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DI CAVALCANTI – 125 ANOS
Em comemoração aos 125 anos de nascimento do carioca Di
Cavalcanti, a Danielian Galeria traz para o Rio de Janeiro um
conjunto de obras raras e extraordinárias do artista perten-
centes a coleções particulares de São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador e Fortaleza. Integram a mostra duas excepcionais
obras inéditas no Brasil, localizadas pela galeria em Paris, ci-
dade onde o artista residiu por longos períodos, em diferentes
momentos de sua vida; complementando de forma impactan-
te o conjunto da exposição.
Inserida na história da arte brasileira, por mais de cinquen-
ta anos, a produção cavalcantiana desdobra-se em muitas
facetas: ilustração, desenho, caricatura, pintura e mural. Seu
trabalho não tem par entre os artistas plásticos do primeiro
Modernismo, sendo Di Cavalcanti o único deles a manter uma
produção constante e expressiva até sua morte, em 1976.
Vale lembrar que, desde 2006, o Rio de Janeiro — a mais pode-
rosa fonte de inspiração do artista — não assiste a uma mostra
significativa de Di Cavalcanti, apesar de várias e importantes
exposições realizadas em outros estados, com destaque para
a retrospectiva comemorativa de 120 anos, ocorrida na Pina-
coteca de São Paulo.
As obras apresentadas pela Danielian Galeria traçam um per-
curso do artista das décadas de 1920 a 1970, através de seu
tema favorito: o povo brasileiro, com suas mulheres, festas,
sambas e carnavais. O conjunto proporciona a oportunidade
única de ver algumas de suas obras-primas e também de
acompanhar sua trajetória pictórica, pesquisas estéticas, op-
ções construtivas e afinidades eletivas.
Terminando pelo início, a exposição apresenta Fantoches da
meia-noite, livro de Di Cavalcanti em 1921. Com 16 gravuras,
acompanhadas de texto do poeta Ribeiro Couto, a publicação
foi editada por Monteiro Lobato num álbum extremamente
moderno para a época e de grande impacto até hoje. Seu lan-
çamento foi o ponto de partida da Semana de Arte Moderna
de 22, na qual Di Cavalcanti teve um protagonismo às vezes
subavaliado pelos estudiosos.
“Di Cavalcanti – 125 anos” vem assim apresentar o artista na
sua integridade, um carioca apaixonado, boêmio, sensual e
romântico; autor de algumas das mais belas obras da arte
brasileira.
Denise Mattar
Curadora
DI CAVALCANTI – 125 YEARS
Benjamin Cremieux
Galerie Rive Gauche
44, Rue des Fleurs, Paris (6e)
PREFÁCIO
Di Cavalcanti, apesar de seu nome italiano e de sua aparência
de imperador romano, pertence a uma família luso-brasileira
muito antiga, expatriada de Florença há quatro ou cinco sécu-
los. Foi no Rio que eu o conheci em 1930 e, como tantos outros
franceses, devo a ele ter visto ali algo além da paisagem da
baía, do Pão de Açúcar e do Corcovado, e ter penetrado nos
bastidores da paisagem e da vida carioca.
O verdadeiro Brasil urbano, ainda enterrado nas profundezas
da mata original, pode ser resumido no "morro", uma colina
no meio da cidade, atrás das fachadas em estilo americano,
sem ruas traçadas, com suas escadas, sua igreja barroca, suas
casas de latas de gasolina, suas palmeiras e suas figueiras,
suas velhas e jovens de cor, seus incontáveis filhos, sua sujeira
deslumbrante, entre o céu, o mar e as altas montanhas.
Essa vida, ora despreocupada, ora frenética, foi pintada desta
vez, pelo “fauve” Di Cavalcanti (no Brasil diz-se, em linguagem
de pintura, um “antropófago”), em repouso, sob o sol. Todos
os seus personagens, suas casas, seus barcos, sonham sem
se mover, estendidos à beira de uma eternidade de água, de
areia, de rochas e de ar, de onde se irradiam as mais belas
cores genuínas: vermelho verdadeiro, azul verdadeiro. A paleta
só se reveste de sutileza para chegar à tez das figuras femini-
nas, esse dourado luminoso de raças que se fundiram ao se
entrelaçar.
E, então, olhem para esta árvore amputada, que não desiste
de florescer e continua de pé; uma sentinela diante da branca
Bahia de todos os santos: sua casca é irmã gêmea da pele
Na busca pela brasilidade, Di Cavalcanti elegeu como tema as
bordas da cidade, as pessoas comuns, os suburbanos, retra-
tados na favela, nos botecos, nas docas e nos bordéis. O título
da obra Devaneio (1927) se reafirma pela postura pensativa e
um tanto melancólica da figura principal, uma mulher negra,
perdida em sonhos, retratada ao lado de um barraco – no tem-
po em que os morros se tornaram o berço do samba. A obra
explora o volume das formas através do contraste entre super-
fícies planas de limites bem definidos e zonas esfumaçadas de
onde a cor surge gradativamente criando relevos espaciais e
corporais. Abandonando os tons suaves dos primeiros traba-
lhos criados na sua volta ao país, Di passa a adotar o uso das
cores vibrantes tão características dos subúrbios.