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Laranja Mecânica: usos políticos da música de Beethoven e Brahms

Cristiano Paixão

Fonte:
PAIXÃO, Cristiano. Laranja Mecânica: usos políticos da música de Beethoven e Brahms. In:
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. (Org.). Direito e psicanálise -- interseções a partir de
Laranja Mecânica, de Anthony Burgess. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 53-70.

Obra que se tornou um clássico contemporâneo em duas formas artísticas – a


literatura e o cinema –, “Laranja Mecânica” permite várias interpretações que apontam
para as relações entre arte, política e subjetividade. A presente contribuição terá como
objeto central a música e suas implicações. A partir da relação entre o protagonista Alex
e algumas obras da tradição da música de concerto, particularmente a Nona Sinfonia de
Beethoven, serão abordadas questões relacionadas aos usos políticos de obras musicais.
O mesmo percurso será utilizado em relação a outra narrativa literária, o conto “Deutsches
Requiem”, de Jorge Luis Borges1.

1. Alex Le Grand e Otto Dietrich zur Linde: afinidades musicais

Alex é um protagonista-problema. Como fica claro desde as primeiras páginas do


romance, ele é movido pela violência. Comete vários crimes ao longo da obra: agressão,
estupro e homicídio estão entre eles. Maltrata pessoas idosas, sabe ser cruel com os
próprios amigos e está longe de ser um filho amoroso.

Capaz de cenas de violência explícita e desarrazoada, incapaz de demonstrar afeto


e/ou identificação com vários personagens da obra que são submetidos a situações de
agressão e sujeição, Alex ressalta, em diversas passagens do livro, o poder mobilizador
que a música de concerto exerce sobre ele, em especial a Nona Sinfonia de Beethoven.
Outros autores pertencentes à tradição ocidental, como Bach, Haendel, Mozart,

1
O autor registra seus agradecimentos a Claudia Paiva Carvalho, pela leitura atenta e sugestões
apresentadas.
Mendelssohn, Schönberg, Britten e Orff são também mencionados. Percebe-se, então,
que Alex não é um obcecado por Beethoven. Sua relação com a música não é restrita a
uma obra, ou mesmo a um compositor2.

É evidente, contudo, sua preferência pela Nona:

Então puxei a adorável Nona do álbum (...) e coloquei a agulha sibilando até o último
movimento, que era todo êxtase. Lá estava então, as cordas do contrabaixo govoretando
distantes debaixo da minha cama para o resto da orquestra, e em seguida a goloz humana
masculina entrando e lhes dizendo a todos para que sejam alegres, e depois a melodia
extática adorável sobre a Alegria sendo uma centelha divina (p. 95)

Essa inclinação pode ser lida numa chave simbólica. A Nona sempre representou
muitas coisas: a humanidade, a fraternidade, a amizade, a paz. Como compreender, nesse
contexto, a relação de Alex com a música, com esta música?

Essa perplexidade se estende a outro protagonista complexo. No conto “Deutsches


Requiem”, originalmente publicado no volume intitulado “O Aleph”, Borges narra as
últimas horas de vida de Otto Dietrich zur Linde. Trata-se de outro protagonista-
problema: Linde é um homem do III Reich. Como ele mesmo diz, “serei fuzilado por
torturador e assassino (...) desde o princípio eu me declarei culpado”3. O protagonista
descreve a agonia do poeta judeu David Jerusalem, prisioneiro do campo de concentração
de que Linde era subdiretor, levado ao suicídio por Linde. Não há remorso ou
arrependimento no monólogo de Linde. Pelo contrário: há uma vigorosa defesa do Reich
e da “luta” de Hitler contra a “enfermidade do judaísmo”. E, numa vigorosa passagem
conclusiva, zur Linde vaticina:

Muitas coisas há que destruir para edificar a nova ordem; agora sabemos que a
Alemanha era uma dessas coisas. Demos algo mais que nossa vida, demos o destino de
nosso querido país. Que outros maldigam e outros chorem; a mim me alegra que nosso
dom seja orbicular e perfeito.

Ameaça agora o mundo uma época implacável. Nós a forjamos, nós que já somos sua
vítima. Que importa que a Inglaterra seja o martelo e nós a bigorna? O importante é que
reine a violência, não as servis timidezes cristãs. Se a vitória e a injustiça e a felicidade
não são para a Alemanha, que sejam para outras nações. Que o céu exista, mesmo que

2
Cf. Burgess, 2012, p. 82, 95, 137, 142, 180, 212, 213, 259, 268 e 272. O livro foi publicado em 1962 e o
filme de Stanley Kubrick é de 1972.
3
Borges, 1998, p. 641. O conto “Deutsches Requiem” aparece na coletânea “O Aleph”, que foi publicada
em 1949.
nosso lugar seja o inferno (p. 646)

Torturador, assassino, anti-semita, subdiretor de campo de concentração, nazista


convicto até o último momento. Porém, há um outro aspecto em zur Linde: sua relação
com a música. No início do conto, ele afirma: “Não posso mencionar todos os meus
benfeitores, mas há dois nomes que não me resigno a omitir: o de Brahms e o de
Schopenhauer. Também frequentei a poesia; a esses nomes, quero juntar outro vasto
nome germânico, William Shakespeare” (p. 642). Trata-se de uma citação em que a mais
fina ironia borgeana está presente. Associando Shakespeare com a Alemanha, zur Linde
estabelece uma “paternidade” da obra do bardo que soaria como a mais terrível ofensa ao
inimigo inglês. Não por acaso, a Inglaterra, entre todos os inimigos do Reich, é
expressamente mencionada no trecho transcrito pouco acima. É sabido como peças de
Shakespeare, em especial o “Henrique V”, foram utilizadas para simbolizar o orgulho e
a resistência dos ingleses na guerra4.

Entre vários outros usos possíveis, a obra de Shakespeare é um grande signo de


universalidade. E ela vem, no monólogo, antecedida pelos “benfeitores” Johannes
Brahms e Arthur Schopenhauer, que representam as “duas paixões” de zur Linde: “a
música e a metafísica”. E, o que é mais interessante, uma das principais obras de Brahms,
o Réquiem Alemão, dá título ao conto.

Temos, assim, a afinidade de Alex Le Grand com a Nona Sinfonia de Beethoven.


E a paixão de Otto Dietrich zur Linde pelo Réquiem Alemão de Brahms.

O que existe nessas obras? Por que foram escolhidas por Burgess e Borges para
marcar a relação dos seus protagonistas-problema com a música?

2. Beethoven e Brahms: forma e recepção. Usos políticos.

A Nona Sinfonia e o Réquiem Alemão são obras centrais na história da música.


Elas dispõem de uma dupla condição: são pontos altos na realização de suas respectivas
formas e são dotadas de grande originalidade e invenção.

4
O melhor exemplo é o filme de Lawrence Olivier: Henrique V (1944).
Comecemos com a Nona. É difícil descrever o impacto que a sua concepção
causou na música ocidental. Formalmente, ela efetivamente joga pelos ares os requisitos
seguidos pelas sinfonias até então (a Nona foi composta entre 1823 e 1824). Uma das
principais inovações foi a inserção de solistas vocais e um coro no último movimento da
obra. Fato inédito numa sinfonia, que era um gênero puramente instrumental até então. A
Nona utiliza uma poesia de Friedrich Schiller, “Ode à alegria”, que é entoada em diversas
passagens e andamentos por quatro solistas vocais (soprano, contralto, tenor e baixo) e
um coro misto. Há uma diversificação da orquestração, com acréscimos à orquestra
clássica utilizada por Haydn, Mozart e o próprio Beethoven em suas sinfonias anteriores,
por meio de instrumentos como flautim, contrafagote, triângulo, prato e bombo. Há ainda
uma inovação formal importante: o último movimento se estrutura como se fosse uma
pequena “sinfonia dentro da sinfonia”, com quatro partes distintas (introdução e tema
principal, scherzo, movimento lento e final)5.

Como seria de se esperar, a obra teve influência direta na música dos séculos XIX
e XX. A partir da Nona, surgiram várias sinfonias com uso de recursos vocais:
Mendelssohn, Mahler e Shostakovich são exemplos de autores que lançaram mão desse
recurso. E é famosa a reação de Wagner. Para ele, a Nona Sinfonia, ao inovar na forma e
acrescentar vozes à orquestra, seria uma espécie de última sinfonia, de fim de uma época
que anunciaria novas formas de expressão. Como toda obra de referência, a Nona também
provocou reações desfavoráveis. Segundo Stravinski, é uma obra irregular. Em que pese,
para o compositor russo, a beleza do terceiro movimento, o famoso final não seria
convincente, contendo passagens de música “de Kaisersmarch”. O cravista e regente
Gustav Leonhardt afirmava que o final da sinfonia seria uma grande “vulgaridade”, com
seu texto “pueril”.

Porém, de um modo geral, o significado da obra para os compositores que se


seguiram é evidente. Como sintetizado por Nicholas Marston, o “impacto das sinfonias
de Beethoven, em particular da Nona, sobre gerações subsequentes de compositores tem
sido imenso”. O primeiro movimento teve “profunda influência sobre Bruckner”, ao
passo que “toda a obra parecia a Wagner um marco da etapa entre a música instrumental
sem palavras e sua concepção de drama musical”6.

5
Cf. Marston, 1996, p. 233-238; Tranchefort, 1986, p. 65-68; Kerman e Tyson, 1989; p. 111-120 e Massin
e Massin, 1972, p. 209-226.
6
Marston, 1996, p. 237.
A outra obra coral aqui invocada teve uma recepção igualmente exitosa. O
Réquiem Alemão foi composto por Brahms entre 1866 e 1867, e teve, segundo a maior
parte dos biógrafos, relação direta com a morte da mãe do compositor, ocorrida em 1865
(é possível também que a morte, em 1856, de Robert Schumann, grande mentor de
Brahms na juventude, tenha influenciado a decisão de escrever um Réquiem).

Assim como a Nona de Beethoven, o Réquiem de Brahms apresenta uma


significativa inovação formal. Ao contrário das missas de mortos tradicionais, baseadas
no rito católico e cantadas em latim (como as compostas por Mozart, Berlioz e Verdi,
entre muitos outros), o Réquiem de Brahms mais se assemelha a uma cantata. São sete
movimentos corais (alguns com solistas) em que são entoados trechos escolhidos
livremente por Brahms da Bíblia alemã traduzida por Lutero. Os textos provêm do Velho
e do Novo Testamento: Isaías, Mateus, Pedro, Tiago, João, vários Salmos, Apocalipse,
Coríntios, Hebreus. A estrutura escolhida por Brahms, com interpolações de várias
passagens bíblicas sem uma sequência que denote uma liturgia, faz com que a obra seja
inteiramente imprestável para um ofício fúnebre. Assim, apesar de sua nítida inspiração
e conteúdo religiosos, o Réquiem é uma grande obra coral de concerto.

Ambas as obras se situam no centro do repertório da música de concerto em nossos


dias. As gravações da Nona e do Réquiem Alemão são inúmeras, assim como as
apresentações públicas. Para além dessa centralidade, cabe refletir, nesta parte da
argumentação, em torno das origens, usos e apropriações políticas dessas peças. Elas
foram escritas em contextos bastante definidos na história política europeia do século
XIX, e o debate em torno dos aspectos extramusicais delas não é diminuto.

Voltemos às obras de Burgess e Borges.

Na Laranja Mecânica há várias referências a Beethoven e à Nona, como já


observado. Uma das principais passagens está contida no capítulo 6 da terceira parte do
livro. Alex, após uma tentativa de suicídio, é declarado “curado” de seus males pelos
médicos. O ministro do interior então exibe o protagonista como uma espécie de troféu,
como exemplo do sucesso do “método Ludovico”, concebido e executado para domar a
periculosidade de jovens criminosos. Alex concorda com essa exposição pelo governo e,
em troca, recebe, em “um aparelho de som estéreo (...), a gloriosa Nona de Ludwig van”.
E, numa frase que seria a conclusiva do livro (se Burgess não houvesse acrescentado um
capítulo final), Alex declara, enquanto ouve a Nona Sinfonia: “Eu estava realmente
curado” (p. 259).

No texto de Borges é evidente a relação entre o Réquiem Alemão e a política da


época em que se passa o conto. A Alemanha – com sua história e seu destino, tal como
descritos por Otto Dietrich zur Linde – talvez seja o personagem principal do conto: “Os
que souberem ouvir-me compreenderão a história da Alemanha e a futura história do
mundo” (p. 641). A relação entre arte e política está presente em toda a narrativa: na
enumeração das preferências artísticas de zur Linde, no suplício do poeta Jerusalem, na
evocação da tradição literária com Lucrécio, Shakespeare e Goethe. E na provocação
trazida pelo título do conto: “Deutsches Requiem” pode remeter à obra de Brahms assim
como pode ser interpretado como uma peça fúnebre em relação à Alemanha ou ao III
Reich.

Convém, pois, explorar alguns elementos dessa relação.

A Nona possui uma história particular. Beethoven teve a primeira ideia de musicar
a “Ode à Alegria” de Schiller em 1792, ano em que se transfere de Bonn para Viena. A
Nona, como já visto, foi concluída em 1824. Os cadernos de anotação de Beethoven
registram, neste período de 32 anos, várias outras tentativas de por em música o poema
de Schiller. E o poema em si possui uma interessante história. Começou a circular, no
final do século XVIII, a tese segundo a qual o título desejado por Schiller para o poema
seria “Ode à Liberdade”, e não “Ode à Alegria”7. Schiller, preocupado com eventual
censura e problemas políticos relacionados à implicação do poema – que contém uma
forte mensagem de liberdade e igualdade entre os homens –, teria preferido estabelecer
um hino à alegria. Mas permaneceu a ideia de que se tratava de uma mensagem cifrada
em prol da liberdade. O jovem Beethoven, que frequentou o meio literário de Bonn no
início da década de 1790, possivelmente conhecia esse significado do poema (que foi
escrito em 1785).

E já no século XIX a Nona passa a ser usada como símbolo por forças políticas.
Em meio à Revolução de 1848, Wagner, que luta ao lado dos revolucionários, ouve de
um companheiro de combate que contempla o incêndio na Ópera de Dresden: “Herr

7
Na língua alemã, para efeitos de métrica, não haveria maior prejuízo, por que as expressões são similares:
“Ode an die Freude” ou “Ode an die Freiheit”. Cf. Massin e Massin, 1997, p. 616. Ver, para uma ocorrência
contemporânea dessa possibilidade, a conclusão do presente artigo.
Kapellmeister, foi a Alegria, bela centelha dos deuses, que o ateou” (a parte em itálico é
uma citação do poema de Schiller)8. No século XX esse uso se populariza e se dissemina.
A Ode, na adaptação feita por Beethoven, é adotada como hino oficial da União Europeia
(em cuja página é possível encontrá-la em inúmeras versões: hip hop, trance, techno, jazz,
adaptada para ritmos ciganos, interpretada por uma big band, por órgão, piano ou uma
guitarra elétrica)9. A música é frequentemente tocada em eventos esportivos, como os
Jogos Olímpicos ou torneios de futebol.

A relação do Réquiem Alemão com a política é mais complexa, e se restringe ao


contexto germânico da segunda metade do século XIX. Uma primeira característica, já
ressaltada anteriormente, é a inovação da estrutura da peça: uma coletânea de textos
bíblicos livremente escolhidos por Brahms a partir da tradução de Lutero. A isso se
acrescenta outro dado: o título com menção à Alemanha. O Réquiem de Mozart não é
“austríaco”, o de Verdi não é “italiano” e o de Fauré não é “francês”. O que significa essa
alusão no título da obra de Brahms? Alemanha como nação, povo ou língua?

O registro biográfico de Brahms não permite um maior esclarecimento a respeito


dessa escolha. Sabe-se, contudo, que o compositor era um admirador de Bismarck, artífice
da unificação alemã. Após a vitória na guerra franco-prussiana, Brahms escreveu uma
peça coral, intitulada “Canção do Triunfo”, como forma de celebração. Evidentemente, a
atitude brahmsiana não corresponde a nenhum tipo de pan-germanismo ou de glorificação
do povo alemão. Brahms era um burguês do século XIX que vivia na Viena dos
Habsburgo. Sua atitude política não era algo central em sua vida, e reflete a atitude
comum de um homem de sua época10.

O que interessa notar, para os fins deste texto, é a centralidade da música de


Beethoven e Brahms para os protagonistas das obras aqui discutidas. As trajetórias de
Alex e zur Linde aludem, de certo modo, a alguns dos maiores pesadelos da experiência
política do século XX – o totalitarismo, a dominação estatal, a violência organizada e
praticada contra os cidadãos. E a música se coloca de forma ambígua para esses
protagonistas-problema, pois elas indicam, por um lado, uma percepção de humanidade,
uma sensibilidade que parece contrastar com as práticas violentas desses mesmos

8
Massin e Massin, 1972, p. 226.
9
Disponível em: http://www.coe.int/en/web/about-us/the-european-anthem, acesso em 5.4.2016.
10
Ver as seguintes biografias de Brahms: MacDonald, 1990; Rostand, 1995; Geiringer, 1984.
personagens. Por outro lado, a música acaba por ser apropriada nessas mesmas práticas
(o que é ilustrado, com grande felicidade, no filme de Kubrick).

Beethoven e Brahms: discurso musical e formação de público

As obras aqui destacadas ocupam um papel especialmente relevante na história


da música europeia no século XIX. Como visto, elas representam uma espécie de
consolidação e superação da forma: ambas são canônicas em seu respectivo gênero e, ao
mesmo tempo, são bastante heterodoxas. A Nona “subverte” a forma clássica da sinfonia
ao expandir seus horizontes e inserir um final com a participação de solistas vocais e coro.
O Réquiem Alemão contraria a estrutura da missa litúrgica dos mortos para propor uma
leitura “pessoal”, “terrena”, da passagem da morte, com a escolha livre, pelo compositor,
dos textos que ilustram a obra.

Convém analisá-las, no presente estágio da argumentação, sob outro olhar. Que


papel elas desempenharam, na história da música, em relação à formação de público e à
construção de um cânone da música ocidental? Tal digressão será útil para que possamos
compreender os possíveis usos políticos e literários dessas obras por Burgess e Borges.

A Nona não marca apenas uma expansão/explosão da sinfonia como forma. Ela
também está inserida num momento de transformação da difusão da música e de sua
relação com o público. Assim como todas as sinfonias anteriores de Beethoven, a Nona
não teve a sua primeira execução por uma orquestra permanente. Isso porque esse
conceito era estranho à época. Na Viena do início do século XIX, a expressiva maioria da
música que se interpretava dependia diretamente do patrocínio da aristocracia ou da
estrutura propiciada pela Igreja ou pelo Império Austro-Húngaro. Isso era particularmente
verdadeiro para a música orquestral. Se a música de câmara e as canções poderiam
emergir – e se reproduzir – num círculo mais restrito, proto-burguês, caracterizado pelos
salões literários, pelas associações de canto ou ainda pelos conservatórios, isso não era
possível para peças que exigissem uma orquestra (Schubert, por exemplo, jamais
presenciou a execução de alguma das nove sinfonias que compôs).

Cada execução exigia a formação de uma orquestra, o que tornava a empreitada


inteiramente indisponível para os próprios compositores, de forma autônoma. Patrocínio
e mecenato eram essenciais. Foi desta forma que as nove sinfonias de Beethoven foram
executadas publicamente em Viena.

Porém, a situação começou a se alterar exatamente após a morte de Beethoven,


em 1827. Como informado por Walter Frisch, as grandes cidades alemãs e austríacas
passaram a implementar novas formas de organização dos concertos, o que rapidamente
evoluiu para a existência de orquestras permanentes. Em 1842 começou a atuar, de forma
independente, a Orquestra Filarmônica de Viena. Em Berlim já existiam grupos
orquestrais privados, e um desses (que eram chamados “Kapellen”) acabou por se
converter na Filarmônica de Berlim, que se institucionalizou entre 1867 e 1882. Em
Hamburgo, foi fundada em 1828 uma sociedade filarmônica, que anos depois conduziu à
formação de uma orquestra profissional. Em Leipzig, uma instituição mais antiga, a
Gewandhaus, ganhou um novo impulso quando Felix Mendelssohn assumiu a direção,
profissionalizando a orquestra e propiciando a interpretação de obras importantíssimas
(como a redescoberta da Paixão Segundo São Mateus, de Bach e a primeira execução da
Nona Sinfonia de Schubert, descoberta por Schumann entre os manuscritos inéditos
deixados pelo compositor)11.

Como se pode concluir, essa estruturação transforma a relação entre a música e o


público e favorece a formação de um cânone musical. E isso de fato não tardou a
acontecer: já na metade do século XIX era discernível um eixo estruturante do repertório
sinfônico. Ele era marcadamente dominado pelo classicismo vienense, com as obras de
Haydn, Mozart e Beethoven (às quais se somariam Schubert, Mendelssohn e Schumann,
além de outros autores hoje menos interpretados). Tal circunstância acabou contribuindo
para que houvesse uma diminuição na quantidade de sinfonias compostas a partir de 1830.
Quanto mais consolidado o cânone, maior a tendência à repetição e à cristalização do
repertório. Essa não era, evidentemente, a única razão para a diminuição do número de
sinfonias. O surgimento de novas formas musicais – mais fragmentadas, menos
dependentes da forma-sonata, como nas obras de Chopin, Schumann, Liszt, Berlioz e
muitos outros – também desempenhou um papel no “envelhecimento” do repertório
sinfônico.

E começa a se criar a ideia – que durará por várias décadas – de que a escritura de
uma sinfonia após a Nona de Beethoven se tornou um desafio considerável. O que dizer

11
Cf. Frisch, 2003, p. 18-19.
em termos sinfônicos após o imponente edifício das nove sinfonias do mestre de Bonn?
Wagner estaria correto, ao predizer que a Nona seria a última sinfonia, marcando uma
passagem para outras formas de expressão musical?

Não por acaso, Brahms, que nasceu seis anos após a morte de Beethoven, retardou
conscientemente sua incursão na forma sinfônica. Sua primeira sinfonia levou cerca de
quatorze anos para ser finalizada e, antes dela, o autor passou por praticamente todas as
modalidades instrumentais: sonatas (para piano solo ou piano e violino, ou piano e
violoncelo), trios, quartetos, quintetos, sextetos, um concerto para piano e orquestra, duas
serenatas e variações para piano e orquestra, isso sem contar inúmeras peças breves, como
fantasias ou valsas para piano.

E, antes mesmo desta primeira sinfonia, Brahms produziu a obra que o notabilizou
no meio musical da época: o Réquiem Alemão. Essa precedência pode ser explicada
exatamente pela questão relacionada à abrangência da forma da sinfonia. Segundo uma
interpretação bastante difundida do musicólogo Paul Bekker, que foi apoiada por um
texto de Theodor Adorno, Brahms ter-se-ia deparado, ao escrever o Réquiem Alemão,
com o desafio de escrever uma obra que tivesse a função de ser “formadora de uma
sociedade” (gesellschaftsbildend), ou seja, com a necessidade de estabelecer uma
comunicação eficaz com um grande público. Esse era o público para quem a Nona
Sinfonia era já canônica. Para Bekker, as sinfonias de Beethoven conseguiram “organizar
uma nova humanidade no início do século XIX em uma forma artística, conferindo assim
a essa humanidade a oportunidade de se auto-reconhecer como uma entidade capaz de
sentir algo”12.

A questão que se colocava para Brahms era: como obter tal comunicação com o
público que lhe era contemporâneo? Segundo Bekker, o meio encontrado por Brahms foi
a original configuração do Réquiem Alemão. Utilizando a Bíblia na tradução de Lutero,
com escolha livre de textos que tratavam da morte e, principalmente, enfatizando uma
mensagem de fé e conforto aos vivos, Brahms logrou estabelecer uma mensagem
humanista similar àquela trazida pela Nona de Beethoven, ainda que sem o uso da sinfonia
como forma. Segundo narrado por vários autores, Brahms sempre rechaçou uma leitura
“nacionalista” ou “patriótica” do Réquiem. Para ele, o elemento alemão estava associado
à língua, tanto que Brahms disse a seu amigo Carl Reinthaler que a obra poderia ser

12
Passagens de Bekker citadas a partir de Frisch, 2003, p. 35.
intitulada “Um Réquiem Humano”. Na observação certeira de Carl Dahlhaus, o Réquiem
“é uma daquelas obras nas quais o século XIX reconhece sua própria identidade”.

Assim, o traço distintivo que marca tanto a Nona Sinfonia quanto o Réquiem
Alemão reside na universalidade das duas obras, o que significa antes de tudo a
capacidade de estabelecer uma comunicação com um público amplo, por meio de forças
orquestrais e corais consideráveis. Assim, para possibilitar uma ligação com a obra
sinfônica de Beethoven, Brahms optou por não escrever uma sinfonia, algo que ocorreria
apenas anos depois: o Réquiem Alemão estreou em Bremen em 1868 e a Primeira
Sinfonia foi interpretada pela primeira vez em Karlsruhe em 187613.

Usos políticos: século XX

Uma leitura possível da “Laranja Mecânica” é no sentido de que se trata, entre


outros significados que possam dela defluir, de uma obra crítica ao nazismo,
especialmente à sua teoria estética. Essa é a interpretação de Esteban Buch, que se refere
ao filme de Kubrick, mas que também pode se estender ao texto de Burgess14.

De fato, há uma centralidade da música na concepção hitleriana de arte. Logo após


a chegada dos nazistas ao poder, músicos judeus foram perseguidos, obras consideradas
“degeneradas” foram proibidas e foi estimulada a realização de festivais musicais, com
expressiva presença de representantes da juventude nacional-socialista. Hitler
pessoalmente venerava a obra de Wagner e Bruckner. Em relação à obra de Beethoven,
evidentemente era vista como uma referência fundamental para a ideia de “povo alemão”,
portanto deveria ser apropriada – e compreendida – como expressão desse “povo”.
Brahms, por outro lado, não agradava ao Führer, possivelmente por conta de sua
excessiva postura “burguesa”, sua oposição à música de Bruckner (e uma certa rivalidade
que se instalou entre os dois compositores no cenário musical vienense) e suas relações
com músicos judeus nos círculos de amizade em Viena, como, por exemplo, o regente
Hermann Levi15.

13
E é importante assinalar que a sinfonia foi apropriada por vários compositores a partir da década de 1870,
que promoveram uma verdadeira renovação do gênero desde então. Destacam-se entre eles Brahms,
Bruckner, Dvorak, Tchaikovski e, um pouco depois, Mahler.
14
Buch, 2007, p. 50.
15
Ver Splitt, 2007, p. 36-47.
Mas, de toda forma, há duas reflexões interessantes sobre a recepção e os usos da
Nona Sinfonia e do Réquiem Alemão que merecem certo aprofundamento.

A primeira delas, ligada ao contexto da Segunda Guerra Mundial, envolve o


maestro Wilhelm Furtwängler, que era regente da Orquestra Filarmônica de Berlim nos
anos de guerra. Nos meses de março e abril de 1942, por ocasião do aniversário de Hitler,
a Orquestra Filarmônica de Berlim realizou concertos em que a Nona Sinfonia de
Beethoven foi interpretada. Num deles, do dia 19 de abril, estava presente Joseph
Goebbels, destacado líder nazista, ministro da propaganda, que foi ao palco cumprimentar
Furtwängler após o concerto. O texto escrito pelo próprio regente para a ocasião é bastante
revelador dos possíveis usos políticos da obra naquele contexto.

Buscando definir o “valor universal” de Beethoven, Furtwängler propõe:

O que realmente distingue Beethoven, e que se manifesta nele mais claramente do que
em qualquer outro, é aquilo que eu denominaria ‘a lei’ (...) toda potência, incluindo a
violência, que se expressa por meio de sua música, não impede que uma santa
sobriedade a submeta à lei orgânica16

O que significa essa expressão “lei orgânica” utilizada por Furtwängler? Segundo
a lúcida interpretação de Esteban Buch, há duas possibilidades: por um lado, poderia ser
uma espécie de consenso moral produzido pela obra, que prevaleceria sobre qualquer
pretensão de violência ou poder. Mas, por outro lado, a passagem poderia também
significar que a “lei orgânica” nada mais é senão a sujeição da música ao princípio de
obediência ao Führer, que é a marca daquela dada sociedade. Concordamos com Buch
quando o autor afirma que o contexto da afirmação (plena guerra com países europeus
em 1942) induz a pensar que o texto trata mesmo da submissão do discurso musical à lei
do partido nacional-socialista.

Há também um texto, do período nazista, produzido por Furtwängler sobre o


Réquiem Alemão. Nele o regente se dedica a investigar a contribuição de Brahms à
música alemã; ele ressalta o caráter “objetivamente” alemão da obra do compositor de
Hamburgo, associando-a a capacidade de compor peças musicais que contemplem o que
ele intitula como o “elemento folclórico” da música alemã. Isso, naturalmente, tem
consequências políticas. Segundo Furtwängler, Brahms “tinha a capacidade especial de

16
Citado a partir de Buch, 2007, p. 57. Para as complexas relações entre Furtwängler e o III Reich, ver
Ross, 2009, p. 326-360 e Lebrecht, 2002, p. 123-135.
experimentar e sentir a grande comunidade suprapessoal do povo (Volk)”. Essa habilidade
de captar o sentimento comunitário se manifesta no domínio da canção folclórica.

Prossegue então Furtwängler: “Como os grandes músicos que o precederam,


Brahms tinha a capacidade de elaborar uma melodia inteiramente sua, até os mínimos
detalhes, mas que soava como uma canção folclórica”, e isso conferia o aspecto
propriamente alemão à sua música. As implicações políticas dessa afirmação ficam claras
no decorrer da citação, com a inserção de um compositor que não teria a mesma
capacidade:

Em outras palavras, ele poderia escrever uma melodia que era uma canção folclórica
autêntica, indiscutível – mas que era também uma composição exclusiva de Brahms. É
um processo completamente diferente daquele que ocorre com um compositor como
Mahler, por exemplo. Mahler era um estrangeiro no domínio da canção folclórica, e não
importa o quanto sua alma infatigável buscou esse domínio e o almejou como um porto
seguro. Ele se propôs, de toda maneira, a criar canções folclóricas ‘artificiais’. Brahms,
por outro lado, era a própria encarnação do ‘povo’, da ‘canção folclórica’17

O trecho é significativo. A palavra chave para compreendê-lo é “estrangeiro”. Não


importa, para Furtwängler, que Mahler, nascido na região da Boêmia, tivesse como língua
mãe o alemão e fosse súdito do Império Austro-Húngaro. O que realmente fazia diferença
era o fato de ser estrangeiro – por ser judeu. Por mais que sua “alma infatigável” tentasse,
Mahler, em sua condição de estrangeiro, jamais conseguiria compor uma canção
folclórica alemã verdadeira.

Essas distinções, associadas ao esforço de enquadrar Beethoven e Brahms como


músicos genuinamente alemães, mostra a disputa por uma herança, uma filiação. Autores
de obras icônicas, marcantes em seus respectivos gêneros, esses compositores – que
nunca cogitaram, em suas vidas, adotar atitudes “pan-germanistas” ou mesmo
nacionalistas em sentido estrito – passam a ser designados como portadores de uma
mensagem exclusivamente voltada ao “povo” alemão, a este Volk apto a compreender
canções folclóricas verdadeiramente alemãs. Com base nessas assertivas, e com esse tipo
de afirmação de exclusividade, foi estabelecido aquilo que Georges-Arthur Goldschmidt
intitulou como “cultura da morte”. Segundo ele:

17
Passagens de Furtwängler citadas a partir de Beller-McKenna, 2000, p. 1-3.
toda a estética nazista consiste em um processo de ‘unificação’ (Gleichschaltung). Seu
objetivo é controlar – por meio da imagem, da palavra e do som – toda forma de
expressão, que deve estar a serviço exclusivo das intenções do regime e pertencer ao
‘corpo nacional’ (Volkskörper), sem escapatória possível e sem nenhuma restrição, com
exclusão de toda forma não aceita: ‘Teu povo é tudo, tu não és nada’ (Dein Volk ist
alles, du bist nichts)18

Conclusão: usos da Nona e do Réquiem, 1989 e 2001

Em dois momentos “densos” de transformações políticas entre fins do século XX


e início do século XXI, a Nona e o Réquiem voltaram a ser ativados de forma pública.

Após a queda do muro de Berlim, abriu-se o período de busca de símbolos que


reiterassem a reunificação, a reconquista da liberdade, o fim da fronteira artificial que
cortava a cidade. E a música foi imediatamente invocada para tal finalidade. Dois dias
após a queda do muro, o violoncelista Mstislav Rostropovich interpretou, em frente às
ruínas, as seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach. Dias depois, a
Orquestra Filarmônica de Berlim (baseada no lado Oeste da cidade) executou, para os
berlinenses do Leste, o Concerto nº 1 para piano e orquestra e a Sétima Sinfonia de
Beethoven19. O ápice, contudo, foram os dois concertos conduzidos por Leonard
Bernstein durante o Natal de 1989. A peça escolhida para as duas apresentações (uma em
cada lado do muro) foi a Nona Sinfonia de Beethoven.

Duas peculiaridades informam esses concertos. A primeira delas é a composição


da orquestra. Foram escolhidos músicos oriundos de conjuntos orquestrais daqueles
países que ocuparam Berlim no pós-guerra. Assim, havia instrumentistas da Orquestra
Filarmônica de Nova Iorque, da Orquestra Sinfônica de Londres, da Orquestra de Paris e
da Orquestra do Teatro Kirov de Leningrado (como a cidade era conhecida à época). A
esses músicos juntaram-se integrantes de duas orquestras alemãs (uma de cada lado do
muro): a Orquestra Sinfônica da Rádio Bávara e a Staatskapelle Dresden. A segunda
particularidade do evento foi a substituição de uma palavra – crucial – do poema de
Schiller, já mencionada acima. Bernstein optou pela expressão “Freiheit” (liberdade) ao

18
Goldschmidt, 2007, p. 29.
19
Cf. Kelly, 2014.
invés de “Freude” (alegria). Só assim, dizia o maestro, fazia sentido uma das frases
entoadas pelo coro: “todos os homens serão irmãos” (alle Menschen werden Brüder). É
possível interpretar essas iniciativas de várias formas – uma delas, que se compreende
numa perspectiva histórica, indica que a Alemanha unificada, consciente dos vários usos
realizados por regimes anteriores acerca da obra de Beethoven, resolve “retomar” para si
o valor simbólico da obra, marcando a ideia de liberdade como chave de leitura do poema
de Schiller20.

Num evento marcante, de alcance global, que permanece irradiando efeitos sobre
a política contemporânea, dois aviões de carreira foram sequestrados e lançados nas duas
torres do World Trade Center, no sul da ilha de Manhattan, em 11 de setembro de 2001.
Foi um evento de amplas dimensões, que inspirou a produção de livros, filmes, peças e
outras narrativas, além de se constituir como um verdadeiro marco na história política dos
Estados Unidos da América. Os atentados também tiveram como alvo uma das cidades
mais cosmopolitas e internacionais do mundo. Segundo sobreviventes, imperava, na
cidade, nos dias imediatamente subsequentes aos ataques, um silêncio profundo,
caracterizado por certa incompreensão em relação a tudo que havia ocorrido.

Dias após o evento, o então regente titular da Orquestra Filarmônica de Nova


Iorque, Kurt Masur, toma a iniciativa de promover um concerto em homenagem às
vítimas. O programa era composto pelo Réquiem Alemão de Brahms. Não houve
aplausos após a apresentação, que foi marcada por forte carga emocional. Curiosamente,
Masur, que era oriundo da Alemanha Oriental, havia desempenhado papel importante nos
dias que antecederam a queda do muro de Berlim. Como maestro titular da Orquestra do
Gewandhaus de Leipzig (uma das cidades que concentraram grande número de
manifestações), ele foi um importante mediador entre os que demandavam mudanças e o
governo central. Muitas vezes abriu as portas do teatro para promover debates sobre as
manifestações. Seu nome chegou a ser cogitado para ser Presidente da República21.

Masur, que faleceu em dezembro de 2015, acreditava firmemente no poder


curativo da música. Foi essa crença que conduziu à escolha do Réquiem Alemão para o
concerto do dia 20 de setembro de 2001. Consoante a narrativa de Annie Bergen,
produtora de uma rádio especializada em transmissão de música clássica de Nova Iorque,

20
Cf. Mitchell, 2013.
21
Cf. Fox, 2015.
o concerto foi particularmente emocionante. Muitos dos espectadores estavam com trajes
pretos, representando o luto. Quando o coro entoou o primeiro verso do movimento inicial
(“Felizes os aflitos, porque serão consolados”, Mateus 5:4), muitos espectadores caíram
em lágrimas.

O aspecto mais interessante que decorre do testemunho de Annie Bergen é a


atualidade do Réquiem. Nas suas palavras:

Pelo que se sabe, Brahms escreveu o Réquiem como uma forma de consolação pela
morte de sua mãe. Naquela ocasião, logo após os ataques de 11 de setembro, o efeito da
música foi tão profundo que parecia que ela havia sido escrita naquele mesmo dia.
Houve realmente silêncio no final (...) E nós permanecemos com a certeza do
extraordinário poder da música de curar e trazer conforto22

As obras musicais aqui analisadas, tornadas centrais nas tramas estabelecidas por
Anthony Burgess e Jorge Luis Borges, possuem essa característica: podem ser utilizadas
nos contextos sociais e políticos mais diversificados, com inúmeras finalidades. Vê-se,
assim, que a luta pelo legado de uma obra se trava sempre no presente – e auxilia a
compreender as escolhas e dilemas daquele mesmo presente23.

Referências bibliográficas

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(1923-1949). Trad. Flávio José Cardozo. São Paulo: Globo, 1998, p. 641-646.

22
Ver Bergen, 2011.
23
Cf., sobre usos políticos do passado, e sua relação com a construção de narrativas no presente, Hartog e
Revel, 2001, p. 7-24.
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