Universidade Regional do Cariri – URCA – Curso de Direito – 05/05/2021
1ª Av. Direito Civil III (Noite) – Prof. Dr. Inaldo Bringel
Aluno (a):XXXXXX
Quesito: À luz do direito contemporâneo, discorra sobre os seguintes assuntos correlatos:
- Liberdades individuais, com especial destaque à liberdade econômica e negocial;
- Intervenção estatal nos negócios jurídicos eminentemente privados (contratos estritamente
civis e empresariais), máxime em ações que objetivem a revisão judicial de contratos com o fito de anular ou modificar cláusulas e condições negociais, tutelando o conteúdo material das mesmas. Na esteira do pensamento jurídico hodierno, há um direito fundamental cuja abordagem merece um esmero maior do que o que normalmente lhe é conferido. Trata-se da temática das liberdades individuais, particularmente no que tange às consequências dessa liberdade no âmbito das relações econômicas, e consequentemente, seu impacto no mundo dos contratos (o ambiente negocial que pervade a vida de cada um dos membros de uma sociedade, desde que nela haja a propriedade individual). As ideias da Autonomia da Vontade, somada à da Obrigatoriedade oriunda do vínculo contratual, que norteavam o Código Civil de 1916, passaram por uma repaginação com o Código Civil de 2002, na medida em que a primeira foi permeada de certa intervenção estatal, sendo então, denominada, de Autonomia Privada, e a segunda não foi afastada, mas, a exemplo da primeira, teve seu sentido lapidado pelos princípios da Função Social dos Contratos e da Boa-fé Objetiva. Nesse ínterim, não só o “novo” Código Civil, mas também a Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), foram responsáveis por promover uma releitura razoavelmente satisfatória da importância da liberdade individual no ambiente dos contratos, bem como do caráter excepcional da intervenção Estatal nessa espécie do gênero negócios jurídicos, cuja característica essencial é a de ser eminentemente privado. Nessa toada, tratando-se de relações jurídicas patrimoniais e eminentemente privadas, observa-se que a liberdade assume um caráter condicional para o seu exercício, sendo garantida pelo inciso I do art. 2º da Lei 13.874/19. No que concerne à ideia do pacta sunt servanda (“o contrato tem força de lei entre as partes”), é oportuno ressaltar que ele não fora rechaçado pelo Código de 2002, mas, pelo contrário, reafirmado, com a manutenção da força vinculante dos contratos como REGRA, desde a fase da proposta, “se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso” (Art. 427, CC), pormenorizadas no artigo 428 do mesmo diploma legal. Em justa medida, tal ideia fora relativizada pelo princípio da Função Social dos Contratos, preceito de Ordem Pública na dicção do parágrafo único do art. 2035 do referido código - um tratamento justificável quando se recorda que a propriedade precisa atender à sua função social: se ela, portanto, é um fim que possui como um dos meios de obtenção o instrumento do contrato, este último, em sendo um meio para obtê-la, precisará, consequentemente, atender também a uma função social. Essa força vinculante, aliada aos fatos de que: os indivíduos contratam em razão dos seus próprios interesses e de que, a princípio, isso não fere a lisura das relações negociais, deu margem para a nova redação, mais ampla, do art. 421 do Código Civil: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”, e não propriamente “em razão” dessa função, como previa o dispositivo antes da Lei de Liberdade Econômica. É interessante, pois, pontuar algumas modificações trazidas por essa lei no que se refere à seara contratual: o caput do art. 421 do CC foi modificado, ao seu corpo acrescentado um parágrafo único e, prosseguindo na atualização, o legislador inseriu um novo artigo no Código (o art. 421-A, que resolveu uma antiga celeuma da aplicabilidade ou não de algumas características gerais dos contratos civis aos contratos empresariais). Esses contratos, por sua vez, foram tratados como paritários e simétricos pela Lei 13.874/19, na dicção do art. 421-A, por ela inserido no Código Civil, para remodelar os arts. 480-A e 480-B, revogando-os tacitamente: a própria lei conferiu a essas características o status de regra nos contratos de natureza civil ou empresarial. Os princípios da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, valem agora, sem sombra de dúvidas, para os contratos empresariais (tipologia expressamente positivada no dispositivo). Neles, portanto, o que se presume é a igualdade entre os contratantes e a paritariedade dos contratos, até que haja “a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais”. Os incisos desse novo artigo também atribuíram às partes a possibilidade de estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação, revisão e resolução dos contratos, desde que não se contrarie normas de ordem pública (art.3º, VIII, da referida lei), garantiram o respeito e a observância da alocação de riscos definida pelas partes e determinaram a excepcionalidade e limitação da revisão contratual, numa verdadeira fuga do paternalismo estatal, que reiteradamente levado a cabo pelos contratantes terminava comprometendo a segurança jurídica das relações negociais. As contribuições da nova lei assumem um papel importante na preservação da liberdade negocial, encetando um maior crescimento, e não ficar só nele, chegando assim, ao chamado “desenvolvimento econômico”. É necessário pontuar que: contratos com maior grau de liberdade (preservando-se sempre os princípios atinentes à Ordem Pública); que sejam melhor observados na prática, ou seja, cumpridos de fato; que sejam menos suscetíveis ao intervencionismo estatal e que garantam que os critérios de interpretação definidos pelas partes têm prioridade ao passar pela análise de terceiros (sobretudo da Justiça, em última análise), são dotados de uma segurança jurídica muito maior, e portanto, “valem a pena”, por assim dizer, fomentando o crédito e impulsionando o exercício das atividades econômicas. Tal processo contribui substancialmente para a economia do país: “faz a roda girar”, como se fala na Teoria Econômica. Por outro lado, alguns autores poderiam alegar que tais garantias já estavam presentes no Código, elencando dispositivos genéricos a esse respeito (como os arts. 317 ou 478 e os arts. 480-A e 480-B, de matéria inteiramente regulada pelo novo artigo 421-A). Acontece que esses eles traziam apenas exceções pontuais a um princípio norteador do Direito Contratual (não expresso em lei), o Princípio da Continuidade (ou Conservação) dos Contratos: como, no direito brasileiro, a fonte primária e mais valorizada, diga-se de passagem, é a lei, ficando os usos e costumes “de escanteio” quando não convém ao Estado, nada mais justo do que utilizá- la, portanto, como ferramenta para garantir a observância de um princípio tão importante no mundo contratual. Ele, por sua vez, preconiza que: tanto os contratantes quanto o Estado devem atuar para que o contrato siga o seu curso normal, portanto, seja cumprido e satisfeitas as obrigações dele decorrentes. Em outras palavras, desafortunadamente, foi preciso converter esse princípio num dispositivo de lei, expresso a esse respeito, para que ele fosse, então, devidamente valorizado no direito brasileiro. Esforço que, todavia, não foi em vão, uma vez que a redação trazida neste e em outros dispositivos da Lei de Liberdade Econômica logrou, ao menos em tese, a diminuição do intervencionismo estatal, especialmente no conteúdo material dos contratos, quedando-se mais diminutas as possibilidades de revisão de cláusulas e condições negociais, com o intuito de anulá-las ou modificá-las. Já nesse sentido postulava o Enunciado n. 21 da I Jornada de Direito Comercial, ocorrida em 2012: “Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.” Tal mitigação, convém salientar, vale apenas para contratos paritários, como bem lembrou o próprio Flávio Tartuce, no artigo “A Lei da Liberdade Econômica e os seus principais impactos para o Direito Civil. Segunda Parte. Mudanças no âmbito do Direito Contratual”, em que analisa os prós e contras do novo dispositivo legal. Assim, levando-se em consideração contratos empresariais paritários e simétricos, que são a regra nesse tipo de contratos, é plenamente lícito às partes atribuírem critérios objetivos não só para a interpretação dos requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual, como trazia o revogado artigo 480-A do CC, mas principalmente para a interpretação das cláusulas negociais, consagrando o caráter subsidiário das normas de direito empresarial (art. 3º, caput c/c o inciso VIII, da Lei: “São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, [...]: ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública” e a excepcionalidade da intervenção estatal, que deve ser limitada, ou seja, não pode tutelar o conteúdo material das cláusulas negociais, salvo para assegurar normas de Ordem Pública, e, primordialmente, os Princípios da Boa-fé Objetiva e da Função Social dos Contratos, informadores fundamentais dessa seara do Código Civil brasileiro.