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AS PRIMEIRAS IDEIAS CRISTÃS ACERCA DA VIDA APÓS A MORTE


1ª aula Antropologia – IPCentral de Uberlândia – Pr. Johnny Teles

“O medo de algo após a morte, o país desconhecido,


de cujas fronteiras nenhum viajante retorna, confunde a vontade”
(Hamlet, Ato 3, Cena 1, linhas 78-80)

As palavras de Shakespeare em Hamlet vão muito além de sua própria situação. Elas nos falam
sobre a situação humana, que é a mesma agora quanto era em 1600 quando foi escrito. Hamlet pondera a
vida em seus momentos mais difíceis. Mas pelo pavor da morte e medo do que poderia vir depois, ele
preferiria dar fim a sua própria vida, evitando os problemas que herdou.
Em 11 de setembro de 2001, dezenove muçulmanos extremistas, executaram um dos massacres de
civis mais insensíveis na história humana, convencidos de que seu ato garantiria sua ressurreição e lhes
traria recompensas eternas. 2.800 morreram por noções de felicidade sexual após a morte: um grupo de
virgens de olhos escuros aguardava cada um dos assassinos suicidas. A maioria dos comentaristas
enfatizou que havia motivações políticas, econômicas e sociais mais importantes para o ataque. Mas, no
final, por trás de qualquer motivação que se possa pensar estava a crença no que o corpo e a alma
receberiam após a morte, determinando suas escolhas.

Não sou pensamento, não sou ação, não sou sentimento; Eu sou algo que pensa, que age e que sofre.
Meus pensamentos, ações e sentimentos mudam a cada momento –não têm uma existência contínua, mas
sucessiva; mas aquele self ou eu, ao qual eles pertencem é permanente…”
Thomas Reid

O debate envolvendo alma e corpo tem raízes que remontam à Grécia antiga, de onde se originou
a ideia de que a alma é distinta do corpo (MCLAUGHLIN, 2009).

Por dois mil anos, cristãos de todos os tipos (clero e leigos, estudiosos e incultos, jovens e idosos,
e de todas as denominações) têm tradicionalmente entendido que os seres humanos são compostos de um
corpo físico e uma alma espiritual, uma parte material e uma parte não material, uma substância física e
uma substância não física. Alguns argumentaram que a substância não-física inclui dois tipos diferentes
de partes não-corporais (isto é, alma e espírito - distintos). O ponto é que os humanos foram entendidos
como consistindo de um corpo físico de um lado e “algo” não físico do outro. Essa compreensão dupla da
composição humana às vezes é chamada de “dualismo de substância”.

Desde os primeiros tempos os cristãos têm afirmado a continuidade da existência pessoal após a
morte biológica. Os membros da igreja primitiva acreditavam que quando o corpo morre, as pessoas não
deixam de existir, mesmo que temporariamente. Em vez disso, elas sobrevivem para desfrutar a bênção
de Deus ou sofrer seu julgamento.
Os detalhes particulares atribuídos à vida após a morte variavam um pouco de acordo com o
tempo e o lugar. (1) Alguns cristãos primitivos acreditavam que as almas são imediatamente transportadas
para seus destinos finais, seja o inferno ou o reino celestial de Deus. No entanto, (2) a maioria acreditava
que existe algum tipo de local intermediário e período de espera entre a morte e a ressurreição final 1.
Gradualmente, mais ideias sobre esse "estado intermediário" foram desenvolvidas. Não se pensava que tal
lugar intermediário estivesse localizado no céu, mas no Hades, o reino dos mortos. Segundo criam, no
Hades existem diferentes áreas, algumas para os bem-aventurados, outras para os condenados.
Gradualmente, as divisões de Hades receberam descrições mais detalhadas. Purgatório, uma ideia já
encontrada em Agostinho, supunha ser um local onde os mortos entravam para serem purgados/
purificados de seus pecados através do sofrimento, antes de entrarem no céu. Dizia-se que o Limbus

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Justino, o mártir está entre os primeiros defensores de um estado intermediário, rejeitando uma imediata subida aos céus.
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patrum2 era o lugar onde os santos do Antigo Testamento esperavam a redenção por meio de Cristo, e que
o Limbus infantium3, posteriormente sugerido, era uma habitação permanente, nem abençoada nem
amaldiçoada, para crianças que não haviam sido batizadas. Na alta idade média essa figura foi bem
desenvolvida, como pode ser visto na Divina Comédia de Dante Alighieri, dividida em Inferno,
Purgatório e Paraíso.
Nem todos os cristãos compartilhavam dessas ideias sobre o estado intermediário que surgiu
durante os primeiros séculos da fé. Mas todos davam como certo que as pessoas continuam a existir
após a morte física.
Também descobrimos uma variedade de crenças sobre a ressurreição dos mortos, uma doutrina
que todos os cristãos afirmaram. Alguns, como Orígenes, mantinham uma visão bastante espiritualista,
afirmando que o corpo da ressurreição não consiste de matéria ou carne, mas de uma substância espiritual
adequada à presença de Deus. Jerônimo, por outro lado, afirmava que o corpo da ressurreição seria
literalmente idêntico ao corpo terrestre, incluindo os mesmos cabelos e dentes. A maioria cria como
Agostinho, permitindo modificações do corpo terreno, mas insistindo que o que será ressuscitado é o
mesmo corpo daquele que morreu.
Apesar dessa diversidade de opiniões sobre questões específicas, havia um consenso sobre as
características básicas da ressurreição. Praticamente todos os escritores cristãos, mesmo Orígenes, foram
inflexíveis em defender a graça intrínseca do corpo como criado por Deus contra as doutrinas
anticorpóreas do gnosticismo. Além disso, a crença de que a ressurreição será um evento geral futuro
correlacionado com o retorno de Cristo tornou-se a expectativa cristã comum. E praticamente todos os
primeiros cristãos parecem ter concordado que as pessoas tanto sobrevivem à morte física quanto são
ressuscitadas para algum tipo de existência corporal.
Implícita nessa crença de que as pessoas podem sobreviver à morte orgânica está a ideia de que os
seres humanos são constituídos de tal forma que podem ser "separados" na morte. Quando o corpo morre,
a pessoa retém sua existência e provavelmente também algum tipo de consciência. Uma separação ou
ruptura daquilo que estava tão intimamente ligado na vida ocorre na morte. A pessoa ou eu ou alma ou
espírito sobrevive à morte do corpo. Os primeiros cristãos, em outras palavras, presumiam que a
natureza humana é tal que a existência pessoal não está necessariamente ligada ao organismo da vida
terrena.
Mas mesmo neste ponto existiram diferenças de opinião. Embora todos concordassem que ocorre
uma separação na morte, não havia consenso sobre o número de dimensões ontológicas em termos das
quais Deus criou a humanidade. Alguns sustentavam que os humanos consistem em três partes - corpo,
alma e espírito. Eles são chamados de "tricotomistas”, pois dividem a natureza do homem em três
componentes. O espírito é o eu humano essencial que se relaciona com Deus. A alma (vontade, emoções
e intelecto?) é aquela dimensão que media o espírito com o corpo material. Tal visão tricotomista foi mais
popular entre os pais da igreja gregos e alexandrinos que foram influenciados por Platão, entre eles
Clemente de Alexandria, Orígenes e Gregório de Nissa.
A outra opção, "dicotomia", emergiu como a visão mais dominante e eventualmente ortodoxa. Foi
popular desde o início entre os pais latinos e se fortaleceu em Agostinho. É a visão de que os humanos
consistem em duas dimensões ou componentes, corpo e alma/espírito. Os dicotomistas geralmente tomam
"alma" e "espírito" como sinônimos. A morte separa corpo e alma. Daí o termo "dicotomia". Como essa
visão implica que os seres humanos consistem em dois componentes metafisicamente diferentes e
separáveis, os filósofos a chamam de "dualismo". Isso se tornou a doutrina padrão na teologia e filosofia
ocidentais por mais de mil anos.
Embora o dualismo tenha triunfado sobre as visões tricotomistas, e embora nem todos os mestres
cristãos concordassem com os detalhes do estado intermediário ou a definição da ressurreição, é
importante ver que todos trabalhavam com um pressuposto antropológico comum: a existência humana
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O termo "Limbo dos Pais" era um nome medieval para a parte do submundo (Hades) onde se acreditava que os patriarcas
do Antigo Testamento eram mantidos até que Cristo descesse a ele por sua morte por meio da crucificação e os libertasse.
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O limbo das crianças (latim limbus infantium ou limbus puerorum) é o hipotético status permanente dos não batizados que
morrem na infância, jovens demais para terem cometido pecados reais, mas não tendo sido libertados do pecado original. A
maioria dos padres católicos romanos e da hierarquia dirão agora que nenhuma criança jamais poderia ser condenada pelos
pecados cometidos por nossos ancestrais e que eles não acreditam mais na existência do limbo para crianças.
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pode ser desmembrada pela morte e as pessoas sobrevivem conscientes. A ideia de que as pessoas
sobrevivem separadas de seus corpos é um elemento essencial do ensino cristão primitivo sobre as
últimas coisas.
Deixe-me tratar um pouco sobre as teorias da mente-corpo para termos uma noção do terreno que
estamos pisando.
A FILOSOFIA DA MENTE E AS TEORIAS MENTE-CORPO

Fala-se em 1) filosofia antiga; 2) filosofia medieval; 3) filosofia moderna; 4) filosofia


contemporânea. A Filosofia da Mente é um dos campos mais enérgicos em filosofia contemporânea,
envolvendo metafísica, ética, epistemologia, e as filosofias da ciência e linguagem. Normalmente é
dividida em cinco áreas de pesquisa: (1) mente e corpo, (2) consciência, (3) representação mental, (4)
filosofia da psicologia e neurociência, e (5) teoria da ação.

Filosofia da Mente

Filosofia da psicologia e
Mente e Corpo Consciência Representação Mental Teoria da Ação
neurociência

Teorias Problemas
Mente-Corpo Mente-Corpo

Qual é a relação entre o fenômeno mental e o fenômeno físico? As teorias sobre o problema
mente-corpo oferecem diferentes caminhos para entendermos como os fenômenos físicos e mentais se
relacionam e se dividem basicamente em duas amplas categorias: monistas e dualistas.
As teorias monistas, (Monismo Físico ou Fisicalismo), afirmam que tudo é físico; todas as coisas
podem ser descritas e explicadas em termos físicos. O Monismo Mental, comumente chamado
“Idealismo”, afirma que tudo é mental; tudo pode ser descrito e explicado usando conceitos psicológicos
como crença, desejo e sentimento. Por fim, o Monismo Neutro afirma que tudo é neutro; todas as coisas
podem ser descritas e explicadas usando um sistema conceitual que não é nem mental e nem físico, mas
neutro.
As teorias dualistas negam que um sistema conceitual simples seja suficiente para descrever e
explicar tudo, antes, uma descrição e explicação completa requer o uso tanto de um sistema conceitual
físico quanto mental.
Para os dualistas existem dois tipos distintos de propriedades ou características que as coisas
podem ter: as propriedades mentais, que são expressas baseadas num sistema mental, e as propriedades
físicas, que são expressas baseadas num sistema físico.
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Mente e Corpo

Teorias
Problemas Mente-Corpo
Mente-Corpo

O Problema de Outras O Problema da Causação


Teorias Monistas Teorias Dualistas Mental
Mentes O Problema da
Emergência Psicofísica

Dualismo de Duplo-
Monismo Físico Monismo Mental Dualismo de Substância
Aspecto
Monismo Neutro

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