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“resistência” e do “retrocesso de
direitos”1
Resumo: O artigo busca entender o que é a ideia de resistência, tanto em suas acepções gerais quanto
em seu sentido mais próximo ao Direito. Discute-se quem resiste, contra o que resiste, como resiste,
se há um direito e um dever de resistência, e quais os limites e a utilidade da resistência. Ao final,
discute-se o argumento jurídico da vedação do retrocesso, em possíveis aproximações e distanciamentos
em relação à ideia de resistência.
Palavras-chave: Direito de resistência. Resiliência. Vedação ao retrocesso.
Sumário: 1 Introdução – 2 O que é a resistência? – 3 Quem resiste? Contra o quê? – 4 As diversas
resistências – 5 Existe um direito de resistência? Qual seu fundamento? – 6 Existe um dever de
resistência? – 7 Limites e utilidade da resistência – 8 Retrocesso de direitos e direito de resistência:
recapitulando e identificando pontos em comum – 9 Encerramento – Referências
1 Introdução
Há duas formas de endereçar temas contemporâneos: uma é tratá-los de
modo explícito. A segunda forma é pela ausência. É dizer por entrelinhas, fazer
esperar um Godot que prenuncia, mas jamais realiza. Adota-se, neste artigo, a
elipse. É que, se bem-sucedido, o silêncio se faz sentir por bom tempo. Dizia Isaac
Babel que nenhum punhal pode ser cravado no coração com a força de um ponto
no lugar certo.
O texto se propõe a analisar a categoria política – e possivelmente jurídica – da
resistência. Num primeiro momento, indaga-se a respeito do que ela viria a ser,
em contraste a categorias próximas – a resiliência, a antifragilidade, a reforma.
Em seguida, discutem-se: contra o que ou contra quem se resiste, e as possíveis
formas de resistência. Ingressa-se, então, no punctum saliens de saber se existe
um direito de resistência e, quiçá, um dever de resistir. Indica-se a existência de
1
O autor agradece aos alunos Stela Huhne, André Tosta e Felipe Romero pela leitura de uma primeira versão
do texto.
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2 O que é a resistência?
No dicionário, ‘resistência’ é a capacidade que tem uma força de se opor
a outra, a defesa contra uma investida, a recusa ao que se considera contrário
ao interesse próprio.2 A palavra saltou do uso na física ou na eletricidade – a
resistência das forças, a resistência do motor, a resistência do chuveiro – para o
uso em manifestações políticas e nas redes sociais. Segundo o Google Trends, a
expressão “resistência política” despertou zero interesse entre janeiro de 2004
e junho de 2008, tendo dois picos em junho e outubro de 2008 e, a partir de
2012, nunca mais deixou de figurar, em trajetória crescente, nas buscas, com alta
histórica em 2020.3
Apesar da recente popularidade, não é fácil saber do que estamos tratando
quando falamos em ‘resistência’. Trata-se de conceito difícil, para usar termo da
teoria da argumentação,4 rico em expressividade emocional e, em regra, associado
a conotações positivas. Quem é resistente tem, no mínimo, alguma força. Tentemos
aproximação segura por entre categorias próximas, destacando que nosso interesse
limita-se à abrangência jurídica ou política do termo.
Resistência não é resiliência. Os conceitos são próximos. A resiliência é a
propriedade de ser resistente ao longo do tempo; é a capacidade de opor resistência
continuada, sem quebra ou deformidade permanente.5 Mas, para além disso, há
diferenças de tom. A palavra ‘resistência’ remete a usos imediatamente políticos,
ao passo que ‘resiliência’ afeta ares técnicos, soando – ainda – próxima da física
dos materiais, das forças newtonianas, da psicologia,6 ou, contemporaneamente,
2
Segundo definição do Dicionário Michaelis, em sua versão on-line. RESISTÊNCIA. In: DICIONÁRIO ONLINE DE
LÍNGUA PORTUGUESA MICHAELIS. 2021. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/
busca/portugues-brasileiro/resistencia. Acesso em: 15 mar. 2021.
3
Informação obtida a partir de pesquisa realizada por meio do seguinte link: RESISTÊNCIA DE POLÍTICA. In:
GOOGLE TRENDS. 2021. Disponível em: https://trends.google.com.br/trends/explore?date=all&geo=BR
&q=resist%C3%AAncia%20pol%C3%ADtica. Acesso em: 15 mar. 2021.
4
PERELMAN, Chaïm. Retóricas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
5
O mesmo Michaelis define resiliência como “elasticidade que faz com que certos corpos deformados voltem
à sua forma original, capacidade de rápida adaptação ou recuperação”. Cf.: RESILIÊNCIA. In: DICIONÁRIO
ONLINE DE LÍNGUA PORTUGUESA MICHAELIS. 2021. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-
portugues/busca/portugues-brasileiro/resili%C3%AAncia/. Acesso em: 15 mar. 2021.
6
A ideia de resiliência é especialmente desenvolvida pela logoterapia de Viktor Frankl. Cf. SILVEIRA, Daniel
Rocha; MAHFOUD, Miguel. Contribuições de Viktor Emil Frankl ao conceito de resiliência. Estudos de
Psicologia, Campinas, v. 25, n. 4, p. 567-576, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/estpsi/
v25n4/a11v25n4.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.
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dos coaches. Mas não se iluda: quem fala de resiliência está, na verdade, falando
de resistência.
Resistência não é antifragilidade, embora todo sistema antifrágil seja, antes
de tudo, resistente. Antifragilidade é a propriedade de buscar ativamente a que-
bra, a deformação, tornando-se mais forte com isso (um músculo é antifrágil).7 A
resistência é o elemento passivo da antifragilidade: é o não vergar. Claro que, em
muitos casos, resistir pode gerar efeitos de fortalecimento, de si ou de outrem.
Falando em fortalecimento chega-se ao tema das reformas. A resistência não
gera, necessariamente, reformas. Há ambiguidade em seu uso recente: a resistên-
cia pode pretender conservar estados anteriores (aqui, de sistemas políticos, de
status civil, de nível de direitos), que estejam na iminência da perda. Entretanto,
no uso brasileiro contemporâneo, a palavra está correlacionada ao campo político
do centro-liberal à centro-esquerda, em que a ideia de conservação pode não
soar simpática, associando-se à noção de reacionarismo. Ora: embora tanto a
resistência quanto o reacionarismo possam estar insatisfeitos com o status quo,
a resistência pode querer, por exemplo, manter conquistas liberais, ao passo que
o reacionarismo quer retroagir no tempo, tornando despiciendas tais discussões.
A resistência, aqui como bon mot de uma posição política, pode ser a luta pela
conservação de direitos liberais.
Assim, pode-se definir resistência, para os fins deste artigo, como a postura
política de busca ou de conservação de situações jurídicas ou de níveis de direitos.
7
TALEB, Nassim. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. São Paulo: Best Business, 2014.
8
STRAUSS, Leo. On tyranny. Londres: The Free Press of Glencoe. Disponível em: https://www.bard.edu/
library/arendt/pdfs/Strauss-Tyranny.pdf. Acesso em: 9 mar. 2021.
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4 As diversas resistências
Há diversas resistências. Analisar quais são as diversas resistências é
responder à pergunta sobre como se resiste. Uma taxonomia simplificada e não
exaustiva das resistências poderia dividi-las do modo a seguir.
Resistência interna e resistência externa. Têm a ver com o espaço territorial em
que se manifesta o ato de resistir. A resistência interna se faz dentro da unidade:
estado nacional, ente federativo, órgão, grupo; a externa, como parece evidente,
realiza-se fora de tais unidades.
Resistência parcial e resistência total. Resiste-se a aspecto limitado do sistema
político ou administrativo; ou se resiste a ele todo.
Resistência passiva e resistência ativa. A resistência passiva manifesta-se de
modo tendencialmente neutro, um não agir deliberado, mas expressivo. Se não há
expressividade, há apatia, mas não resistência. O escriturário Bartleby não resiste
no seu cotidiano de personagem literário, mas apenas depois, na leitura da obra de
Melville, em que se encontra narrativa de resistência à alienação da sociedade (mas
os gestos propriamente ditos de Bartleby são, repita-se, apatia).9 A resistência ativa
manifesta-se de modo mais explícito: é ação que se percebe de modo saliente. Há
paralelos entre a resistência passiva e a noção de sabotagem (a sabotagem pode
ser resistência passiva, mas também ataque industrial, vandalismo etc.), e entre a
resistência ativa e a ideia de guerra de resistência. Toda guerra ou guerrilha é ativa.
Merece destaque, dentro da resistência passiva, a resistência burocrática.10
Trata-se da prática sistemática de atos de resistência por parte de agentes públicos
em relação ao que se percebe como desvios de finalidade ou abusos de poder
9
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escrivão: uma história de Wall Street. São Paulo: Ubu, 2018.
10
INGBER, Rebecca. Bureaucratic resistance and the National Security State. Iowa Law Review, Boston, v. 104:
139, 2018. Disponível em: https://scholarship.law.bu.edu/faculty_scholarship/266?utm_source=scholarship.
law.bu.edu%2Ffaculty_scholarship%2F266&utm_medium=PDF&utm_campaign=PDFCoverPages. Acesso em:
9 mar. 2021.
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11
Art. 38. [...] 2º Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há
excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Brasília, DF: Presidência
da República, 1969. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1001.htm. Acesso
em: 9 mar. 2021.
12
Art. 116. São deveres do servidor: [...] IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente
ilegais.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos
civis da União, das autarquias e das funções públicas federais. Brasília, DF: Presidência da República,
1990. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm. Acesso em: 9 mar. 2021.
13
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um estudo sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
14
Pode-se associar as duas noções de resistência aos dois conceitos indianos de justiça, a justiça niti e a
niaya; a primeira seria a justiça transcendental; a segunda seria a justiça institucional, de realizações com
base em critérios já postos. Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
A observação me foi sugerida por André Tosta.
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15
Seria o direito de resistência um espaço de conexão possível entre direito e moralidade crítica? Ou, sob
ótica inversa, seria o direito de resistência uma antítese? A questão dá o que pensar.
16
A inclusão de um direito de resistência literal no texto da Constituição de 1988 foi rejeitada pela Assembleia
Constituinte.
17
Atualmente, entende-se que o ente federativo pode deixar de aplicar lei que repute inconstitucional, ainda
que sob o risco, por parte do chefe do Executivo, de crime de responsabilidade (o que se minora pela
manifestação da advocacia pública acerca da inconstitucionalidade do ato). Embora a discussão seja tratada
sob a ótica do exame de constitucionalidade, é possível enxergar, aí, aspectos de uma “desobediência
federativa” (deixar de cumprir uma lei, assumir riscos), com o que se traz mais um elemento de apoio à
tese de que também o estado pode resistir.
18
BUZANELLO, José Carlos. O direito de resistência como problema constitucional. 2001. Tese (Doutorado)
– Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. p. 184.
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19
NINO, Carlos Santiago. Ética y derechos humanos: ensayo de fundamentación. 2. ed. Buenos Aires: Editorial
Astrea, 1989.
20
“A questão de saber se ao pensamento humano pertence à verdade objetiva não é uma questão da teoria,
mas uma questão prática. É na praxe que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o
poder, o caráter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento
que se isola da praxe é uma questão puramente escolástica”. MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. 1845.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000081.pdf. Acesso em: 2 mar.
2021.
21
Trata-se da décima primeira tese. Cf.: MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. 1845. Disponível em: http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000081.pdf. Acesso em: 2 mar. 2021.
22
Dante colocou às portas do Inferno uma multidão de indecisos, rejeitados igualmente pelo Inferno e pelo
Paraíso. “É mísero o valor daquelas almas tristes em seu choro que foram sem infâmia nem louvor”. Cf.,
sobre o ponto, MANGUEL, Alberto. Onde estão os intelectuais? In: MANGUEL, Alberto. Notas para a definição
de um leitor ideal. São Paulo: SESC, 2021.
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23
Quem perde a guerra responde por tais violações, mas isso, a essa altura, é o que menos importa; quem
vence alegará que teve de agir assim, talvez com razão.
24
MENDONÇA, José Vicente Santos de. Vedação do retrocesso: melhor quando tínhamos medo? Uma proposta
para um uso controlado do argumento. In: FERRARI, Sérgio; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito
em Público: estudos em homenagem ao professor Paulo Braga Galvão. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
O artigo, por sua vez, revisitava minha monografia de graduação no curso de Direito, no ano de 2002,
que também redundou em texto sobre o tema. A referência ao primeiro artigo é a seguinte: MENDONÇA,
José Vicente Santos de. Vedação do retrocesso: o que é e como perder o medo. In: BINENBOJM, Gustavo.
Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.
XII (Direitos Fundamentais), p. 205-236, 2003.
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25
A respeito do tema, seja permitida mais uma autorreferência (embora, agora, em ilustre coautoria): LYNCH,
Christian Edward Cyril; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Por uma história constitucional brasileira: uma
crítica pontual à doutrina da efetividade. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 08, n. 2, p. 974-1.007,
2017.
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26
Em sentido próximo, cf.: BOTELHO, Catarina Santos. Os direitos sociais em tempos de crise: ou revisitar
as normas programáticas. Coimbra: Almedina, 2015.
27
Na pergunta de Thiago dos Santos Acca: “Por exemplo, o poder público distribui gratuitamente um coquetel
de remédios composto por três medicamentos distintos. Imagine que ele reduza essa distribuição a um
medicamento. Imagine ainda que outros dois, embora excessivamente caros, são os mais importantes no
combate à doença. Há supressão ou não do direito à saúde?” (ACCA, Thiago dos Santos. Teoria brasileira
dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 102).
28
O professor Fábio Gomes, meu colega de docência na UERJ e quase contemporâneo de doutorado, faz
críticas a meu artigo mais recente sobre vedação do retrocesso – base desta última seção – em seu livro:
GOMES, Fábio Rodrigues. O retorno ao positivismo jurídico: reflexões críticas de um juiz desencantado.
Niterói: Arthe Comunicação Gráfica, 2020. De início, elogia o texto, diz que é “leve e bem escrito”. Mas não
se iluda, prezada leitora: quem elogia quer pedir algo ou vai criticar o elogiado em seguida. Pois logo vem a
crítica: diz que retomo os “conceitos melífluos” de Vieira de Andrade (consenso básico e consciência jurídica
geral), e que, após haver excluído as emendas à Constituição da órbita de incidência do princípio, mercê de
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seu índice de democraticidade, incluo nele as leis ordinárias. Anota Fábio: “Mas veja que interessante: para
as leis ordinárias, pobres coitadas, não haveria presunção de democraticidade e perigo real de ativismo
judicial descontrolado. Por quê? Sinceramente, eu não sei” (p. 528). Ora, é mais fácil aprovar uma lei
ordinária em relação a uma emenda à Constituição. É a primeira diferença. Quanto ao risco de ativismo,
creio que é mais grave quando se trata de declarar inconstitucional uma emenda do que em relação a
uma lei ou a um regulamento justamente à conta do diferencial de dificuldade de aprovação de uma e de
outra. Quanto à crítica de fundo, isso se deve a diferenças em relação a premissas profundas de teoria do
Direito cuja discussão fugiria ao escopo do artigo. Em todo caso, Fábio afirma que “José Vicente Santos
de Mendonça, assim como os demais professores referidos, seguiram a cartilha pós-positivista portuguesa
[...]. Esta maneira de pensar o direito constitucional, apesar de esmagar a democracia que o acompanha,
ganhou o coração e as mentes dos juízes brasileiros”. Não sei quanto ao coração e às mentes dos juízes
brasileiros, mas gostaria ao menos de ser isentado da culpa por esmagar a democracia brasileira. Vamos
combinar que há melhores suspeitos por aí.
29
CHANG, Ruth. (org.) Incommensurability, incomparability, and practical reason. Cambridge: Harvard University
Press, 1998.
30
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário com Agravo nº 709.212/DF.
Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Cobrança de
valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de
entendimento anterior sobre prescrição trintenária. Inconstitucionalidade dos arts. 23, §5º, da Lei 8.036/1990
e 55 do Regulamento do FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade
de modulação dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade
com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Recorrente: Banco do Brasil S/A.
Recorrido: Ana Maria Movilla de Pires e Marcondes. Relator: Min. Gilmar Mendes, 13 de novembro de 2014.
Lex: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Distrito Federal, 2014. Brasília, DF: Supremo Tribunal
Federal, 2014.
R. bras. de Dir. Público – RBDP | Belo Horizonte, ano 20, n. 76, p. 67-81, jan./mar. 2022 77
Judiciário não é gestor de um equilíbrio social geral dos direitos e das políticas
públicas brasileiras.
Se se vai exigir, no entanto, algo da linha de uma compensação, ela só poderá
ser, no máximo, uma fundamentação plausível da alternativa que se oferece em
relação ao direito que se altera. Exemplo: ao se trocar o sistema de aposentadoria,
do regime de repartição para o de capitalização, há que se justificá-lo.
(b) Preservar-se o núcleo do direito alterado. Pode-se até reduzir a efetividade
de um direito constitucional que está “radicado na consciência jurídica geral”, mas,
se ele é assim tão importante, não poderá morrer. Então, deve ser preservado, ainda
que sob outra forma. Retomando o exemplo: na troca do regime de aposentadoria,
da repartição para a capitalização, preservou-se, afinal, o direito à aposentadoria.
(c) Observar a imparcialidade política. A vedação do retrocesso é, por vezes,
cavalo de Troia por onde saem argumentos ideológicos. Nada contra, desde que
se assumam como tais. A vedação do retrocesso de efetividade constitucional,
como argumento jurídico, deve ser filtrada pelo dever de imparcialidade política do
Judiciário. O risco do mascaramento da política sob as vestes jurídicas do retrocesso
é do descrédito institucional e do esvaziamento da experimentação democrática:
se o Judiciário é o guardião de um caminho único, esse, necessariamente, não
será o caminho de todos.
Pois bem: se a vedação do retrocesso é princípio jurídico que, aplicado a
leis e regulamentos que tratem de matérias associadas a consensos básicos da
sociedade brasileira, exige justificativas plausíveis nas mudanças, preserva o núcleo
dos direitos alterados, e opera segundo a lógica da imparcialidade, talvez o princípio
seja simultaneamente pouco e muito para ser inteiramente operado junto a um
direito de resistência. Pouco, porque sua órbita de incidência escapa de muitas
situações em relações às quais se pode querer resistir. Ele, por exemplo, nada diz
sobre mudanças administrativas no nível inferior ao ato (mudanças de gestão que
não sejam formalizáveis por ato administrativo, mas que podem suscitar, por ex.,
objeção de consciência do agente público). Muito, porque pretende imparcialidade,
o que talvez escape à abrangência mais aguerrida da resistência.
Em todo caso, há pontos de contato: ao violar consensos básicos da socie-
dade, certas normas jurídicas podem ser enfrentadas pela vedação do retrocesso,
em exercício de resistência plena com o Direito.
Assim, se o retrocesso de direitos é situação de fato que pode disparar um
direito de resistência, a vedação do retrocesso é argumento normativo para que, em
certos casos, haja o exercício jurídico da resistência política.31 O círculo se fecha.
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9 Encerramento
Ao longo do texto, discutiu-se a categoria jurídico e política da resistência, e,
ao final, ingressou-se no debate acerca da vedação do retrocesso como categoria
jurídica. O tema está longe de haver sido resolvido, e novos trabalhos merecem
ser desenvolvidos, tanto mais que, no Brasil de 2021, resistências e retrocessos
adquiriram destaque científico.
Abstract: The paper aims to understand the meaning of a “right to resistance”, both as a general and
as a legal concept. It analyzes who resists, against what she resists, how she resists, and whether there
is a meaningful right (and a duty) to resist. By the end, it discusses the legal meaning of a “principle of
prohibition of legal/social step-back”.
Keywords: Right to resistance. Resilience. Prohibition of legal/social step-back.
Referências
ACCA, Thiago dos Santos. Teoria brasileira dos direitos sociais. São Paulo: Saraiva, 2013.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um estudo sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
BOTELHO, Catarina Santos. Os direitos sociais em tempos de crise: ou revisitar as normas
programáticas. Coimbra: Almedina, 2015.
BRASIL. Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Brasília, DF:
Presidência da República, 1969. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/
Del1001.htm. Acesso em: 9 mar. 2021.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores
públicos civis da União, das autarquias e das funções públicas federais. Brasília, DF: Presidência
da República, 1990. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8112cons.htm.
Acesso em: 9 mar. 2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário com Agravo nº
709.212/DF. Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal.
Art. 7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintenária.
Inconstitucionalidade dos arts. 23, §5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do FGTS
aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modulação dos efeitos
da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex nunc.
Recurso extraordinário a que se nega provimento. Recorrente: Banco do Brasil S/A. Recorrido:
Ana Maria Movilla de Pires e Marcondes. Relator: Min. Gilmar Mendes, 13 de novembro de 2014.
Lex: jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Distrito Federal, 2014. Brasília, DF: Supremo
Tribunal Federal, 2014.
BUZANELLO, José Carlos. O direito de resistência como problema constitucional. 2001. Tese
(Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001.
CHANG, Ruth. (org.) Incommensurability, incomparability, and practical reason. Cambridge: Harvard
University Press, 1998.
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