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O ‘BRASIL IMPRODUTIVO’ E SEU BLOQUEIO COM A INOVAÇÃO

Por Maurício Tuffani

22/04/14 20:38

Desde a semana passada não faltaram na imprensa e nas redes sociais manifestações de
indignação discordantes e lições de moral concordantes sobre as afirmações “brasileiros são
gloriosamente improdutivos” e “para que a economia cresça, eles devem pular fora de sua
letargia”, da revista britânica “The Economist”. Em meio às reações à reportagem “50 anos de
soneca”, que destacou engarrafamentos, longas filas, prazos não cumpridos e atrasos, pouca
atenção foi dada a um fator que se torna cada vez mais crucial para o desenvolvimento
econômico: a inovação, atividade em que o desempenho do Brasil tem sido inferior ao de
outros países latino-americanos e caribenhos.

O editorial da Folha “Brasil improdutivo”, desta terça-feira (22. abr), foi uma lúcida exceção a
essa reação geral. Não só por não entrar nesse “Fla-Flu”, mas também por relacionar a baixa
produção de patentes no Brasil ao foco central da crítica da “Economist”, que é a baixa
produtividade do trabalho no Produto Interno Bruto do país. O assunto das patentes remete
diretamente à dificuldade crônica das instituições de pesquisa científicas e da iniciativa
privada, brasileiras, que afeta diretamente a inovação, e consequentemente, a
competitividade da economia nacional.

Investimento e resultado

Em 2013, na classificação dos países segundo seus investimentos em pesquisa e


desenvolvimento (P&D), o Brasil figurou em 31º lugar, definido pelo indicador de 1,2% do PIB
(Produto Interno Bruto). Os dez primeiros colocados foram Israel (4,4%), Finlândia (3,8%),
Coreia do Sul (3,7%), Suécia (3,4%), Japão (3,3%), Dinamarca (3,1%), Suíça (2,9%) e Alemanha,
Áustria e Estados Unidos (2,8%).

No entanto, apesar desse nível de despesas com P&D, o Brasil ficou relativamente bem inferior
na classificação de acordo com o resultado dessa atividade. No Índice Global da Inovação
ficamos na 64ª posição, atrás de Costa Rica (39º), Chile (46º), Barbados (47º), Uruguai (52º),
Argentina (56º), Colômbia (60º) e México (63º). Elaborado em parceira da Universidade
Cornell, dos Estados Unidos, com a Organização Internacional da Propriedade Intelectual, o
ranking desse indicador teve como melhores colocados Suíça (1º), Suécia (2º), Reino Unido
(3º), Holanda (4º), Estados Unidos (5º), Finlândia (6º), Hong Kong (7º), Cingapura (8º),
Dinamarca (9º) e Irlanda (10º).
Baixa produtividade

A revista britânica destacou que de 1990 a 2012 a produção média de cada trabalhador
brasileiro correspondeu a 40% do crescimento do PIB, enquanto na China esse índice foi de
91% e, na índia, de 67%, segundo estudos da consultoria McKinsey. Desse modo, esse fator
que mede a eficiência do trabalho na produção econômica regrediu no Brasil ao patamar dos
anos 1960 — daí a referência a 50 anos no título da reportagem.

Esses dados foram questionados na edição de hoje do jornal “O Estado de S. Paulo” pelo
comentarista José Paulo Kupfer. Em seu artigo “Não é tão trivial”, o jornalista afirmou que a
produtividade do trabalho no Brasil teria se elevado mais de 30%, de acordo com estudo do
Instituto Brasileiro de Economia, ligado à Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Realizado pelos economistas Samuel Pessôa e Fernando de Holanda Barbosa Filho, para os
quais, “apesar das dificuldades técnicas, a melhor medida de produtividade relaciona volume
produzido a horas trabalhadas”.

Perdendo posições

Independentemente de qual venha a ser a metodologia mais adequada à avaliação da


produtividade, o desempenho da economia de um país considera também outros fatores,
como sua média do produto anual do trabalho de cada empregado e sua participação nas
exportações. E é justamente em função desses dois aspectos que, ao comentar a matéria da
“Economist”, o editorial da Folha ressaltou:

O produto anual do trabalho de um empregado brasileiro está na casa de US$ 20 mil


(calculado pela metodologia de paridade de poder de compra). Nos anos 1960, era da ordem
de US$ 15 mil, maior que o obtido por sul-coreanos – os quais, hoje, produzem quase US$ 70
mil. A China, que partiu de patamar muito inferior, já nos alcançou.

(…)

Não estranha, assim, que o Brasil esteja perdendo mercado para exportações chinesas até na
Argentina, sua grande parceira de Mercosul. Em 2005, a participação brasileira nas
importações argentinas estava em 36,5%; no primeiro trimestre de 2014, ficou em 24,8%. No
mesmo período, a China saltou de 5,3% para 18,4%.

Fila para patentes

A menção às patentes no editorial se baseou na reportagem “Brasil leva até 14 anos para
garantir proteção a inovação” (domingo, 20. abr), de Mariana Carneiro. A matéria alertou para
um problema que exige solução urgente: o tempo médio de cerca de dez anos para patentear
um produto no Brasil, que pode ultrapassar 13 anos para pedidos na área de alimentos e
plantas ou até 14 em telecomunicações. Como informou a jornalista,
Durante todo esse prazo, empresas que tenham investido em inovação ficam sem poder
vender suas ideias e ainda correm o risco de ver seus produtos copiados.

A espera no Brasil supera em até quatro vezes a dos EUA, a do Japão e a da Europa e em até
seis a da China e a da Coreia do Sul — onde um registro é concedido em, na média, 1,8 anos.

A principal causa desse atraso exagerado destacou a repórter, é a falta de estrutura do INPI
(Instituto Nacional da Propriedade Intelectual). Responsável pelos registros de concessões de
patentes no Brasil, o órgão não tem conseguido repor em seu contingente os técnicos que
deixam seus cargos por aposentadoria ou simplesmente em busca de melhores salários.

Incentivos difíceis

Mas o problema da baixa produção brasileira de patentes não se restringe à falta de estrutura
do INPI, como mostrou outra boa reportagem da Folha, nessa mesma edição no domingo,
“Estímulos públicos à inovação no Brasil tiveram pouca eficácia”, de Érika Fraga. Ao reportar as
conclusões de estudos do Centro de Políticas Públicas do Insper, com base em dados do IBGE,
sobre medidas do governo para estimular a inovação no país, a matéria informou que a fatia
do faturamento de empresas brasileiras inovadoras destinadas a investimentos para o
desenvolvimento de produtos e processos novos recuou de 3,8% em 2000 para 2,4% em 2011.

(…)

A parcela de empresas consideradas inovadoras que investiram em pesquisa e


desenvolvimento (P&D) foi reduzida a menos da metade entre 2000 e 2011, recuando de 33%
para 14% do total.

A reportagem de Érika Fraga destacou também que os gastos com P&D aumentaram nesse
mesmo período, mas estão sendo dispendidos por um número cada vez menor de
companhias. Ouvido pela jornalista, um dos autores do estudo, o economista Naercio Menezes
Filho, do Insper (Instituto de Pesquisas e Ensino), declarou que embora as empresas de menor
porte tenham grande potencial inovador, o acesso a subsídios e a outros incentivos do
governo é mais fácil para grandes companhias.

O pesquisador apontou indicadores que confirmam esse quadro. Além dos dados dessa
segunda reportagem, essa dificuldade de acesso é exemplificada também pelas condições da
Linha de Apoio à Inovação, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social), que prevê valor mínimo de R$ 1 milhão para financiamento de planos de inovação.
Apesar de essa linha de crédito não envolver cobrança de taxa de risco de micro, pequenas e
médias empresas, seu limite mínimo inviabiliza muitas iniciativas de jovens empresários.

Relação com a academia

A segunda reportagem apontou dificuldades também na interação das instituições de pesquisa


científica e tecnológica — que produzem conhecimento para a inovação— com o setor
empresarial, que depende da oferta de produtos e serviços inovadores como fator para
aumento da competitividade. De acordo com as fontes ouvidas pela matéria, a solução dessas
dificuldades é uma questão de tempo.
Dados de levantamento recente da Thomson Reuters mostram que a produção de pesquisa
científica do Brasil aumentou 145% — o triplo da média mundial— entre 2003 e 2012.

Segundo David Pendlebury, analista da Thomson Reuters, o aumento no número de trabalhos


científicos brasileiros é recente e o impacto desse movimento sobre a inovação não é
imediato.

O argumento de Pendlebury parece, em princípio, apontar o caminho para a ampliação da


inovação no Brasil: aumentando-se a produção científica aumenta-se a produção de
conhecimento para a inovação. Em tese esse raciocínio é plausível, mas ele simplifica uma
realidade muito mais que complexa.

Muito antes da fila

Na verdade, no Brasil existe um bloqueio à inovação antes mesmo da fila do INPI, do balcão do
BNDES e também da relação entre o mundo acadêmico e o setor privado.

Em muitas de nossas instituições de pesquisa, principalmente nas universidades públicas, esse


bloqueio está em uma cultura acadêmica que negligencia a formação para a pesquisa voltada à
inovação. Uma cultura que é reforçada pela aversão a qualquer aproximação com o setor
produtivo. Nas universidades federais e estaduais, onde está a maioria esmagadora dos
pesquisadores do país e é produzida a quase totalidade dos trabalhos científicos brasileiros
publicados em revistas de padrão internacional, esse comportamento fechado é decorrente
em parte do engajamento ideológico que predomina nessas instituições, em parte do espírito
acadêmico de distanciamento do mundo externo que sobrevive em moldes modernos desde
sua origem na Idade Média.

Uma iniciativa que pode trazer resultados positivos para amenizar o peso dessa tradição
cultural acadêmica sobre a inovação já está em curso no Congresso Nacional por meio da
Proposta de Emenda Constitucional 290, de 2013. Apresentada pela deputada Margarida
Salomão (PT-MG), ela já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em 25 de
março. Além de prever dispositivos relacionados à inovação e à desburocratização de
processos para contratação de bens e serviços, a PEC propõe definir como prioridade do poder
público a pesquisa científica e tecnológica, modificando o texto atual no qual consta somente
a pesquisa básica.

Indústria & comércio

Em grande parte da iniciativa privada, esse bloqueio assume outra feição, que sobrevive no
Brasil por meio de uma cultura empresarial praticamente alheia à ideia de investir em P&D.
Quando se incorpora a inovação a um produto ou serviço, ela é quase sempre desenvolvida no
exterior. Em fevereiro deste ano, o jornalista André Julião registrou na reportagem “Inovar
para que(m)?”, na revista “Unesp Ciência”, a seguinte declaração de Luiz Bevilaqua, professor
emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que foi secretário-geral do Ministério da
Ciência e Tecnologia no início dos anos 1990.
Falta esse componente cultural de arriscar mais das empresas brasileiras. Reclamar é fácil.
Difícil é inovar. (…) Nossos industriais são muito mais comerciantes. Se for mais barato
importar um produto da China do que produzir aqui, ele fecha a fábrica e vira um
representante do produto chinês.

Protecionismo

No que cabe ao governo, passados quase dez anos desde a sanção da Lei da Inovação, por
mais que seja praticamente unânime o reconhecimento da necessidade dessa norma, já houve
tempo mais que suficiente para perceber que, por si só, a criação de um ambiente regulatório
não foi suficiente. É preciso, por exemplo, flexibilizar linhas de financiamento e de incentivos
para que sejam viáveis para companhias de pequeno porte.

Mas, acima de tudo, é necessário acabar com os mecanismos de financiamento para empresas
que não buscam o caminho da competitividade e da inovação. Como bem afirmou a
reportagem da “Economist”, em vez de entrar em colapso, empresas frágeis se arrastam
protegidas da competição graças a várias formas de ajuda estatal. E um dos maiores inimigos
da inovação é justamente a eliminação da competição.

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