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Ensaio Iconográfico Palácio GAS et al.

ARTEFATOS EM RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DO ABDOME:


ENSAIO ICONOGRÁFICO*
Glaucia Andrade e Silva Palácio1, Viviane Vieira Francisco2, Cristiane Lima Abbehusen1,
Dario Ariel Tiferes3, Giuseppe D’Ippolito4, Jacob Szejnfeld5

INTRODUÇÃO * Trabalho realizado no Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal


de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), São Paulo, SP.
1. Pós-graduandas do Departamento de Diagnóstico porImagem da Unifesp-EPM.
Como outros métodos de 2. Médica Residente do Departamento de Diagnósticopor Imagem da Unifesp-
EPM.
diagnóstico por imagem, a 3. Médico do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Unifesp-EPM.
ressonância magnética (RM) 4. Professor Adjunto do Departamento de Diagnósticopor Imagem da Unifesp-
está sujeita a inúmeros tipos de EPM.
5. Chefe do Departamento de Diagnóstico por Imagemda Unifesp-EPM.
artefatos que podem Endereço para correspondência: Dra. Glaucia Andrade e Silva Palácio. Rua Napoleão de
comprometer a qualidade das Barros, 920, apto. 61. São Paulo, SP, 04024-002. E-mail: gl.palacio@bol.com.br
imagens e interferir na sua Recebido para publicação em 10/1/2002. Aceito, após revisão, em 24/2/2002.

interpretação. Por isso, é mente codificadas e aparecem truncamento da transformada de Fourier.


necessário reconhecer os “dobradas” e em cima da estrutura São observados nas interfaces de
artefatos e diferenciá-los de examinada, sobrepondo-se a esta última estruturas com alto contraste entre si e
variantes anatômicas e de (Figuras 1 e 2). Este artefato pode ser aparecem como uma série de bandas, ou
processos patológicos. Os suprimido tornando-se o FOV linhas, alternadas, de hipo e hipersinal,
artefatos podem resultar tanto suficientemente grande para incluir toda paralelas à interface entre os tecidos de
da aquisição e manipulação a área a ser estudada(1–4). sinal muito diferente. Tal efeito é
dos dados quanto de Existem outras maneiras para reduzir acentuado quando se utiliza matriz com
características inerentes ao os efeitos deste artefato. Uma é a pixels muito espessos (128 × 128), e na
paciente. utilização de bobinas de superfície que prática é mais freqüentemente observado
Neste artigo apresentaremos excluem o sinal da área do paciente que no sentido da codificação de fase(1,4).
os principais artefatos na RM apresenta o artefato. Outros artifícios são A sua prevenção consiste no uso de
o uso de pulsos de pré-saturação, que
do abdome, realizando um matriz mais fina, com elevada resolução
suprimem o sinal de partes do paciente
breve comentário das suas espacial e métodos de filtragens
situadas fora do campo de visão, e a
causas, efeitos no diagnóstico, utilização de filtros para remover as matemáticas da imagem, que alguns
e a forma de eliminá-los ou freqüências fora da faixa(1–4). equipamentos dispõem e que diminuem
minimizá-los. Proporemos as oscilações originárias do artefato
também uma classificação, 2 – Artefato de “truncamento” (filtros de Haning)(1,4).
com o intuito de caracterizá-los ou de “truncagem” (em inglês,
e reconhecê-los. “truncation”)(1,4) 3 – Artefato em “zebra” (em inglês,
“zebra stripes”)(1,4)
Este artefato tem aspecto semelhante
ARTEFATOS Estes artefatos podem ser vistos na
ao artefato de movimento, mas não tem
RELACIONADOS AO relação com este, e ocorre devido a erros periferia de imagens gradiente-eco
MÉTODO de quando há

1 – Artefato de
“retroprojeção” ou
“dobradura” (em inglês,
“aliasing” ou “wraparound”
ou “fold-over”)(1–4)

Este artefato ocorre quando


uma ou mais dimensões do
objeto de estudo são maiores
do que o campo de visão
(FOV) para aquela imagem.
Dessa forma, as regiões fora do
campo de visão são erronea-

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Artefatos em ressonância magnética do abdome: ensaio iconográfico

Figura 1. Artefato de retroprojeção. Seqüência gradiente-eco T1 com contraste. A


imagem da parede abdominal anterior aparece “dobrada”.

A B
Figura 2. Artefato de retroprojeção (A). Observar a redução do artefato sobre o parênquima hepático na imagem B, obtida
com campo de visão maior.
uma transição abrupta na 4 – Artefato de deslocamento nos contornos entre os órgãos
magnetização da transição da químico (em inglês, e o tecido adiposo circundante.
interface ar-tecido. Soluções “chemical shift”)(1,2,5,6) Este artefato é chamado de
para minimizá-lo incluem “chemical shift
Este artefato é devido às
expandir o FOV e utilizar misregistration”. Um segundo
diferentes freqüências de
seqüências spin-eco(1,4). efeito, chamado de “chemical
ressonância da água e da
shift phase cancelation”,
gordura. Ocorre, na imagem,
ocorre porque os componentes
um deslocamento ao longo da
espectrais dentro do voxel
interface lipídico-aquosa, que
podem somar-se de forma
aparece como linhas
construtiva (em fase) ou
hipointensas e hiperintensas

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destrutiva (fora de fase). lembrado que o artefato por magnética positiva e aumenta
Resulta numa delineação cancelamento de fase pode ser o campo magnético resultante,
escura dos tecidos nas útil na detecção de gordura sendo chamada de
seqüências fora de fase (Figura microscópica, como, por paramagnética. No segundo
3). A água e a gordura estão exemplo, na caracterização de caso, tem suscetibilidade
fora de fase quando o TE é um adenomas da glândula adrenal magnética negativa e
múltiplo ímpar de 2,3 ms, e (Figura 4) e para a detecção de enfraquece o campo
para os múltiplos pares, estão infiltração gordurosa magnético resultante, sendo
em fase. Ocorrem em ambos hepática(1,2,5,6) (Figuras 5 e 6). chamada de diamagnética. As
os eixos, de fase e de substâncias com forte
freqüência, e exclusivamente suscetibilidade magnética
ARTEFATOS
em seqüências gradiente- INERENTES AO positiva são chamadas de
eco(1,6). PACIENTE superparamagnéticas,
Estes artefatos podem ser ferromagnéticas, ou
minimizados realizando-se 1 – Artefatos de ferrimagnéticas(1,4).
imagens em equipamentos suscetibilidade O artefato de
com campo magnético de magnética(1,4,5) suscetibilidade magnética é
menor intensidade, comumente encontrado na
A suscetibilidade presença de ar, metal, cálcio
aumentando a largura de
magnética de um tecido ou meio de contraste gadolínio
banda, reduzindo o tamanho
traduz a sua capacidade em concentrado, e aparece como
do voxel, e empregando
adquirir magnetização hipointensidade focal de sinal
seqüências de pulso
própria quando ele é envolvida por um halo
específicas, como, por
submetido a um campo hiperintenso, podendo estar
exemplo, a seqüência STIR
magnético. A magnetiza- associada a distorção da
(“short time inversion Palácio GAS et al.
recovery”). Reduzir o anatomia dos tecidos
tamanho do voxel também circunjacentes. Este último
ajuda a minimizar os artefatos sinal é mais acentuado na
por cancelamento de fase, pois presença de metais
ção adquirida pode ser
com o voxel menor reduz-se a ferromagnéticos(5).
concordante (paralela) ou
Para reduzir estes artefatos,

A B
Figura 3. Artefato “chemical shift”. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Observar o hipossinal na margem dos órgãos na seqüência fora de fase.
probabilidade de que um dado discordante (antiparalela) ao pode ser empregado voxel
voxel contenha tanto prótons campo magnético externo. No menor, tempo de eco mais
de água quanto de gordura. primeiro caso, diz-se que a curto, largura de banda maior,
Por outro lado, deve ser substância tem suscetibilidade e até

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A B
Figura 4. Adenomas nas glândulas adrenais. Nódulos com hipossinal na seqüência T1 em fase (A) e redução do sinal na
seqüência fora de fase (B).

A B
Figura 5. Esteatose hepática difusa. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Observar a redução difusa do sinal do
parênquima hepático na seqüência fora de fase.
A B
Figura 6. Esteatose hepatica focal. Seqüências em fase (A) e fora de fase (B). Caracteriza-se imagem de configuração nodular
adjecente à veia cava, que apre-

senta redução do sinal na seqüência 2 – Artefatos de O primeiro efeito (“view-


fora de fase.
movimento(1–5,7,8) to-view”) decorre da
movimentação que ocorre
São os mais freqüentes
mesmo realizar o exame em durante a aquisição de níveis
artefatos de imagens de RM e
equipamento com campo de codificação de fase, e leva a
se manifestam como
magnético de menor uma reconstrução da imagem
fantasmas (“ghost”) ou
intensidade. Tais artefatos são ao longo do eixo de fase.
borrões (“blurring”) nas
mais proeminentes nas Quando o movimento é
imagens. Os artefatos de
seqüências gradiente-eco e periódico, isto é, ocorre de
movimentação resultam
eco-planar (Figura 7)(1,4,5). maneira regular, o resultado é
principalmente de dois efeitos:
completa ou incompleta
“view-to-view” e “within-
replicação dos tecidos em
view”.
movimento, sendo comumente
chamado de artefato fantasma.

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É observado ao longo da abdome podem ser cardíacos transmitidos para
direção da codificação da fase agrupadas nas seguintes o abdome superior.
da imagem e independe da técnicas: a) aquelas que – Sincronização
direção do movimento. tentam reduzir os artefatos respiratória: Os dadossão
Movimentos fisiológicos que de movimento por correção coletados apenas durante
comumente resultam em quanto ao ruído na imagem; uma porção do ciclo
artefatos fantasmas incluem b) reduzindo a respiratório, geralmente
movimentos respiratórios movimentação “tomada a próximo ao final da
(Figura 8) e de pulsação tomada”, isto é, que ocorre expiração, quando o
vascular (Figura 9)(1–5,7,8). entre os pulsos de 90 graus; movimento é mínimo. Esta
O segundo efeito (“within- c) reduzindo a técnica apresenta a
view”) decorre da movimentação que ocorre desvantagem de prolongar
movimentação entre o tempo entre a aplicação do pulso o tempo de exame em duas
de excitação da de 90 graus e a coleta de a quatro vezes (Figuras 8A
radiofreqüência e a coleta do dados(1–5,7,8). e 8B).
eco, resultando em perda de – Codificação de fase
coerência de fase entre a a) Reduzindo a média dos ordenada (“res-piratory
população de spins em sinais ordered phase encoding”):
movimento no tempo de Esta técnica consiste em Nesta
formação do eco. Esta Palácio GAS et al.
reduzir a média dos sinais,

A B
Figura 7. Artefato de suscetibilidade magnética devido à presença de sutura metálica na pelve. Seqüência FSE T2 (A) e seqüência gradiente-eco T1 (B). Observar a
acentuação do artefato na seqüência gradiente-eco.
incoerência se manifesta como pois considera os artefatos
borrões e aumento do ruído na de movimento como ruído.
imagem. Este efeito é expresso Com a sua uti-
por toda a imagem e ocorre na lização, o tempo médio de técnica os dados são coletados
direção do movimento, aquisição do exame é dobrado de forma contínua, onde são
diferentemente do tipo para cada média de sinal. codificados os dados
fantasma. É mais periféricos durante o
freqüentemente associado com b) Reduzindo o movimento
movimento máximo, e os
movimentos randomizados, “tomadaa tomada”
dados centrais durante o
como, por exemplo, – Sincronização movimento mínimo (Figuras
peristaltismo gastrintestinal, cardíaca 8C e 8D).
deglutição, tosse e (“gatting”):Embora
movimentos grosseiros do funcione bem para a c) Anulação do momento
paciente(1–5,7,8). obtenção de imagens gradiente(“gradient
específicas do coração, não moment nuling”)
As estratégias para se
obter redução dos artefatos é tão eficaz na redução dos Serve para anular os
de movimento nas RM do artefatos de movimentos artefatos que ocorrem por
movimentos aleatórios entre o

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Artefatos em ressonância magnética do abdome: ensaio iconográfico

pulso de radiofreqüência de 90 sangue, que ocorre, por forma do vaso, mas não
graus e a coleta de dados. exemplo, em seqüências com necessariamente da
Outros métodos para TE curto ou gradiente-eco, ou intensidade do sinal (Figura 9).
reduzir artefatos respiratórios após a injeção endovenosa de Podem ser reduzidos, também,
consistem no uso de faixas de gadolínio, por encurtamento usando pulsos de pré-saturação
restrição abdominal, técnicas do T1. Para TE muito curtos e anulação do momento
em apnéia e utilização de pode haver efeito paradoxal e gradiente. Outra estratégia
seqüências ultra-rápidas. redução de artefatos consiste em mudança de fase,
Pulsação vascular gera pósgadolínio. Estes artefatos projetando o artefato de fluxo
artefatos fantasmas. Estes são reconhecidos pelo seu sobre uma região anatômica
artefatos ocorrem mais alinhamento com o vaso de fora do enfoque do estudo(1,4,5).
comumente nas artérias, origem ao longo do eixo de Movimentos peristálticos
particularmente na aorta. Eles codificação de fase da freqüentemente causam
também aumentam com a imagem, assim como a borrões nas imagens e arte-
intensidade do sinal do reprodução do tamanho e
C D
Figura 8. Artefatos de movimentos respiratórios. Seqüência TSE sem sincronizador respiratório (A), seqüência TSE com
sincronizador respiratório (B), seqüência TSE sem codificação de fase ordenada (C), seqüência TSE com codificação de
fase ordenada (D). Observar a redução dos artefatos nas seqüências realizadas com sincronizador respiratório (B) e com
codificação de fase ordenada (D).
Figura 9. Artefatos de pulsação vascular produzidos pela aorta (A) e pela veia cava inferior (B) apresentam-se alinhados com
os vasos de origem. A: Seqüência

gradiente-eco T1. B: Seqüência TSE-T2. usadas. Técnicas como Movimentos grosseiros do


redução da média dos sinais e paciente podem ser reduzidos
anulação do momento se conseguirmos diminuir sua
fatos fantasmas. Estes gradiente também podem ser ansiedade, o desconforto físico
artefatos aumentam quando a úteis. E, finalmente, a e o tempo prolongado de
luz do trato gastrintestinal administração de meio de exame. A utilização de
contém material que produz contraste oral (agentes de distração audiovisual, técnicas
elevado hipersinal. Drogas contraste negativos), que de relaxamento e, menos

A B
anticolinérgicas (por exemplo, diminui a intensidade de sinal freqüentemente, hipnose tem
glucagon e butilescopolamina) do trato gastrintestinal, pode obtido sucesso. Em situações
reduzem a freqüência e a também reduzir estes extremas, medidas
amplitude dos movimentos artefatos(8). farmacológicas na forma de
peristálticos e devem ser sedativos, analgésicos e

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A B

ansiolíticos podem se tornar


necessárias(7).

CONCLUSÃO

Os artefatos de RM podem
ser evitados ou corrigidos à
medida que o radiologista
familiariza-se com os tipos
mais comuns. Um
entendimento das causas de
tais artefatos permitirá fazer
alterações racionais nas
técnicas de imagem, para
eliminá-los ou reduzi-los.
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