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ESBOÇO PARA UMA TEORIA DA MENTE E DA MEMÓRIA

1ª Edição - Livro Digital.


Arcoverde, 2021.
SINOPSE

Inspirado pela postura de Sartre em “Esboço Para Uma Teoria das Emoções” e pelo espírito
geométrico de Spinoza em seu livro “Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras” o texto “Esboço
Para Uma Teoria da Mente e da Memória” se propõe a ser um exercício de filosofia que busca a
possibilidade de uma “psicologia geométrica”, trazendo à tona noções básicas de psicologia através
do método axiomático-dedutivo (tão caro a geometria euclidiana), criando, de maneira coesa, um
breve glossário de conceitos fundamentais, que encontra raízes na influência de autores como Kant,
Bergson e Mário Ferreira dos Santos.
ESBOÇO PARA UMA TEORIA
DA MENTE E DA MEMÓRIA

1 Introdução……………………………………………………………………………………………………………..06
2 O Método Axiomático-Dedutivo………………………………………………………………………………10
3 Psicologia Demonstrada à Maneira dos Geômetras………………………………………….…………12
3.1 Definições……………………………………………………………………………………….…………13
3.2 Axiomas…………………..………………………………………………………………………….……15
3.3 Pressupostos……………………………………………………………………………………………..16
4 Demonstração da Tese Preliminar…………………………………………………………………….………27
4.1 Tradução das Definições da Tese…………………………………………………………………28
4.2 Axiomas Para a Demonstração da Tese………………………………………………………..30
4.3 Demonstração dos Pressupostos da Tese………………………………………………………31
5 Posfácio………………………………………………………………………………………………………………….33
Bibliografia.………………….………………………………………………………………………………………..35
Capítulo 1
INTRODUÇÃO

A ideia que concebe este ensaio é muito antiga; Em 24 de agosto de 2018 eu escrevi um
pequeno texto em meus cadernos chamado “Observação Psicológica”. Tratava-se de um insight que
tive sobre as memórias. Numa transcrição fiel, o texto diz:

“As memórias (janelas e suas associações) não atuam a bel prazer do indivíduo,
mas estão ligadas à percepção do ambiente. A percepção do agora remete a uma percepção
passada que dirige tal memória a nós. Se pararmos para observar, tudo o que pensamos ou
falamos remete a algo do ambiente”.

Lembro-me do momento que me conduziu a este pensamento. Em um encontro com um


amigo, enquanto conversávamos, lembrei-me de uma colega. A memória dessa colega parecia difusa,
nada do que eu conversava com meu amigo dizia respeito a ela, nada ao meu redor parecia um
estímulo que me fizesse lembrar dela, a memória surgiu como que “do nada”.
Mais tarde investiguei a origem dessa memória e percebi que haviam sim, estímulos
imperceptíveis na conversa com meu amigo e no ambiente ao meu redor que fizeram com que eu
me lembrasse desta colega, sob uma análise aposteriori conclui que aquela memória não se tratava de
uma lembrança acidental.

Esse pensamento, que chamarei de “Tese Preliminar” entrou em latência por quase dois
anos. Nada em meus cadernos remete a qualquer coisa sobre memória ou lembrança. A ideia para o
texto volta somente em 2020, numa seção de meu caderno onde eu listava certas ideias que pensava
em transformar em textos. Agora com o nome “Esboço para uma Teoria da Memória”, o texto
inescrito (se me permitem o neologismo) encontrava-se como o último na lista de prioridades de
textos como: Novas Considerações Sobre a Arte; Ecologia e Pseudo-Ecologia (escrito como
“Considerações Sobre a Ecologia”); Por Que as Pessoas Cometem Crimes? (ainda inescrito).
Mais tarde, no dia 1 de abril de 2020 há uma pequena seção intitulada “Para o Ensaio sobre
Memória e ideias”, onde anoto textos que enriqueceram meu pensamento sobre a Tese Preliminar,
entre os textos estão: Antropologia na Encruzilhada (um artigo sobre a antropologia kantiana),
Raízes da Psicologia (de Izabel Ribeiro Freire, livro que me acompanhou durante os dois primeiros
períodos do curso de Psicologia), Esboço Para Uma Teoria das Emoções (de Jean Paul Sartre, texto
que inspirou o título do ensaio) e Filosofia e Cosmovisão de Mário Ferreira dos Santos.
Sem dúvidas, ótimas referências, imagino que se eu tivesse escrito este texto naquele
momento, sob a influência imediata dessas referências, seria um texto muito rico.

A última anotação sobre a ideia do texto em meus cadernos está com o título de “esboço
para uma teoria da Memória e da Mente”, nome que dá título a este ensaio. A anotação, ao contrário
das anteriores que tratavam-se de um único parágrafo, goza de 4 páginas e tem inspiração profunda
de Spinoza em sua escrita e de Bergson em alguns de seus conceitos. Em relação a Spinoza, a
inspiração que vem do filósofo holandês não se deve somente a sua ética ou a sua epistemologia,
deve-se sobretudo ao seu método.
O método que Spinoza utiliza em Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras é o método
axiomático-dedutivo, que consiste em deduzir e demonstrar a concretude de proposições a partir de
definições e axiomas indemonstráveis, irredutíveis e necessários. Este método, salvo engano, é
fundado por Euclides de Alexandria, segundo muitos, o maior matemático da história, que utiliza
deste método em seu livro célebre Elementos, que espero ter a oportunidade de ler. O método
também é utilizado na grandessíssima obra Suma Teológica do doutor e santo Tomás de Aquino.
Três obras monumentais que gozam de um mesmo método de escrita e investigação, que aplica-se à
teologia, à matemática e à ética. A possibilidade de demonstrar a filosofia através da matemática (ou
melhor, da lógica presente em seu método) foi o gatilho necessário para que eu decidisse finalmente
escrever este texto. Embora a inspiração remonte à Ética de Spinoza, este livro não é um livro
propriamente espinozista, é ainda mais um livro de inspiração euclidiana.
O texto não terá o mesmo rigor metodológico que têm as outras obras citadas
anteriormente, visto que é apenas uma inspiração destes, um mimetismo juvenil. O texto trata-se de
um exercício de escrita, uma experimentação de aprendizados e conceitos.
Se uso o método axiomático-dedutivo euclidiano-tomista-spinozano não é porque já o
domino, e sim porque um dia almejo fazê-lo. Tendo isso posto, um outro título muito justo para
esse texto seria, por que não, Psicologia Demonstrada à Maneira dos Geômetras?
Capítulo 2
O MÉTODO AXIOMÁTICO-DEDUTIVO

Método é um meio, uma via, um caminho que nos leva a algum lugar esperado. O método
que inspira este ensaio, e que ele busca utilizar, é o método axiomático-dedutivo, que tem sua
origem na geometria euclidiana. Este método visa alcançar uma rigidez formal e abstrata nas
demonstrações matemáticas, ele busca fugir do reductio ad infinitum isso é, da tautologia dos
conceitos onde para explicar um conceito eu preciso mostrar um outro conceito, e esse outro
conceito precisa de um outro, e assim por diante, até retrocedermos ao ponto de partida e
recomeçarmos tudo do zero. Para evitar isso, o método axiomático dispõe de um certo número de
noções e hipóteses iniciais, consideradas como verdades evidentes, necessárias e irredutíveis. A partir
dessas noções são feitas as proposições ou pressupostos, e erige-se uma teoria sistemática, com um
rigor lógico, que se fecha em si mesma. Abrantes define o método da seguinte maneira:

O método dedutivo à maneira dos geômetras, ou simplesmente método


geométrico, pode ser facilmente compreendido tão somente pela observação de como o
tratado euclidiano está estruturado. Em primeiro lugar são enunciadas as sentenças que não
carecem de demonstração; e em segundo lugar são enunciadas aquelas sentenças que
necessitam de demonstração. As sentenças requerentes de demonstração são deduzidas e
provadas a partir das sentenças indemonstráveis. Os conteúdos das sentenças
indemonstráveis referem-se aos entes, objetos e propriedades geométricas, logo a dedução
euclidiana é estrita e puramente geométrica (ABRANTES, 2018. p. 5)
Capítulo 3
PSICOLOGIA DEMONSTRADA
À MANEIRA DOS GEÔMETRAS

3.1 Definições:

3.1.1 Por Mente compreendo o conjunto funcional de todas as faculdades do Intelecto: a abstração,
a percepção, a sensação e o registro.

3.1.2 Por Intelecto compreendo a faculdade superior do entendimento humano, que é inerente a
este. Faculdade que o diferencia psicologicamente dos demais animais e o torna um Ser consciente
de si, capaz de atribuir sentido e ordem ao ambiente e sua circunstância.

3.1.3 Por Consciência1 compreendo o estado desperto da mente. A mente compreende tudo aquilo
que o indivíduo consegue resgatar, perceber e entender de maneira imediata (sem mediações).

3.1.4 Por Inconsciente ou subconsciente2 compreendo o funcionamento de faculdades intelectivas


que acontecem sem o conhecimento da consciência. O inconsciente são as percepções, apreensões,
registros, lembranças e memórias que estão armazenados em nossa mente sem que tenhamos
conhecimento imediato de sua existência.

3.1.5 Por Memória compreendo o armazenamento do registro das sensações, percepções, abstrações
e lembranças. O intelecto compreende a memória. Ao conteúdo da memória chamamos
“memórias”.

1
No decorrer do texto, a consciência ou o consciente pode ser chamado de “atual”, e o inconsciente pode ser chamado
de “virtual”. O movimento de tornar inconsciente uma memória que estava no consciente chama-se virtualização,
enquanto o movimento de tornar consciente uma memória que estava no inconsciente chama-se atualização.
2
Este termo não será utilizado neste ensaio, no entanto, a sua presença nas definições torna-se necessário, para denunciar
uma diferenciação, mesmo que mínima, entre a psicologia que o ensaio tenta desenvolver e a psicanálise freudiana.
3.1.6 Por Registro compreendo a faculdade do intelecto de assimilar e capturar o que é percebido.
O registro atribui similaridade e identidade às percepções capturadas através dos órgãos dos
sentidos, é ele o responsável por não termos que aprender a mesma coisa mais de uma vez.

3.1.7 Por Apreensão compreendo a atividade do registro. Apreender algo é registrar este algo na
memória.

3.1.8 Por Sensação compreendo a recepção de estímulos físicos através dos órgãos do sentido. Esses
estímulos são interpretados pelo cérebro (também um órgão do sentido) e são armazenados na
memória

3.1.9 Por Percepção compreendo a sensação da sensação, isto é, a consciência da mente sobre aquilo
que foi apreendido pelos órgãos do sentido. A percepção não é uma operação passiva, o intelecto faz
um recorte do ambiente e captura apenas aquilo que o interessa. A percepção é uma operação ativa
de subtração de elementos da realidade percebida.

3.1.10 Por Ambiente compreendo tudo ao redor do indivíduo que é perceptível.

3.1.11 Por Acidental compreendo o não-dirigido, o não-consciente, o não-percebido ou o


involuntário.
3.2 Axiomas:

3.2.1 A memória não “reproduz” algo do passado no presente, ela produz algo no presente
baseando-se em algo que foi registrado no passado, produção que é percebida pela consciência. A
produção da memória nunca é totalmente fiel ao registro na qual se baseia.

3.2.2 A produção da memória no presente de um registro feito no passado é chamado de


lembrança, uma criação percebida e sentida. Armazenada na memória.

3.2.3 As lembranças podem ser modificadas quando são atualizadas.

3.2.4 As sensações podem ser internas ou externas, isso é: é possível sentir algo referente à nossa
consciência e à nossa mente (sensação interna), ou sentir algo referente ao nosso corpo ou ao nosso
ambiente (sensação externa). Pela definição 9, o mesmo ocorre com as percepções.

3.2.5 O registro não se perde, ele se conserva na memória.

3.2.6 Não existem memórias semelhantes.

3.2.7 A lembrança pode ser atualizada ou virtualizada. É atualizada quando é criada, e logo é
virtualizada (tornando-se uma memória).

3.2.8 O registro não pode ser atualizado. O que se atualiza é uma representação do registro, não o
registro em si.

3.2.9 Uma memória atualizada é uma lembrança.

3.2.10 As faculdades do intelecto são coexistentes e intercomunicantes: todas comunicam-se umas


com as outras a todo momento e ao mesmo tempo, sem excluir-se, numa relação de
interdependência
3.3 Pressupostos:

3.3.1 O Hábito é uma f unção decorrente da lembrança.


Demonstração: Quando realizamos uma ação registramos ela. Quando realizarmos esta mesma ação
novamente evocaremos a lembrança da ação executada anteriormente. A repetição da ação facilita a
atualização da lembrança, criando o hábito de repetir aquela ação naquelas circunstâncias.

3.3.2 Há uma diferença entre agir e aprender por Hábito e agir e aprender por Memória.
Demonstração: O hábito torna-se um comportamento mecânico em detrimento da repetição de
uma lembrança registrada. Aquilo que é aprendido por hábito é facilmente esquecido, visto que
ocorre em detrimento da repetição mecânica. A memória compreende não só a lembrança, mas
também as sensações, percepções e abstrações. Quando a lembrança deixa de ser mecânica e
acidental e torna-se orgânica e dirigida, as lembranças tendem a se solidificar na memória, de forma
que algo aprendido através da memória não mais depende da repetição e dificilmente será esquecido.
Escólio: Bergson afirma que o hábito vem da grandeza do corpo, que é um modo atributo da
extensão, portanto a aprendizagem por hábito é contingente e passageira. Enquanto a memória vem
da grandeza da mente, que é um modo atributo do espírito, o que se aprende pela memória se
armazena no espírito e portanto, não pode ser esquecido.

3.3.3 A Autoconsciência é a percepção da consciência.


Demonstração: é evidente pelas definições 3 e 9 e pelo axioma 4.
Demonstração alternativa:
(i) As sensações podem ser internas (relacionadas a fenômenos da mente).
(ii) A Consciência é um fenômeno da mente.
(iii) Logo: A consciência pode ser uma sensação interna.

(i) As percepções são sensações das sensações


(ii) A consciência pode ser uma sensação interna.
(iii) Logo: A consciência pode ser percebida.
(i) A consciência trata-se daquilo que o indivíduo consegue resgatar, perceber e entender de
maneira desperta e imediata
(ii) A consciência é algo que o indivíduo consegue perceber de maneira imediata
(iii) Logo: A autoconsciência é a percepção da consciência.

3.3.4 A consciência é a percepção da percepção.


Demonstração: é evidente pelas demonstrações do pressuposto anterior.
Demonstração alternativa:
(i) a percepção é um fenômeno consciente.
(ii) a percepção da consciência é um fenômeno consciente.
(iii) Logo: A percepção da percepção é a consciência da consciência. C.Q.D3
Corolário: A autoconsciência pode ser considerada portanto, a percepção da percepção.

3.3.5 O pensamento é a percepção das faculdades do intelecto em ação.


Demonstração: Quando penso sobre um cheiro, estou percebendo sua sensação, estou evocando
uma lembrança decorrente de um registro e estou criando uma abstração. Pensar sobre algo é lançar
sobre o objeto do pensamento todas as faculdades do intelecto e perceber essas faculdades em ação.
O mesmo ocorre quando estou pensando sobre pessoas, momentos ou ideias. Esse processo
geralmente é verbalizado pela consciência e torna-se uma sentença ou uma série de sentenças.
Corolário: Pelo caráter verbal atual do pensamento, não temos a consciência imediata que o
pensamento é a percepção da ação das faculdades do intelecto.

3.3.6 O pensamento pode ter origem virtual.


Demonstração: Diz-se que o pensamento teve sua origem no virtual quando não é possível sondar a
origem desse pensamento, ou seja, quando ele parece acidental. Isso acontece quando atualizamos
uma lembrança e temos consciência da lembrança sem ter a consciência da atualização da
lembrança. A esse processo damos o nome de pensamento intuitivo.
Corolário: Intuição é portanto a atualização de uma lembrança sem a consciência da atualização

3
C.Q.D: Como Queríamos Demonstrar
3.3.7 A percepção é um processo de diferenciação dos objetos percebidos.
Demonstração: Ao perceber qualquer coisa, já estou firmando uma diferença entre mim e o objeto
percebido. O ato da percepção implica um processo de heterogeneização do ambiente, isso é, firmar
diferenças entre os entes presentes no ambiente percebido. Logo, a percepção é um processo de
diferenciação dos objetos percebidos, C.Q.D.
Corolário: A percepção é um processo de diferenciação, mas esse processo não é necessariamente
atual. Ao perceber, diferenciamos, mas não percebemos esse processo de diferenciação.

3.3.8 A comparação é a percepção da diferença dos objetos.


Demonstração: Comparar é perceber o processo de diferenciação da percepção. Só é possível
comparar dois objetos heterogêneos, isto é, dois objetos sobre os quais firmamos uma diferença
através do ato da percepção.
Escólio: Os objetos devem possuir certo grau de homogeneidade (semelhança) do contrário a
operação da comparação não é possível. Só é possível comparar, justamente, uma xícara com outra,
visto que são objetos diferentes, porém englobados no mesmo conceito. Posso comparar ainda, uma
xícara e um copo, que são objetos diferentes, mas englobados na mesma função: beber. Não é
possível, no entanto, comparar (justamente) uma xícara e um cavalo, visto que são conceitos e
objetos muito diferentes, e que a ideia de xícara ou a ideia de cavalo não possuem nada de
homogêneo/correlato do qual possa-se firmar uma comparação/diferenciação justa.
Corolário: Disso se tira que a comparação não pode ser aplicada a objetos absolutamente
heterogêneos (absolutamente diferentes) ou a objetos absolutamente homogêneos (o mesmíssimo
objeto, idênticos um ao outro4). A princípio os objetos nos aparecem como homogêneos e a nossa
percepção os heterogeiniza para que o intelecto possa compreendê-los e organizá-los, comparar
objetos é, através de operações mentais, diminuir o grau de homogeneidade no qual eles nos
aparecem.

3.3.9 A associação é a atualização do encadeamento de ideias comparadas.

4
Mario Ferreira dos Santos afirma que não existem dois objetos idênticos que podem firmar identidade um com o
outro, um objeto só pode ser idêntico a si mesmo.
Demonstração: Não associamos objetos, associamos suas ideias. A associação de ideias ocorre
quando uma ideia sugere outra, e uma outra ideia sugere outra de modo a criar um encadeamento
de ideias. Não existem ideias iguais (Não é possível ter duas ideias de “carro”, a ideia de carro é a
mesma para todos os carros) de modo que associamos apenas ideias diferentes, para associar ideias
diferentes devemos perceber sua diferença e, desse modo, compará-las. A associação é portanto o
encadeamento de ideias comparadas. C.Q.D.

3.3.10 A criação é uma ação, percepção ou lembrança decorrente da atualização de


percepções.
Demonstração: Algumas percepções permanecem latentes no inconsciente, recalcadas. A atualização
não percebida dessas percepções latentes dá a impressão de uma nova percepção, de uma nova ideia,
de algo novo, de algo criado. Nenhuma criação é acidental, ela ocorre justamente em decorrência de
uma atualização não percebida.
Escólio: Geralmente a criação decorre da atualização de percepções fúteis, isso é, de percepções que
não têm utilidade prática e que, por isso, não sofrem o processo de atualização com frequência. As
percepções atualizadas com frequência tornam-se hábitos, percepções atualizadas esporadicamente
não tendem a se cristalizar em hábitos, tornam-se algo novo, fora do padrão de normalidade: uma
criação
Corolário 1: Fica evidente pelo pressuposto 6 que a criação é uma lembrança.
Corolário 2: Fica evidente pelo mesmo pressuposto que a criação é um pensamento intuitivo ou
uma intuição.
Corolário 3: Fica evidente pelo mesmo pressuposto que é impossível criar sobre algo não registrado
ou não percebido.

3.3.11 A criatividade é o desenvolvimento da habilidade de criação.


Demonstração: É criativo quem tem facilidade em criar. A criatividade é assim o desenvolvimento
da faculdade da atualização de percepções ou lembranças latentes, esse desenvolvimento se dá pela
repetição desse movimento.
Corolário: Fica evidente pelos pressupostos 1, 2, 6 e 10 que a criatividade é a aprendizagem pela
memória da ação de criar.
3.3.12 A imaginação 5 é a percepção da criação.
Demonstração: Imaginar é criar imagens. Criar imagens é um movimento de criação. Quando
estamos imaginando estamos percebendo o processo de atualização que é a criação.
Corolário: Fica claro pelos axiomas 1 e 2 que a imaginação é uma lembrança.

3.3.13 A imaginação pode ser apriorística ou aposteriorística 6.


Demonstração: Por imaginação apriorística ou intelectiva podemos compreender as imaginações
onde evocamos elementos que nunca passaram pela nossa apreensão sensível, como por exemplo: a
imaginação de formas geométricas. Por imaginação aposteriorística ou sensível7 podemos
compreender as criações imagéticas de elementos que passaram pela nossa apreensão sensível, por
exemplo: quando imaginamos um cavalo, um carro, uma mesa…

3.3.14 O sonhar é uma imaginação virtual.


Demonstração: Quando sonhamos estamos criando imagens, ou seja, estamos imaginando. No
entanto, esse processo de criação é virtual, ou seja, é inconsciente e portanto, não percebido.

3.3.15 O sonho8 é uma lembrança do sonhar.


Demonstração: Por sonhar entende-se o processo de criação de sonhos, que se dá de maneira virtual.
Esse processo, por ser virtual, não é imediatamente perceptível. Essas imagens ou imaginações
criadas enquanto dormimos são registradas e podem se atualizar, a atualização do sonhar é o que

5
Segundo Kant, a imaginação (facultas imaginandi) pode ser produtiva ou reprodutiva. É produtiva quando é a
exposição original do objeto que antecede a experiência (exhibito originario) e reprodutiva quando se trata de uma
exposição derivada, que traz de volta ao espírito uma intuição empírica que já possuía anteriormente (exhibito
derivativa). Kant afirma que a imaginação é a faculdade de intuir mesmo sem a presença do objeto.
6
De acordo com Kant.
7
Ainda segundo Kant, a Imaginação sensível pode ser uma imaginação plástica, associativa ou afinitiva. É uma
imaginação plástica quando se trata da intuição no espaço. É uma imaginação associativa quando se trata de uma
intuição no tempo, é uma imaginação afinitiva ou de afinidade quando as representações descendem umas das outras a
partir de uma origem comum.
8
No sonho, Kant observa outro tipo de mediação imaginativa, que se dá entre os nossos afetos e os músculos do nosso
corpo; “Sonhar parece fazer tão necessariamente parte do dormir, que dormir e morrer seriam o mesmo se não
aparecesse o sonho como uma agitação natural, ainda que involuntária, dos órgãos internos vitais por meio da
imaginação”.
chamamos de sonhos. Ou seja, o sonho (as lembranças que temos quando acordamos) nada mais
são do que as lembranças do processo de imaginação inconsciente que ocorre enquanto dormimos.
Corolário: Sabe-se pelos axiomas 1 e 2 que as lembranças são criações, pelo pressuposto desse
corolário pode-se concluir que o sonho são criações sobre o processo de imaginação virtual e que
portanto, o sonho não é fiel ao sonhar. Ao lembrar do que sonhamos podemos modificar
acidentalmente esta lembrança.

3.3.15 Entendimento é o pensamento direcionado ao consenso da diferenciação do que foi


percebido.
Demonstração: Comparar e associar é perceber as diferenças entre os objetos. Quando apreendemos
um objeto novo, precisamos avaliar (comparar e associar com coisas que já apreendidas ou
percebidas) esse novo objeto. Entender esse objeto é fazer associações com outros objetos
percebidos na busca de um consenso (ou seja, na busca de algum grau de identidade, ou do menor
grau de diferença) entre os o novo objeto percebido e os objetos percebidos anteriormente.

3.3.16 O raciocínio é o pensamento direcionado ao entendimento.


Demonstração: Raciocinar é buscar a melhor forma e o caminho mais seguro de se chegar ao
entendimento de um novo objeto percebido.
Demonstração alternativa: Se o objeto está no ponto B e o entendimento está no ponto A,
raciocinar é traçar uma linha reta AB.
Escólio: o raciocínio pode ser indutivo ou dedutivo. Diz-se que o raciocínio é indutivo quando
parte das conclusões para chegar às premissas, ou quando decompõe um conceito maior em
conceitos menores; Diz-se que o raciocínio é dedutivo quando parte das premissas para chegar a
uma conclusão, ou quando se parte de conceitos menores para chegar a um conceitos maior. Em um
exemplo grosseiro: 12 = 5 + 7 é um raciocínio indutivo; 5 + 7 = 12 é um raciocínio dedutivo.

3.3.17. Déjà Vu é a percepção de uma intuição imaginativa e dedutiva.


Demonstração: Por déjà vu entende-se a sensação de já se ter vivenciado uma determinada situação
inédita. O déjà vu parece um paradoxo: como posso sentir que já vivi determinada situação se estou
vivenciando-a pela primeira vez? A sensação do déjà vu é acompanhada de uma sua imagem, isso é, o
sentimento de já ter vivido aquela situação está acompanhado de uma imagem (uma imaginação,
uma criação) daquele momento. No déjà vu, a sensação de já se ter vivido aquele momento coexiste
com a imagem daquele momento. — O que a existência dessa imagem quer dizer? — Pelos
pressupostos 10 e 12 sabemos que a imaginação é a percepção da atualização de uma criação, a
existência de uma imagem do déjà vu pressupõe sua existência virtual que se atualizou — Como
poderia haver no virtual o registro de um momento que ainda não foi vivido? — Não há. O que
ocorreu foi uma dedução imagética: por raciocínio a nossa mente deduziu o que aconteceria nos
momentos seguintes, e criou uma imagem, isto é, imaginou, essa dedução. A imagem criada por esse
raciocínio é virtual na mente e armazenada na memória. Ao coincidirem o momento vivido e a
dedução imagética criada previamente, ocorre a atualização da imagem. Nesse processo não
percebemos a atualização (por isso, pelo pressuposto 6, podemos dizer que o déjà vu é uma intuição,
ou um pensamento intuitivo), mas percebemos a sensação interna da imagem criada e a própria
imagem, e isso é o que chamamos de déjà vu.

3.3.18 Atenção é a faculdade de direcionar a percepção.


Demonstração: Recebemos intermináveis estímulos do ambiente: estamos percebendo milhares de
coisas a todo momento. — Diante disso, o que significa prestar atenção? — Estamos prestando
atenção quando conseguimos escolher quais estímulos vamos processar e quais não vamos. Ao
escrever, estou prestando atenção no computador, direciono minha percepção à sua tela, às suas
letras, à sua luz, enfim, aos seus estímulos, e para isso, ignoro os demais estímulos do ambiente. A
atenção é, portanto, a faculdade de direcionamento da percepção. C.Q.D

3.3.19 Uma ideia é uma noção decorrente do registro.


Demonstração: Pela definição 6 e pelo axioma 5 sabemos que o registro é a função pela qual
apreendemos algo e não esquecemos do que se trata esse algo. Quando aprendo o que é um cavalo,
vendo-o pela primeira vez, registro essa apreensão na memória. Se eu ver outro cavalo, diferente do
primeiro cavalo que vi, saberei que se trata de um cavalo, pois guardo em minha memória o registro
da apreensão de um cavalo. Se houverem poucas diferenças de grau entre o novo cavalo e o cavalo
registrado, conseguirei saber que o novo cavalo se trata de um cavalo tal qual o anterior sem
nenhuma dificuldade. — Diante da definição de registro, o que significa ter uma ideia? O que é, por
exemplo, a ideia de um cavalo? — Segundo Mário Ferreira dos Santos, a ideia ou o eidético é
imutável e intemporalmente válido, no exemplo do cavalo: a ideia de cavalo serve para todos os
cavalos, e não a um cavalo em particular, essa ideia não sofre modificação com o tempo e portanto, é
intemporal. Dada a semelhança dos conceitos, podemos concluir que a ideia de algo é o registro de
algo e vice-versa. C.Q.D.
Escólio: O registro é, portanto, a faculdade de criar ideias. Quando registramos algo estamos criando
uma noção deste algo9, esta noção é o que chamamos de ideia.
Corolário 1: A ideia é, portanto, diferente do registro.
Corolário 2: A ideia pode ser submetida aos processos de associação e comparação

3.3.20 O fato10 é uma percepção imediata e atual do ambiente ou de uma ideia.


Demonstração: É um fato para mim tudo o que estou experienciando no agora, no momento
presente. Experiencio este computador que está à minha frente, no meu ambiente. Sinto-o,
percebo-o, de tal forma que para mim, a existência desse computador é um fato. Se olho para o céu
de manhã e enxergo neste céu a cor azul, então a azulidade do céu é um fato para mim. A este tipo de
fatos, os fatos do agora, damos o nome de fatos presentes ou fatos imediatos.
Corolário 1: Também podemos entender por “fato” a atualização de fatos vivenciados, que são
resgatados através de lembranças imagéticas: os fatos passados11. Ou seja: é um fato para nós,
aquilo o que estamos vivenciando agora, como é um fato para nós, aquilo o que já vivenciamos no
passado.
Corolário 2: Quando os fatos correspondem às nossas vivências individuais os chamamos de fatos
subjetivos ou experiências subjetivas. Quando podemos demonstrar um fato para além de qualquer
vivência individual (isto é: quando conseguimos demonstrar que o mesmo fato vale para todos
independente de suas vivências), chamamos esses fatos de fatos objetivos.
9
Entende-se por noção de algo a forma de algo: a noção de cadeira compreende a forma de um objeto que possui 4
pernas, um acento e um encosto para as costas. Esta noção servirá para identificar todos os objetos cuja forma
correspondem à forma da cadeira. A noção de casa compreende um objeto que possui paredes, teto, janelas, portas,
telhado e uma função determinada: morar sem limite de tempo.
10
Mário Ferreira dos Santos em seu livro “Filosofia e Cosmovisão”, define os fatos da seguinte maneira: Fato é o que nos
apresenta aqui e agora, num lugar e num momento determinado, condicionado pelas noções de tempo e espaço; Os
fatos transcorridos correspondem ao que chamamos de “história”. Os fatos que existem no espaço são chamados de
“corpos” e os fatos que existem no tempo são chamados de “fatos psíquicos”. Os corpos são conhecidos através dos
sentidos, os fatos psíquicos são conhecidos através da intuição.
11
Os fatos passados podem ser considerados lembranças.
Corolário 3: Fatos subjetivos podem ser fatos objetivos e vice-versa.
Corolário 4: No entanto, não percebemos tudo o que está ao nosso redor, existem muitas coisas que
escapam, ou que podem escapar à nossa percepção interna e externa do ambiente. — Como
podemos saber se existem fatos além do nosso conhecimento imediato? — Através do raciocínio das
ideias. Muitos fatos estão além dos fatos presentes ou passados, existem intemporalmente: são os
fatos lógicos, geométricos ou matemáticos, para conhecermos esses fatos utilizamos a razão, através
da razão percebemos novos fatos que estão além do sentido, como podemos perceber a veracidade
ou falsidade de fatos que conhecemos através dos sentidos. A esse tipo de fato, que se dá pelo
raciocínio das ideias, damos o nome de fatos eidéticos ou fatos apriorísticos12.
Corolário 5: Pode-se dizer que os fatos eidéticos são ideias. Logo, alguns fatos são ideias e vice-versa.
Corolário 6: Aos fatos eidéticos que indicam formas, ideias ou conceitos damos o nome de “fatos
isolados”, visto que decompõem o fato em “fatos menores” afim de organizar, analisar e
compreender o fato maior. Os fatos isolados são caracteristicamente dados através do raciocínio e de
operações indutivas.

3.3.21 O conceito é uma representação (verbal ou sonora) de uma ideia ou de um fato.


Demonstração: Utilizamos palavras para expressarmos conceitos. Como por exemplo: casa, cadeira,
cavalo… Esses enunciados verbais são, por sua vez, ideias: a palavra casa invoca a ideia de casa, a
palavra cadeira invoca a ideia de cadeira, a palavra cavalo invoca a ideia de um cavalo. O conceito é,
desta forma, a invocação (ou atualização) de ideias através de uma representação, que pode ser verbal
ou sonora.
Escólio 1: É importante não confundirmos o conceito com a palavra, o conceito é uma operação
mental, enquanto a palavra é apenas um enunciado verbal.
Escólio 2: Da mesma forma que não podemos confundir o conceito com o seu enunciado verbal, não
podemos confundir o conceito com um fato, visto que o conceito é a representação de um fato.
Escólio 3: A existência de um conceito pode ser um fato, no entanto vale ressaltar que a existência do
conceito é diferente do conceito de sua existência. Quando a existência de um conceito é um fato, o
fato não é o conceito, e sim a sua propriedade de existir.

12
Os fatos presentes, passados, objetivos e subjetivos são fatos aposteriorísticos.
2.3.22 A abstração é uma operação intelectual que consiste em decompor os fatos em fatos
isolados.
Demonstração: À minha frente percebo uma bola vermelha, ela é um corpo, um fato. Diante da
bola vermelha, a abstração consiste em decompor esse fato em “fatos isolados”: formas, ideias ou
conceitos do fato. Subtraio do fato “bola vermelha” os fatos “corpo esférico” e “cor avermelhada”.
Corpo esférico é uma abstração de bola vermelha, assim como cor avermelhada é uma abstração do
mesmo fato. Com a abstração eu consigo separar o objeto da ideia do objeto. Através do processo de
abstração posso criar ou perceber ideias e conceitos, que são registrados. É através da abstração que
compreendemos a forma dos objetos (visto que separamos um de outro), a forma por sua vez,
segundo a nota 9, é mister para criar a noção do objeto, sua ideia.
Escólio: A abstração, a ideia, o registro e o conceito são diferentes entre si. O registro tem a função de
armazenar na memória, de não fazer esquecer tudo aquilo o que é sentido, percebido ou criado pelo
intelecto; a ideia é uma criação do registro, é o objeto registrado; o conceito é uma representação de
uma ideia, uma ferramenta pela qual conseguimos atualizar ideias, resgatá-las da memória; a
abstração é o processo pelo qual o registro armazena as ideias.

2.3.23 A emoção é a tonalidade da percepção.


Demonstração: João, quando estava limpando os objetos do seu quarto, encontra uma caixa antiga
com brinquedos de sua infância, ao observar estes brinquedos ele relembra sua infância e logo é
atingido por uma emoção de felicidade. A emoção não é algo acidental, ela é desencadeada pela
percepção de algo, ela é a parte final de um processo: primeiro, sente-se o objeto, logo ele é
percebido, sua percepção sofre um processo de associação, que pode evocar uma lembrança do
objeto, essa lembrança pode ou não, evocar uma emoção relativa à vivência do sujeito com o objeto
(objeto aqui não é somente a caixa de brinquedos de João, pode ser também a fala de alguém, um
momento, um filme, uma impressão…). Quando nossa relação com um desses objetos nos desperta
uma emoção, estamos dando tonalidade à percepção desse objeto. Se estou numa situação e o
objeto-estímulo evoca uma emoção triste, então a percepção do objeto (e do ambiente) será triste, se
o objeto-estímulo me provoca raiva, a percepção do objeto e do ambiente será uma percepção
raivosa. A emoção é a tonalidade da percepção geral (de todo o ambiente), geralmente evocada por
um estímulo específico. A emoção é como o ambiente aparece para o indivíduo.
Corolário: As emoções têm o caráter de serem passageiras, são uma “tempestade de ânimo”, são
evocadas a partir de um estímulo, mas a percepção de outros estímulos tende a dissipá-las.
Capítulo 4
DEMONSTRAÇÃO DA TESE PRELIMINAR

4.1 Tradução das Definições da Tese:

Dadas as demonstrações dos pressupostos em psicologia decorrentes de suas definições e


axiomas faz-se necessário um retorno à Tese que deu luz a este ensaio, referida na introdução como
“Tese Preliminar”. O trecho retirado de meus cadernos referentes à Tese dizia o seguinte:
“As memórias (janelas e suas associações) não atuam a bel prazer do indivíduo,
mas estão ligadas à percepção do ambiente. A percepção do agora remete a uma percepção
passada que dirige tal memória a nós. Se pararmos para observar, tudo o que pensamos ou
falamos remete a algo do ambiente”.

As definições presentes na Tese diferenciam-se das definições presentes na Psicologia


Demonstrada à Maneira dos Geômetras. De tal forma que é preciso traduzir uma em termos da
outra, a fim de criar uma sentença que, através da demonstração em função das definições, axiomas e
pressupostos anteriormente expostos, será avaliada como verdadeira ou falsa.
Em uma tradução dos termos da Tese Preliminar para os termos da Psicologia Geométrica,
teríamos a seguinte sentença:

As lembranças percebidas não são atualizadas pela vontade consciente do indivíduo, elas
são acionadas pela percepção do ambiente. A percepção do fato presente remete por
associação a uma lembrança da percepção de um fato passado, essa lembrança é atualizada e
sua consciência é a lembrança evocada. Em última análise, nossas lembranças e falas são
disparadas pelo que é percebido no ambiente.
Por tratar-se de uma sentença demasiadamente grande, torna-se necessário dividi-la em
partes menores, a fim de uma melhor análise e compreensão do seu conteúdo. A divisão da sentença
referente à Tese se dará da seguinte maneira:

(i) As lembranças percebidas não são atualizadas pela vontade consciente do indivíduo, elas
são acionadas pela percepção do ambiente.

(ii) A percepção do fato presente remete por associação a uma lembrança da percepção de
um fato passado, essa lembrança é atualizada e sua consciência é a lembrança evocada.

(iii) Em última análise, nossas lembranças e falas são disparadas pelo que é percebido no
ambiente.
4.2 Axiomas Para a Demonstração da Tese:

4.2.1 O que dispara a criação de uma lembrança é um estímulo do ambiente.

4.2.2 A evocação/criação/atualização de uma lembrança pode ser tanto proposital quanto acidental.
É proposital quando temos consciência da existência dessa lembrança na memória, quando
queremos evocar essa lembrança existente e quando é possível perceber que estímulos dispararam
essa lembrança. É acidental quando não temos a intenção de evocar essa lembrança.
4.3 Demonstração dos Pressupostos da Tese:

4.3.1 As lembranças percebidas não são atualizadas pela vontade do indivíduo, elas são
acionadas pela percepção do ambiente.
Demonstração: Fica evidente pelos axiomas 1 e 2 do cap. 3 e pelos axiomas 1 e 2 do cap. 4.
Escólio: Os axiomas 1 e 2 do cap. 3 definem a lembrança como uma produção (geralmente
imagética) no presente de uma memória registrada no passado. Ou seja, em um dado momento do
nosso passado vivenciamos uma experiência, percebemos ela, percepção que é registrada e
armazenada na memória. Quando queremos evocar ela novamente criamos uma imagem que busca
mimetizar a percepção que foi registrada, essa imagem é a lembrança. No entanto, o que disparou
essa lembrança? Seria esta uma lembrança acidental? Pelos axiomas 1 e 2 do cap. 4 sabemos que
lembranças podem ser evocadas/criadas propositalmente ou acidentalmente, a depender do
contexto em que são evocadas. Quando estou fazendo uma prova e quero me lembrar da resposta de
uma pergunta, me esforço para evocar essa lembrança, trata-se de uma lembrança evocada
propositalmente. Quando estou conversando com um amigo em um determinado lugar e, como
que de repente, me lembro de algo que nada tem a ver com a conversa ou com o lugar (como é o
caso da Tese Preliminar do capítulo 1) estou evocando uma lembrança de maneira acidental. Em
todo caso, a lembrança não é auto-disparada, de outro modo a nossa consciência seria um
miscelânea difusa de momentos passados coexistindo com conceitos, ideias e abstrações, o que não
acontece. Uma mente saudável e em pleno funcionamento consegue organizar e entender o mundo
através de operações mentais, existe uma organização fundamental na mente que não permite esse
caos, a consciência se organiza segundo os estímulos do ambiente, e atualiza-se segundo esses
estímulos, a consciência percebe o ambiente e coexiste com ele, de um tal modo que a lembrança
não tem a capacidade de se auto-disparar, de ser absolutamente acidental, ela é disparada como uma
reação do intelecto/da consciência ao ambiente, a lembrança é uma resposta. Desse modo as
lembranças, mesmo se evocadas propositalmente ou acidentalmente, evocam-se como uma resposta
a um estímulo do ambiente percebido pelo intelecto.

4.3.2 A percepção do fato presente remete por associação a uma lembrança da percepção de
um fato passado, essa lembrança é atualizada e sua consciência é a lembrança evocada.
Demonstração: Fica evidente pelos axiomas 1 e 2 do cap. 3 e pelos axiomas 1 e 2 do cap. 4 e pelo
pressuposto 1 do cap. 4.

4.3.3 Em última análise, nossas lembranças e falas são disparadas pelo que é percebido no
ambiente.
Demonstração: Fica evidente pelos axiomas 1 e 2 do cap. 3 e pelos axiomas 1 e 2 do cap. 4 e pelos
pressupostos 1 e 2 do cap. 4.
Capítulo 5
POSFÁCIO

A postura "despretensiosa" é onipresente em todos os meus textos. Não tenho a intenção de


falar o não-falado ou pensar o impensável ou de tocar o inefável da filosofia. Até o momento minha
produção tem o caráter humilde de um infante, que quer aprender, quer exercitar, quer viver a
filosofia que lê. Este ensaio, portanto, não se trata de um monumento em estágio final, de uma
figura arquitetônica recém inaugurada, é apenas a planta de um projeto, o exercício de uma
possibilidade, o esboço de uma teoria.
O objetivo do texto era utilizar o método geométrico em consonância com as noções
filosóficas e psicológicas dos autores Bergson, Spinoza, Kant, Sartre e Mario Ferreira dos Santos para
erigir pressupostos sobre psicologia almejando um certo grau de coesão. O fim último era investigar
a possibilidade de demonstrar a psicologia através do método geométrico, bem como exercitar não
só o tal método mas também os conhecimentos dos autores que iluminaram os pressupostos do
ensaio.
Diante disso é possível dizer que o texto teve sucesso em seu objetivo introdutório e
ensaístico, escrevemos no total 11 definições, que deram luz a 12 axiomas e foram utilizados para
demonstrar 26 teses ou pressupostos.
Esboço Para Uma Teoria da Mente e da Memória não é um texto infalível e impassível de
melhorias, e nem é esse o seu intuito. Ele é um exercício de filosofia que chega a conclusões de
maneira clara e com certo grau de coesão, construindo um glossário de conceitos que ora dialogam,
ora se distanciam dos autores clássicos do qual partem. A escrita do texto foi divertidíssima, pude
não só revisar como também exercitar os conceitos dos filósofos que estudei para escrever o texto, e
esses são os motivos pelos quais considero o texto, para mim, um sucesso: exercício e diversão.
BIBLIOGRAFIA

ABRANTES, Jorge Gonçalves de. O MÉTODO GEOMÉTRICO EUCLIDIANO. Revista


Conatus - Filosofia de Spinoza - Volume 10 - Número 20 - Dezembro 2018. Disponível em:
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ÁVILA, Geraldo. Euclides, Geometria e Fundamentos. Disponível em:


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DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. 2ª edição. São Paulo: Editora 34, 1 de jan de 2012.

ESTADO DA ARTE. Podcast - “Os Elementos” de Euclides. [Locução de]: Entrevistados:


Irineu Bicudo, João Cortese e Tiago Tranjan. [S.I]: Rádio da Arte. jun de 2019. Podcast. Disponível
em:
https://open.spotify.com/episode/5AEiePgW5WEw7crMXVSo0h?si=WCP6yv7LTWSDCF6HI2
Pihw&dl_branch=1.

FILOSOFIA ONLINE: Curso Online Bergson | inscrições abertas | áudio disponível até 30/09.
[Locução de]: Amauri Ferreira. [S.I]: Amauri Ferreira, 24 de set. Podcast. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/27smlcXFygRfa4IckjzpAx?si=ZdBecbrHSuGdNB_GMqkGgg
&dl_branch=1.
FILOSOFIA ONLINE: Bergson - Hábito e Memória. [Locução de]: Amauri Ferreira. [S.I]:
Amauri Ferreira, set de 2018, Podcast. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/1v36PbIVpZqRopXIttsHKt?si=F6WatS6uTjmqqGAJAuQoM
Q&dl_branch=1.

FILOSOFIA ONLINE: Bergson - A percepção como seleção de imagens. [Locução de]:


Amauri Ferreira. [S.I]: Amauri Ferreira, set de 2018, Podcast. Disponível em:
https://open.spotify.com/episode/1HNTohsiQYv1NFVDCXQjNd?si=BOQpQ-oAQcamgFMZ-e
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FORNAZARI, Sandro Kobol. O BERGSONISMO DE GILLES DELEUZE. Trans/Form/Ação,


São Paulo, 27(2): 31-50, 2004. Disponível em:
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PIMENTA, Pedro Paulo Garrilho. A antropologia na encruzilhada. CADERNOS DE


FILOSOFIA ALEMÃ, São Paulo, nº 09 | P. 127 - 140 | JAN-JUN 2007. Disponível em:
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SANTOS, Mário Ferreira dos. Filosofia e Cosmovisão. Editora É realizações, 8 abr 2018.

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SPINOZA, Baruch. Ética. 2ª Edição. São Paulo: Editora Autêntica, 24 mar 2009.

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