimo de DOE es- tual do campo da DOE do próprio animal, i. e.,
perado de seu vizinho. As espécies pulsado- a imagem elétrica habitual do conjunto total
ras da América do Sul, em contraste, disoaram de receptores que capacitam o peixe para dis-
em intervalos mais regulares e deslocam a fa- tinguir sua própria DOE da DOE interferente
se de suas salvas de pulso sempre que coinci- de um outro peixe. Como os peixes elétricos
dências repetidas estejam iminentes. da Africa e América do Sul evoluíram separa-

562- Bullock et al .
A Esr:muro

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ÓRGÃO ELETRICO

Fig. 7 - A Resposta de Esquiva Saltando (RES) em Elgenmannia. A. Um peixe tentando escapar de estimulo que
simula um vizinho, exceto que ele muda sinusoidalmente sua freqüência. Os deslocamentos de esquiva do peixe t.§m
uma complexa seqüência no tempo dependendo da faixa de variação particular da freqüência do estímulo (aqui cer-
ca de 380 - 408 Hz). sua modulação de freqüência (aqui cerca de um ciclo em 20 segundos) e da amplitude e or•en-
tação do seu gradiente de voltagem. O estímulo efetivo é provavelmente a diferença de freqüência (.ó.F = F estímu-
lo - F peixe) e isto está continuamente mudando. B. Um método estudado da RES enquanto se mantém o estimulo
(.ó.F constante). Um circuito que corrige automaticamente a diferença de freqü ência monítora às mudanças do peixe
na freqüência e controla o estímulo para manter uma diferença constante de cerca de +4 Hz por 25 segundo, depois
-4 Hz por 25 segundo e assim por diante. O peixe tenta aumentar a diferença mas não desloca ma i~ do que uns
poucos Hz antes de fixar-se num platô; isto dapende da voltagem e orientação do estímulo. C . Os componentes
principais deste comportamento (de Bullock et ai., 1972 a, b).

Aspectos do .. . - 563
damente, eles podem ter resolvido vários des- territoriais e espaçam-se mutuamente mesmo
tes problemas comuns de maneiras diferen- que suas freqüências não sejam próxim3s.
tes. Outras são gregárias e permanecem juntas
Os peixes pulsadores da América do Sul mesmo que suas freqüências sejam muito pró-
respondem tipicamente à interferência causa- ximas . Desde que a variação natural da taxa
da pela DOE de um peixe vizinho com uma da DOE nas espécies induladoras estende-se
aceleração ou, menos freqüentemente, uma sobre várias centenas de Hz, e apenas vizinhos
desaceleração na taxa de repetição dos pulsos. em cerca de 10 Hz causem uma RES, a maio-
Podem manter uma taxa diferente e assim re- ria dos peixes não induz RES uns nos outros.
duzir a chance de pulsos coincidentes. Ape- Sternopygus, curiosamente, parece não ter
nas uma série de várias coincidências conse- uma RES distinta.
cutivas é grave em termos de prejuízo na cie-
tecção de objetos, e basta manter os pulsos D. CONTROLE DA MANUTENÇÃO DA POSIÇÃO
estranhos a poucos milissegundos da coinci-
dência. Está bem estabelecido que a posição de
Espécies onduladoras enfrentam um pro- muitos animais não é exclusivamente guiada
blema diferente, visto que toda outra descarga pelo sentido gravitacional , o qual é comumen-
em forma de onda irá interagir com a DOE do te referido como "sentido do equilíbrio " . A
peixe para formar um batimento numa t~e­ maioria dos invertebrados e vertebrados tam-
qüência diferente (.LlF) . Para manter a capa- bém se baseia em estimulações em outros
cidade de eletrolocação, aparentemente é su- sistemas sensoriais, como os olhos e a me-
ficiente manter o .LlF acima de cerca de 10 canorrecepção , para ajustar sua orientação do
Hz. A RES nas espécies onduladoras varia corpo no espaço . Várias espécies de peixes
desde uma tendência simétrica: para aumen- de recifes , por exemplo, inclinam-se, em rela-
tar a freqüência de DOE na presença de um ção ao eixo-longitudinal do corpo , quando na-
baixo - .b.F e diminuir a freqüência de DOE dam para lelamente a um rochedo submerso,
na presença de um baixo + .6 F, até uma ên- de t al modo que o lado ventral do corpo fica
fase assimétrica sobre uma dessas duas mu- mais próximo à superfície vertical do substra-
danças, negligenciando a outra. A maioria dos to; o grau de inclinação depende da distância
individuas de Elgenmannia tendem a ser si- entre o peixe e o rochedo . Esta Resposta Ven-
métricos. Apteronotus responde tipicamente tral ao Substrato (RVS), que é guiada pela
apenas ao -LlF, deslocando a freqüência para informação visual em muitas espécies, de-
cima; depois retorna em resposta ao + .6 F monstra que a presença de um cbjeto nas pro-
ou para a remoção do estímulo. A RES é gra- ximidades de um peixe pode influenciar o seu
duada com a intensidade do estímulo (normal- controle de posição.
mente a proximidade do vizinha) e com o .LlF; Uma Resposta Ventral do Substrato tam-
é máxima em um .LlF de cerca de 4 Hz, tanto bém foi encontrada em Eigenmannia, um peixe
em Eigenmannia quanto em Apteronotus. Pos- fracamente elétrico . ~ guiada pelo sentido
sui um teto e um mínimo, I. e., o peixe não elétrico destes animais e portanto depende do
se afasta muito de sua freqüência normal de órgão da linha lateral, o qual filogeneticamen-
DOE; geralmente a alteração máxima é de 5 te está estreitamente relacionado ao sist ema
a 15 Hz . A constante de tempo é lenta; após vestibular . Entre outros aspectos sobre como
um rápido início de 0,15·0,2 segundos (o que o sistema eletrossensório é usado como siste-
é tão rápido quanto o reflexo humano de afas- ma de orientação, é necessário também discu-
tamento de um estímulo doloroso), a RES to- tir-se o significado deste sistema para o cem-
tal é atingida apenas após algumas dezenas trote do equilíbrio. O sistema eletrossensór io
de segundos . Daí em diante, ela pode ser tem a função de ajustar a posição do peixe em
mantida tonicamente na presença do flF. o relação à orientação espacial dos objetos no
peixe não foge espacialmente, i. e., move-se habitat do animal . Os seguintes experimentos
para longe da proximidade dos vizinhos em elucidaram este mecanismo: se um Eigen .
associação com a RES . Algumas espécies são mannia que foi cegado flutua a uma distâncio

564 - Bullock et al.


equivalente à altura de um corpo acima de ra e freqüência de DOE dos g1mnotóides em
uma placa de plexiglas inclinada de 45.0 , uma geral são maiores, durante a noite e menores
resposta de inclinação (rotação) de cerca de durante o dia. Es1i:a característica é adaptativa
30.0 é observada (Fig. 8A) . Esta RVS, em re- para a sobrevivência, em relação aos preda-
lação ao eixo de rotação, é denominada RVSr dores que não possuem sentidos especiais
Substituindo-se a placa de plexiglas isolada para a orientação e captura de pressas notur·
(eletricamente visível) por uma placa de agsr,
a qual é mais ou menos eletricamente trans-
parente, é provocada uma resposta de inclina- A B
ção fortemente reduzida (Fig. 88) . Isto de-
monstra a relevância das informações elétri-
cas para RVS em Eigenmannia.
Além da RVS em relação ao eixo de rota·
\.
ção, outras respostas também ocorrem em
relação ao eixo de inclinação (Fig. 8C e D). plexiglos

Se o peixe estiver orientado com seu plano


:' 45"
sagital na vertical e perpendicular à placa de
plexiglas de 45.0 , observa-se uma VSR no pia· RVSr: ex: = 30° RVSr: a:= 12°
no vertical. Se o peixe estiver flutuando acima
da placa, com a cabeça voltada para ela, isso
resulta numa resposta de inclinação para cima
c D
horizontal
(RVSc) . As medidas dos desvios da C3beça ..............~
e cauda da horizontal são muito diferentes
(Fig . 8C). Ouando orientado na direção con-
trária à placa , o peixe exibe uma resposta de
inclinação para baixo (RVSb). Neste caso, os
ploxiglas-
ajustes da cabeça e causa são semelhantes
(Fig . 80) . Novamente os desvios da horizon-
tal são muito menores com uma placa de agar,
mais ou menos transparente eletricamente.
RVSc: ~ . = 8° RVS b: p = 44°
Estas observações demonstraram que a ti = 34° ti = 3 7°
posição de flutuação de Eigenmannia depende
da orientação do fundo ou do objeto que está
Flg . 8 - A Resposta Ventral ao Substrato (RVS). Eigen-
próximo ao peixe. Contudo permanece obscu- mannia vi rescens mostra mudanças de posição em res-
ro o porque destes animais terem desenvo l- posta a objetos no ambiente. Este comportamento ga.
vido um tal mecanismo de controle de posição . rante uma orientação do corpo na qual o lado ventral
É provável que as observações no campo pos- do mesmo fica mais próximo ao substrato quando o p~i­
sam esclarecer um pouco mais a respeito do xe nada perto dele. A RVS é guiada pelo sentido elé-
trico e assim permanece após a cegueira . Os dados
significado deste padrão de comportamento
seguintes foram obtidos destes espécimes. A) Enquan.
para Eigenmannia em seu habitat normal. Tem to flutua acima de uma placa de plexiglas inclinado de
sido sugerido que a RVS de certos peixes de 4S.o, um Engenmannia cego exibe uma inclinação média
recife, guiada visualmente, facilitaria a camu- de 30.o (oc) em relação ao eixo de rotação (RVSr).
flagem e a obtenção de alimento do substrato. B) Esta resposta de inclinação é fortemente reduzida
Possivelmente vantagens do mesmo tipo re- se a placa de plexiglas é substituída por uma placa de
agar mais ou menos transparente eletricamente . As
sultam deste comportamento em Eigenmannia.
RVSs em relação ao eixo de inclinação (C inclinação
para cima; D inclinação para baixo) são mostradas na
E. RÍTMOS CIRCADIANOS; PERÍODOS ATIVOS parte inferior da figura. As medidas foram tomadas pa-
"VERSUS" PERÍODOS INATIVOS ra a posição da cabeça (~) e da cauda (oc) tanto na
situação de inclinação para cima (RVSc) quanto na de
Observações gerais na natureza corrobo- inclinação para baixo (RVSb) . Os dados numéricos fo-
ram baseados em 8 espécimes (de Meyer, original).
raram a asserção de que a atividade locom0to-

Aspectos do .. .
- 565
nas . Assim, alguns desses predadores são areia, tipicamente entre 03h20 min e 05h00min.
encontrados sobre o fundo durante esse pe- Esta é a única espécie de peixe elétrico que
ríodo . Hypopomus artedi, Eigenmannia vires- demcnstrou sustentar um ritmo c ircad iano sob
cens, Slernopygus macrurus e Gymnotus cara- condições estáveis e luminosidade fraca cons-
po escondem-se durante o dia entre a vegeta- tante. O período é então próximo, mas não
ção das margens , no fundo arenoso ou lodoso exatamente, de 24 haras e varia com nível de
ou em manchas de vegetação como cabomba, luminosidade . Num ciclo natural de luminosi-
pístia, lírios aquáticos, v itória-régia etc . No dade diurna-noturna ele é de exatamente 24
crépusculo vespertino, as duas últimas espé- horas.
cies de peixes saem mais po-ntual mente par::~
água aberta . Sua volta à margem é verificada
na manhã seguinte. Eigenmannia chega mais TABELA 1 - Glmnotóides encontrados na região de
M anaus, Amazonas, e SLia taxa de repetição de des-
cedo ou mais tarde, logo após o nascer do sol,
carga do órgão elétrico (DOE) . As espécies são gru-
dependendo do local, e Gymnotus carapo um
padas de acordo com a forma de onda da descarga co-
pouco antes do nascer da dia. Staetogenes mo ou "espécies pulsadoras" ou " espécies ondulado-
elegans tem uma atividade natatória que é ras" (Ver capítulo V para definições) . Medidas feitas
melhor sincronizada pe la iluminação: assim, por W . Heiligenberg and J . Bastian em Novembro, 1976,
sob iuz artificial, ele fica deitado de lado sobre senão estiver especificado . Identificações supostas.
o fundo, como uma tolha morta, e sob condi-
ções de escuridão, ele nada ativamente . O ESP!:CIES PULSADORAS
ritmo da DOE de Sternopygus macrurus apre-
senta aumentos transitórios durante a noite.
As atividades de DOEs de algu ns gimnotóides Espécie Taxa de repetição da DOE
Hz (25-279 C)
mudam durante à noite como pode ser vistas
na Tabela 1 . A sobreposição de freqüências
interespecífica pode ocorrer durante o dia, Em águas negras do sistema do rio Negro, Anavi·
lhanas, Taruma Grande, Taruma Mirim, Cuieiras. pH. 4-5,
quando os peixes estão inativos, visto que.
resistividade 100-150 klJcm.
durante a noite, é mais provável que seus rit-
mos possam diferir . Assim, embora Gymno- 1 . Hypopomus sp. 10 11- 43
rhamphichthys hypostomus e Hypopomus ar- 2 . Hypopumus sp . 2 30- 60
3. Hypopumus sp . 3 27- 63
tedi tenham freqüências semel hantes, durant e
4. Hypopomus sp . 4 3- 30
o dia, elas diferem à noite; a do H. artedi au- 5. Hypopomus sp. 5 66- 76
menta de 2 a 3 vezes, e a do G. hypostomus 6. Hypopygus sp. b 46- 62
de 6 a 7 vezes. R. rostratus aumenta sua tre-
qüência de DOE, sua atividade de nado e o Em águas claras do lago Januacá e Rio Solimões.
tempo que passa na posição vertical com a pH 7, reslstividade 12-13 klJcm.
nadadeira ventral em contato cam o fundo du-
rante a noite. 7. Hypopomus sp. 9c 30- 60
ti. Steatogenys elegans d 50 - 60
Gymnorhamphichthys possui o mais acen- 9. Rhamphichthys rostratus e 40 - 100
tuado contraste entre atividade diurna e notur-
na de todos os peixes elétricos até agora estu- Em águas negras do rio Negro próximas à confluên-
dados . Durante o dia, ele permanece comple- cia do rio Branco; captado sobre fundo arenoso a
tamente enterrado no fundo de areia grossa 7-20 m de profundidade, rochas submersas dispersas;
de igarapés claros, imóvel e descarregando vegetação no fundo esparsa . Muitas amostras colhidas
seu órgão elétrico numa baixa taxa ( 10-15 por em março-maio, 1967 examinadas no barco de pesqul·
sas Scripps ALPHA HELIX por A. B. Steinbach, M. V. L.
segundo) . Emergindo muito abruptadamente
Bennett, T. Szabo e T. H. Bullock.
uns 25-40 min, após o pôr-do-sol, a freqüência
de DOE eleva-se instantaneamente a um nível
alto (70-120 por segundo), mantido durante o 1O. Gymnohamphichthys sp. f 25- 35
período- ativo. Este, normalmente, te1 mina 11 . Gymnotus carapo 45- 60
Também # 8 e 9 acima.
quando o peixe repentinamente se enterra na

566 - Bullock et ai.


ESP~CIES ONDULADORAS ELETRORRECEPÇÃO

Em águas claras do rio Solimões , pH 7, resistivida·


Experimentos inequívocos na discrimina-
dE' 12-13 klJCm .
ção comportamental que podem ser re3lizadas
só pela detecção de distorção do campo el é-
trico (Lissmann, 1958) predizeram a existên-
12. Sternopygus macrurus 60 - 150
13 . Eigenmannia macrops 430- 660
cia de eletrorreceptores. órgãos de sentido
14 . Eigenmannia sp . 1 580 ~ 1000 especiais para essa nova modalidade foram
possivelmente E. troscheli re31mente encontrados e provados fisiologi-
ou Rhabdollchops sp . camente no sistema da linha lateral de peixes
15 . Eigenmannia sp . 2 180 - 250 gimnotóides, mormiróides e de elasmobrân-
{focinho pontudo)
quios. Um apanhado da descoberta e prova da
16 . Adontosternarchus sp 950 - 1250
(corpo manchado) função destes receptores é dada por Bullock
17 . Adontosternarchus sp 2 710 - 1330 (1974) e resumos m3is detalhados de sua ana-
(corpo uniformemente cin- tomia, fisiologia e funções comportamentais
za escuro) são dados em Fessard (1974).
18 . Apteronotus anas 1080 - 1250
19 . Sternarchella sp . 1080 - 1170 Em resumo, estes órgãos são cons!dera-
20 . Stemarchorhynchus dos como derivados especializados do sistema
oxyrhynchus 1400 - 1800 de receptores da linha lateral, que normalmen-
21 . Porotergus sp . (não foi gravada) te respondem a correntes elétricas. Essas
22 . Sternarchorhamphus
mülleri 740 - 973
correntes podem ser ou da própria DOE do
peixe ou de outras fontes animadas ou inani-
madas. Eletrorreceptores existem não só nos
grupos mencionados acima, como também
Em águas negras do rio Negro próximo a confluên- nos siluróides, braquipterígeos (Polyodon, o
cia do rio Branco (Ver acima) .
"spoon bill" e Scaphirhynchus, o esturjão) e

~ ..... provavelmente em alguns outros grupos.


Existem duas grandes classes e várias sub-
:!3 . Sternarchella sp . 934 - 1384
24 . Sternarchella sp . c a. 2100 classes destes órgãos de sentido. As grandes
25 . Sternarchogiton sp . 889 - 1241 classes de eletrorreceptores são (a) bulbosos
26 . Apteronotus sp . 900 - 1100 ou sensíveis à baixa freqüência e (b) tubero-
Também # 12, 13 (sp.:), 16, 20, 22. sos ou sensíveis à alta freqüência (Fig. 9) . Os
primeims existem em todos os grupos de pei-
xes já citados, os últimos ocorrem apenas nos
teleósteos elétricos, i.e., aqueles com órgãos
a) Substrato do fundo de lama fofa e folhedo: ani-
elétricos.
mais isolados ou em pares; separados de 1 m ou
mais . Todas 5 espécies em comunicação cruza- Os receptores bulbosos são o·s mais sen-
da. muita~ vezes distribuídos diferentemente .
síveis, especialmente os das espécies mari-
b) O mesmo que acima, com preferência para o fo· nhas, onde o forte curto-circuito da água de
lhedo e raizame denso: gregário. simpático com alta condutibilidade torna o sinal fraco. São
espécies acima .
usados primariamente para detectar corrente
c} Substrato lamaçoso de margens com gramíneas contínua ou as lentas mudanças nos campos
inundadas, animais isolados . elétricos da presa (Fig. 1O) e das fontes ina-
d) Margens com gramíneas inundadas, animais iso- nimadas. Uma destas é a corrente induz1da
lados . pelo movimento das massas de água, como
e) Margens com gramíneas inundadas, próximo ao as correntes marinhas, através do campo mag-
fundo. animais Isolados ou em pares . nético da terra , (Kalmijn, 1974). Estes recepto-
f) Essa é uma freqüência "perturbada e diurna". Va-
res são os mais sensíveis às correntes elétri-
lores mai~ normais diurnos são 10-15, à noite cas, variando um equivalente a cerca de 1-10
65-100 (Lissmann & Schwassmann, 1965). Hz, dependendo da espécie.

Aspectos do . . . -567
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Em espec1es onduladoras como Eigenman-
nia (DOE de cerca de 300 Hz), cada peixe tem
sua própria freqüência de DOE normaimente
preferida, dentro da variação da espécie, que
pode ser 200 Hz ou mais. Os receptores de
' Órqãcs
Bulbosos
H.
um determinado peixe são mais sensíveis às
E F G
freqüências próximas a sua própria taxa de
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Órgõo Bulboso Órgâo T uberoso

Fig. S - Eletrorreceptores. Representações esquemá-

-=---~- -~--- -
ticas de vários tipos de receptores bulbosos e tubero-
sos . A-H, as células ciliares modificadas ou célula$
sensoriais secundárias, que se crê sejam as atuais cé-
lula!~ sensociais. I, J. órgãos do sentido inteiros mos-
trando a disposição das células sensoriais e sua iner.
vação. A, ampola de Lore!lzini dos elasmobrânquios;
B-0, órgãos bulbosos dos teleósteos, incluindo gimno-
toides; E. um tipo especial de órgão tuberoso em Mor.
myridae chamado "mormyrimast" sc2; F, um órgão em
Gymnarchidae chamado "gymnarchomast" 11; C. "gym.
F
narchomast" I; H, "mormyromast" sc1; I, órgão bulbo-
so em gimnotóide; J, órgão tuberoso em gimnotóide.
n, terminação nervosa mielinada (terminações nervosas
em I, pretas, e.m J. brancas); se, células sensoriais;
camadas de pele indicadas por tipos diferentes de pon-
tilhados (de Szabo, 1974).
Fig . 1o - Uso da eletrorrecepção por um elasmobrân-
quio. Experimentos com um tubarão, Scyliorhimus ca-
nícula. mostram que a resposta ao alimento pode ser
Os receptores tuberosos são de pelo me- guiado por correntes elétricas fracas , de freqüência
nos 3 ou 4 subclasses, baseando-se no modo muito baixa (cerca de 1 Hz) de um peixe presa (o
pelo qual eles codificam as diferenças de in- ' flatfish", (Pieuronectes plateessa) ou de eletródios na
tensidade. Provavelmente alguns são primaria- areia (a) o mergulho normal, acuradamente dirigido a
um "flatfish" enterrado na areia. bl disto persiste
mente detectores da DOE do próprio peixe,
mesmo se o peixe for coberto por uma capa de agar
outros são usados primariamente na eletroco- eletricamente transparente. (c) o odor, quando exage.
municação - detectando as DOEs de outros rado pelo reta lhamento da presa, leva a buscas não di-
membros da mesma espécie. Os receptores recionadas rio abaixo (d) um filme plástico, eletrica-
mente opaco, impede a resposta. (e) eletródios que si-
tuberosos são os mais sensíveis às flutuações
mulam o campo bioelétrico de baixa freqüência de um
das correntes elétricas de cerca de 100-1.000 ''flatfish" são atrativos. (f) eietródios (apenas um é
Hz, dependendo da espécie e mesmo do indi- mostrado) são localmente mais atraentes do que um
víduo. pedaço de peixe (de Kalmijn. 1971) .

568- Bullock et al.


DOE. A sensibilidade oscila tanto acima quan- Eigenmannia é tão seletiva como a das fibras
to abaixo desta "melhor freqüência", i . e ., os do nervo coclear de mamíferos que têm a
receptores são sintonizados, como filtros pas- mesma freqüência ótima, embora a sintonia
sa-banda. deste seja considerada derivada principalmen-
O cérebro desenvolveu sistemas recepto- te das propriedades mecânicas do ouvido.
res e processadores especializados para a es-
timulação maciça dos numerosos receptores. POSSÍVEIS SIGNIFICADOS ECOLÓGICO E PRÁTICO
Estes são modificações dos antigos centros
da linha lateral. Incluem estruturas nos lobos Grandes oportunidades existem para a
da linha lateral no bulbo, no cerebelo e no compreensão fundamental a respeito da biolo-
torus semicirculares do mesencéfalo. Estas gia dos gimnotóides e outro peixe eietrorre-
estruturas são extremamente grandes e alta- ceptivo. Enquanto cada um dos capítuios an-
mente diferenciadas nos peixes gimnotoides teriores apresenta importantes questões não
e mormiriformes. As vias dos eletrorrecepto- resolvidas, à espera de novos trabalhos, tal-
res também se projetam no te( encéfalo. O ce- vez o tópico mais oportuno e aberto seja a
rebelo é excepcionalmente grande, não apenas biologia de campo de espécies individuais e o
nos peixes elétricos, mas também nos elas- papel dos g1mnotóides na comunidade.
mobrãnquios, em geral, e em muitos silurói- A julgar pelas amostras coletadas no Ama-
des. Existe uma certa evidência de que isto zonas, utilizando métodos que capturam todos
esteja em conexão com a eletrorrecepção, mas os peixes em várias dezenas de metros cúbi·
as informações são ainda insuficientes. cos de água, membros de grupo podem fre·
Muitos neurônios altamente especializa- qüentemente dominar a ictiofauna. Parece pro-
dos existem nos lobos da linha lateral, no to- váve l que os gimnotóides sejam a principal
rus semicirculares e no cerebelo dos gimno- fonte de alimento para os grandes predadores.
tóides e respondem aos sinais, derivados de Isto merece um estudo quantitativo. Se so-
correntes elétricas e possuidores de padrões marmos os siluróides eletrorreceptivos, embo-
altamente específicos. Por exemplo, um tipo ra não elétricos, abrangendo pelo menos 9 fa-
de neurônio apenas responde à presença de mílias diversificadas na América do Sul e que
um outro peixe elétrico da mesma espécie, representam uns 40% da relação das espécies
com uma taxa do DOE que seja ligeiramente esta idéia parece importante na ecologia total.
maior - não muito - do que a taxa de DOE Um significado prático é que deve valer a
do próprio peixe (Fig. 11) . No cerebelo, cer- pena utilizar-se estes peixes como marcado-
tos neurônios respondem apenas quando a res. Desde que a DOE é contínua noite e dia,
estimulação eletrorreceptiva vem de um obje- (mas com paradas de poucos segundos como
to que esteja se movendo em uma certa dire- sinais em encontros agonísticos), estes ani-
ção na água próxima ao peixe. Assim, parece mais oferecem uma oportunidade única. Um
que eletrolocação e a eletrocomunicação se- amplificador i:ransistonzado portátil e um par
jam servidas por sistemas distintos de anal i- de fios em um bastão permitem que se diga,
sadores centrais que são responsáveis por com um alto grau de segurança, se existe
aspectos diferentes da estimulação do conjun- gimnotóides (ou na Africa, mormirídeos ou
to de receptores na pele. gimnarquídeos) em um certo volume de água
Finalmente é suposto que o sistema da - sem a necessidade de capturar ou mesmo
linha lateral tenha evoluído, entre seus resul- ver o peixe. Pode fazer-se um censo, realizan-
tantes especializados, uma parte na cóclea do~ do-se um trajeto numa profundidade escolhi-
vertebrados superiores. Assim, a pesquisa de da. A ausência de ruídos ou zumbidos é uma
eletrorrecepção oferece uma oportunidade es- evidência fortemente positiva da ausência de
pecial para desenvolver uma abordagem com- qualquer membro desta superfamília. A efi-
parativa ao estudo de nosso próprio ouvido ciênci3 desta técnica é acompanhada pela li-
intetno. incluindo o órgão auditivo. É impres- mitação devida ao rápido declínio na amplitu-
sionante que a sintonia das fibras dos nervos de do campo elétrico com distância num con-
aferentes dos eletrorreceptores tuberosos .em dutor de volume. Na prática, pode geralmente

Aspectos do . . . - 569
detectar-se qualquer gimnotóide numa distâno sons), ao passo que mais de 12 ou 15 espécies
cia de meio metro (um pouco menos para de gimnotóides podem ser, às vezes, coletadas
Sternopygus), usando-se um aparelho de um num espaço de poucos metros .
único canal e eletródios separados por poucos Em vária~ espécies, foram registrados mo-
centímetros. Uma rede de eletródios pode ser vimentos, e. g o migração diurna de água rasa
conveniente para fins especiais. Uma limita- entre plantas, para a água aberta longe da
ção inerente é que, sem coleta de amo5tras, margem em um grande rio, o rio Negro o Maio-
existe geralmente alguma ambigüidade nas es- res movimentos com a inundação sazonal da
pécies e mesmo gêneros. Seis ou sete tipos floresta e eventual dimi nuição do nível da
de DOE podem freqüentemente ser distingui- água (de mais de 10 metros) e retração dos
dos no campo, pelo ouvido (simplesmente habitats aquáticos, podem ser acompanhados
amplificando e convertendo as descargas em oela amostragem de DOEs, talvez ma!s fácil

~~~'/)t' 1111~111/t"''" I" ljll I 1111 I 111 I p1111 ,,,,,~ 11 ~llllljll' ~~~~~~VJ~
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receptores
o tempo 100ms O 100ms
" "
Fig. 11 - Proces~amento nervoso central da estimulação do eletrorreceptor. O diagrama mostra os componentes
de um esquema dos passos sucessivos na Res;>osta de Esquiva Saltando (RES) em Eigenmannia. A descarga do
órgão elétrico (DOE) é comandada pelo núcleo marca-passo (MP) fisiologicamente uma única unida Ie. O estímulo
inicia a descarga de um vizinho. Eigenmannia de uma freqüência ligeiramente diferente, causando batime•ltOs. Es-
tas são de forma assimétrica porque a DOE não é sinusoidal; esta assimetria é esl;encial para a c':lpácldade dos neu-
rônios de distinguir corretamente entre +L:. F e -L:,. F, i. e. se a freqüência do vizinho é mais alta ou maia baixa e
portanto a RES deve aumentar ou baixar. Os pequenos círculos representam tipos de neurônios geralmente encon-
trados nos níveis do sistema nervoso indicado (lob. lat. - lobus lateralis do bulbo; torus =
torus semicircularis
do mesencéfalo). Outros tipos estão sem dúvida envolvi dos também e a figura mostr:l apenas uma metade do es-
quema . As fibras aferentes periféricas do tipo P têm uma maior probabilidade de disparar uma vez cada ciclo de
DOE numa certa pêlrte do ciclo de batimento. !:sta parte é diferente para +L:,. F e -L:. F f'm uma subclassl!, as uni-
d3des Pc· mas Pão é diferente em outr:J subclasse, as unidades Ps• como mostrado no histogramn de su• taxa de
d~scarga . A convergência destes no torus explica a capacidade das unidades L:.Fp de nssinalar o sinal do AF e
controlar a direção de deslocamento d~ MP. (de Sche1ch & Bullock, 1974).

570- Bullock et alo


ou extensamente do que por métodos tradicio- vasto número tanto de espécies quanto de in-
nais. Tanto os movimentos microgeográficos divíduos. Muitas espécies comercialmente
- até centímetros, quanto a distribuição m!l- importantes são siluroides.
crogeográfica apresentam oportunidades de As oportunidades para pesquisas desses
solução pela amostragem da população elétri- grupos são certamente muito diferentes da-
ca. Parece pcssível que conjuntos particulares quelas de grupos que possuem descarga de
de espécies, incluindo plantas e peixes maio- órgão elétrico . Os estudos referentes ao pa-
res, possam viver juntos, mas podem não ser pel da eletrorrecepção na etologia de alguns
constatáveis sem amostragem por captura. O dos diversos "catfishes" são importantes para
conjunto de gimnotóides pode ser marcador a compreensão do seu significado ecológico.
para a grande comunidade; eles podem ser re-
conhecrdos por amostragem eletrônica, mesmo
que alguma ambiguidade relativa as espécies AGRADECIMENTOS
possa permanecer no campo.
Os numerosos gêneros e espécies de gim- A colaboração dos autores neste trabalho
notórdes, sem dúvida, incluem generalistas e foi ajudada pelo Conselho Nacional do Desen-
especialistas, e. g. em hábitos alimentares, volvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
em exigênc ias ecológicas e biologia da repro- a Universidade Federal de Minas Gerais, a
dução. Em vista das razões já mencionadas Deutsche Forschungsgemeinschaft, a Technis-
para o valor especial da me lhor compreensão che Hochschule, Darmstadt, a Universidade de
deste grupo, é altamente desejável aprenoer- Gõttingen, a Universidade da Califórnia, San
se mais sobre as características destas espé- Diego, à Fundação Nacional de Ciências e o
cies. em estudo correlacionado de campo e Instituto 1\lacional de Saúde, E.U .A .. Os auto-
laboratório. Alguns passos já foram dados res expressam seu agradecimento especial ao
com a bem sucedida reprodução de Eigenman- Dr. Warwick Kerr e ao pessoal do Ins tituto
nia viresnces em laboratório (Kirschbaum. Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus,
1975), com a análise de conteúdo estomacal especialmente aqueles do Departamento de
de uns poucos gimnotóides (Knõppel, 1970) e !etiologia, pela hospitalidade extremamente
com os minuciosos estudos de campo de al- proveitosa.
gumas poucas espécies (Hopkins, 1974 a,b,c;
Schwassmann, 1971 ; Heiligenberg & Bastian,
SUMMARY
1977 e Hopkins & Heiligenberg, 1977).
No que concerne ao grande subgrupo de An overview of the families. genera and some
peixes eletrorreceptivos que não são elétricos, species of the Gymnotoidei is presented with a re-
o significado ecológico deve ser enorme. Em- view of their behaviour and natural history. Charac-
pregando apenas receptores sensíveis à baixa teristics of the electric organs and electric organ dis-
charge (EOD) for various species are presented. The
frequêncra, tanto quanto sabemos, eles ope-
1 oi e o f EOD on the animal's life ls discussed, espe-
ram principalmente de modo passivo, detec- cially as it relates tJ behaviour and other cvents. Elec-
tando fontes de correntes estranhas, como a troreception, its speci al sense organs and brain-pro-
presa. Outras fontes podem ser normalmente cessing, including use by non-electric fish ls discussed.
importantes, incluindo o próprio corpo do pei- The results of these studres are interpreted in terms of
xe receptor. Estamos falando aqui de vários thelr praticai and ecological slgnlflcance In the llfe of
thls group of flsh .
grupos não relacionados, alguns ainda rncer-
tos, mas principalmente de alasmobrânquios e
siluróides. BIBLIOGRAFIA
Na América do Sul, a raia de água doce é
localmente abundante e uma grande praga ALTAMffiANO, M .; COATES, C.W.; ÚRUNDFEST, H. &
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Aspectos do ..• - 571


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572- Bullock et al.

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