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A FRAGILIZAÇÃO DA PESCA NA REGIÃO DE QUINTÃO - RS

RESUMO
A pesca artesanal, como a agricultura, é um objeto de estudo complexo, pois é influenciada
por determinantes ambientais, culturais, socioeconômicos e tecno-produtivos. A combinação
desses determinantes com as variáveis de tempo e espaço produz, para cada lugar, uma
diversidade de formas pelas quais os pescadores artesanais procuram interagir com a natureza
e dela derivar seu sustento. Na pesca artesanal, a relação com a natureza é intensa e é difícil
estabelecer um controle antrópico sobre os recursos, dada a fluidez dos recursos. Essas
contingências naturais obrigam os pescadores a se adaptarem às diferentes condições
ambientais, o que explica em parte as diferenças técnicas e socioculturais entre as
comunidades pesqueiras. Entretanto, os problemas ambientais e de gestão dos recursos
pesqueiros têm um impacto negativo na produção e na renda das famílias de pescadores
artesanais, combinado com o crescimento do turismo de massa, e levam os membros das
famílias de pescadores a se envolverem em outras atividades remuneradas ao lado da pesca
(pluriatividade), ou a abandoná-la. Assim, no presente trabalho, procuramos estudar a
necessidade de complementação de renda para os pescadores da região de Quintão - RS,
estudando as soluções encontradas para a complementação adequada de renda quando as
atividades de pesca não são suficientes para a subsistência desses profissionais. Concluiu-se
que houve transformações nas estratégias reprodutivas das famílias de pescadores, que
incorporam atividades extra pesca nos setores de serviços e industriais relacionados ao
turismo, portos e pequenas indústrias como forma de compensar a perda de renda familiar
com a pesca. Enquanto os pescadores mais velhos tendem a alternar a pesca com outras
atividades remuneradas, seus filhos tendem a abandonar as atividades de pesca. Se esta
situação persistir, a falta de sucessão nas famílias de pescadores artesanais na área de estudo
pode comprometer a sustentabilidade desta forma tradicional de produção.
Palavras-chave: quintão; pesca; fragilização.

THE FRAGILIZATION OF FISHING IN THE REGION OF QUINTÃO - RS

ABSTRACT

Artisanal fishing, like agriculture, is a complex object of study because it is influenced by


environmental, cultural, socio-economic, and techno-productive determinants. The
combination of these determinants with the variables of time and space produces, for each
place, a diversity of ways in which artisanal fishermen seek to interact with nature and derive
their livelihoods from it. In artisanal fishing, the relationship with nature is intense and it is
difficult to establish anthropic control over resources, given the fluidity of the resources.
These natural contingencies force fishermen to adapt to different environmental conditions,
which explains in part the technical and socio-cultural differences among fishing
communities. However, environmental and fisheries management problems have a negative
impact on the production and income of artisanal fishing families, combined with the growth
of mass tourism, and lead members of fishing families to engage in other paid activities
alongside fishing (pluriactivity), or to abandon it. Thus, in the present work, we tried to study
the need for income complementation for fishermen in the region of Quintão - RS, studying
the solutions found for adequate income complementation when fishing activities are not
enough for the subsistence of these professionals. It was concluded that there were
transformations in the reproductive strategies of fishermen's families, who incorporate extra-
fishing activities in the service and industrial sectors related to tourism, ports and small
industries as a way to compensate for the loss of family income from fishing. While older
fishermen tend to alternate fishing with other paid activities, their children tend to abandon
fishing activities. If this situation persists, the lack of succession in artisanal fishing families
in the study area may compromise the sustainability of this traditional form of production.
Key words: quintão; fishing; fragilization.

INTRODUÇÃO

Originalmente, em toda a costa do Atlântico Sul, os recursos naturais eram abundantes


e explorados pelas populações indígenas e pelos primeiros colonos europeus, sem grandes
danos ao meio ambiente (SEELIGER et al., 1998). No Rio Grande do Sul, a exploração dos
recursos naturais da zona costeira data da era pré-conquista, quando as populações indígenas
se estabeleceram nos sambaquis e o consumo de peixe era uma importante fonte de alimento
para essas populações (RAMBO, 2000).
Os pescadores artesanais podem ser descritos como aqueles que, para a captura e
desembarque de qualquer tipo de espécie aquática, trabalham sozinhos e/ou utilizam mão-de-
obra familiar ou não remunerada, explorando ambientes ecológicos próximos à costa, sendo o
barco e os equipamentos utilizados para este fim pouco autônomos. A prática da pesca
artesanal é essencialmente marcada por estoques de baixa tecnologia, redirecionados para
uma produção expressiva para o mercado ou para o autoconsumo das diversas famílias
envolvidas na atividade.
Entretanto, observou-se uma tendência global de esgotamento dos recursos marinhos,
que afeta as comunidades pesqueiras tradicionais, e este fato é confirmado para a maioria das
regiões do Brasil. O turismo e a pesca esportiva têm se desenvolvido em algumas áreas
costeiras, competindo com os pescadores artesanais. Esta realidade favorece um
comportamento recorrente de defesa do território para a pesca artesanal, ao excluir outros
usuários, em muitas comunidades pesqueiras.
O objetivo deste trabalho é analisar a diversificação das estratégias de reprodução
social das famílias de pescadores artesanais no litoral do Estado do Rio Grande do Sul, mas
especificamente em Quintão - RS. O ponto de partida foi que os problemas ambientais e de
gestão da pesca, que têm um impacto negativo na produção e na renda das famílias de
pescadores artesanais, combinados com o crescimento do turismo de massa, incentivam os
membros das famílias de pescadores a se envolverem em outras atividades remuneradas ao
lado da pesca (pluriatividade), ou a abandoná-la.
A análise da reprodução social das formas tradicionais de produção envolve a
identificação dos fatores que desencadeiam transformações em um determinado período
histórico e seu grau de importância. Também deve ser dada atenção à escala temporal dos
fenômenos, pois a ordem e a velocidade dos eventos influenciam seu resultado. Da mesma
forma, a existência (ou não) de alternativas para lidar com as contradições e contingências
inerentes ao processo de transformação merece atenção especial. No caso do enfraquecimento
econômico de uma categoria social - como no caso da pesca artesanal na região em estudo - a
velocidade das transformações pode afetar a forma de ocupação das famílias em outros
setores. A falta de alternativas em outras atividades econômicas muitas vezes leva à ocupação
de papéis subordinados na sociedade (CAPELLESSO, 2010).
O método de pesquisa será o método bibliográfico-documentário, pois este tipo de
pesquisa permeia todos os momentos do trabalho científico e é utilizado em todas as
pesquisas como base para o material, por exemplo, em livros, artigos científicos, etc. (GIL,
2008). Por outro lado, a pesquisa documental terá como objetivo complementar a pesquisa
bibliográfica, na medida em que a pesquisa documental permite que o pesquisador use de
documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, e contratos no seu trabalho.
No que se refere a técnica de abordagem é classificada como pesquisa qualitativa,
aquela que não utiliza métodos e técnicas estatísticas, ou seja, não traduz os resultados obtidos
em números. “Os dados coletados nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior
número possível de elementos existentes na realidade estudada”. (PRODANOV e FREITAS,
2013, p. 70).
No presente trabalho será utilizado o método da pesquisa de campo para coleta de
dados. A pesquisa de campo se concentra no estudo de indivíduos, grupos, comunidades,
instituições e outras pessoas. É um procedimento reflexivo e crítico, buscando respostas a
problemas não resolvidos. Envolve observação, perguntando como se chega aos fatos,
seguindo uma visão analítica, inferindo estatísticas, seguindo uma estratégia.

2. ÁREA DE ESTUDO

A costa do Rio Grande do Sul é uma longa (640 km) e contínua barreira arenosa
dominada por ondas (CALLIARI et al., 1998) com uma orientação NE-SW uniforme. A
plataforma continental é larga, 150-200 km de comprimento, com profundidades máximas
que variam de 100 a 140 m e uma suave inclinação de 0,5-1,5 m/km (MARTINS e CORRÊA,
1996).
A área de estudo inclui um trecho de cerca de 160 km, localizado entre Tramandaí e
Mostardas no RS, posicionado entre as coordenadas 31°12'48,60 "S, 50°52'06,44 "W e
29°58'36,36 "S, 50°07'10,94 "W. De acordo com Tomazelli & Villwock (1992), as praias do
RS são compostas de areia fina, quatzose, bem selecionada, com uma assimetria ligeiramente
negativa.
Calliari & Klein (1993) e Toldo Jr et al (1993) classificaram as praias RS como
intermediárias a dissipativas de acordo com as seqüências morfodinâmicas descritas por
Wrigth e Short (1984). Sobreposto a este modelo de comportamento morfodinâmico, observa-
se uma diferenciação biestável, com a predominância de um perfil acrecional entre novembro
e março, caracterizado por um maior estoque sedimentar na parte subaérea da praia, e um
perfil erosivo entre abril e outubro, caracterizado por um maior estoque sedimentar na parte
subaérea da praia, sendo esta biestacionalidade uma função da variabilidade do regime de
ondas.
A topografia da praia no meio da costa consiste em uma grande área com um fundo
plano e uma suave inclinação, da ordem de 1:100. Esta uniformidade morfológica é
modificada nas proximidades das praias da Mostardas e Dunas Altas, onde a largura do litoral
aumenta de seus valores médios de 1 km para mais de 3 km. Estas duas praias estão
localizadas onde ocorre a inflexão da costa, ou seja, a mudança no alinhamento da praia entre
10° e 12° (TOLDO JR et al., 2010).
As mudanças na largura dos campos de dunas costeiras e de costa ocorrem de maneira
semelhante ao longo da costa média: a região com a maior largura de costa também está
associada à região com a maior largura de campo de dunas. A largura média do campo de
dunas varia de menos de 1 km a mais de 6 km ao longo das praias de Mostardas e Dunas
Altas, respectivamente (TOLDO JR et al., 2010). Calliari et al (1998) quantificaram a altura
das dunas frontais para a costa norte e média do Rio Grande do Sul. Os autores descobriram
que as dunas localizadas entre Cidreira e Balneário de Dunas Altas, em Palmares do Sul, têm
as alturas mais altas, variando entre 6 e 8 metros. Ao sul de Dunas Altas, há uma redução
considerável na altura das dunas frontais para 1 m em um intervalo de 30 km. Nas
proximidades do farol de Mostardas, não há formação de dunas frontais, mas apenas planícies
arenosas.
Devido ao grande volume de sedimentos transportados pela deriva costeira, com uma
direção NE resultante, e o engarrafamento de parte deste volume próximo às inflexões da
linha costeira na Mostardas e Dunas Altas, o acúmulo desta areia se torna uma importante
fonte de sedimentos para o desenvolvimento do litoral, bem como do campo de dunas
costeiras. Em resposta aos frequentes ventos fortes do NE, o transporte eólico é muito ativo,
fazendo com que as dunas migrem para o interior da planície costeira em direção ao SW
(TOMAZELLI et al., 2000), desenvolvendo assim extensos campos de dunas.

2.1 ASPECTOS GEOLÓGICOS

Carraro et. al (1974) propuseram a divisão do estado do RS em quatro províncias


geomorfológicas: o Planalto, a Depressão Periférica, o Escudo Sul do Rio Grande e a Planície
Costeira. A planície costeira, com aproximadamente 630 km, estende-se de Torres, ao norte,
até a foz do rio Chuí, ao sul. A geologia e a geomorfologia da planície costeira do RS se
desenvolveu durante o Quaternário pela retrabalho dos depósitos aluviais de ventiladores que
se acumularam na parte mais interna da planície, junto com a terra adjacente. Estes depósitos
foram retrabalhados durante os vários ciclos glaciais-regressivos do Quaternário, resultando
na geração de pelo menos quatro sistemas de depósito tipo lagoa de barreira, designados, do
mais antigo ao mais moderno, como Sistemas I, II, III e IV (VILWOCK et al., 1986). Estudos
demonstraram que os sistemas I, II e III são Pleistoceno em idade, enquanto o sistema IV é
Holoceno tardio em idade.
A Barreira III é o Pleistoceno em idade, cerca de 125 ka. Segundo Tomazelli (1985),
trata-se de uma sucessão vertical de praias arenosas e fácies marinhas rasas sobrepostas por
depósitos eólicos, indicando claramente uma natureza regressiva. Os sedimentos da praia são
compostos de areias de quartzo de cor clara, de grão fino e bem sortidas, com estratificações
bem desenvolvidas. As areias eólicas da capa são de cor avermelhada e de aparência maciça.
O sistema Laguna-Barrera IV se estende continuamente ao longo de toda a linha
costeira. Sendo o sistema mais recente, da era Holocênica, ele preservou uma maior
complexidade dos subsistemas deposicionais.
A Barreira IV foi colocada no final da última transgressão pós-glacial, cerca de 5-6 ka
atrás (Villwock & Tomazelli, 1998). É composto principalmente de areias de praia e eólica
derivadas da erosão da Barreira III e sedimentos disponíveis na plataforma continental
interna. As areias têm uma composição de quartzo, um tamanho de grão fino a muito fino
(VILWOCK et al., 1986) e em locais com concentrações expressivas de minerais pesados.
O campo de dunas da Barreira IV aeólica está bem desenvolvido, variando em largura
de 2 a 8 km e estendendo-se por quase toda a linha costeira. Em resposta a um regime de
vento de alta energia do NE, as dunas livres, principalmente barcanóides, migram na direção
SW, transgredindo o terreno mais antigo e avançando em direção aos corpos lagunares
adjacentes.
2.2 DA PESCA ARTESANAL NA REGIÃO

A pesca corresponde a uma atividade que remonta ao início da história humana no


mundo, na qual o simples ato da pesca permitiu a vários povos construir uma estrutura
alimentar complexa e confiável, ajudando a sustentá-los em tempos de escassez agrícola e/ou
dificuldades na coleta de diversos alimentos (RAINHA, 2014).
Como atividade econômica, a pesca se distingue pelo valor nutricional do peixe
(SILVA, 2010), reforçado por numerosas publicações sobre as melhorias que ela traz para a
saúde humana. Recentemente, o interesse pelos produtos da pesca aumentou
consideravelmente (BURGER, 2008). O peixe, assim como vários produtos da pesca, como
crustáceos e moluscos, distinguem-se de outros alimentos de origem animal por seu teor
relativamente alto de vitaminas A e D lipossolúveis, os minerais cálcio, fósforo, ferro, cobre,
selênio e, no caso do peixe de água salgada, iodo (SARTORI E AMANCIO, 2012). Assim, os
produtos da pesca representam um dos segmentos mais comercializados do setor alimentício
no mundo (FAO, 2016). No Brasil, o consumo de peixe é atualmente de 14 kg per capita/ano
de acordo com o Ministério da Agricultura, excedendo a recomendação da Organização
Mundial da Saúde de 12 kg/capita/ano (BRASIL, 2017).
Além disso, a atividade pesqueira, especialmente a pesca artesanal, permitiu que os
pescadores adquirissem um vasto conhecimento durante vários séculos. Em particular sobre a
fauna marinha, incluindo aspectos relacionados ao ciclo de vida das espécies capturadas, sua
biologia reprodutiva, bem como sua dinâmica populacional (DIEGUES, 2004).
A etnobiologia (POSEY, 1986) estuda os conhecimentos e conceitos formulados sobre
o mundo natural e as espécies. A ligação do conhecimento científico com o conhecimento
tradicional dos pescadores artesanais pode ser uma ferramenta valiosa para a gestão das
atividades de pesca artesanal (RIOS-LARA et al., 2007), pois o conhecimento é necessário
para a gestão adequada da pesca artesanal (JOHANNES, 1998).
Portanto, estudos que asseguram a conexão de informações sobre a natureza, que são
de propriedade de indivíduos, grupos e comunidades, que condensam conhecimentos sobre o
ambiente natural, constituídos por um longo relacionamento e muitas vezes não registrados
por escrito, são muito ricos em detalhes e importantes para a compreensão da atividade
(PEREIRA e DIEGUES, 2010).
No Brasil, de acordo com Silva (2014), a exploração da pesca artesanal apresenta
muitas especificidades devido à dimensão continental do país, sendo influenciada por grandes
diferenças latitudinais, o que resulta em diferentes zonas climáticas e diversas condições
oceanográficas. Além de uma vasta plataforma continental de diferentes larguras, o que
permite autonomia na atividade pesqueira, dando origem a diversas modalidades.
O autor também se referiu à presença endêmica de vários recursos explorados de valor
comercial, aos diferentes níveis tecnológicos de captação em função da disponibilidade de
matéria-prima, à heterogeneidade e influência das grandes bacias hidrográficas que abrangem
numerosos tributários e tributários de diferentes tamanhos, além da diversidade cultural,
resultado dos processos históricos de colonização e urbanização de cada região.
Na costa brasileira, a pesca artesanal é realizada de acordo com as características das
comunidades pesqueiras, levando em conta seu nível de organização social e trabalhista, o
tamanho do município mais próximo, a demanda pelo produto gerado, bem como a tecnologia
utilizada, que geralmente está relacionada com a produtividade pesqueira da área
(ANDREOLI, 2007).
Em termos de comprimento da embarcação, capacidade de carga, locais de captura e
estoques explorados, a pesca artesanal apresenta características bastante variáveis e é
praticada em todo o litoral brasileiro, principalmente por pescadores independentes, que
realizam a atividade individualmente ou em associação (SOARES et al., 2011).

2.2.1 A Orla Marítima do Rio Grande do Sul e os impactos causados pela urbanização na
pesca

A orla marítima pode ser definida como uma unidade geográfica da zona costeira delimitada
por uma faixa de interface entre a terra e o mar. Os limites genéricos estabelecidos para a orla
marítima são os seguintes:

Na zona marinha, a isóbata de 10 metros, profundidade na qual a ação das ondas


passa a sofrer influência da variabilidade topográfica do fundo marinho,
promovendo o transporte de sedimentos; Na faixa terrestre: 50 (cinquenta) metros
nas áreas urbanizadas ou 200 ( duzentos) metros em áreas não urbanizadas,
demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final
de ecossistemas, tais como os caracterizados por feições de praias, dunas, áreas de
escarpas, falésias, costões rochosos, restingas, manguezais, marismas, lagunas,
estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde estão situados os
terrenos de marinha e seus acrescidos .(MMA, 2006, p.53).

Uma consequência muito visível dos processos de urbanização é a destruição de


edifícios próximos à costa marítima causada pelas marés meteorológicas, um fenômeno
popularmente conhecido como "ressaca", onde o nível da maré sobe até 1,5 m (ALMEIDA et
al., 1997). Aqui no Rio Grande do Sul, este fenômeno tem afetado muitas casas construídas
irregularmente ao longo da orla marítima após a remoção das dunas frontais, uma barreira
natural que protege o mar. Municípios como Cidreira, Imbé e Capão da Canoa, no litoral
norte, e Balneário Hermenegildo, no litoral sul, onde a ocupação e urbanização aceleradas do
litoral, realizadas sem levar em conta a dinâmica do ambiente costeiro, apresentam pesadas
perdas materiais devido à falta de planejamento.
A conurbação entre resorts e municípios é uma realidade que afeta as comunidades
dos municípios do litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul. Entre esses municípios,
alguns são responsáveis pelas maiores taxas anuais de crescimento populacional do estado,
como Pinhal (7,47%) e Cidreira (6,61%) (IBGE, 2000), ambos com áreas de conurbação na
fronteira norte de Pinhal e na fronteira sul de Cidreira. Até 1996, Pinhal era um balneário da
Cidreira, que então se tornou independente.
A ocupação desregulada do litoral gaúcho tem gerado conflitos entre as comunidades
pesqueiras tradicionais que ali vivem, conhecidas como Pescadores Artesanais Profissionais
(PPA), e os entusiastas dos esportes aquáticos. Ambos precisam usar o mesmo espaço, o mar:
os pescadores para sobreviver através da pesca artesanal profissional, e os entusiastas dos
esportes aquáticos que usam as ondas do mar como pista esportiva.
A arte de pescar praticada consiste essencialmente em espalhar uma rede de fios de
nylon tecidos em um retângulo, perpendicular à costa, para capturar cardumes de peixes.
Às vezes, os entusiastas dos esportes aquáticos, conhecidos como surfistas, à deriva no
mar, não veem o equipamento de pesca deitado no oceano, e se enredam nas redes e se
afogam.
Dados da Federação Gaúcha de Surf (FGS, 2007) indicam que 45 surfistas morreram
no estado do Rio Grande do Sul em acidentes com redes de pesca desde 1980.
Várias medidas foram tomadas para tentar deter estes problemas, tais como leis
estaduais, acordos com pescadores e associações de surfistas, mas até o momento nenhuma
solução definitiva foi encontrada. A falta de legislação federal nesta área é o principal
paradigma deste problema. O litoral é uma área de competência da União, que é responsável
pelo planejamento, gerenciamento e inspeção do litoral e das terras adjacentes.
Nesta interpretação, a legislação estatal que se aplica ao litoral torna-se sem sentido,
com tentativas de planejamento limitadas a acordos entre classes. Em alguns municípios,
temos exemplos de sucesso. Cassino (este na costa sul, considerado pela FGS como um
exemplo de área segura para o surf), Torres, Capão da Canoa - Xangrilá e Tramandaí - Imbé,
onde acordos entre municípios e pescadores permitiram a criação de zonas de exclusão para a
pesca com rede durante todo o ano, tornando estes municípios seguros para os esportes
aquáticos. A ideia de criar zonas de exclusão da pesca com redes entre esses municípios
resultou em áreas consideradas seguras para esportes aquáticos devido aos parâmetros da
dinâmica costeira, como a corrente de deriva costeira.
Apesar destes exemplos, alguns municípios ainda são considerados de alto risco para
os esportes aquáticos. Isto se deve ou porque não possuem áreas consideradas seguras para
esportes aquáticos, ou devido à extensão longitudinal limitada das áreas existentes, ou porque
não existem áreas para esportes aquáticos. Além disso, a falta de respeito aos limites das
zonas destinadas a cada atividade, por parte dos pescadores ilegais e até mesmo dos
pescadores legalizados que não aceitam a criação de zonas de exclusão da pesca, contribui
para o fato de que esses locais não são adequados para a prática de esportes aquáticos.

3. A FRAGILIZAÇÃO DA PESCA NA REGIÃO DE QUINTÃO E A NECESSIDADE


DE ADOÇÃO DE ATIVIDADES EXTRAS PARA COMPLEMENTAÇÃO DA RENDA

Com a crise no setor da pesca desde meados dos anos 80, refletindo um modelo de
desenvolvimento que ignorou os limites ambientais, aumentou a necessidade das famílias de
pescadores artesanais de diversificar suas fontes de renda. Esta condição resultou em uma
redução no número de filhos de pescadores dispostos a permanecer no negócio. A situação
econômica dos pescadores artesanais atinge um nível crítico que os leva a abandonar o setor.
O abandono da pesca ocorre primeiro com as crianças, que vão trabalhar em outras atividades
econômicas. O trabalho dos filhos dos pescadores fora da pesca tem sido a principal causa da
expansão da pluriatividade em Quintão - RS. Entretanto, nos últimos anos, a gravidade da
crise e sua continuidade forçaram muitos chefes de famílias de pescadores a abandonar a
atividade ou a trabalhar fora da pesca.
Na entrevista, fica claro que a nova geração não vai continuar na atividade. O desejo
de seus filhos de continuar a tradição da pesca artesanal é dificultado pelas dificuldades de
sobreviver apenas com a renda desta atividade. Embora esta ocupação mantenha a
característica de auto-emprego, altamente valorizada em seu discurso, eles entendem que a
pesca não oferece mais um retorno econômico que garanta a reprodução social de uma
família.
Na região, os empregos assalariados permanentes oferecem a segurança de uma renda
mensal, muitas vezes em empregos considerados menos extenuantes, como no comércio,
pousadas, restaurantes, etc. Enquanto isso, os pequenos barcos artesanais carecem das
condições necessárias para evitar o frio, a chuva e os perigos do mar. A falta de
infraestruturas de embarque, como portos e molhes, expõe os pescadores à água cada vez que
saem para o mar, e a pesca no mar é mais intensa no inverno.
Embora eles não queiram que seus filhos continuem pescando, a pescadora
entrevistada não quer desistir desta atividade. Ela justifica esta posição pelo fato de estar
acostumada a ela, de gostar do que faz e de ser o que faz melhor. Neste sentido, a pescadora
valoriza a pesca não apenas pela renda monetária que ela gera, mas também pelo significado
que ela dá à sua vida. Portanto, estes objetivos também podem ser alcançados sem a mediação
e circulação de dinheiro, como é o caso em várias situações de sua vida financeira
(compartilhamento, financiamento com um intermediário, autoconsumo de pescado). Estas
experiências acabam moldando sua cultura financeira e orientando sua racionalidade
econômica não apenas sobre o dinheiro (SIMMEL, 1998).
Além disso, como são pouco instruídos, aceitam empregos mal remunerados em
outros ramos da economia. Assim, eles procuram por empregos "extras" durante períodos de
baixa produção de peixe, e retornam à pesca quando encontram peixe e/ou camarão.
A oscilação dos recursos pesqueiros e a dependência de oportunidades de renda não-
pesqueira significa que a reprodução social se baseia em fontes de renda cuja parte varia ao
longo do ano e entre anos. Entre as famílias que ampliam suas fontes de renda, os recursos
obtidos de outras atividades às vezes também são utilizados para financiar atividades
pesqueiras. Isto se torna mais claro nos casos em que o pescador, não tendo mais dinheiro
disponível para continuar pescando, procura emprego para financiar a atividade pesqueira.
Ao diversificar as estratégias de reprodução social, é possível que uma atividade de
pesca menos incisiva reduza a demanda de capital de investimento. No caso de sistemas de
financiamento informais, os intermediários aproveitam o conhecimento da vida do pescador,
proporcionado por sua proximidade, para limitar a capacidade de investimento do pescador,
embora nem sempre possam emprestar a quantidade necessária de recursos e o façam a um
custo elevado. A fragilidade econômica resultante da escassez de pescado também limitou os
recursos e resultados de novos investimentos, gerando mudanças nos sistemas de
financiamento (CAPELLESSO, 2010).

CONCLUSÕES

Ao longo da costa brasileira e das águas interiores, é possível encontrar indivíduos ou


famílias que, através da pesca, extraem da natureza as condições objetivas para sua
reprodução, tais como o acesso à alimentação e à renda. Mas não apenas isso. A atividade da
pesca também gera elementos subjetivos, formando uma cultura de interação com a natureza,
produzindo traços característicos que, embora variando de acordo com a região, permitem
identificá-los como um grupo social - os pescadores artesanais. Estima-se que a pesca
artesanal na zona costeira brasileira envolva cerca de dois milhões de pessoas, representando,
ainda hoje, mais de 60% da captura de peixe (SEAP, 2004). Apesar de estarem expostos a
uma série de problemas, incluindo especulação imobiliária, poluição e degradação de
ambientes aquáticos, competição pelo espaço com atividades industriais e turísticas, entre
outros, os pescadores artesanais persistem como um grupo social que procura assegurar sua
reprodução através da apropriação direta de recursos naturais de uso comum.
A entrevista indica que os pescadores estão cientes dos conflitos da pesca e
identificaram as mudanças sócio-culturais e ambientais resultantes da atividade turística. Eles
também observam a dependência econômica dos pescadores da pesca artesanal, a importância
de manter sua cultura e a necessidade de participação da comunidade local no planejamento
da instalação de grandes projetos nas áreas costeiras. Como acontece em muitas áreas
costeiras do Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, especificamente no município de
Quintão, a pesca artesanal está em crise e é claro que é difícil para os pescadores continuar
esta atividade, devido aos muitos danos e prejuízos sofridos ao longo dos anos, a falta de
investimento na pesca artesanal e a queda na produção, e a falta de perspectivas de melhorar
sua qualidade de vida, devido à diversidade de problemas identificados, bem como a
instabilidade da própria atividade.

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