Você está na página 1de 28

 






  


 
DI CAVALCANTI – 125 ANOS
Em comemoração aos 125 anos de nascimento do carioca Di
Cavalcanti, a Danielian Galeria traz para o Rio de Janeiro um
conjunto de obras raras e extraordinárias do artista perten-
centes a coleções particulares de São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador e Fortaleza. Integram a mostra duas excepcionais
obras inéditas no Brasil, localizadas pela galeria em Paris, ci-
dade onde o artista residiu por longos períodos, em diferentes
momentos de sua vida; complementando de forma impactan-
te o conjunto da exposição.
Inserida na história da arte brasileira, por mais de cinquen-
ta anos, a produção cavalcantiana desdobra-se em muitas
facetas: ilustração, desenho, caricatura, pintura e mural. Seu
trabalho não tem par entre os artistas plásticos do primeiro
Modernismo, sendo Di Cavalcanti o único deles a manter uma
produção constante e expressiva até sua morte, em 1976.
Vale lembrar que, desde 2006, o Rio de Janeiro — a mais pode-
rosa fonte de inspiração do artista — não assiste a uma mostra
significativa de Di Cavalcanti, apesar de várias e importantes
exposições realizadas em outros estados, com destaque para
a retrospectiva comemorativa de 120 anos, ocorrida na Pina-
coteca de São Paulo.
As obras apresentadas pela Danielian Galeria traçam um per-
curso do artista das décadas de 1920 a 1970, através de seu
tema favorito: o povo brasileiro, com suas mulheres, festas,
sambas e carnavais. O conjunto proporciona a oportunidade
única de ver algumas de suas obras-primas e também de
acompanhar sua trajetória pictórica, pesquisas estéticas, op-
ções construtivas e afinidades eletivas.
Terminando pelo início, a exposição apresenta Fantoches da
meia-noite, livro de Di Cavalcanti em 1921. Com 16 gravuras,
acompanhadas de texto do poeta Ribeiro Couto, a publicação
foi editada por Monteiro Lobato num álbum extremamente
moderno para a época e de grande impacto até hoje. Seu lan-
çamento foi o ponto de partida da Semana de Arte Moderna
de 22, na qual Di Cavalcanti teve um protagonismo às vezes
subavaliado pelos estudiosos.
“Di Cavalcanti – 125 anos” vem assim apresentar o artista na
sua integridade, um carioca apaixonado, boêmio, sensual e
romântico; autor de algumas das mais belas obras da arte
brasileira.

Denise Mattar
Curadora
DI CAVALCANTI – 125 YEARS

Celebrating the 125th anniversary of the birth of Modernist


painter Emiliano Di Cavalcanti in Rio de Janeiro, the Danielian
Galeria offers his birthplace a selection of rare and extraordi-
nary works by this artist, drawn from private collections in São
Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, and Fortaleza. Complementing
the Exhibition and enhancing its overall impact, it also features
two of his works not displayed before in Brazil, unearthed by
this Gallery in Paris, where the artist lived for long periods at
different times in his life.
A benchmark in the history of Brazilian art for more than fifty
years, Di Cavalcanti’s output reflects his many-faceted talents:
illustrator, designer, caricaturist, painter, and muralist. His work
unmatched among the Early Modernists, di Cavalcanti is the
only one among these peers whose steady output remained
significant until his death in 1976.
It is worth remembering that Rio de Janeiro – his most power-
ful source of inspiration – has not seen a major Di Cavalcanti
exhibition since 2006. However, other Brazilian States have
hosted several important displays of his work, particularly the
commemorative retrospective celebrating the 120th anniver-
sary of his birth at the Pinacoteca in São Paulo.
The works presented by the Danielian Galeria follow the pro-
gress of this artist from 1920 to 1970, reflected in his favorite
subject: the Brazilian people, with their women, parties, sam-
bas, and carnivals. The set of paintings displayed here offers a
unique opportunity to admire some of his masterpieces while
tracing his artistic trajectory, aesthetic research, constructive
options, and elective affinities.
Ending at the beginning, this Exhibition features the Midnight
Puppets (Fantoches da Meia Noite) album (1921). This set of
sixteen prints is accompanied by texts written by poet Ribeiro
Couto and published by Monteiro Lobato in a format that was
groundbreaking at that time and still today has a striking im-
pact. Its launch was the opening salvo of Brazil’s famous Mo-
dern Art Week (1922), in which Di Cavalcanti played a leading
role that is sometimes undervalued by experts.
Di Cavalcanti – 125 Years presents the artist in the round: a
passionate, bohemian, sensual, and romantic citizen of Rio,
who also created of some of Brazil’s most beautiful artworks.
Denise Mattar
Curator
No retorno ao Brasil, em 1925, Di empreende uma descoberta
dos tipos brasileiros.
Em Três moças o artista, imbuído da teoria da democracia ra-
cial brasileira, na qual ele sinceramente acreditava, evoca a
constituição do nosso povo, retratando três tipos femininos:
uma loira, uma morena e uma negra. A obra, que se filia à pro-
dução do artista de meados de 1920, é uma pintura singela e
comovente na qual as mulheres são apresentadas de forma
romântica, tendo ao fundo a areia e o mar. Di trabalha em ve-
laturas a tez das figuras e, sabiamente, realça os tons da pele
de cada uma das moças, contrastando-as com cores suaves
de suas roupas, rosa, verde e azul, e dando protagonismo à
mulher negra, situada em primeiro plano. Uma guirlanda emol-
dura a cena, e Di imprime ao trabalho uma atmosfera mágica,
doce e um pouco nostálgica — são flores e mulheres baldias...
[aqui é baldias ou vadias?]

Três mulheres . Three women, 1938


Óleo s/ tela . Oil on canvas

On his return to Brazil in 1925, Di Cavalcanti began to explore


Brazilian physiotypes. Imbued with the theory of Brazilian racial
democracy (in which he sincerely believed), the artist evoked
the roots of the Brazilian people in Three Girls (Três Moças),
portraying three types of ethnicities: a blonde, a brunette and
a black woman. Related to the artist’s output during the mid-
-1920s, this work is a simple but moving painting in which wo-
men are presented in a romantic way, with the sand and the
sea in the background. Finely layering each figure, the artist
cleverly highlights the skin tones of each of these young wo-
men, contrasting with soft pinks, greens and blues of their clo-
thes, with black woman prominent in the foreground. A garland
frames the scene, as the artist emdows the work with a mágic
atmosphere, sweet and a little nostalgic – these are unclaimed
flowers and women ...
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas

Seresta (1925), trabalho icônico realizado no período imediato


ao retorno da primeira estada de Di Cavalcanti em Paris, de
1923 a 1925. Nele já está presente a representação de tipos e
cenas cariocas que iria definir toda a produção posterior de
Di, prenunciando os partidos estéticos que seriam adotados
pelo artista na criação dos painéis decorativos do Teatro João
Caetano, em 1929. A cena tem como pano de fundo uma ma-
rinha com barcos a vela, mas se reporta à musicalidade dos
morros cariocas, onde o pandeiro e o violão homenageiam
uma mulher, cujas formas femininas tomam a composição e
são destacadas por uma volumetria com influência da estética
art déco. O cromatismo é suave, com predominância do azul e
rosa, cores que imprimem certo romantismo à cena e que em
representações posteriores dos morros seriam substituídas
por tons mais acres.

An iconic work that dates to the period immediately after Di


Cavalcanti returned to Brazil after his first stay in Paris (1923
– 1925), Serenade (Seresta) (1925) already includes represen-
tations of the typical Rio scenes and people that would defi-
ne his entire later output. This also hints at the artistic soirées
portrayed by this artist on the decorative panels (1929) lining
the João Caetano Theater. Although set against a seascape dot-
ted with sailboats, this scene relates more closely to the music
throbbing through the hills of Rio. Both the tambourine and the
guitar pay tribute to women, with their feminine shapes stee-
ring the composition and highlighted through volumes reflec-
ting the influence of an Art Deco esthetic. Endowing the scene
with a somewhat romantic air, the colors are soft, with blue and
pink prevailing; in later portraits of the hills of Rio and their li-
vely communities, the artist chose harsher, more bitter shades.
O inédito painel Carnaval (s.d.) tem características que o situ-
am na produção realizada entre os anos 1929 e 1931, quando
a influência muralista toma corpo na obra de Di Cavalcanti.
O parentesco com obras-primas como os painéis Samba e
Carnaval, 1929, do Teatro João Caetano, Samba, 1925 e Cinco
moças de Guaratinguetá,1930, é absoluto: pela volumetria,
composição, características cromáticas e temáticas. O mural
apresenta um grupo de homens vestidos como mulheres, pre-
parando-se para o Carnaval. Não são figuras travestidas sob
o entendimento atual, pois os traços masculinos — pelos nas
pernas e braços, bigodes e barbas — são evidentes e um tanto
caricaturais. O grupo está reunido no alto de um morro e atrás
das ondulações da paisagem, na linha do horizonte, está o
mar. As cores são fortes e vibrantes, construídas em velaturas,
criando profundidades e acentuando a monumentalidade da
cena. Di tem como proposta criar um muralismo diverso do
mexicano, que é marcadamente político, preferindo se debru-
çar sobre o aspecto humanista. Os sambas, morros, favelas e
danças que ele pinta são verdadeiros, quentes, amorosos e
carnais — feitos de dentro. Sua obra tem, de fato, o cheiro, o
sabor e a cor do Brasil.

Gôsto do povo. Música de povo.


Música sem alegria, ingênua e triste
Tudo é mau gôsto
Tudo é péssimo gôsto
Tudo é banal, banal maravilhoso
A gente come o Carnaval
[...]
Di Cavalcanti, do livro Viagem de minha vida (1955).
The characteristics of this undated Carnival (Carnaval) panel
place it somewhere between 1929 and 1931, when the mura-
list influence firms up its footing in the work of Di Cavalcanti.
Its kinship with masterpieces such as the Samba (Samba) and
Carnival (Carnaval) (1929) panels in the João Caetano Theater,
as well as Samba (Samba) (1929) and Five girls at Guaratingue-
tá (Cinco moças de Guaratinguetá) (1930) is absolute: by volu-
me and composition, by chromatic and thematic characteristi-
cs. This mural features a group of men dressed up as women
as they prepare for Carnival. Not transvestites in the modern
sense, their masculine traits (hairy legs and arms, mustaches
and beards) are all evident and even caricatured. This group
is gathered at the top of a hill, the landscape rippling behind
them, with the sea on the line of the horizon. The colors are
strong and vibrant, layer over thin layer creating depths and
underscoring the monumental nature of this scene. The artist’s
intent is to create a muralism that is entirely different from its
strongly political Mexican counterpart, instead preferring to
dwell on humanist aspects. The sambas, hills, slums, and dan-
ces he paints are real, warm, loving, and carnal — created from
within. Indeed, his work is imbued with the smells, tastes, and
colors of Brazil.

Gôsto do povo. Música de povo.


Música sem alegria, ingênua e triste
Tudo é mau gôsto
Tudo é péssimo gôsto
Tudo é banal, banal maravilhoso
A gente come o Carnaval
[...]
Di Cavalcanti, do livro Viagem de minha vida (1955).
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas

O universo carnavalesco sempre esteve presente na produção


de Di Cavalcanti, tanto em seu aspecto sensual e debochado,
quanto na lembrança das comemorações mais ingênuas dos
carnavais antigos. Criada na década de 1930, a obra Pierrôs
parece retratar, com certa ambiguidade, o famoso trio da com-
media dell’arte: Pierrô, Colombina e Arlequim, e seu clima mis-
to de fantasia, sensualidade e melancolia, que Di acentua com
a construção de uma arquitetura quase metafísica, que coloca
os personagens entre muros. Xxxx de 19xx [Seria a obra Pierrô,
Arlequim e Colombina (1922)?] traz de volta os mesmos perso-
nagens de forma mais definida: Colombina é agora uma bela
mulher, coroada e presenteada com flores. Quase na mesma
disposição da obra anterior, ela tem, de um lado, o triste Pierrô,
e de outro o enigmático Arlequim, que aqui se assemelha ao
personagem Clóvis, tradicional nos folguedos do Rio de Janei-
ro. Mais colorido e narrativo, refletindo o repertório do artista
nesse período, o trabalho guarda, entretanto, uma semelhança
poética com a obra de 1930 — ambas permeadas pela mesma
melancolia.
The Carnival universe has always swirled through the work of Di
Cavalcanti, in its sensual and debauched aspects, as well as re-
calling more naïve celebrations of carnivals long gone. Painted
in the 1930s, Pierrots (Pierrôs) seems to portray the famous trio
of the Commedia dell’Arte: Pierrot, Columbine, and Harlequin,
although with some ambiguity. Blending fantasy, sensuality,
and melancholy, its atmosphere is underscored by the cons-
truction of an almost metaphysical architecture that places the
characters between walls. Bringing back the same characters
in a more defined way, Xxxx (Xxxx) (19xx) portrays Columbine
as a beautiful woman, crowned and gifted with flowers. With al-
most the same arrangement as the previous work, it has Pierrot
on the one side and the enigmatic Harlequin on the other, here
resembling the traditional Clovis clowns that chase through the
festive streets of Rio de Janeiro. Although more colorful and
with a stronger narrative, this work bears a poetic similarity to
his 1930s output. Both are permeated by the same melancholy,
reflecting the artist’s repertoire during this period.

Três mulheres . Three women, 1938


Óleo s/ tela . Oil on canvas
Bahia (1935) fez parte da exposição de Di Cavalcanti realiza-
da na Galerie Rive Gauche, em 1936, ano em que o artista se
autoexilou em Paris, onde permaneceria até 1939. A mostra foi
apresentada de 17 de junho a 3 de julho e reunia 21 obras. O
folheto do evento traz uma lista com a ficha técnica de cada
uma delas, o que não auxilia muito na sua identificação, pois
o artista não tinha o hábito de dar título aos seus trabalhos,
adotando nomes genéricos. Como usual nas publicações da
época, o folheto reproduz apenas quatro obras, em preto e
branco, sendo duas delas conhecidas: a Igreja azul (coleção
particular) e Retrato de mulher (acervo Fundação Edson Quei-
roz, Fortaleza). Complementa o folheto um prefácio do crítico
francês Benjamin Crémieux, pelo qual ficamos sabendo que
ele esteve no Rio em 1930, sendo ciceroneado por Di Caval-
canti. Considerado um crítico literário de grande importância
na França, ele fala em seu texto sobre o impacto da visita aos
morros cariocas, e da importância dessa vivência na obra de
Di, dedicando o parágrafo final a uma descrição da obra Bahia,
que, na sua visão, “é uma árvore amputada que não desiste de
florescer e se torna uma sentinela”. Uma bela imagem literá-
ria para essa árvore roliça que aparece em algumas obras do
artista, como Morro (1928), e remete ao baobá Maria Gorda de
Paquetá, local onde Di se refugiou de perseguições políticas e
do qual saiu para se exilar na França. Uma obra que também
pode ser interpretada como uma metáfora a esse momento
da vida do artista. Uma árvore cortada que renasce, apesar de
isolada, tendo ao fundo um morro brasileiro, cheio de vida, que
poderia estar tanto na Bahia quanto no Rio.

Part of the Di Cavalcanti exhibition at the Galerie Rive Gauche


gallery in 1936, Bahia (Bahia) (1935) was displayed during the
years this artist was self-exiled in Paris, where he lived until
1939. On display from June 17 to July 3, this exhibition featured 21
of his works. Little more than a leaflet, its slim catalog includes
a list with technical sheets for each of them; however, this is of
little help in their identification, as this artist rarely gave titles
to his works, instead preferring generic descriptions. As usual
for publications at that time, the catalog reproduces only four
works (in black and white), with two of them known: Blue Chur-
ch (Igreja Azul) which is in a private collection, and Portrait of
a Woman (Retrato de Mulher) in the Edson Queiroz Foundation
collection in Fortaleza. This leaflet also includes a preface by
French critic Benjamin Crémieux, who recalls that he was gui-
ded around Rio by Di Cavalcanti during his visit in 1930. Rated
as a major literary critic in France, his text mentions the impact
of visiting the poverty-stricken hills of Rio de Janeiro, and the
importance of this experience in Di Cavalcanti’s work. The final
paragraph describes the work entitled Bahia, in which he sees
“a cut-back tree that still blooms and stands as a sentinel”. A
beautiful literary image for this rounded tree, which appears
in some works by this artist, such as Hill (Morro) (1928), this
shows the baobab known as Maria Gorda on Paquetá Island,
where this artist sought refuge from political persecution, lea-
ving only for exile in France. This work may also be interpreted
as a metaphor for this period in the artist’s life: cut down but
reborn in isolation, set against a lively Brazilian hill in the back-
ground that could be in either Bahia or Rio.
PREFÁCIO
Di Cavalcanti, apesar de seu nome italiano e de sua aparência
de imperador romano, pertence a uma família luso-brasileira
muito antiga, expatriada de Florença há quatro ou cinco sécu-
los. Foi no Rio que eu o conheci em 1930 e, como tantos outros
franceses, devo a ele ter visto ali algo além da paisagem da
baía, do Pão de Açúcar e do Corcovado, e ter penetrado nos
bastidores da paisagem e da vida carioca.
O verdadeiro Brasil urbano, ainda enterrado nas profundezas
da mata original, pode ser resumido no "morro", uma colina
no meio da cidade, atrás das fachadas em estilo americano,
sem ruas traçadas, com suas escadas, sua igreja barroca, suas
casas de latas de gasolina, suas palmeiras e suas figueiras,
suas velhas e jovens de cor, seus incontáveis ​​filhos, sua sujeira
deslumbrante, entre o céu, o mar e as altas montanhas.
Essa vida, ora despreocupada, ora frenética, foi pintada desta
vez, pelo “fauve” Di Cavalcanti (no Brasil diz-se, em linguagem
de pintura, um “antropófago”), em repouso, sob o sol. Todos
os seus personagens, suas casas, seus barcos, sonham sem
se mover, estendidos à beira de uma eternidade de água, de
areia, de rochas e de ar, de onde se irradiam as mais belas
cores genuínas: vermelho verdadeiro, azul verdadeiro. A paleta
só se reveste de sutileza para chegar à tez das figuras femini-
nas, esse dourado luminoso de raças que se fundiram ao se
entrelaçar.
E, então, olhem para esta árvore amputada, que não desiste
de florescer e continua de pé; uma sentinela diante da branca
Bahia de todos os santos: sua casca é irmã gêmea da pele
das mulheres adormecidas. Fraternidade e luta amorosa do
homem e do vegetal: todo o Brasil.

Benjamin Cremieux
Galerie Rive Gauche
44, Rue des Fleurs, Paris (6e)

Œuvres du Peintre Brésilien


Di Cavalcanti
Juin/Juillet 1936

Benjamin Crémieux (Narbonne, França, 1888 – Buchenwald,


Alemanha, 1944)
Renomado crítico literário e romancista foi o responsável por
divulgar autores como Pirandello para o público francês. Tra-
balhou no serviço de imprensa do Ministério das Relações
Exteriores da França e, nesse cargo, esteve em Buenos Aires
e no Rio, em 1930. Em 1941 entrou para a Resistência Francesa,
sendo um membro de grande importância para o movimento.
Preso pelos alemães, morreu no campo de concentração de
Buchenwald, um ano antes do final da guerra.
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas

PREFÁCIO
Di Cavalcanti, apesar de seu nome italiano e de sua aparência
de imperador romano, pertence a uma família luso-brasileira
muito antiga, expatriada de Florença há quatro ou cinco sécu-
los. Foi no Rio que eu o conheci em 1930 e, como tantos outros
franceses, devo a ele ter visto ali algo além da paisagem da
baía, do Pão de Açúcar e do Corcovado, e ter penetrado nos
bastidores da paisagem e da vida carioca.
O verdadeiro Brasil urbano, ainda enterrado nas profundezas
da mata original, pode ser resumido no "morro", uma colina
no meio da cidade, atrás das fachadas em estilo americano,
sem ruas traçadas, com suas escadas, sua igreja barroca, suas
casas de latas de gasolina, suas palmeiras e suas figueiras,
suas velhas e jovens de cor, seus incontáveis filhos, sua sujeira
deslumbrante, entre o céu, o mar e as altas montanhas.
Essa vida, ora despreocupada, ora frenética, foi pintada desta
vez, pelo “fauve” Di Cavalcanti (no Brasil diz-se, em linguagem
de pintura, um “antropófago”), em repouso, sob o sol. Todos
os seus personagens, suas casas, seus barcos, sonham sem
se mover, estendidos à beira de uma eternidade de água, de
areia, de rochas e de ar, de onde se irradiam as mais belas
cores genuínas: vermelho verdadeiro, azul verdadeiro. A paleta
só se reveste de sutileza para chegar à tez das figuras femini-
nas, esse dourado luminoso de raças que se fundiram ao se
entrelaçar.
E, então, olhem para esta árvore amputada, que não desiste
de florescer e continua de pé; uma sentinela diante da branca
Bahia de todos os santos: sua casca é irmã gêmea da pele
Na busca pela brasilidade, Di Cavalcanti elegeu como tema as
bordas da cidade, as pessoas comuns, os suburbanos, retra-
tados na favela, nos botecos, nas docas e nos bordéis. O título
da obra Devaneio (1927) se reafirma pela postura pensativa e
um tanto melancólica da figura principal, uma mulher negra,
perdida em sonhos, retratada ao lado de um barraco – no tem-
po em que os morros se tornaram o berço do samba. A obra
explora o volume das formas através do contraste entre super-
fícies planas de limites bem definidos e zonas esfumaçadas de
onde a cor surge gradativamente criando relevos espaciais e
corporais. Abandonando os tons suaves dos primeiros traba-
lhos criados na sua volta ao país, Di passa a adotar o uso das
cores vibrantes tão características dos subúrbios.

Três mulheres . Three women, 1938


Óleo s/ tela . Oil on canvas

In his quest for the essence of Brazil, Di Cavalcanti selected


urban outskirts as his setting, ordinary people, the sub-urban,
depicted in favela slums, on wharves, in bars and brothels. The
title of Daydream (Devaneio) 1927 is reaffirmed by the musing
and somewhat melancholy pose of the main figure – a black
woman lost in dreams, shown next to a shack – at a time when
the hills of Rio were the cradle of samba. This work explores the
bulk of shapes through contrasting the flat surfaces of well-de-
fined boundaries with hazy zones from which color gradually
emerges, creating spatial and bodily reliefs. Abandoning the
soft tones of the first few works painted on his return to Brazil,
Di Cavalcanti starts to use the vibrant colors so characteristic
of these poverty-stricken communities.
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas

No período de 1936 a 1939, quando Di residiu em Paris, o li-


rismo e a sensualidade langorosa tomaram conta das suas
telas. Três mulheres (1938) é um excepcional exemplo desse
momento. Realizada em tons noturnos, a cena contrapõe duas
mulheres em repouso, veladas por uma terceira personagem,
que carinhosamente vigia o sono das companheiras. O artista
dramatiza o pesado corpo da protagonista com uma saia em
vibrante tom de vermelho, mas torna seus crespos cabelos le-
ves e etéreos através do uso da difícil técnica de scratchboard,
na qual retira a tinta com o cabo do pincel. Inclui ainda na
pintura um tecido amarelo-ouro, solto e drapeado, equilibran-
do a composição. Di finaliza a cena com um toque de mestre,
criando um conjunto de pequenas casas no horizonte, e dando
a uma delas a coloração azul – um detalhe sutil, pelo qual ele
conduz nosso olhar para a solidão da paisagem.

While living in Paris (1936 – 1939), lyricism and languorous


sensuality swept over his canvases. An outstanding example
of this phase, Three Women (Três Mulheres) (1938) is painted in
nocturnal shades. The scene portrays two women at rest, with a
third watching affectionately over the sleep of her companions.
The artist dramatizes the heavy body of the protagonist with a
skirt in a vibrant shade of red, while making her curly hair light
and ethereal through the tricky scratch-board technique, which
requires removing paint with the brush handle. This painting
also includes a loose swathe of golden yellow fabric that ba-
lances the composition. He completes the scene with a master
touch: a role of tiny houses on the horizon, one colored blue.
Through this subtle detail, he draws our gaze to the loneliness
of the landscape.
Três mulheres . Three women, 1938
Óleo s/ tela . Oil on canvas

Em um eco do período parisiense, Di Cavalcanti continuou a


produzir no Brasil, durante a primeira metade da década de
1940, mulheres olímpicas, quase clássicas, com toques picas-
sianos, às quais adicionou uma sensualidade tropical, mestiça
e calorosa. Em Nascimento de Vênus (1940), o artista realiza
uma composição reunindo três mulheres de diferentes tipos
físicos, que olham com cumplicidade a nudez e a cândida be-
leza da protagonista. A cena alegórica exala uma sensualida-
de sutil e feminina, acentuada pela delicadeza dos gestos de
cada uma das participantes: a que sacode um manto, a que
penteia com as mãos os próprios cabelos e a que ampara cari-
nhosamente a Vênus. A composição é estudada com cuidado
pelo artista para criar contrastes entre os volumes dos corpos,
as cores das roupas e, também, das peles das personagens.
O destaque, entretanto, está na maestria da carnação rósea
e aveludada da protagonista que Di Cavalcanti contrapõe ao
rosado do céu e ao azul do mar.

Back in Brazil, but in an echo of his Parisian period, Di Caval-


canti continued to paint Olympian women during the first half
of the 1940s. Almost classical, although mixed race, he en-
dowed them with added tropical sensuality and warmth, with
touches redolent of Picasso. In Birth of Venus (Nascimento de
Vênus) (1940), the artist creates a composition that entwines
three women of different physiotypes, gazing complicitly at the
nudity and candid beauty of the goddess. This allegorical scene
exudes a subtle and feminine sensuality, underscored by the
delicacy of the gestures of each woman: one shakes out a robe,
one runs her hands through her hair, and one lovingly supports
Venus. Carefully planned by the artist, the composition creates
contrasts between the bulk of the bodies, the colors of the clo-
thing, and the skins of the characters. However, the highlight
is his masterly treatment of the velvety pink incarnation of the
goddess, which Di Cavalcanti contrasts with the rosy sky and
azure sea.
DI CAVALCANTI 125 ANOS
Exposição de de julho a 13 de agosto de 2022
CURADORIA
Denise Mattar
CONSULTORIA
Elizabeth Di Cavalcanti
IDEALIZAÇÂO
Luiz Danielian
Ludwig Danielian
EXPOGRAFIA
Estudio Sauá – Tania Sarquis
ILUMINAÇÃO
Antonio Mendel e Corina
FOLDER
Claudia Ramadinha
SINALIZAÇÃO
Ginga Design
ASSESSORIA DE IMPRENSA
CWeA Comunicação - Claudia Noronha
MARKETING
Marcello Nogueira
MÍDIAS SOCIAIS
Adriana Xerez
EQUIPE
Antonio Carvalho, Daisy Ferreira, Glória Teixeira, Graça Emery,
José Cobra, Onofre Alves, William Porto, William Reis.
REALIZAÇÃO
Danielian Galeria
AGRADECIMENTOS
Jones Bergamin
Rafael Moraes
Ludwig Hairabed Danielian
Suely Danielian
Bernardo Daudt de Oliveira
Ricardo Von Brusky
Antonio Almeida
Carlos Dale
Max Perlingeiro
Ricardo Kimaid Jr.
João Carlos Condé
Thais Alexandre
Edson Alexandre
Evandro Carneiro
Sanzia Vieira
Jorge Coli
Samuel Mendes Vieira
João Brancato
Camila Dazzi
Antonia Bergamin
Erica Schmatz
Oskar Metzavaht
Ronaldo Pereira
Adeildon dos Santos
Daniel Leão
Thiago Borges
Rua Major Rubens Vaz, 414 | Gávea
Rio de Janeiro, RJ, 22470-070
+5521 2522-4796
contato@danielian.com.br

Você também pode gostar