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NOTA PÚBLICA CONTRA O PROJETO DE LEI Nº 7.

553, DE 2014, QUE PERMITE A DIVULGAÇÃO


DE FOTO, VÍDEO OU IMAGEM DE ADOLESCENTE MAIOR DE 14 ANOS A QUEM SE ATRIBUA A
AUTORIA DE ATO INFRACIONAL.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – IBDCRIA/ABMP,


INSTITUTO ALANA, FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA INFÂNCIA
E ADOLESCÊNCIA – PROINFÂNCIA, REDE CIDADÃ E FÓRUM NACIONAL DOS DIREITOS DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, considerando a publicação transferindo ao Plenário da Câmara
dos Deputados a competência para apreciar o Projeto de Lei nº 7.553/2014, que propõe alterar a
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para permitir a
divulgação de foto, vídeo ou imagem de adolescente maior de 14 anos a quem se atribua ato
infracional, vêm, pela presente nota pública conjunta, manifestar veemente discordância diante
de tal proposição, tendo em vista que:

1 - O artigo 227 da Constituição da República (CR/88) determina ser dever da família, da


sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade,
os seus direitos fundamentais, dentre os quais os direitos à dignidade e ao respeito, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldadee
opressão.

2 - Por sua vez, o ECA reforçou a adoção do texto constitucional pela doutrina da proteção
integral à criança e ao adolescente (artigo 1º), reconhecendo ainda que, em sua interpretação e
aplicação, devem ser consideradas as suas finalidades sociais, as exigências do bem comum, os
direitos e deveres individuais e coletivos, e, especialmente, a condição peculiar da criança e do
adolescente como pessoas em desenvolvimento (artigo 6º).

3 - A salvaguarda dos direitos à imagem e à personalidade de crianças e adolescentes tem


correlação com a proteção aos direitos constitucionais à dignidade e ao respeito e, por isso,
devem ser considerados como direitos fundamentais, com status de cláusula pétrea e
insuscetíveis de alteração por lei ordinária.

4 - Nesse sentido, o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República decreta: são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizaçãopelo
dano material ou moral decorrente de sua violação.

5 - Importante lembrar que o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,


psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (ECA,
artigo 17), sendo dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvode
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (ECA, artigo18).

6 - Na mesma direção, o item 8.2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração
da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing) dispõe que, em princípio, não se
publicará nenhuma informação que possa dar lugar à identificação de um jovem infrator.
7 - Por seu turno, o artigo 143 do ECA - ora ameaçado pelo temerário projeto de lei em comento
- diz que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a
crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional, e seu parágrafo único
determina que qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente,
vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência.

8 - Para assegurar essa vedação, o artigo 247 do ECA considera como infração administrativa a
conduta de divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de
comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial
relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional, punível com multa de três a vinte
salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência; se o fato for praticado.por
órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista, a autoridade
judiciária poderá determinar a apreensão da publicação (ECA, artigo 247, § 2º).

9 - Não custa lembrar que as crianças e os adolescentes, assim como qualquer pessoa brasileira
adulta, são igualmente protegidos pelo princípio da presunção de inocência (CR/88, artigo 5º,
inciso LVII), o que torna inconstitucional qualquer divulgação de foto, vídeo ou imagem de
adolescente a quem se atribua mera imputação da prática de ato infracional, independentemente
da idade.

10 - A divulgação de fotografias, vídeos ou imagens de adolescente a quem se atribua a autoriade


ato infracional pode causar prejuízo à imagem e à identidade de pessoa em formação, gerando
estigmas capazes de prejudicar todo o futuro desta pessoa e até mesmo a suaintegridade física.

11 - Com relação às pessoas adultas, cabe destacar o advento da Lei Federal nº 13.859, de 19 de
setembro de 2019, aprovada pela atual Legislatura do Congresso Nacional, que considerou crime
a conduta de constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução
de sua capacidade de resistência a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade
pública ou a submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei (artigo
13, incisos I e II).

12 - O artigo 28 da mesma Lei também preconiza ser crime divulgar gravação ou trecho de
gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida
privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado.

13 - Inevitável questionar que o mesmo Congresso Nacional que, justamente, aprovou uma lei
destinada à proteção da imagem e dignidade de pessoas adultas acusadas de crimes, cogite
aprovar, na mesma legislatura e em lamentável retrocesso, legislação antagônica em detrimento
de nacionais em peculiar condição de desenvolvimento – os adolescentes.

14 - Para enfatizar a magnitude do retrocesso propugnado pelo projeto de lei ora combatido,
podemos resgatar as disposições do antigo Código de Menores de 1979, que, em seu artigo 3º,
há mais de 40 anos atrás, propugnava:

Art. 3º Os atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a menores são
gratuitos e sigilosos, dependendo sua divulgação, ainda que por certidão, de deferimento da
autoridade judiciária competente. Os editais de citação limitar-se-ão aos dados essenciais
à identificação dos pais ou responsável.

Parágrafo único - A notícia que se publique a respeito de menor em situação irregular nãoo
poderá identificar, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e
residência, salvo no caso de divulgação que vise à localização de menor desaparecido.
15 - Por fim, nota-se que o Projeto de Lei nº 7.553/2014 afronta normas do direito constitucional,
infraconstitucional e do direito internacional, colocando o país em uma situação de ofensa ao
princípio da vedação do retrocesso, amplamente reconhecido no plano internacional,
especialmente em matéria de direitos humanos.

Diante das considerações acima, as organizações signatárias esperam e exigem o devido


respeito ao princípio constitucional da prioridade absoluta aos direitos da criança e do
adolescente, bem como aos dispositivos legais, constitucionais e normas internacionais que
consagram este princípio e a doutrina da proteção integral como pilares máximos da política
nacional de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

E, reafirmando sua oposição a toda e qualquer proposta legislativa que represente retrocessos
aos direitos fundamentais à imagem e à identidade de crianças e adolescentes, mesmo quando
acusadas da prática de ato infracional, conclamam os membros do Congresso Nacional e as
organizações representativas da Sociedade Brasileira, representada por cada cidadão, coletivo
ou organização formal, para que resistam e rejeitem integralmente o Projeto de Lei nº
7.553/2014.

Outrossim, permanecem à disposição para colaborar com o debate equilibrado em prol da


elaboração de políticas públicas que possam contribuir para a questão da segurança pública,
respeitando os direitos fundamentais das crianças e adolescentes e fazendo com que o Estado
Brasileiro honre seus compromissos com as futuras gerações.

Brasília, 08 de abril de 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DA


CRIANÇAE DO ADOLESCENTE – IBDCRIA/ABMP

INSTITUTO ALANA

REDE CIDADÃ

FÓRUM NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO


DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA – PROINFÂNCIA

FÓRUM NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO


ADOLESCENTE

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