Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
com
C1i0ê6n2cia Rural, Santa Maria, v.45, n.6, p.1062-1065, jun, 2015 Dias et ai. http://dx.doi.org/10.1590/0103-8478cr20140669
- NOTA -
Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
EU
Filho (UNESP), 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail: deborah_dias@hotmail.com. *Autor correspondente.
Recebido em 01.05.14 Aprovado em 23.10.14 Devolvido pelo autor 18.02.15
CR-2014-0669.R1 Ciência Rural, v.45, n.6, jun, 2015.
Empiema de bolsa gutural bilateral primário em um potro de dois meses de idade. 1063
ao desconforto respiratório. Os proprietários relataram acúmulo excessivo de muco causado por doenças
que durante os últimos 7 dias o potro apresentou das vias aéreas inferiores (PUSTERLA et al., 2006).
aumentos progressivos caudalmente na cabeça, Essas anormalidades podem estar associadas à
seguidos de secreção nasal. A sucção diminuiu e parou 2 pneumonia aspirativa secundária à disfagia,
dias antes da apresentação. O parto e a ingestão de conforme relatado por WILKINS (2010). Em casos de
colostro foram normais para este potro. Os proprietários empiema GP grave a disfagia é uma manifestação de
também relataram que a represa do potro, e outras três neuropatia craniana (FREEMAN & HARDY, 2012). Os
éguas da mesma fazenda, tiveram estrangulamentos nervos glossofaríngeo, vago e hipoglosso, que
recentemente e não foram tratadas. Todos esses inervam os músculos utilizados no processo de
animais foram alojados juntos em um grande piquete, e deglutição, estão contidos em uma prega da mucosa
seus status de vermifugação e vacinação (contra vírus ao longo da parede caudal do compartimento medial
influenza, encefalomielite, tétano e raiva) estavam do GP (CARMALT, 2002; BORGES & WATANABE, 2011).
atualizados. Ao exame inicial, o potro estava apático, Essa estreita relação anatômica entre o GP e os
desidratado, taquicárdico (180 batimentos por minuto), nervos cranianos pode levar a anormalidades
levemente piréxico a 39,6°C e taquipneico (45 incursões neurológicas na presença de uma doença, sendo a
por minuto) acompanhado de dilatação das narinas. As micose a lesão mais comum associada a distúrbios
mucosas estavam congestionadas e de cor vermelha, de nervos cranianos (BORGES & WATANABE, 2011).
tempo de enchimento capilar prolongado (3 segundos), No presente caso, embora incomum nos casos de
pulso da artéria facial fraco e extremidades frias. O potro empiema (MODRANSKY, et al. 1982; HARDY &
apresentava tumefações retrofaríngeas graves direita e LÉVEILLÉ, 2003), os nervos cranianos podem ter sido
esquerda (Figura 1A-B) dolorosas à palpação e com acometidos pela compressão dentro da bolsa devido
copiosa secreção mucopurulenta nasal bilateral (Figura ao alto volume de exsudato, condizente com a
1C). Tosse e disfagia eram evidentes, e o potro evolução da disfagia. Ao primeiro exame, o potro
apresentava pescoço alongado. A auscultação revelou apresentava dificuldade de deglutição e o úbere da
acúmulo de muco traqueal e sons pulmonares anormais. mãe estava cheio de leite, sugerindo redução da
A mãe, encaminhada com seu potro, estava com o úbere ingestão. Em relação à morte súbita, sabe-se que a
cheio de leite e apresentava abscesso retrofaríngeo pneumonia bacteriana em potros pode levar ao
rompido à esquerda (Figura 1D). A história e os sinais desenvolvimento de sepse (WILSON, 2003; ROY,
clínicos sugeriram empiema do GP e devido à grave 2004) e a sepse grave é acompanhada de síndrome
distensão bilateral levando à dispneia, uma drenagem de disfunção de múltiplos órgãos devido a fatores
cirúrgica de emergência foi recomendada. Um cateter foi como aumento dos níveis circulantes de mediadores
colocado na veia jugular, o potro recebeu 5 litros de uma inflamatórios, hipotensão e má perfusão vascular
solução contendo 0. 9% de NaCl e 5% de glicose, porém (BONE et al., 1992). O potro apresentava sinais de
morreu subitamente durante a administração de fluidos. choque séptico, como letargia, taquicardia,
A necropsia foi realizada imediatamente e revelou a taquipneia, pirexia, pulsos fracos e extremidades
plenitude do GP direito e esquerdo por exsudato frias conforme descrito por ROY, (2004).
mucopurulento, sem sinais de abscessos retrofaríngeos, Provavelmente o estresse causado pela contenção
presença de acúmulo de muco na traqueia e congestão física para implantação do cateter e administração de
pulmonar difusa nos pulmões sugerindo pneumonia. fluidos, aumentou o consumo de oxigênio dos
Um estudo bacteriológico de material purulento tecidos, e o potro desenvolveu isquemia miocárdica
identificado Streptococcus equiDeformação. por má perfusão, seguida de parada cardíaca. O
empiema em potros pode ser secundário ao
A distensão retrofaríngea bilateral, timpanismo do GP (FREEMAN, 1980). No entanto,
descarga mucopurulenta nasal abundante e pescoço para o presente caso, essa etiologia foi excluída
em extensão são sinais clássicos de empiema GP porque os proprietários não relataram evidências de
(FREEMAN & HARDY, 2012), e para o presente caso timpanismo durante o início dos sinais clínicos. No
esses sinais determinaram o diagnóstico. Os demais caso de um timpanismo, o aumento seria indolor,
achados clínicos, como depressão, anorexia, apareceria logo após o nascimento, pois a condição é
taquicardia, taquipnéia, congestão de mucosas, congênita (BLAZYCZEK et al., 2004; FREEMAN &
tempo de enchimento capilar prolongado e pirexia HARDY, 2012), e o potro não apresentaria sinais de
são comumente associados a infecções do trato sepse, pois GP timpany é uma condição não
respiratório (WILSON, 2003). O potro também infecciosa.
apresentava chocalho traqueal, resultado comum de
Figura 1 - Edema retrofaríngeo direito (A) e esquerdo (B) em potro com bolsa gutural bilateral
empiema. O porte do pescoço estendido também pode ser observado (A,B). Corrimento
mucopurulento nasal em potro com empiema de bolsa gutural bilateral (C). Abscesso
retrofaríngeo rompido em égua com estrangulamento (D).
(HARDY & LÉVEILLÉ, 2003). Para este caso, não foram A mãe apresentou abscesso do linfonodo retrofaríngeo
observados sinais de infecção dos linfonodos esquerdo, mostrando que esta égua não era resistente a
retrofaríngeos durante a necropsia. Assim, o potro não estrangulamentos e, portanto, não transferia imunidade
desenvolveu estrangulamentos, e as bactérias adequada ao seu potro. Éguas gestantes devem receber
provavelmente colonizaram as vias aéreas superiores reforço vacinal um mês antes da data prevista para o parto
atingindo o GP, conforme descrição de AINSWORTH & (SWEENEY et al., 2005). Além disso, o potro vivia em um
CHEETHAM (2010) e FREEMAN & HARDY (2012). No rebanho que não foi vacinado contra estrangulamentos e foi
entanto, o desenvolvimento de qualquer tipo de infecção exposto a um ambiente fortemente povoado por
em potros com menos de 3 meses é a exceção e não a Streptococcus equisubespécies equidurante um surto da
regra. Um potro é praticamente imunocompetente ao doença. Portanto, embora incomum aos 2 meses de idade, o
nascimento, e sua resposta imune primária confere potro foi infectado e desenvolveu um empiema primário de
proteção por 2 semanas. Durante esse intervalo de GP, sem abscessos linfonodos. O estrangulamento é a
tempo, a imunidade passiva adquirida do colostro é doença infecciosa de equinos mais frequentemente
essencial para prevenir a infecção (GUIGÈRE & POLKES, diagnosticada e causa significativo impacto econômico e de
2005). Os anticorpos colostrais ingeridos nas primeiras bem-estar em rebanhos em todo o mundo (WALLER, 2013)
24 horas de vida atingem a mucosa nasofaríngea destacando a importância de métodos preventivos,
proporcionando proteção (SWEENEY et al., 2005). Os incluindo vacinação, e mudanças ambientais e de manejo
proprietários relataram parto normal e ingestão de adequadas para controlar os surtos.
colostro normal. No entanto, o potro
BONE, RC et al. Definições para sepse e falência de órgãos e diretrizes PUSTERLA, N. et al. Abordagem diagnóstica das doenças respiratórias
para o uso de terapias inovadoras na sepse. O Comitê da Conferência infecciosas.Técnicas Clínicas na Prática Equina, v.5, n.3, 174-186,
de Consenso ACCP/SCCM. American College of Chest Physicians/ 2006. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/
Society of Critical Care Medicine.Peito, v.101, n.6, 1644-1655, 1992. pii/S1534751606000278>. Acessado em: abril de 2014. doi:10.1053/
Disponível em: <http://journal.publications. chestnet.org/data/ j.ctep.2006.03.012.
Journals/CHEST/21647/1644.pdf>. Acessado: abril de 2014.
doi:10.1378/chest.101.6.1644. ROY, MF Sepse em adultos e potros.Clínicas veterinárias da
América do Norte: Prática equina, v.20, n.1, 41-61, 2004.
BORGES, AS; WATANABE, MJ Doenças da bolsa gutural causando Disponível em: <http://www.vetequine.theclinics.com/article/
disfunção neurológica em equinos.Clínicas veterinárias da S0749-0739(03)00076-2/pdf>. Acessado em: abril de 2014.
América do Norte: Prática equina, v.27, 545-572, 2011. doi:10.1016/j. cveq.2003.12.005.
Disponível em: <http://www.vetequine.theclinics.com/article/
S0749-0739(11)00046-0/pdf>. Acessado em: abril de 2014. SWEENEY, CR et al.Streptococcus equiInfecções em cavalos:
doi:10.1016/j. cveq.2011.08.002 diretrizes para tratamento, controle e prevenção de
estrangulamentos. Revista de Medicina Interna Veterinária, v.19,
CARMALT, J. Doenças da bolsa gutural em equinos.Rondas n.1, 123-134, 2005. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/
Veterinárias de Grandes Animais, v.2, n.2, 1-6, 2002. 10.1111/j.1939-1676.2005.tb02671.x/abstract>. Acessado: abril de
2014. doi:10.1111/j.1939-1676.2005.tb02671.x.
FREEMAN, DE Diagnóstico e tratamento das doenças da bolsa
gutural (Parte 1).Compêndio de Educação Continuada para a TAYLOR, SD; WILSON, WDStreptococcus equisubsp.equi
Prática de Veterinário, v.2, S3-S11, 1980. (Estrangula) infecção.Técnicas Clínicas na Prática Equina, v.5,
n.3, 211-217, 2006. Disponível em: <http://www.sciencedirect.
FREEMAN, DE; HARDY, J. Bolsa gutural. In: AUER, JA; STICK, J. com/science/article/pii/S153475160600031X>. Acessado em: abril
Cirurgia equina. St. Louis: Elsevier Saunders, 2012. Cap.46, de 2014. doi:10.1053/j.ctep.2006.03.016.
p.623-642.
TIMONEY, JF Os estreptococos eqüinos patogênicos.Pesquisa
GERARD, MP et al. Infecções da cabeça e estruturas oculares no Veterinária, v.35, n.4, 397-409, 2004. Disponível em: <http://www.
cavalo.Clínicas veterinárias da América do Norte: Prática vetres.org/articles/vetres/pdf/2004/04/V4403.pdf>. Acessado em: abril
equina, v.22, n.2, 591-631, 2006. Disponível em: <http://www. de 2014. doi:10.1051/vetres:2004025.
vetequine.theclinics.com/article/S0749-0739(06)00010-1/pdf>.
Acessado: abril de 2014. doi:10.1016/j.cveq.2006.03.009. WALLER,AS Strangles:dando passos para a erradicação.Microbiologia
Veterinária, v.167, n.1-2, 50-60, 2013. Disponível em: <http://
GUIGÈRE, S.; POLKES, AC Distúrbios imunológicos em potros www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378113513002137>.
neonatos.Clínicas veterinárias da América do Norte: Prática Acessado: abril de 2014. doi:10.1016/j.vetmic.2013.03.033.
equina, v.21, n.2, 241-272, 2005. Disponível em: <http://
www.vetequine. theclinics.com/article/S0749-0739(05)00021-0/pdf>. WILKINS, PA Distúrbios de potros. In: REED, SM et al.Medicina
Acesso: abril de 2014. doi:10.1016/j.cveq.2005.04.004. interna equina. St. Louis: Saunders, 2010. Cap.21, p.1311-1363.
HARDY, J.; LÉVEILLÉ, R. Doenças das bolsas guturais. Clínicas WILSON, WD Pneumonia em potros. Em: ROBINSON, NETerapia
veterinárias da América do Norte: Prática equina, v.19, atual em medicina equina. St. Louis: Saunders, 2003. Cap.12.8,
n.1, 123-158, 2003. Disponível em: <http://www.vetequine. p.666-674.