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PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO

RICO LINS

PRODUÇÃO CULTURAL E DESIGN


A expansão do Ensino Técnico no Brasil, fator importante para melhoria de nossos recursos
humanos, é um dos pilares do desenvolvimento do País. Esse objetivo, dos governos
estaduais e federal, visa à melhoria da competitividade de nossos produtos e serviços, vis-à-vis com
os dos países com os quais mantemos relações comerciais.
Em São Paulo, nos últimos anos, o governo estadual tem investido de forma contínua na ampliação
e melhoria da sua rede de escolas técnicas - Etecs e Classes Descentralizadas (fruto de parcerias
com a Secretaria Estadual de Educação e com Prefeituras). Esse esforço fez com que, de agosto de
2008 a 2011, as matrículas do Ensino Técnico (concomitante, subsequente e integrado, presencial e a
distância) evoluíssem de 92.578 para 162.105. Em 2017, no segundo semestre, somam 186.564.
A garantia da boa qualidade da educação profissional desses milhares de jovens e de trabalhadores
requer investimentos em reformas, instalações, laboratórios, material didático e, principalmente,
atualização técnica e pedagógica de professores e gestores escolares.
A parceria do Governo Federal com o Estado de São Paulo, firmada por intermédio do Programa
Brasil Profissionalizado, é um apoio significativo para que a oferta pública de Ensino Técnico em São
Paulo cresça com a qualidade atual e possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social
do Estado e, consequentemente, do País.

Almério Melquíades de Araújo


Coordenador do Ensino Médio e Técnico
CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA
Diretora Superintendente
Laura Laganá
Chefe de Gabinete da Superintendência
Armando Natal Maurício
REALIZAÇÃO
Unidade do Ensino Médio e Técnico
Coordenador
Almério Melquíades de Araújo
Centro de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão - Cetec Capacitações
Responsável
Lucília dos Anjos Felgueiras Guerra
Responsável Brasil Profissionalizado
Silvana Maria Brenha Ribeiro
Professora Coordenadora de Projetos
Ana Raquel Elisa Satim Rodrigues
Parecer Técnico
Fabio Gomes da Silva
Diagramação
Diego Santos

Projeto de formação continuada de professores da educação profissional do


Programa Brasil Profissionalizado - Centro Paula Souza - Setec/MEC
APRESENTAÇÃO
Caro professor,

Minha formação é na área de Design e desde a graduação utilizo como referência


em meus trabalhos o material do Rico Lins. Quando nasceu a possibilidade de uma
capacitação com ele sobre cartazes, foi de uma imensa alegria.

É com total satisfação que produzimos essa capacitação. Cada uma das reuniões,
a concepção do material, as propostas das atividades, foi tudo desenvolvido
especialmente para você, docente do eixo de produção Cultural e Design.

Trabalhamos em uma Instituição de formação tecnológica, temos como foco o


desempenho de nosso aluno como indivíduo e no mercado de trabalho.

Essa capacitação sobre a linguagem de cartazes com um dos designers gráficos


mais conceituados na área e com vasta experiência mercadológica vem ao
encontro do olhar que precisamos ter em sala de aula.

As atividades foram elaboradas com muito carinho pelo Rico Lins, levando em
consideração toda a diversidade de nossas escolas e dos nossos alunos, pois nossa
intenção, além do aprofundamento de seu conhecimento conceitual e prático Ana Raquel Elisa Satim Rodrigues
do assunto, é de fornecer material para que você possa utilizar em sala de aula Professora Coordenadora de Projetos
enriquecendo assim suas propostas pedagógicas. Cetec – Centro Paula Souza
7

O CARTAZ
SUMÁRIO
Ostengruppe 41
Reflexões preliminares 10
Bienal de São Paulo 42
Reflexões preliminares 12
Poloneses 43
O cartaz 19
Direitos Humanos 45
História do Cartaz 19
Cartazes de cinema 45
O Cartaz no brasil 22
Vocabulário específico 46
Projeto Brasil em Cartaz 32
Design 48 8
Exposição Connexions > Conexões 34
Tipografia 49
Exposição Ponto de Vista 35
Serigrafia 49
Exposição Manifesto Gráfico 35
Offset 50
Cartazes comentados 37 Lambe-lambe 50

Brasil em Cartaz 38 Estêncil 51

Lambe-lambe 40 Sugestão de atividades para professores 52

Referencias bibliográficas 70
cartaz. Impresso publicitário ou aviso, caracterizado pelo seu
grande formato, e que se afixa nos lugares de trânsito ou de fre-
quência pública. (Do àr. Kartas,papel.) Frederico Porta, Dicionário
de Artes Gráficas (1958) 9

manifestar. 1 - Tornar manifesto, patentear, publicar. 2 - Dar indí-


cios de. 3 - Expor, apresentar. 4 - Dar ao manifesto (na alfândega).
5 - Declarar-se. 6 - Aparecer. Publicado em: 2016-09-24, revisado
em: 2017-02-27.

Disponível em:
‹https://dicionariodoaurelio.com/manifestar›. Acesso em: 02 Aug. 2017
10

REFLEXÕES
PRELIMINARES
11

Henry Tomaszewski (detalhe)


Jules Cheret
Toulouse Lautrec

REFLEXÕES PRELIMINARES
A criação é inerente ao ser humano e deve sempre primar pela li-
berdade, em qualquer atividade, é processo onde entram talento,
consciência social e profissionalismo. E quando o assunto pede
conscientização, poucos meios de comunicação conseguem pro-
duzir impactos tão fortes e duradouros quanto bons cartazes.

Com sua linguagem sintética e ao mesmo tempo complexa


e desconcertante, eles são a linha de frente do design gráfi-
12 co, um desafio e uma oportunidade de expressão de massa

Emilie Chamie
Begarstaff

em grande formato. Como veículo de comunicação, o cartaz


como o conhecemos hoje surgiu em meados do século 19 em
resposta às profundas mudanças sociais e tecnológicas tradu-
zidas pela industrialização e pela urbanização. As cidades pas-
saram a contar com um grande número de passantes ávidos
por informação, com acesso a bens de consumo de massa e se
deslocando em velocidade nos novos veículos de transporte.
Enquanto isso, com a gradativa mecanização dos processos de
impressão de texto e imagens e o barateamento do preço do
papel, abriu-se espaço para a disseminação dessa nova mídia
— consolidada com o aperfeiçoamento da impressão fotográ-
fica e o offset no início do século 20.
publicBeggars2b.jpg

cartaz 4º salao
De forma resumida, pode-se perceber duas grandes vertentes na
construção de um cartaz. Na primeira, a informação indica e limi-
ta fortemente os caminhos a serem tomados. Precisão, clareza e
limpidez orientam a informação numa trajetória sem escalas, do
emissor ao receptor, uma via de mão única. Na segunda enfati-
za-se mais o papel do diálogo implícito na comunicação. Para os
designers que trabalham dessa forma, não é a informação quem
manda, mas a conversa estabelecida com o público. Nesse caso,
a ambiguidade é mais relevante que a precisão. Como falar de
imagem é falar de ambiguidade, o cartaz se beneficia de diversos 13
modos dessa premissa. Com as rápidas mudanças tecnológicas e
sociais dos últimos vinte anos, muitos cartazes são mais facilmente
encontrados na internet, em coleções e museus do que nas ruas...
No entanto, a força de sua expressão conquista novos espaços no
mundo virtual, incorporando som, movimento, hiperlinks, etc.

Apesar de sua existência efêmera, a influência do cartaz é duradou-


ra. Permanece na memória e na história e encontra espaço em ou-
tras paredes, como as de variadas exposições e bienais internacio-
nais mas também em cursos, textos críticos e projetos acadêmicos .

Sternberg Brothers
WMMA
14 Parte do projeto proposto é oriundo de uma ex- Como as possibilidades de abordagem do as-
tensa amostragem resultante de meu interesse sunto propiciam reflexões técnicas, históricas,
pessoal pelo tema tanto como designer como temáticas e semânticas, optei por concentrá-las
quanto professor, curador e colecionador. Meu em um curso introdutório de caráter formativo
envolvimento com esta área de conhecimento teórico-prático.
possibilitou a organização de diversas ativida-
des didáticas, exposições e publicações. Uma A ideia é colocar em evidência que as diversas
coleção de aproximadamente mil peças gráficas formas de expressão no campo do cartaz con-
reunidas desde os anos 1980, permite traçar um temporâneo representam visões de mundo
recorte abrangente do tema. Essa mostragem criativas, autorais e questionadoras, organiza-
do cartazismo contemporâneo se formou aos das em três grupos principais: cartazes publici-
poucos e de modo orgânico através de trocas, tários, culturais e sociais.
doações e algumas aquisições. *
Hans Rudi Erdt

15

Cassandre
16
Eugène Grasset

® Banania

Ludwig Hohlwein

Fortunato Depero

Herbert Leupin
Leonetto Cappiello

Ziraldo

Savignac
Pierre Mendell Jean Carlu

Alain LeQuernec
Shigeo Fukuda

Grapus Seymour Chwast

Tomi Ungerer

Rafic Farah
17
18
Paul Rand Michel Bouvet

Rico Lins
Stephan Bundi

Change Is Good ® Hatch Show Print

Grapus
René Azcuy
O CARTAZ
HISTÓRIA DO CARTAZ
Registros comprovam que foram produzidos
cartazes na antiguidade: nas ruínas das cidades

Jules Cheret
italianas de Pompéia e Herculano, encontraram
vários cartazes comerciais. Até o século XV, os
cartazes usavam apenas o recurso das palavras;
a partir desse período, no entanto, passaram
a lançar mão da ilustração. Sua produção co-
meçou a crescer, nos séculos XVIII e XIX, com a 19
Revolução Industrial.
Autor desconhecido

O desenvolvimento dos centros urbanos contri-


buiu para a aceleração do ritmo de vida das pes-
soas, dirigindo a atenção dos anúncios afixados
em muros, postes e paredes para os cartazes
ilustrados. Estes foram favorecidos pela mudan-
ça, pois apresentavam uma comunicação rápi-
da e eficiente, essenciais ao momento. O fran-
cês Jules Chèret foi uma grande influência na
produção desse tipo de cartaz ao desenvolver
projetos com cores vibrantes a partir da litogra-
fia, considerada a técnica mais comum no pe-
ríodo. O uso de figuras femininas em situações
descontraídas, o predomínio de ilustrações e a
influência da fotografia foram importantes em
sua obra. O francês Henri de Toulouse-Lautrec,
também teve papel importante na difusão do
cartaz no século XIX, retratando personagens
da boemia francesa.

Tullio d’Albisola
O cartaz, inicialmente identificado com o Art
20 Noveau, absorveu os movimentos da vanguarda
do século XX como o Dadaísmo, o Futurismo e o

Sternberg Brothers
Construtivismo – e, posteriormente, o Art Déco.
Esses movimentos influenciaram a sua produ-
ção na Europa e no mundo. O cartaz se afirmou
como um eficaz meio de comunicação de massa
e teve um de seus momentos mais produtivos
durante a primeira metade do século xx, com a
ascensão do cinema e das mudanças políticas
e sociais importantes ocorridas antes, durante
e após as grandes guerras. Ao cartaz cabia di-
vulgar produtos e entretenimento, assim como
mensagens políticas e ideológicas.
Cassandre
22

O CARTAZ
NO BRASIL
O CARTAZ

Atelier Mirga
Atelier Mirga
Os caminhos traçados pelas artes gráficas bra-
sileira são bastante tortuosos. Instalado oficial-
mente apenas em 1808, mais de três séculos após
Gutenberg, o primeiro prelo brasileiro veio na
bagagem da corte portuguesa, que fugia da ocu-
pação napoleônica que se espalhava pela Europa.
Ainda que submetida, em seus primórdios, à uma
censura prévia, logo a imprensa brasileira se diver-
sificou em diversos folhetins e jornalecos dispos-
tos a desafiar o discurso monárquico e formar uma Tardio, o salto qualitativo viria apenas em 1880,
24 consciência civilizatória no país. Infelizmente, as com a Proclamação da República. Nesta ocasião,
condições materiais destas publicações não eram a imprensa assumiu uma posição de maior res-
das melhores, com prelos precários, papel de qua- ponsabilidade na vida pública brasileira, aban-
lidade sofrível e máquinas compradas de segunda donando, aos poucos, o caráter artesanal de
mão de países mais desenvolvidos. seus primeiros anos. Porém, somente no século
XX, ela incorpora algumas novidades tecnológi-
cas já utilizadas na Europa e nos Estados Unidos,
tais como a impressão rotativa, o papel-bobina
e a composição mecanizada de texto. A partir
da década de 30, com o surgimento das grandes
empresas de comunicação, ela definitivamente
Atelier Mirga

cresce e se aprimora.
Autor desconhecido

Fulvio Pennacchi A partir da década de 1950, o cartaz no Brasil co-


meçou a ser influenciado por movimentos artís-
ticos como o Concretismo e o Construtivismo e
pela ainda incipiente prática do design gráfico.
Em 1951, foi inaugurada a Bienal de Arte de São 25
Introduzidos no Brasil dos anos 1920, os peque- Paulo, que fomentou uma produção mais próxi-
nos cartazes publicitários que eram veiculados ma do artístico, distanciando-se da propaganda
em bondes, deram espaço às primeiras cam- direta. A mais antiga iniciativa no gênero refle-
panhas higienistas e de natureza política nos te a produção do cartaz à luz do diálogo com
anos 1930 enquanto na década seguinte, sua as artes plásticas e o design gráfico. Idealizada
maior presença se dava nos cartazes do cinema pelo industrial paulista Francisco Matarazzo
onde, pela primeira vez dois meios de comuni- Sobrinho, a Bienal configura desde 1951, um
cação de massa coligados fomentavam sonhos momento efervescente da produção cultural
e dramaturgia. brasileira, reunindo em cada edição representa-
ções de dezenas de países e tem no cartaz um
de seus importantes veículos de difusão.
Antônio Maluf, Alexandre Wollner e Geraldo de por abordagens mais experimentais que ex-
Barros estavam entre os cartazistas com obras ploram os limites do cartaz enquanto veículo
mais consistentes neste período dando espaço como alguns criados para divulgação do Prêmio
nas décadas seguintes à difusão de espetáculos Design da Casa Brasileira e obras híbridas que Antonio Maluf

teatrais, lançamentos musicais, eventos cultu- trabalham com a superposição de tecnologias.


rais e políticos e da crescente presença de ma- https://vimeo.com/236107252
nifestações da contracultura que marcaram boa https://vimeo.com/45903950
parte da produção dos anos 1970-80. https://vimeo.com/33928825

Com o surgimento do outdoor no Brasil e a


26 crescente expansão imobiliária e comercial dos
centros urbanos, em meados dos anos 90 o car-
taz começou a perder espaço e, consequente-
mente, sua produção encontrou novos limites,
encontrando uma retomada nas décadas se-
guintes com a introdução, por um lado, da tec-
Alexandre Wollner / Geraldo de Barros

Geraldo de Barros / Alexandre Wollner


nologia de impressão digital e por outro, a valo-
rização de processos tradicionais de impressão
analógica como a tipografia e, em menor escala,
a serigrafia. Uma outra vertente é representada
Rogerio Duarte

Ziraldo
27
28
Pedro Mattos

Guilherme da Cunha Lima

Diego Belo
Rico Lins

29
30
Rico Lins
PROJETO BRASIL EM CARTAZ
O cartaz é um meio de comunicação gráfica por excelência mas
sua produção foi pouco sistematizada em exposições ou livros.
Tema de diversas teses universitárias, o cartaz, assim como o design
brasileiro contemporâneo vive momento de crescente reconheci-
mento internacional, o que por si só justifica o empenho em divulgar
a sua produção na França, berço histórico do cartazismo moderno.

Este recorte temático encontrou sua primeira manifestação in-


ternacional através do projeto Brazil em Cartaz que reuniu deze- 31
nas de cartazes originais brasileiros produzidos desde a segun-
da metade do século XX com o intuito de resgatar, sistematizar
e registrar a história e o momento de transformação do cartaz
brasileiro, através de exposição, publicação e atividades parale-
las. Este projeto foi apresentado em 2005, durante as comemo-
rações do Ano Brasil-França, no Pôle Graphique de Chaumont, —
uma das mais importantes referências internacionais do grafismo
contemporâneo.
Rico Lins
Rico Lins

Pioneira no universo gráfico brasilei- nal à exposição de cartazes brasileiros em


ro, esta exposição lança importantes Chaumont organizou-se uma grande re-
questões: de onde vem e para onde trospectiva do rico acervo histórico do car-
vai o cartaz no Brasil? Quais são as taz francês no Instituto Tomie Ohtake em
instituições preocupadas em preser- São Paulo. Esta exposição apresentava seus
vá-los? Quem os produz? Quais as mais importantes criadores e abrangia des-
políticas que controlam e estimulam de peças originais do século XIX a cartazes
sua fixação? Ao reunir e sistematizar contemporâneos.
uma importante parcela desta pro-
dução, esta exposição possibilitava http://www.ricolins.com/portfolio/brazil-em-cartaz/

32 expandir o tema a novos horizontes,


acrescida de outros cartazes, outros
estilos, outras linguagens e outros
artistas. Nesta perspectiva, uma ver-
são itinerante da exposição foi apre-
sentada em 2008 no Festival della
Creatività, evento internacional se-
diado na cidade de Florença, na Itália.

Em 2009 coube o Brasil sediar o Ano


França Brasil com uma extensa série
de atividades culturais. Nesta oca-
sião, como contrapartida institucio-
EXPOSIÇÃO CONNEXIONS > CONEXÕES

Em paralelo à exposição do acervo histórico do Pôle Graphisme


de Chaumont, a exposição Connexions>Conexões convidou, ain-
da no quadro do Ano França-Brasil, dez designers franceses e dez
brasileiros a apresentar suas produções mais recentes no Sesc
Pompéia, em São Paulo.

Com foco particular nos cartazes e projetos editoriais a exposição


buscou valorizar a criatividade presente no “design gráfico auto-
ral”. Dentre os designers escolhidos para representar o novo pa- 33
norama francês, muitos foram formados por criadores cuja prá-
tica se situava no campo do design gráfico de utilidade pública.
Os participantes brasileiros por sua vez apontam para novas dire-
ções no mercado e para a cultura visual contemporânea. A troca
entre franceses e brasileiros estabeleceu o primeiro diálogo ge-
Rico Lins

nuinamente internacional de criadores gráficos em nosso país e


teve a importância histórica ao contrapor dois universos culturais
ao mesmo tempo profundamente diversos e semelhantes, per-
mitindo uma reflexão sobre linguagem, autoria e globalização.

http://www.ricolins.com/portfolio/connexions/
Rico Lins
EXPOSIÇÃO PONTO DE VISTA

Apresentada em 2013 no Rio de Janeiro e dois anos depois em


São Paulo, a exposição Ponto de Vista reuniu pela primeira vez
uma centena de cartazes internacionais desconhecidos do pú-
blico brasileiro, fomentando as ações de divulgação e reflexão
sobre o tema.

EXPOSIÇÃO MANIFESTO GRÁFICO

34 Pode-se dizer que, se a variedade é uma tônica da exposição, a


Rico Lins

intenção não é traçar um panorama a ser observado, mas sim


experienciado. Acredito que, apesar de estarmos cada vez mais
submersos em um universo de imagens descartáveis, uma ima-
gem ainda vale mais do que mil palavras.

A mostra Manifesto Gráfico apresenta um recorte atualizado da


produção mundial de cartazes. São cerca de 120 trabalhos que
transitam por períodos, propostas, países e artistas distintos,
compondo um panorama diversificado que permite explorar a
linguagem híbrida e efêmera dessa mídia de massa.
A ideia inicial desta mostra surgiu a partir da soma de dois pro-
jetos anteriores: as exposições Brasil em Cartaz (até então inédi-
ta no Brasil) e Ponto de Vista. Manifesto Gráfico resultou, assim,
do levantamento cuidadoso da produção de cartaz no Brasil em
diferentes formatos, regiões e períodos, reunidos através uma
chamada pública aberta para todo o país e permitindo a inclusão
tanto de cartazes em produção no momento como dos já con-
sagrados. O segundo projeto, Ponto de Vista, ao inverter a lógica
da proposta anterior e apresentar aos brasileiros um recorte da
produção internacional contemporânea, foi acrescida com no-
vas obras desenvolvidas a partir de novas tecnologias em países 35
considerados referência, como a Polônia, a Holanda, a Suiça e a
Alemanha. Os cartazes eletrônicos que incorporam recursos de
animação abrem uma nova perspectiva para a sobrevivência do
cartaz no ambiente urbano contemporâneo e foram mostrados
pela primeira vez no Brasil. Exemplos destes cartazes podem ser
acessados através dos links
https://vimeo.com/289514233
www.ricolins.com/portfolio/manifesto-grafico/
https://vimeo.com/289515911

Rico Lins
36

CARTAZES
COMENTADOS
BRASIL EM CARTAZ

Rico Lins
A peça, criada para divulgar a primeira grande
mostra de cartaz brasileiro no exterior, teve a
intenção de discutir o papel do cartaz no Brasil,
os quais muitas vezes são relegados ao segun-
do plano, enquanto peça de comunicação. O
autor do projeto e curador da exposição resol-
veu explorar, simultaneamente, as três princi-
pais linguagens tecnológicas utilizadas (o lam-
be-lambe, o offset e a serigrafia) para falar desta 37
produção. O lambe-lambe tradicional quase
não conta com a participação do designer, man-
tendo sua função básica de informação direta e
muitas vezes é encomendado por telefone e im-
presso, tipograficamente, com grandes letras de
madeira ou chumbo. A serigrafia é um processo
antigo e versátil que costuma ser utilizado, des-
de formatos bem simples a impressões mais so-
fisticadas, com várias cores especiais. É comum
ser usada na Europa e no Japão para a impres-
são de cartazes de grande formato. Considerado
Rico Lins

Rico Lins
o meio principal de impressão para grandes tiragens, o offset
baseia-se na litografia e vale-se dos meios digitais de produção,
sendo impressos industrialmente. Nesse contexto, foi criada uma
série de cartazes utilizando cada uma dessas diferentes técnicas
para serem posteriormente impressos uns sobre os outros, dispu-
tando a mesma folha de papel e espaço na parede – e refletindo
a precariedade da produção do cartaz no Brasil. O prendedor de
roupa, símbolo da exposição, faz uma referência ao cordel e ao
efêmero, que – juntamente com a frase do artista plástico Hélio
Oiticica, ‘Seja marginal, seja herói’ – define e sintetiza bem a situ-
38 ação e atuação do cartaz no Brasil.
LAMBE-LAMBE

Técnica tradicional que utiliza, geralmente, a se-


rigrafia ou a composição tipográfica com tipos
móveis de madeira ou chumbo, impressos sobre
papel fino e colorido. Baratos, efêmeros e descar-
táveis anunciam temas de apelo popular, como
campanhas políticas e shows. O lambe-lambe
tornou-se, com isso, o cartaz urbano mais aces-
sível e democrático adotado por muitas cidades
brasileiras. De espetáculos teatrais aos bailes das 39
casas noturnas dos subúrbios, estes impressos de
aparência tosca e custo reduzido ocuparam os ta-
pumes de obras, as estruturas de viadutos, os mu-
ros da linha ferroviária e outras superfícies menos
nobres. Esse tipo de cartaz – que perdeu bastante
espaço em São Paulo com a Lei Cidade Limpa, em
vigor desde 01/01/2007 – atende hoje, sobretudo,
os mercados de arte e design gráfico.
https://www.youtube.com/watch?v=kI5RekPMh_c

Exposição Brasil em Cartaz, Chaumont


https://vimeo.com/289540144
OSTENGRUPPE

Formado por quatro designers, o grupo russo é


um dos responsáveis pelo renascimento do car-
taz na Rússia. Seu trabalho é fruto da produ-
ção paralela de um escritório de comunicação
visual institucional. Produz, pelo menos, um
cartaz por semana.

Ostengruppe

40
BIENAL DE SÃO PAULO

Com exceção da Bienal de Arte de São Paulo,


são raros os eventos no Brasil que utilizam o
cartaz para sua divulgação. A iniciativa da Bienal
é um termômetro do que ocorre na produção
brasileira hoje – baseada em obras mais experi-
mentais, estabelecendo o diálogo com a produ-
ção artística.

41
Antonio Bandeira

Danilo di Prete

Goebel Wayne

Rodolfo Vanni
POLONESES

A Polônia tem grande tradição na criação de o trabalho de grupos como o Grapus, forma-
cartazes, impulsionada por uma lei que incenti- do por seus ex-alunos, que contribuíram para
vou sua produção no país, nas décadas de 60 e transformar o cartaz em peça central da militân-
70. Henryk Tomaszewski, professor da escola de cia política e cultural na França.
cartaz de Varsóvia, assumiu papel importante
em toda a produção polonesa ao introduzir uma
atitude mais conceitual, interpretativa e subjeti-
va do cartazista em relação ao tema. Influenciou
42
Henry Tomaszewski

Boleslaw Polnar

Riszard Kaja

Jan Sawka
DIREITOS HUMANOS

Como parte das comemorações do bicentená- brasileiro Rico Lins, convidado latino-americano
rio da Revolução Francesa, em 1989, o coletivo para integrar a mostra.
Grapus organizou uma exposição de cartazes www.ricolins.com/portfolio/les-droits-de-lhomme-et-du-citoyen/

com a participação de 66 convidados de dife-


rentes países, cuja temática foi direitos huma-
nos. Entre os artistas convidados estão o húnga-
ro Tibor Kalman, uma referência na renovação
do design nova-iorquino dos anos 90, o japonês
Shigeo Fukuda, o catalão Peret, o francês Alain 43
Le Quernec, o polonês Roman Cieszlewicz e o
Shigeo Fukuda

Tibor Kalman
Rico Lins
Peret
Rogerio Duarte

CARTAZES DE CINEMA

Os anos 30 e 40 propiciaram a produção do car- dução de Rogério Duarte, de artistas plásticos


taz de cinema no Brasil, evidenciando pela pri- como Rubens Gerchman e de designers como
meira vez o estreito diálogo entre duas mídias Fernando Lemos.
de massa. Em sua maioria de corrente realista,

Jair de Souza
os cartazes desenvolveram-se nas décadas se-
guintes com contribuição de artistas, como
Benício e outros cartazistas oriundos da publi-
cidade. Em paralelo, surgiram propostas mais
44 gráficas e contemporâneas, a exemplo da pro-
Rubens Gerchman

Autor não identificado


Fernando Lemos
45

VOCABULÁRIO
ESPECÍFICO
Iuzaku Kamekura

46
DESIGN

Paul Rand
A palavra design vem do latim designare e relaciona-se tanto com designar quanto com desenhar.
Trata-se de uma atividade que trabalha os conceitos cultural, material e visualmente: uma produ-
ção artística voltada para o cotidiano na criação de objetos, peças de comunicação e logos, que
dialoga com as áreas de arquitetura, artes visuais e outras. A produção industrial está diretamente
relacionada ao design, antes mesmo deste adotar essa nomenclatura. Em decorrência da divisão do
trabalho, intensificada com a Revolução Industrial, a atividade artesanal é substituída pelo uso de
máquinas e uma linha de produção complexa.

Em um processo de produção em série, o design inicialmente 47


Billy Bacon Nu’Des

projeta e desenha formas que se transformarão em objetos e/


ou em elementos de comunicação visual. Podemos dizer que as
duas principais vertentes na produção do design são: projeto de
produtos e comunicação visual. O design gráfico se ocupa prima-
riamente da visualidade, da informação e da imagem. Tipografia,
gravura, desenho e serigrafia são algumas possibilidades de se
comunicar graficamente – com ou sem a presença de palavras.
https://www.youtube.com/watch?v=nYl2l0XM5NQ
https://www.youtube.com/watch?v=pqWLqUimTac
TIPOGRAFIA

Sistema de impressão diretamente ligado à história da evolu-


ção gráfica e à criação da prensa tipográfica, que deu origem à
comunicação impressa mecanicamente. O alemão Gutenberg
inventou a máquina que utilizava tipos – letras e sinais gráficos
em alto relevo fundidas em metal – para transferir tinta ao papel.
Esse processo, que permite a reutilização dos “tipos móveis” para
compor textos diferentes deu origem à imprensa e seus desdo-
bramentos na difusão das línguas nacionais e a multiplicação de Ateliers Populaire
48 textos de caráter religioso, literário, comercial etc. SERIGRAFIA
Lins Bo Bardi

Rico Lins
Esse processo de impressão consiste no transferencia da tinta –
por meio da pressão de um rodo ou puxador – através da tela
previamente preparada e esticada em um quadro de madeira,
alumínio ou aço. Para cada cor de impressão é utilizada uma ma-
triz serigráfica, resultando em um impresso com grande densida-
de de cor, saturação e textura. Embora existam máquinas serigrá-
ficas automatizadas, o processo manual ainda é muito utilizado
tanto para materiais de baixo custo como para sofisticadas tira-
gens de obras de arte. Essa técnica de impressão é muito versá-
til e possibilita obter uma grande variedade de resultados sobre
diversos materiais além do papel.
OFFSET

A impressão offset é um processo que consiste na repulsão entre


a água e as tintas oleosas. Trata-se de um processo de impres-
são indireta, no qual a tinta passa por um cilindro intermediário
antes de atingir o papel. Esse processo garante a qualidade da
impressão a cores uniforme e em larga escala, em todos os tipos
de papéis, impulsionando a produção editorial e de materiais de
comunicação diversos.
Paula Scher

LAMBE-LAMBE 49

Os chamados “lambe-lambes” são uma das mais populares ex-


pressões da arte de rua, valendo-se do cartaz como forma de
comunicação e intervenção urbana. Em geral impressos sobre pa-
peis coloridos e de baixo custo, vale-se sobretudo da serigrafia e da
composição tipográfica tradicional – que geralmente combina tipos
móveis de metal com grandes letras e sinais gráficos confecciona-
dos em madeira. Muito utilizada na produção de cartazes baratos e
com médias tiragens colados em espaços públicos.

https://www.youtube.com/watch?v=kI5RekPMh_c
Bijari
Bansky
ESTÊNCIL

Técnica de reprodução que se vale de recortes de texto ou ima-


gens vazados em um material fino e em alguns casos flexível
como papelão, plástico, mdf, entre outros. Estas formas vazado
– ou máscara – deixam exposta a área onde se aplicará tinta ou
spray, servindo como molde para a reprodução de figuras e men-
sagens sobre diversas superfícies.

50

Niklaus Troxler
SUGESTÃO DE
ATIVIDADES 51

PARA
PROFESSORES
52
1. NOTÍCIAS E MANCHETES
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE OPORTUNIDADES DE DISCUSSÃO:

Com referências de cartazes de cunho social, os participantes Como abordar a informação de maneiras diferentes. Explorar a
serão convidados a escrever em um pedaço de papel uma man- dimensão política do cartaz. Discutir como imagem e texto es-
chete real ou inventada. Em seguida, todas elas serão misturadas truturam uma mensagem e sua interação com o contexto para o
e sorteadas. Individualmente ou em duplas, os participantes de- qual foi criada.
senvolverão um cartaz considerando o teor da manchete, poden-
do ou não utilizá-la na composição. No final, cada um apresenta-
rá a manchete escolhida, o percurso criativo percorrido e o cartaz 53
desenvolvido.

MATERIAIS NECESSÁRIOS:

Papéis diversos, revistas, jornais e livros antigos e/ou usados, cola,


tesoura, lápis, canetas coloridas e fita adesiva. Apresentar previa-
mente para os participante uma seleção de cartazes existentes
com mensagens políticas e sociais.
2. CARTAZES DE CINEMA
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE: POSSIBILIDADES DE DISCUSSÃO:

Os participantes serão convidados a recriar cartazes a partir do O que um cartaz é capaz de comunicar? Como apresentar, de
título de um filmes já existente aplicado a um filme de outro maneira rápida e eficiente, as informações mais relevantes sobre
gênero. Poderão ser considerados filmes de aventura, romance, um determinado tema? Para qual público queremos falar? O que
comédia, terror, animação, ficção científica, faroeste, drama ou pode ser interessante no filme para que as pessoas assistam?
musical, desde que seja de um gênero diferente do filme cujo tí-
tulo foi escolhido. Será possível mesclar épocas, técnicas, atores
54 e diretores em um mesmo cartaz. Apresentar previamente para
os participantes uma seleção variada de cartazes de cinema e es-
timulá-los a criarem em grupo uma lista de títulos de filmes que
os inspirem.

MATERIAIS NECESSÁRIOS:

Papéis diversos, jornais, revistas, cola, tesoura, lápis, canetas colo-


ridas e fita adesiva.
55

TEXTOS
ESCOLHIDOS
56
O CARTAZ BRASILEIRO NA HISTÓRIA
Por Rafael Cardoso

(in “Brasil em Cartaz”, catálogo de exposição.

Pôle Graphisme de Chaumont, França 2005)

O que é o cartaz? Não existe resposta unânime para essa pergun-


ta aborrecida, motivo perene de discussão em cursos de comuni-
cação visual. A definição citada acima representa o mínimo múl-
tiplo comum, evitando sabiamente detalhar formatos e técnicas.
Mesmo não havendo consenso, as tentativas de delimitar o que
é ou não cartaz perdem importância diante de outra indagação 57
de natureza histórica. Qual o futuro do cartaz? Sim, porque em
face das rápidas mudanças tecnológicas e sociais dos últimos
vinte anos, já é possível vislumbrar um momento em que algu-
mas variantes serão mais facilmente encontradas em coleções de
museus do que nas ruas. Será? Depende do que se entende por
cartaz. Para melhor estabelecer as bases dessa discussão, nada
Autor desconhecido melhor do que uma volta ao passado.

Vale registrar que é antigo o anseio de organizar cartazes em co-


leções. Uma das primeiras propostas para um museu do cartaz
data de 1899, ou seja, praticamente contemporânea ao que a
maioria das pessoas imagina ser o início da produção no gêne-
ro. Esse fato curioso indica que já era grande à época o universo
dos cartazes, posto que não se pode criar um museu para abri-
gar aquilo que não existe. Na verdade, como se sabe, a história
do cartaz não é tão recente assim. Mesmo sem levar em conta
as diversas manifestações anteriores à industrialização, não resta
dúvida de que floresceu ao longo do século 19 uma produção
variada e sistemática. No entanto, perdura no imaginário coleti-
vo o vício de associar a origem do cartaz ao trabalho de auto-
res como Chéret, Grasset, Toulouse-Lautrec e Mucha. A visão do
58 “cartaz moderno” como produto do final do século 19 e início do
20 deriva mais da museografia modernista do que de qualquer
reflexão histórica ponderada.

Como veículo de comunicação de massa, o cartaz é fruto de dois


fenômenos interligados – a industrialização e a urbanização. Do
ponto de vista tecnológico, sua disseminação foi facilitada pelo
barateamento do papel e pela gradativa mecanização da impres-
são de textos e imagens que colaboraram para a formação de
uma verdadeira indústria gráfica no período entre 1830 e 1890,
Alphonse Mucha

aproximadamente. A introdução da técnica do offset e o aper-


feiçoamento da impressão fotográfica, nas primeiras décadas do
século 20, marcam o amadurecimento dessa evolução. Do ponto
de vista social, a crescente utilização do cartaz para transmitir in-
formações é reflexo de novos costumes e hábitos. Pela primeira
vez na história, nas metrópoles modernas surgidas nos séculos
19 e 20, as pessoas circulavam aos milhões por áreas extensas,
indo e vindo entre a moradia e o trabalho, utilizando-se de meios
de transporte como trens, bondes, ônibus e metrô. As vias e os
veículos pelos quais transitava essa gente tornaram-se local por
excelência para a difusão de informações de interesse coletivo.
Assim, firmaram-se as precondições para o emprego generaliza-
do do cartaz: os meios técnicos para sua produção maciça e um
público sedento por absorver mensagens rápidas e sucintas. 59

Não se pode esquecer que o cartaz só tem serventia quando há


algo para ser divulgado. Tradicionalmente, a comunicação por
avisos postados em lugares públicos limitava-se a anunciar even-
tos próximos – em especial, entretenimentos – ou, então, enun-
ciados do poder constituído – em especial, decretos públicos. Na
sociedade industrial, isto mudou. A separação cada vez maior en-
tre trabalho e lazer e a implicação concomitante de alguma sobra
de dinheiro no bolso de cada um para o consumo de supérfluos
abriram toda uma nova dimensão para o cartaz, o qual passou a
Lucian Bernhard

servir como veículo para anunciar também coisas que se pode-


riam comprar. Esse aspecto publicitário veio se juntar às outras
funções tradicionais, transformando-as e criando um novo regi-
me de propaganda (em português, este termo abrange tanto o
sentido político quanto o publicitário). De meados do século 19
em diante, a dimensão comercial assumiu uma preponderância
nítida e contribuiu para redefinir tanto o formato quanto a lin-
guagem do cartaz.

Pensando de modo amplo essas funções, torna-se possível apre-


ciar melhor a inserção histórica do cartaz em suas diversas mani-
festações, que variam bastante de acordo com o local e a época.
60 Faz todo o sentido que a produção de cartazes floresça onde há
uma forte motivação para se propagar mensagens políticas (e. g.,
em Moscou por volta de 1917-1919) ou uma profusão de espetá-
culos e entretenimentos concorrendo para cativar a atenção do
público espectador (e. g., em Paris na virada do século 19 para o
20) ou uma cultura publicitária intensa de venda de mercadorias
(e. g., nos Estados Unidos desde meados do século 19). Em todos
os casos, a aglomeração de grandes multidões transitando no
Cartaz original de Cassandre em parede na França

ritmo acelerado da metrópole moderna é o fator decisivo para


transformar o cartaz em veículo privilegiado para a transmissão
de informações. Onde existem os outros componentes caracte-
rísticos da vida moderna – separação entre moradia e trabalho,
vias e meios de transporte rápido, situações que reúnam um nú-
mero significativo de estranhos, um sistema complexo de distri-
buição e comercialização de mercadorias e uma hegemonia do
espetáculo como lógica da organização social –, ali tenderão a
existir também cartazes.

Diante desse pano de fundo, fica mais fácil entender a relativa


defasagem entre a produção de cartazes no Brasil e aquela de
alguns outros países. A primeira cidade brasileira a atingir o por-
te de metrópole – aqui entendido como correspondendo ao pa-
tamar de um milhão de habitantes – foi o Rio de Janeiro, e isto
ocorreu na década de 1920. Embora o país já possuísse condi- 61
ções tecnológicas e artísticas mais do que suficientes para pro-
duzir cartazes – com sua tradição forte de litografia comercial no
século 19 –, o fato é que existem poucos exemplares conheci-
dos anteriores ao século 20. A explicação mais provável reside na
ausência de um público-alvo para esse tipo de comunicação. O
Henri Meunier
Brasil de então era um país de poucos consumidores, e a elite
da época não tinha dificuldade de obter informações através de
outros canais e veículos menos populares. É significativo que a
primeira produção sistemática de cartazes parece estar ligada
Stenberg Brothers

às campanhas de saúde pública promovidas pelo governo bra-


sileiro nas décadas de 1900 e 1910 como parte de seu conhecido
esforço higienista. O combate à febre amarela, doenças venéreas
e outros flagelos exigia, este sim, a comunicação rápida e facilita-
da para grandes parcelas da população, geralmente anônimas e
pouco ou nada alfabetizadas.

Com o surto de industrialização e o boom econômico que


se seguiram ao período da Primeira Guerra Mundial, o Rio
de Janeiro e a nascente metrópole de São Paulo ingressaram
Fulvio Pennacchi

definitivamente no regime cultural da modernidade. Um sin-


toma revelador dessa mudança foi o incremento significativo
da indústria gráfica nacional, tanto em termos de quantidade
62 quanto de qualidade, com destaque para o projeto de livros e
revistas. Avoluma-se também, a partir de então, a produção de
cartazes de caráter comercial. Em pouco tempo, alcança des-
taque uma primeira geração de cartazistas renomados, que in-
clui artistas como Henrique Mirgalowsky, Geraldo Orthof, Ary
Fagundes e Fulvio Pennacchi. Em pouco tempo, essa produção
se consolida ao ponto de viabilizar exposições de cartazes, sin-
tomáticas da abundância; algumas das primeiras destas foram
realizadas no Rio e em São Paulo em 1933. Com o surgimento
definitivo de um público de massa, o cartaz passa a se viabili-
zar como veículo de comunicação. Nesse sentido, é notável que
sua crescente presença na sociedade brasileira entre as décadas
Atelier Mirga

de 1920 e 1940 tenha se atrelado bastante ao desenvolvimento


de uma outra mass media – o cinema – com uma produção notá-
vel de cartazes para anunciar lançamentos de filmes.
Atelier Mirgalowski

A partir da década de 1950, o design brasileiro assume novos


ares, de crescente profissionalização e racionalização. Foram
varridos para debaixo do tapete do esquecimento coletivo os
grandes artistas gráficos e ilustradores comerciais da geração an-
terior, abrindo caminho para a importação de um outro paradig-
ma, ligado aos ideais construtivos que nortearam o Movimento
Concreto nas artes plásticas. No Rio e em São Paulo, abriram-se
cursos baseados numa noção alegadamente científica de pla- 63
nejamento da forma, inspirada naquilo que se fazia em Ulm,
Alemanha, na famosa Hochschule für Gestaltung. Alunos egres-
Fulvio Pennacchi
sos desses cursos montaram alguns dos primeiros escritórios
brasileiros voltados especificamente para “desenho industrial” e
“programação visual”, vistos como atividades técnicas, e não mais
como fazer artístico ou simplesmente comercial. É emblemático
que o objeto símbolo dessa ruptura – anterior mesmo aos princi-
pais manifestos escritos do concretismo – seja um cartaz. Criado
por Antônio Maluf para a I Bienal de São Paulo, esta peça é um
enunciado poderoso da extensão das mudanças pretendidas.
Desde então, instalou-se na história do cartaz brasileiro certo du-
alismo. De um lado, cartazes criados por designers com formação
superior, produzidos segundo os preceitos da “boa forma”, estes
derivados em última instância do Estilo Internacional e da escola
suíço-alemã de design gráfico (de Tschichold a Müller-Brockman).
De outro lado, uma tradição eclética ligada à ilustração, às lin-
guagens visuais de matriz vernacular e a uma estética publicitária
cultivada dentro das agências pela classe de profissionais conhe-
cidos, à época, pelo termo layout-men. Essa separação entre um
fazer erudito e um outro empírico (na falta de palavra melhor)
64 predominou entre as décadas de 1960 e 1980, atingindo por ve-
Gobel Weyne

zes um grau tão extremo que é possível conceber seus pratican-


tes como pertencendo a castas distintas. Além de retardar o re-
conhecimento de alguns grandes nomes do cartaz brasileiro no
período (e. g., J. L. Benício), a exclusão dessa tradição empírica
também camufla questões importantes do ponto de vista técni-
co. A sobrevivência do chamado “lambe-lambe” e seu predomí-
nio em determinados contextos apontam para uma história do
design gráfico brasileiro ainda por escrever.

De meados da década de 1980 para cá – ou seja, a partir da re-


democratização política –, o design brasileiro vem tomando um
rumo diferenciado, afastando-se da rigidez doutrinária do perí-
Almir Mavignier Mary Vieira
odo anterior e buscando uma reaproximação com a cultura ma-
joritária do país, esta marcada por uma longa história de aber-
tura para todas as influências e pela apropriação antropofágica
das diferenças (no sentido preconizado pelo escritor Oswald de
Andrade, na década de 1920). Pode-se dizer que houve, nos úl-
timos quinze a vinte anos, uma passagem do sectarismo para o
sincretismo. A presente exposição, com sua habilidade de conju-
gar as diversas facetas da experiência do cartaz no Brasil, é fruto
e agente dessa mudança. A partir de iniciativas como esta, será
possível começar a pensar o que é o cartaz no Brasil e de que
forma a experiência brasileira pode contribuir para uma melhor 65
compreensão desse magnífico fenômeno mundial.

Rafael Cardoso é escritor, curador, pesquisador e historiador da arte.

Rico Lins
Benicio
Rico Lins

Marcos Minini

Tonho e Marcos e Ricardo Leme


Kiko Farkas
DEZ FACES DO CARTAZ
Por Chico Homem de Melo

(in “Manifesto Gráfico”, catálogo de exposição.

Espaço Cultural Porto Seguro. São Paulo, 2017)

1.
Cartaz é gráfica pública.
Foi assim que começou, como grito das ruas.
O cartaz é gráfica de intervenção.
67

2.
Cartaz é cruzamento de linguagens.
Carrega a marca do autor, a marca do contexto e a
marca do referente — do filme, da exposição, da causa.
É simultaneamente cruzamento e ponto de encontro.

3.
Cartaz é discurso no presente.
Conectado ao transitório, o sentido é de urgência.
4. 7. 10.
Cartaz é registro e memória. Cartaz é soco no estômago, é pura provocação. Cartaz é manifestação de esperança.
O cartaz do espetáculo é registro do espetáculo É pedra no caminho, é asserção. Esperança de encontro com o outro,
e é memória da experiência do espetáculo. esperança de mudar o mundo.
O cartaz torna o transitório permanente.
8.
Cartaz é gráfica na escala do corpo.
5. Antes, impresso, era papel colado na parede,
Só isso.

Cartaz é parte do espetáculo. papel grande para ser visto de perto.


O cartaz não anuncia o espetáculo, o instaura. Agora, também digital, pode se movimentar,
O espetáculo começa no cartaz. sem deixar de ser imagem na escala do corpo.

6. 9.
Cartaz é comentário. Cartaz é síntese.
O espetáculo se instaura por meio de um co- Mesmo quando saturado de elementos,
mentário enunciado por uma voz externa. é embate com a concisão.
O comentário pode explicar e pode confundir.
O cartaz está dentro e fora ao mesmo tempo.
69

REFERENCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. LIMA, Rafael Efrem Leite de. Te cuida Hollywood: MELO, Chico Homem de. O Design Gráfico Brasileiro:
São Paulo: Cosac Naify, 2012. Análise gráfica de cartazes de chanchada de 1957 a Anos 60. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
1963. Recife, 2008. 95 p.
______. O design brasileiro antes do design: MOLES, Abraham. O Cartaz. São Paulo: Editora
Aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: ______. Estética moderna do design pernambucano: Perspectiva, 1969.
Cosac Naify, 2005. Lula Cardoso Ayres 137 f. Dissertação (Mestrado em
Design) – Programa de Pós- Graduação em Design, RAMOS, Elaine (org). MELO, Chico Homem de (org).
______. Uma introdução à história do design. São Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2011. Linha do tempo do design gráfico no Brasil. São
Paulo: Edgar Blücher, 2004. Paulo: Cosac Naify, 2011.
KIRCHSTETTER, Christelle. LINS, Rico /.

70 CARMEL-ARTHUR, Judith. Bauhaus. Tradução Luciano Conexions>Connexões. Catálogo de exposição, Sesc Rico Lins: uma gráfica de fronteira – Rico Lins: graphic
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Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.
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GAUDÊNCIO JUNIOR, Norberto. Brasil em Cartaz. ______. Manifesto Gráfico. Catálogo de exposição,
Primeira Edição, Les Silos, Maison du livre et de Espaço Cultural Porto Seguro. São Paulo, 2017. 144p.
l`affiche. Chaumont, 2005. 84p.
®Rico Lins, 2018

Textos e imagens ilustrativas são protegidos e liberados


exclusivamente para o uso do presente material didático
RICO LINS
Rio, 1955. Designer, ilustrador e educador. Viveu entre Paris, Londres e
Nova Iorque a partir de 1979. Mora em São Paulo desenvolvendo projetos
de identidade visual, para mídia impressa e digital e exposições. Exposições
individuais no Centre Georges Pompidou-1982, Inst. Tomie Ohtake-2009, Museu
da Casa Brasileira-2016. Publicado em inúmeras revistas e livros internacionais
de design. Curador/autor dos projetos Brasil em Cartaz-França,2005;
Connexions>Conexões-SPaulo,2009; Rico Lins: Grafica de Fronteira-Rio,2009;
Manifesto Gráfico-SPaulo. Professor/coordenador de cursos na School of Visual
Arts N.York,1990; IED SPaulo,2006; EBAC SPaulo,2015. Mestrado Royal College
of Art, Londres,1987. Membro da Alliance Graphique Internationale-Suiça,1997.

2018

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