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NICOLAO DINO
31/01/2022 05:32
Como destacado por Regina Maria Macedo Nery Ferrari, “não há interesse
local que também não seja reflexamente da União e dos estados-membros,
como não há interesse nacional ou regional que não se reflita nos municípios,
como parte integrante de uma realidade maior que é a Federação brasileira”.[1]
Isso significa, noutras palavras, que, existente norma de caráter geral que
ofereça um determinado padrão de proteção ambiental, o exercício da
competência concorrente pelos demais entes políticos há de observar
necessariamente o parâmetro normativo ali veiculado (cf. ADI n. 3.357-RS,
Redator do acórdão Ministro Dias Toffoli, j. 30.11.2017).
Por último – e nem por isso menos relevante –, as modificações trazidas pela
Lei 14.285/2021 geram insegurança jurídica, especificamente no que se refere
ao regime jurídico de APPs. Sim, porque, caso subsistam as disposições legais
questionadas, os mais de 5.560 municípios existentes na Federação brasileira
estão agora autorizados a dispor de forma distinta sobre faixas marginais em
curso d’água em regiões urbanas, com dimensões/larguras díspares e sem
obrigatoriedade de observância de um parâmetro mínimo, a depender, apenas,
da definição das “áreas urbanas consolidadas”.
Esse tema, por sua relevância, é de interesse geral (nacional), não havendo, no
caso, predominância de interesse local suficientemente legítimo a justificar a
desconsideração de um parâmetro mínimo veiculado na norma de caráter
geral. Tem-se, por esse ângulo, um cenário propício à quebra de segurança
jurídica no que toca à proteção de APPs em margens de cursos d’água.
1. ao autorizar a
definição
de “faixas
marginais
distintas daquelas
estabelecidas no
inciso I do caput
deste artigo” [art.
4º do Código
Florestal],
desrespeita o art.
24, VI e parágrafo
único, da Carta,
violando a
competência
privativa da União
no tocante à
definição de
normas gerais
mais protetivas,
que são de
observância
compulsória por
todos os entes
políticos em
matéria ambiental;
2. fragiliza os
padrões de
proteção em APPs,
violando o
princípio da
proibição de não
regressão, bem
como o dever
constitucional do
Poder Público de
proteger e
restaurar processos
ecológicos
essenciais;
3. restringe
indevidamente o
conteúdo do
direito
fundamental ao
meio ambiente
sadio, ao mesmo
tempo em que
descumpre o dever
estatal de
adequada e efetiva
proteção ao bem
jurídico;
4. gera insegurança
jurídica, ao
possibilitar a
definição de
milhares de
parâmetros
distintos de faixas
marginais de
cursos d’água em
áreas urbanas
consolidadas, nos
diversos
municípios
brasileiros e no
Distrito Federal,
sem observância
do elemento
uniformizador
previsto em norma
geral editada pela
União.
Sendo esse o quadro que se apresenta, dois caminhos se abrem para o caso sob
exame, ambos tendo por ponto de partida a inconstitucionalidade dos
preceitos normativos apontados: um, conducente à pronúncia de nulidade ab
initio da lei questionada, por sua contrariedade à normatividade
constitucional, pela aplicação direta do princípio da nulidade da lei
inconstitucional, em sede de controle difuso ou concentrado de
constitucionalidade[6]; outro, que permita compatibilizar aquelas disposições
com a normatividade constitucional, especialmente aquela que assinala a
competência da União na definição de normas gerais de observância
compulsória pelos demais entes políticos no exercício de sua competência
legislativa suplementar, bem como a exegese da qual se extraia o máximo
grau de eficácia possível à norma constitucional do art. 225, que confere força
protetiva a áreas de relevância ambiental e assinalam o dever estatal de
proteção do meio ambiente e de preservação de processos ecológicos
essenciais.
Como sabido, essa técnica é muito mais que uma estratégia hermenêutica,
configurando, na realidade, poderosa e eficiente ferramenta de controle de
constitucionalidade, cujo prudente manejo resulta no estabelecimento da linha
interpretativa para determinada norma que garanta e viabilize, ao fim e ao
cabo, um sentido harmônico com o texto constitucional.
“Entre [..] duas leituras possíveis […] para a interpretação do artigo 4º, inciso IV,
da Lei 12.651/2017, certamente aquela de caráter mais protetivo tem maior efeito
de maximização da eficácia das normas constitucionais de natureza ambiental, sem
que, para tanto, outros interesses igualmente protegidos – tais como a liberdade
econômica – sejam sobremaneira prejudicados”.
[1]
FERRARI: Regina Maria Macedo Nery: Elementos de Direito Municipal. São
[2]
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo: “Competência concorrente limitada: o
[3]
BARROSO, Luís Roberto, in Direito Ambiental Comparado. DAIBERT, Arlindo
[4]
DINO, Nicolao. Acórdão nas ADIs nºs 4.901, 4.902, 4.903, 4.937 e na ADC nº 42
[5]
BENJAMIN, Antônio Herman. Princípio da Proibição de Retrocesso
[6]
cf. ADI n. 2.797-ED, Redator do acórdão Ministro Ayres Britto, j. 16.5.2012; ADI
[7]
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª edição.
[8]
Nesse sentido, assinala Jorge Miranda: “A interpretação conforme à Constituição
não consiste então tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de
qualquer preceito o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir
jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2002. pp. 208/209.