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TEORIA E PRÁTICA

DAS LICITAÇÕES
E CONTRATOS

REFLEXÕES SOBRE A APLICAÇÃO PELOS ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS DAS


SANÇÕES PREVISTAS NOS ARTS. 87 E 88 DA LEI Nº 8.666/93

Toshio Mukai
Mestre e Doutor em Direito (USP); Ex-Professor de Direito Administrativo
da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie

1. INTRODUÇÃO autônomos, formando a República Federativa do


Muito já foi escrito sobre as sanções dos arts. Brasil (art. 18 da CF).
87 e 88 da Lei nº 8.666/93, em especial sobre a E, se é assim, se autonomia significa dar a
abrangência das sanções de suspensão tempo- si leis próprias e executar suas ações com recur-
rária de licitar e contratar com a Administração sos próprios, é evidente que cada ente federativo
(art. 6º, inc. XII, da Lei nº 8.666/93) e/ou com a possui uma legislação (um direito) administrativa
Administração Pública (art. 6º, inc. XI, da Lei nº própria, que compõe em centro de legalidade di-
8.666/93). Também já se escreveu sobre o art. ferenciado daqueles oriundos de outros centros
7º da Lei nº 10.520/02 (pregão presencial), que legislativos.
estabelece as sanções quando a modalidade de Ou seja, como somos uma Federação, pode-
licitação for o pregão presencial. mos visualizar um direito administrativo federal,
Todos os autores sobre licitações e contratos, outros estaduais e mais de 5.000 direitos admi-
a prática administrativa dos órgãos e entidades nistrativos municipais, além de um direito admi-
públicas e até mesmo os Tribunais de Contas e o nistrativo do Distrito Federal.
Judiciário não se deram conta da ilegalidade (até Sendo assim, cada um desses entes federa-
da inconstitucionalidade) da aplicação das san- tivos deve atuar com base no seu direito adminis-
ções baseadas diretamente naquelas legislações. trativo. Essa é a regra.
Por que dizemos isto? Mas, como sabemos, uma exceção consti-
tucional a essa regra existe. Trata-se da compe-
2. PRIMEIRAS INDAGAÇÕES E REFLEXÕES
tência concorrente, em que uma lei federal tem
Como é da Constituição, a União, os Estados- abrangência sobre os demais entes federativos,
-membros, o Distrito Federal e os Municípios são a título de norma geral (art. 24 da CF).

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Contudo, se formos aos estudos e interpre- 3. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECÍFICAS


tações das denominadas competências con- Neste quadrante, há necessidade de se fazer
correntes oferecidas no passado pelos maiores (se possível) uma distinção entre normas gerais
constitucionalistas pátrios, veremos que não se e normas específicas. As primeiras são aquelas
trata de aplicar concreta e materialmente so- que se aplicam, na sua generalidade, a todos os
bre fatos e atos, em primeiro lugar, as normas órgãos e entes da Federação para que, sobre o
federais, depois as estaduais e, por último, as assunto, haja uma certa uniformidade de aplica-
municipais. ção; as segundas são as que consideramos nor-
Trata-se do dever de obediência, nas suas mas concretizantes, de aplicação imediata e que
leis, pelo Município, às normas gerais descidas se referem às disposições de Direito Administra-
pela União; e de os Estados observarem em suas tivo estanques, disciplinadas por ente federativo
leis as normas gerais baixadas pela União. autonomamente e que prescinde de uniformiza-
ção (ao contrário, exigem disciplinas legais que
Não há falar, portanto, em aplicação, no caso possam levar em conta as peculiaridades locais
concreto, da lei de normas gerais da União, e, e regionais), eis que suas cogências não têm
sim, na observância, no âmbito puramente legis- a característica da generalização, mas sim da
lativo, das normas gerais baixadas pela União. especificação.
E isto porque a redação do art. 18 da Consti- Portanto, se há a previsão de normas gerais
tuição Federal não coloca a União acima dos Es- na Constituição (art. 24, § 1º), à evidência, exis-
tados e dos Municípios e os Estados acima dos tem, com certeza, normas que, não sendo gerais,
Municípios, mas dizendo-os autônomos, nesse são específicas.
sentido, eles devem ser vistos com igualdade.
De consequência, se pudermos traçar um
Inexiste hierarquia administrativa entre os entes
conceito e/ou as características de normas ge-
federativos.
rais, o que neles não puderem se enquadrar se-
A única hierarquia existente na Constituição rão normas específicas. Vários autores já se de-
da República vem contemplada em seu art. 24, bruçaram sobre o tema das normas gerais. Mas,
e as normas gerais da União deverão ser ob- no geral, a penumbra da incerteza permanece.
servadas pelos Estados, Distrito Federal e pe- Celso Antônio Bandeira de Mello, em exce-
los Municípios, quando da elaboração de suas lente parecer (vide Pareceres de Direito Admi-
leis sobre o assunto tratado naquelas normas. nistrativo. São Paulo: Malheiros, 2011) intitulado
Trata-se, portanto, de uma hierarquia legislativa, “Caracterização das chamadas ‘normas gerais’
que se manifesta na obrigação de os Estados e definidoras de certas competências da União –
os Municípios observarem em suas legislações Perecimento de vigência de lei pelo perecimento
aquelas normas gerais. dos pressupostos que lhe presidiram a edição e
Portanto, não há falar em aplicação direta da nos quais estava assentada” (p. 239 e seguintes),
norma geral federal pelos Estados e Municípios, demonstrou, com maior precisão, o que são as
pois que, então, haverá a quebra do princípio fe- normas gerais.
derativo, com um Estado ou Município fazendo Inicia o seu estudo sobre o tema aduzindo:
uso direto e concreto da norma federal sobre um
“4. As leis, como é cediço, soem ser ge-
contexto regional ou municipal.
rais e abstratas. Assim, quando a Constitui-
E é por essa mesma razão que descabe a ção confere à União competência para expe-
um ente federativo aplicar uma sanção admi- dir ‘normas gerais’ diferentemente do que faz
nistrativa sobre um particular contratado, com no art. 21, em que lhe atribui pura e simples-
base em legislação de outro ente. É que, então, mente competência para legislar sem qual-
haverá a abolição da Federação, o que nenhu- quer adjetivação restritiva, à toda evidência,
ma emenda constitucional pode fazer, segun- está outorgando uma modalidade específi-
do a cláusula pétrea do art. 60, § 4º, inc. I, da ca de competência. Deveras, se é próprio de
Constituição. qualquer lei ser geral, ao se referir a ‘normas

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gerais’ o texto da Lei Magna está, por certo, reiterar a que se destinam, em seus respectivos
reportando-se a normas cujo ‘nível de gene- âmbitos políticos” (op. cit., loc. cit.).
ralidade’ é peculiar em seu confronto com as
Vistas essas considerações do mestre Cel-
demais leis. Em síntese: a expressão ‘normas
so Antônio, de admirável lucidez, como sempre,
gerais’ tem um significado qualificador de
iremos a seguir nos debruçar sobre a aplicação
uma determinada compostura tipológica de
direta, pelos órgãos e entidades públicas federa-
lei, na qual, em princípio, o nível de abstra-
tivas, dos arts. 87 e 88 da Lei de Licitações.
ção é maior, a disciplina estabelecida é me-
nos pormenorizada, prevalecendo a estatui- 4. OS ARTS. 87 E 88 DA LEI Nº 8.666/93
ção de coordenadas, de normas regulatórias NÃO PODEM SE CONSTITUIR EM
básicas, e sem fechar espaço para ulteriores NORMAS GERAIS. SE PUDEREM, NÃO
especificações, detalhamentos e acréscimos PODEM SER APLICADOS DIRETAMENTE
a serem feitos por leis que se revestem da NOS CASOS CONCRETOS
‘generalidade comum’ ” (2011, p. 243).
Como já dito, a Lei nº 8.666/93 nasceu
Em outro lanço afirma o mestre: para disciplinar o que vinha disposto no art. 22,
“Ninguém duvida de que são normas ge- inc. XXVII, da Constituição. Isto é, para baixar as
rais as que estabelecem diretrizes, que firmam normas gerais sobre licitações e contratações da
princípios que modelam apenas o suficiente Administração Pública.
para identificar a tipicidade de um instituto jurí-
A Emenda Constitucional nº 19, de 4.6.1998,
dico ou de um objeto legislado, conferindo-lhe
veio limitar a incidência das normas gerais refe-
um tratamento apenas delineador da compos-
ridas às Administrações diretas, autárquicas e
tura de seu regime, sem entrar em particula-
fundacionais da União, dos Estados, do Distrito
ridades, minúcias ou especificações particu-
Federal e dos Municípios, observado o inc. XXI
larizadas. Deveras, tanto é claro que a mera
do art. 37 da Constituição.
fixação de um perfil normativo exato responde
a uma norma geral quanto é claro que qual- Ocorre que a Lei nº 8.666/93, a pretexto de
quer especialização regulatória includente de baixar normas gerais sobre o assunto, conside-
situações particulares, em princípio, refoge ao rou diversas normas ou questões disciplinares,
caráter de norma geral. A consideração ca- que são normas específicas, como sendo gerais.
suística, o tratamento individualizador, a no- Chamamos a atenção desse fato em nossa
minação personalizadora, constituem-se na
obra Licitações e contratos públicos (8. ed. São
antítese da norma geral” (op. cit., 244).
Paulo: Saraiva, 2010).
Citando estudo sobre o tema, efetuado por
Dissemos, citando Oswaldo Aranha Bandeira
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que fez uma
de Mello: “A União, neste caso, não deve e não
tabulação das diversas colocações doutrinárias
pode exceder-se no exercício das suas atribui-
ali colacionadas, inclusivas dos pensamentos de
ções, entrando em pormenores e prescreven-
vários autores que mencionou, e, “ao cabo de tu-
do quase completamente, sobre a matéria, pois
do”, como fruto de suas análises e meditações,
desse modo viria anular a verdadeira competên-
formulou o seguinte conceito de normas gerais:
cia dos Estados” (Natureza Jurídica do estado
“chegamos, assim, em síntese, a que normas ge-
federal, p. 78).
rais são declarações principiológicas que cabe à
União editar, no uso de sua competência concor- E dissemos nós: “Como se vê, essa observa-
rente limitada, restrita ao estabelecimento de di- ção recai às escâncaras sobre a atual lei, já que
retrizes nacionais sobre certos assuntos, que de- foi exatamente o que o legislador fez, no caso.
verão ser respeitadas pelos Estados-membros na Quanto a esse aspecto, C. A. Carvalho Pinto
feitura das suas respectivas legislações através (Normas gerais de direito financeiro. Prefeitura
de normas específicas particularizantes que as Municipal de São Paulo, 1949) observava que
detalharão de modo que possam ser aplicadas, as normas gerais se estendem até o ponto em
direta e imediatamente, às relações concretas, que não firam princípios ou atributos, explícitos

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ou implícitos, inerentes à autonomia dos Estados com a Administração, por prazo não superior
e Municípios” (p. 12). a 2 (dois) anos;
Levando em conta essas preciosas lições, IV – declaração de inidoneidade para lici-
indicamos em seguida aquelas normas da Lei tar ou contratar com a Administração Pública
nº 8.666/93 que podem ser consideradas efetiva- enquanto perdurarem os motivos determinan-
mente gerais (sobre licitações, contratos). tes da punição ou até que seja promovida a
Adentrando o nosso âmbito de preocupa- reabilitação perante a própria autoridade que
ção, podemos dizer, com base nessas consi- aplicou a penalidade, que será concedida
derações até aqui feitas, que as sanções pre- sempre que o contratado ressarcir a Admi-
vistas nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666/93 não nistração pelos prejuízos resultantes e após
são normas gerais efetivas, mas sim normas es- decorrido o prazo da sanção aplicada com
pecíficas, aliás, como é da índole das sanções base no inciso anterior.
administrativas. § 1º Se a multa aplicada for superior ao
O único autor especialista em licitações e valor da garantia prestada, além da perda
contratos que anteviu nas sanções previstas na desta, responderá o contratado pela sua di-
Lei nº 8.666/93 esse aspecto, embora en passant, ferença, que será descontada dos pagamen-
foi Marçal Justen Filho (Comentários à lei de li- tos eventualmente devidos pela Administra-
citações e contratos administrativos.12. ed. São ção ou cobrada judicialmente.
Paulo: Dialética, 2008. p. 823). § 2º As sanções previstas nos incs. I, III
Escreve ele: e IV deste artigo poderão ser aplicadas jun-
tamente com a do inc. II, facultada a defesa
“12) Ofensas à autonomia das entidades prévia do interessado no respectivo processo
federadas. Aliás, cada entidade federada, ao no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
disciplinar o sancionamento administrativo,
poderá dispor com total liberdade acerca do § 3º A sanção estabelecida no inc. IV
assunto. Desde que não ingresse em matéria deste artigo é de competência exclusiva do
de legislação penal, o restante enquadra-se Ministro de Estado, do Secretário Estadual
no âmbito da autonomia local. Isto significa ou Municipal, conforme o caso, facultada a
que as demais entidades da Federação po- defesa do interessado no respectivo proces-
derão, se o desejarem, reiterar as regras do so, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de
art. 67, mas não poderão ser constrangidas vista, podendo a reabilitação ser requerida
a tanto” (p. 823). após 2 (dois) anos de sua aplicação”.

Destarte, o presente trabalho pode ser con- Veja-se que essas sanções previstas no art.
siderado um aprofundamento dessa assertiva, 67 estão contempladas na Seção II do Capítu-
que, infelizmente, não mereceu daquele autor lo IV da Lei nº 8.666/93, seção essa com o título
maiores referências. “Sanções Administrativas”. Começa aí o engano
do legislador. Como demonstramos, sanções ad-
Vejamos, pois, em primeiro lugar o que diz o ministrativas não podem ser consideradas “nor-
art. 87 da Lei nº 8.666/93: mas gerais”, posto que são questões que exigem
“Art. 87. Pela inexecução total ou parcial especificações, particularidades, e são, sobretu-
do contrato a Administração poderá, garanti- do, de incidência imediata e concreta sobre de-
da a prévia defesa, aplicar ao contratado as terminado administrado, ou seja, são normas es-
seguintes sanções: pecíficas, e não gerais.
I – advertência; Tanto esse engano ou esse desconheci-
mento do Direito Administrativo pelo legislador
II – multa, na forma prevista no instru-
é indiscutível que, no § 3º do art. 87, a lei veio
mento convocatório ou no contrato;
indicar às autoridades federais (Ministros), es-
III – suspensão temporária de participa- taduais (Secretários) e municipais (Secretários)
ção em licitação e impedimento de contratar que podem e devem aplicar a sanção de inido-

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neidade. A Lei nº 6.544 de São Paulo dizia que nistrador age em desacordo com uma autori-
era o governador a autoridade competente para zação legal ou ao desamparo de um permis-
aplicar tal sanção. sivo legal), pois necessária a tipificação de
Isto demonstra claramente que essa disposi- sanção correspondente à conduta proibida
ção é inconstitucional, porque cabe a cada lei de e, além disso, uma correta e adequada es-
cada Estado ou de cada Município fixar as com- pecificação do conteúdo da norma proibitiva”
petências dos seus agentes políticos e/ou admi- (op. cit., 209).
nistrativos, e não a uma lei federal, mesmo a títu- E, finalmente:
lo de se tratar (o que não é) de uma questão de
“A tipicidade é considerada uma garan-
norma geral. Na verdade, essa disposição infrin-
tia da legalidade, uma demarcação do cam-
ge o princípio federativo, abole a Federação, sen-
po em que deve movimentar-se o intérprete”
do, por isso, inconstitucional (vide art. 18 da CF).
(ibidem, 209).
Por outro lado, inexiste, nas infrações apon-
tadas, qualquer indicação para a dosimetria e Mas, ainda, o autor assevera com inteira ra-
avaliação de suas gravidades para a aplicação zão:
de uma ou outras das penas dos incs. III ou IV da “Daí decorre que os tipos devem ser
Lei nº 8.666/93, o que demonstra que as sanções claros, sufi cientemente densos, dotados
referidas não poderiam deixar de ser minuden- de um mínimo de previsibilidade quanto ao
ciadas pelas legislações estadual e municipal. As seu conteúdo. Não basta estruturar condu-
sanções previstas, por essa razão, também não tas proibidas em normas intoleravelmen-
podem ser aplicadas diretamente com base na te imprecisas e vagas, ainda que se admi-
Lei nº 8.666/93, por não poderem ser considera- tam cláusulas gerais e conceitos jurídicos
das normas gerais e, portanto, sanções; sendo indeterminados.
normas específicas, só podem estar constando
das leis federais, estaduais ou municipais, entes O tipo possui fundamental missão de
federativos que irão aplicá-las. demarcar o ilícito objeto da norma sancio-
nadora, delimitando a esfera do proibido”
Além disso, o art. 87 ressente-se de uma qua- (ibidem, 210).
lificação ou característica atinente às sanções
administrativas: a tipicidade. Assim, essas lições nos indicam que se os
tipos infracionais têm de possuir aquela porme-
Fábio Medina Osório (Direito administrativo norização, isenta de vagueidade, eles não po-
sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, dem ser considerados normas gerais porque es-
2000) nos diz: tas, como vimos, caracterizam-se pela sua ampla
“Além disso, a garantia de que as infra- generalidade.
ções estejam previamente tipificadas em nor- E, no caso presente, ocorreu na redação do
ma sancionadora, por certo, o devido proces- art. 87 da Lei nº 8.666/93 essa falta de tipicida-
so legal da atividade sancionadora do Estado de. Ou seja, a infração é “Pela inexecução total
(art. 5º, LIV, CF), visto que sem a tipificação ou parcial do contrato a Administração poderá,
do comportamento proibido resulta violada a garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado
segurança jurídica da pessoa, que se expõe as seguintes sanções”.
ao risco e proibições arbitrárias e dissonan-
tes dos comandos legais” (p. 208). Ora, inexecução, no caso, significa não en-
trega do objeto, não realização de serviço, não
E mais adiante o autor assevera: execução (no sentido de construir) uma obra? Ou
“Não há dúvidas de que a garantia da descumprir qualquer cláusula do contrato será
previsão legal das infrações administrativas inexecução?
é corolário do princípio da legalidade.
Daí a falta de tipicidade dessa infração: ela é
Não basta, todavia, o mero descumpri- vaga e imprecisa, e parece-nos que isto foi propo-
mento da norma habilitante (quando o admi- sital, para que se pudesse enquadrar a infração

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como sendo norma geral. Mas não é a lei que diz No capítulo IV do livro Direito Administrativo
quando um dado fato ou ato é norma geral ou não. Brasileiro (28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003),
o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles aborda
Como vimos pela doutrina, outros são os
o tema dos “Atos Administrativos”.
elementos (de ordem geral ou específica) que
caracterizam uma norma como sendo geral ou Acerca dos requisitos do ato administrativo,
específica. elenca os seguintes: competência, finalidade, for-
ma, motivo e efeito (p. 146).
Daí a absoluta ilegalidade e inconstituciona-
lidade do art. 87 da Lei nº 8.666/93. Ao analisar o principal requisito do ato admi-
nistrativo, que é o da competência, o autor as-
Ademais, como já vimos, não cabe à lei fede-
severa:
ral dispor sobre sanções administrativas a serem
aplicadas pelos Estados e Municípios. “Para a prática do ato administrativo, a
competência é a condição primeira de sua
Fábio Medina Osório (2000, p. 204) leciona:
validade. Nenhum ato discricionário ou vin-
“3.5.2 – A reserva de lei e as competên- culado pode ser realizado validamente sem
cias sancionadoras em matéria administrati- que o agente disponha de poder legal para
va. Em primeiro lugar, não há, neste campo, praticá-lo.
reserva de lei federal, ao contrário do que
Entende-se por competência adminis-
ocorre no terreno penalístico.
trativa o poder atribuído ao agente da Admi-
Consoante as competências próprias, nistração para o desempenho específico de
Municípios, Estados e União podem legis- suas funções. A competência resulta da lei
lar em matéria de sanções administrativas e por ela é delimitada. Todo ato emanado de
(diríamos que não só podem como devem, agente incompetente, ou realizado além do
inclusive criando e regrando os respectivos limite de que dispõe a autoridade incumbi-
procedimentos sancionadores) (grifamos). da de sua prática, é inválido, por lhe faltar o
Vigora, aqui, uma ideia de descentralização le- elemento básico de sua perfeição [...]. Daí a
gislativa. Nenhum poder se concentra na União, oportuna advertência de Caio Tácito de que
visto que dos demais entes federados se admitem não é competente quem quer, mas quem
competências legislativas em matéria de Direito pode, segundo a norma de Direito (O abuso
Administrativo sancionador. do Poder Administrativo no Brasil. Rio de Ja-
neiro, 1959. p. 27)” (p. 147).
A competência para legislar diferencia, fun-
damentalmente, sanções administrativas e pe- O autor classifica os atos administrativos
nais, visto que as infrações administrativas adqui- em “Atos gerais e individuais”, “Atos internos e
rem, aqui, uma ampla configuração. Claro que o externos”, “Atos de império, de gestão e de ex-
Direito Administrativo pode ser chamado a inter- pediente”, “Atos vinculados e discricionários”,
vir em domínio específico, reservados aos Esta- e nas “Outras Classificações” arrola os “Atos
dos ou à União, e, nesses casos, sem dúvida que simples, complexos e compostos, atos consti-
haverá restrições em termos de competências tutivos, etc”.
legislativas, consoante as divisões que se esta- Em seguida, dá destaque especial para os
belecem na Constituição Federal, nas Constitui- “Atos punitivos”, definindo-os:
ções Estaduais e nas próprias leis (esquecem-se
“Atos administrativos punitivos são os
os outros de se referir às Leis Orgânicas Muni-
que contêm uma sanção imposta pela Admi-
cipais)” (p. 205).
nistração àqueles que infringem disposições
Em complemento a esse raciocínio, lembre- legais, regulamentares ou ordinatórias dos
mo-nos de que as sanções administrativas se bens e serviços públicos. Visam a punir e re-
constituem em atos administrativos punitivos, e, primir infrações administrativas ou a conduta
como tal, se enquadram no estudo dos atos ad- irregular dos servidores ou dos particulares
ministrativos. perante a Administração” (p. 190).

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O autor somente enquadra esse tipo de ato As infrações e suas tipificações, assim co-
(punitivo) nos atos administrativos de caráter ne- mo suas gradações e sanções correspondentes,
gocial, quando se tratarem de penalidades pre- devem vir fixadas nas leis estaduais, municipais
vistas em contratos administrativos, mas já então e federal, posto que, como estão previstas nos
adquirem natureza civil (sanção civil é responsa- arts. 87 e 88, são vagas, tanto a descrição das
bilidade por danos, com o que discordamos do infrações como falta saber como e quando cabí-
autor, resultante do inadimplemento de obrigação vel, por exemplo, a suspensão temporária, ou a
contratual) (op. cit. p. 190). declaração de inidoneidade. Como tal incorre na
Lei nº 8.666/93, as infrações não estão correta-
E, mais à frente, leciona:
mente tipificadas nos seus arts. 87 e 88.
“Importa, ainda, distinguir o ato punitivo
A determinação de que a sanção de declara-
da Administração, que tem por base o ilícito
ção de inidoneidade para licitar e contratar com
administrativo, do ato punitivo do Estado, que
a Administração Pública seja de competência do
apena o ilícito criminal. Aquele é medida de
secretário estadual ou municipal (§ 3º do art. 87)
autotutela da Administração, esta é medida
é prova cabal de que o legislador federal não se
de defesa social.
preocupou, em nenhum momento, quando fixou
Daí porque a punição administrativa com- as sanções dos arts. 87 e 88, com o regime fede-
pete a todos os órgãos da Administração – fe- rativo acolhido pela Constituição Federal de 1988.
deral, estadual ou municipal, suas autarquias,
fundações, ao passo que a punição criminal é 6. OBSERVAÇÃO FINAL
de competência legislativa privativa da União A sanção dita administrativa constante do inc.
e só pode ser aplicada pela Justiça Penal do IV do art. 87 da Lei nº 8.666/93 é realmente uma
Poder Judiciário” (MEIRELLES, 2003, p. 191). sanção desse tipo?
Destarte, podemos agora apresentar as nos- Se for, será inconstitucional, posto que fere
sas considerações críticas aos arts. 87 e 88 da o princípio federativo, porque se um secretário
Lei nº 8.666/93. municipal declarar uma empresa inidônea, esse
“ato administrativo” teria validade em níveis fe-
5. CONCLUSÕES deral e estadual, o que não é possível constitu-
Não é dado a nenhum órgão estadual ou mu- cionalmente, eis que um ato punitivo somente
nicipal aplicar diretamente as sanções previstas tem validade abrangendo o âmbito jurisdicio-
nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666/93 porque trata- nal do agente autor do ato referido (princípio da
-se de normas específicas, eis que sanções con- especialidade).
têm particularidades concretas, que não podem Contudo, podemos cogitar de outra visão
ser enquadradas como sendo normas gerais. Por- para esse tipo de pena.
tanto, quando muito, as sanções referidas são nor-
mas específicas válidas somente para a União. Vejamos:

Estados, Distrito Federal e Municípios devem O art. 97 da Lei nº 8.666/93 considera ser cri-
prever em suas respectivas leis as infrações e me “Admitir à licitação ou celebrar contrato com
sanções correspondentes, podendo até repetir empresa ou profissional declarado inidôneo”.
as da Lei nº 8.666/93, e somente então concre- Como se verifica, essa disposição é do tipo
tizar as suas sanções. norma penal em branco, ou seja, o tipo penal é
Se se entender possível que Estados e Mu- descritivo até certo ponto e complementado, por
nicípios continuem a aplicar, como até aqui têm empréstimo, por institutos, normas ou conceitos
feito, diretamente com base nos arts. 87 e 88, pertencentes a outro ramo do direito.
suas sanções, haverá nulidade nelas, eis que não No caso, a norma penal em branco se cons-
sendo gerais, Estados e Municípios estariam apli- titui pela inclusão nela de uma sanção que, em
cando sanções (normas específicas) federais, o princípio, seria de natureza administrativa (ato
que viola o princípio federativo. administrativo punitivo).

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A redação do art. 97 conduz à conclusão ina- a Administração Pública, que, pelo seu concei-
fastável: é crime “admitir à licitação ou contratar to, contemplado pelo inc. XI do art. 6º da Lei nº
empresa ou profissional declarado inidôneo”. 8.666/93, engloba órgãos e entidades dos três
níveis de governo e do Distrito Federal.
Onde? Quando? Por quem?
Nesse caso, como a sanção, tal como redigi-
A norma não distingue e, portanto, como, da naqueles incisos do art. 87, tem abrangência
quando isso ocorre, não é dado ao intérprete nacional, não pode ser considerada uma simples
distinguir; tal declaração pode ser imposta por sanção administrativa, sendo sim uma sanção pe-
qualquer órgão ou entidade federal, estadual ou nal, pois ela faz parte de um tipo penal previsto
municipal ou do Distrito Federal. no art. 97 da Lei nº 8.666/93.
Então, a declaração pode ser feita em toda a Como consequência, não sendo, realmente,
Administração brasileira, ou melhor, por qualquer uma sanção administrativa, mas sim penal, ela
órgão federal, estadual ou municipal; e, portan- somente pode ser aplicada pelo Juiz criminal, e
to, uma declaração desse tipo tem validade em não pelos Ministros de Estado, secretários esta-
todo o território nacional. Daí, a sanção previs- duais e secretários municipais, como indica o art.
ta no inc. IV do art. 87 pode ter validade perante 87 da Lei nº 8.666/93.

BLC_FEVEREIRO.indb 102 18/1/2013 11:38:47

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