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IPO’s: retrospectiva histórica

por Murilo Marchioni

Artigo de Valor
Prometheus Asset Management Jr.
IPO’s: retrospectiva histórica

Sobre o artigo
O presente artigo tem por objetivo realizar uma análise histórica no lançamento de
IPO’s na bolsa brasileira, ao menos no período que vai de 2007 a 2020. Pretendo nessa
análise mostrar quais são os fatores que impulsionam o lançamento de novas ofertas
públicas de ações, bem como mostrar que no momento em que escrevo este texto,
vivemos um período de “boom” de IPO’s. Por fim, traçarei paralelos entre os IPO’s da
bolsa brasileira e da bolsa estadunidense em 2020.

O que é um IPO?
Initial Public Offering – o processo de abertura de capital
Oferta pública inicial (do inglês initial public offering – IPO) é o processo pelo qual
ativos começam a ser comercializados no mercado de capitais. Para empresas, o IPO
significa a abertura de capital, ou seja, a distribuição de suas ações na bolsa de valores
pela primeira vez, seja no mercado primário ou secundário.
De maneira geral, empresas de capital fechado são companhias limitadas. Ao abrir
seu capital, essas empresas ganham novos acionistas, de forma que seu controle se
torna mais diluído.

Por que uma empresa abre seu capital?


O principal motivo pelo qual empresas fazem o processo de IPO é a captação própria
de recursos, conseguida a partir da venda de ações no mercado primário, no qual todo o
dinheiro da venda é convertido em caixa para a companhia.
Além disso, a abertura de capital é, de certa forma, um sinal de qualidade da empresa,
que é submetida a diversos processos e auditorias antes de começar a negociar suas
ações. Portanto, a abertura de capital aumenta a credibilidade de uma companhia, o
que pode ajudá-la a captar dívida a custos mais baixos e atrair melhores profissionais
para cargos de importância.

IPO’s no Brasil em 2020


Um 2020 fora de série
Ao final de 2019, um ano com somente 5 IPO’s na B3 (Brasil, Bolsa, Balcão), as
expectativas para a bolsa brasileira em 2020 eram positivas. O Ibovespa se aproximava
dos 120 mil pontos, o Brasil parecia retomar o caminho do crescimento econômico e um
certo clima de confiança reinava, ainda que alguns apontassem a bolsa um pouco
esticada.

2.
IPO’s: retrospectiva histórica

Os primeiros meses de 2020 foram positivos, mas o que se viu a partir março foi algo
sem precedentes. O restante do ano foi totalmente atípico. Vivemos momentos de
muitas incertezas não só na bolsa de valores, mas na economia como um todo. Uma
crise sanitária que atingiu tudo e todos gerou, ao redor do mundo, graves problemas
econômicos, que mobilizaram bancos centrais dos principais países e blocos do mundo
para gerar liquidez e “salvar” a economia.
Após uma forte queda, a bolsa passou o ano se recuperando, finalmente alcançando
patamares pré-crise no mês de dezembro. Um movimento curioso é que, mesmo com
todos os problemas, o mercado de IPO’s no Brasil não ficou parado. Como pode ser visto
na figura 1, esse ano tivemos a maior captação de empresas por meio de IPO’s,
superando por larga margem o ano de 2007, ano em que 64 empresas abriram capital
na B3 (contra somente 28 em 2020).

Figura 1 – Volume de capitalização e número de IPO’s

140 70
Bilhões

64
120 117 60

100 50

80 40

60 56 30
28

40 20

20 10

0 0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Capitalização total R$ Nº de IPO's


Fonte: B3

Fica claro pela figura acima que o ano de 2007 se destaca na primeira década do
século, ao passo que 2020 se destaca na década atual. Visto isso, devemos agora
explorar os pontos que esses dois anos têm em comum, em busca de esclarecer a
grande dúvida que esse artigo se propõe a responder: o que motiva um aumento no
fluxo de empresas realizando IPO?

O que explica esse movimento?


Um primeiro e talvez mais imediato fato que justifica esse movimento no ano de 2020
é a taxa de juros atingindo patamares mínimos históricos, como pode ser visto na figura
2.

3.
IPO’s: retrospectiva histórica

Figura 2 – Evolução da taxa selic


16,00%

14,00%

12,00%

10,00%

8,00%

6,00%

4,00%
2,00%
2,00%

0,00%

Meta para taxa Selic


Fonte: Banco Central do Brasil

Com uma taxa SELIC a 2% e sem perspectiva de aumento relevante no curto/médio


prazo, o investimento em bolsa passa a oferecer uma relação risco/retorno mais
atraente do que a renda fixa tradicional, que dificilmente consegue bater a inflação
acumulada no ano, fazendo com que muitos investidores migrem para a bolsa.
Vale ressaltar que o movimento de migração é percebido tanto em pessoas físicas,
que têm cada vez em maior número entrado na bolsa (figura 3), quanto por parte de
investidores institucionais, responsáveis por mais de 50% do volume de capital captado
em IPO’S, deixando os investidores estrangeiros com menos de 30% das ofertas e o
investidor de varejo com menos de 10% (figura 4).

Figura 3 – Pessoas físicas cadastradas na bolsa Figura 4 – Distribuição do capital levantado em IPO’s

3,5 80%
Milhões

3 70%
2,5 60%
50%
2
40%
1,5
30%
1 20%
0,5 10%
0 0%
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2007 2017 2019 2020

Nº de CPF's na bolsa Varejo Institucional Estrangeiro Outros

Fontes: B3, XP Investimentos Fonte: B3

4.
IPO’s: retrospectiva histórica

Repare que em 2007 a situação foi bem diferente, com os estrangeiros dominando as
ofertas. De fato, faz sentido esse número estar diferente hoje. Veja, com a crise causada
pelo coronavírus, investidores buscaram moedas fortes para se proteger, como o dólar, por
exemplo. O que vimos foi um grande volume de saída de dólares do Brasil, e não por
coincidência o câmbio chegou próximo da cotação de R$6,00 a cada US$. Com a
recuperação gradual das economias mundiais e as boas expectativas de vacinas, os
investidores voltaram a tomar riscos em países emergentes, cujas moedas ficaram
desvalorizadas em relação ao dólar. O real brasileiro é uma dessas moedas. Por esse
motivo o fluxo de dólares entrando na B3 aumentou nas últimas semanas de 2020,
pressionando o câmbio para baixo.
Soma-se aos juros baixos a grande liquidez mundial proporcionada pelos bancos
centrais, principalmente pelo FED e pelo BCE, que inflaram seus balanços e afetaram a
forma como todo o mundo lida com o dinheiro. Juntando essa liquidez com a maior
demanda pela bolsa, tem-se como resultado uma onda de IPO’s acelerada por uma forte
recuperação de mercado, onde investidores estão mais propensos a aceitar valuations
mais esticados e, portanto, os olhos dos empreendedores brilham mais forte para entrar
na bolsa nesse momento.
Aqui finalmente chegamos em um ponto importante que merece uma certa reflexão.
Investidores, na euforia de uma série de IPO’s aparentemente atraentes, aceitam
valuations mais esticados por parte dos banqueiros coordenadores das ofertas. Uma vez
que as ofertas são lançadas e negociadas por um tempo, o mercado percebe que talvez o
preço pago não esteja em linha com a capacidade de geração de caixa das empresas e
começam a se desfazer de suas posições. Tal enredo pode ser verificado na rentabilidade
mediana dos papéis após o início das negociações. Se tomadas uma a uma, as 28 ações
que passaram pelo processo de IPO oferecem um retorno médio até o dia 23/12/2020 de
16%, retorno muito distorcido por uma ação em específico, a LWSA3, que acumula alta de
263,79%. Olhando para o retorno mediano, ficamos em somente 1%, com 14 ações no
negativo e outras 14 no positivo.
Consolidando o pensamento, tivemos uma evidente mistura de maior liquidez e alta
demanda na bolsa em 2020, e por isso qualquer oferta lançada era aceita pelos
investidores, mesmo com um preço mais esticado do que o normal, o que ajuda a explicar
o alto volume de captação dos IPO’s desse ano, mesmo em menor número de ofertas do
que em 2007.
Mas quais são as semelhanças entre o cenário de 2007 e 2020? Em 2007 também
víamos um mercado muito mais líquido no âmbito global, cercado de otimismo e que
atraia mais investidores de grande porte para a bolsa de valores. As semelhanças são
simples e evidentes, e nos ajudam a entender que o otimismo do mercado e a maior
demanda na bolsa são fatores que influenciam diretamente no lançamento de novas
ofertas.

Toda euforia é sucedida por uma queda?


Como se esquecer da queda de 2008 que sucedeu o até então mágico ano de 2007? Ou
ainda pior, como não pensar na bolha das “.com” no final do século passado? Segundo
dados da B3, o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, fechou o ano de 2008 com
uma queda acumulada de 41,22%, após uma alta de 43,65% em 2007. Por sua vez, o índice
MSCI Brasil acumulou, em dólares, uma queda de 58% no período posterior a 2007.
Devemos nos preocupar para 2021? 5.
IPO’s: retrospectiva histórica

dados da B3, o principal índice da bolsa brasileira, o Ibovespa, fechou o ano de 2008 com
uma queda acumulada de 41,22%, após uma alta de 43,65% em 2007. Por sua vez, o índice
MSCI Brasil acumulou, em dólares, uma queda de 58% no período posterior a 2007.
Devemos nos preocupar para 2021?
Como pode ser notado, evidências históricas sugerem um período de ressaca pós
euforia, e isso de fato pode acontecer no ano que vem. No entanto, apresentarei alguns
pontos que, ao meu ver, sustentam a tese de um mercado acionário seguindo em alta
para o ano que logo se iniciará.
Em primeiro lugar, o Brasil ainda possui um mercado de ações pouco desenvolvido em
termos de número de empresas listadas, o que nos leva a crer que mais empresas abrindo
capital num ritmo relativamente intenso pode ser saudável por mais alguns anos. Vale
lembrar que já chegamos a ter cerca de 550 empresas listadas no Brasil, número que hoje
não chega nem a 450.
Ademais, devemos refletir sobre toda a liquidez injetada na economia. Se olharmos o
volume médio de transações diárias na B3 (figura 5), percebemos que desde 2017 o
aumento acontece em um ritmo forte, o que não foi visto em 2007. Todo o dinheiro
injetado na economia global não vai simplesmente desaparecer de um ano para outro, o
que nos induz a pensar que esses níveis de volume podem se sustentar por mais algum
tempo antes de diminuir.

Figura 5 – Volume médio de negociações diárias na B3

30 29
Bilhões

25

20

15

10

5
5

Volume médio de negociações diárias na B3 [BRL]


Fontes: B3, XP Investimentos

Por fim, mas não menos importante, vemos que a alocação em bolsa por parte dos
investidores institucionais e estrangeiros ainda está abaixo do que pode ser dado o fraco
cenário de renda fixa que vemos hoje no país. Isso fica explicito na figura 6, que compara
o patrimônio líquido total de fundos de investimentos com a alocação média dos fundos
em ações.

6.
IPO’s: retrospectiva histórica

Figura 6 – Patrimônio líquido de fundos e alocações em ações


6.000 25,00%

Bilhões
5.000
20,00%

4.000
15,00%

3.000

10,00%
2.000

5,00%
1.000

0 0,00%
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Patrimônio líquido total Alocação em ações (%)


Fonte: XP Investimentos

Um estudo publicado pela XP Investimentos aponta que, com a taxa de juros em 2%


a.a, a alocação em ações por parte dos fundos deveria ser da ordem de 25% para
conseguir retornos de CDI + 2-3%.
Após os dados apresentados, ainda que os cenários passados guardem certas
semelhanças com o atual - não à toa estamos novamente vivendo uma elevação no
número de IPO’s -, podemos perceber que algumas diferenças são bastante
consideráveis. Tudo me leva a acreditar que a entrada de novas empresas na bolsa
atualmente não é tão problemática quanto foi no passado, e talvez os investidores
precisem se acostumar com a ideia de ter mais empresas abrindo seu capital pelos
próximos tempos.
Inegavelmente, as incertezas relacionadas ao coronavírus ainda existem e podem
fazer com que alguns empresários desistam do IPO, mas a fila de empresas que
aguardam a autorização da CVM para abrir seu capital é grande – 43 ofertas primárias e
36 secundárias em análise -, e nos mostra que, de maneira geral, os empresários estão
confiantes com o momento da bolsa brasileira e querem aproveitar essa nova janela
que foi aberta esse ano.
Como nem tudo são flores, devo fazer uma ressalva. Quanto mais IPO’s forem
lançados e investidores migrarem para a bolsa, mais esticados tendem a ficar as
ofertas. Isso é de certa forma natural. No entanto, preços mais elevados mostram-se
perigosos para os investidores, que precisarão ponderar e estudar cada vez mais antes
de entrar em determinada oferta.

7.
IPO’s: retrospectiva histórica

Situação no mercado dos EUA


Fluxo recorde de captação também foi visto por lá
O mercado de IPO’s nos EUA também captou muito em 2020, com uma diferença
muito singular em relação ao brasileiro: por lá, várias ações valorizaram muito nos
primeiros dias de negociação. Como exemplos mais recentes, temos a abertura de
capital do Airbnb, cuja valorização no primeiro dia de negociação chegou a quase 115%.
Como exemplo mais geral, tomamos o índice Renaissance IPO index, que simula uma
carteira formada por ações de empresas que recentemente abriram capital. Enquanto o
índice S&P500 conseguiu se recuperar e fechar o pregão do dia 22/12/2020 com uma
valorização acumulada de 16,19% no ano, o Renaissance IPO fechou o mesmo pregão
com um ganho acumulado no ano de 127,49%, mostrando a força que os IPO’s tiveram
frente a ações de empresas que estão a mais tempo no mercado.

O peso das empresas Tech no processo


Um fato que preocupa os investidores é a lembrança dos anos 1999/2000 com a bolha
de empresas de tecnologia e telecomunicações. A composição do índice Renaissance IPO
conta com mais de 50% das ações de empresas de tecnologia, mostrando a força que
esse setor teve em aberturas de capital esse ano.
A valorização do setor é explicada pela aceleração de processos de digitalização vistos
ao redor do mundo com a pandemia. Pessoas passaram a utilizar e confiar mais em
soluções tecnológicas para trabalhar, estudar e se comunicar diariamente, fazendo com
que naturalmente os lucros das empresas aumentassem, levando junto o seu valor para
novos patamares. Junta-se a isso os baixíssimos juros definidos pelo FED para os bonds
americanos e temos, novamente, um ambiente propício a maior tomada de risco em
busca de melhores retornos e claro, preços mais esticados.
Segundo uma reportagem do The Wall Street Journal, mais de 235 empresas abriram
capital nos Estados Unidos em 2020, e mais de 80% das empresas estão inseridas em
três setores: saúde, tecnologia e as chamadas blank check companies. Esse é o maior
nível de concentração desde 2007, o que também preocupa os investidores mais
experientes.
Não é o objetivo desse artigo fazer previsões sobre um possível estouro de bolha nos
próximos anos, mas é inevitável notar algumas semelhanças do movimento atual com o
ano de 1999. Um ponto de muita diferença, no entanto, deve ser levantado. As empresas
dos dias de hoje possuem uma capacidade de geração de caixa maior do que a vista no
final do século passado, argumento bastante usado por alguns investidores para afastar
preocupações.
Além disso, em 1999/2000 víamos uma quantidade significativamente maior de IPO’s
saindo acima do teto da faixa de preço estimado para as ações (figura 7) e com retornos
mais expressivos no primeiro dia de negociação (figura 8).

8.
IPO’s: retrospectiva histórica

Figura 7 – Percentual de ações que saíram Figura 8 – Retorno médio do primeiro dia de
acima do teto negociação das novas ações da bolsa
70% 65% 80%
61%
60% 70%
50% 60%
50%
40% 32%
40%
30%
30%
20% 20%
10% 10%
0% 0%
IPO Retorno médio do primeiro dia de
negociação

% IPO's acima do teto de preço 1999 2000 2020*

Fonte: The Wall Street Journal Fonte: The Wall Street Journal

Conclusão
Os IPO’s vão continuar?
Quando algo parece muito óbvio no mercado de capitais, geralmente estamos
deixando passar algum detalhe que pode fazer toda a diferença. Eu diria que é
praticamente impossível fazer previsões certeiras sobre o rumo dos mercados nos
próximos anos, ainda mais depois de tudo o que vivemos em 2020.
No entanto, espero com esse texto ter demonstrado alguns fatores que ajudam a
entender o atual cenário de alta no número de IPO’s, assim como semelhanças entre
diferentes épocas positivas e negativas com os dias de hoje.
Algo que acredito ser importante extrair desse texto é que não podemos nos deixar
levar por momentos de euforia somente pelo “medo de ficar de fora da festa”. Em
momentos como o que vivemos, certamente muitas oportunidades aparecem e vão
continuar aparecendo, mas devemos manter um pé atrás e ponderar muito antes de
entrar em qualquer oferta, afinal, nada melhor que o mercado para surpreender aqueles
que se acham muito espertos.

Murilo Marchioni é estudante de engenharia mecânica na POLI-USP e analista


da Prometheus Asset Management Jr.

9.

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