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deu vislumbre a dificuldades práticas de fazer avan- ciços de escravos de origem africana, em segui-
çar a transição do escravismo para as relações ca- mento ao regime de produção predominante na
pitalistas de trabalho. cana-de-açúcar.
Este artigo analisa o contexto em que se for- Em 1840, o senador Nicolau Pereira de Cam-
maram as diretrizes fundiárias dominantes no Brasil pos Vergueiro trouxe 90 lavradores da região do
durante a segunda metade do século XIX, a intro- Minho, Norte de Portugal, para trabalhar como
dução dos contratos de parceria e as reclamações parceiros em sua Fazenda Ibicaba, próxima à cida-
de maus tratos aos colonos estrangeiros nos cafe- de de Limeira, na província de São Paulo
zais. O foco está nos anos 1840 a 1870, momento (Vergueiro [Carta], 1852). O contrato de parceria,
em que fazendeiros da província de São Paulo es- firmado antes do embarque para o Brasil, estipula-
tabeleceram o primeiro fluxo sistemático de imi- va que cada agricultor e sua família deveriam culti-
gração europeia para a cafeicultura.1 O texto co- var certa extensão de pés de café na fazenda que os
menta a experiência da parceria agrícola iniciada acolhesse, recebendo em pagamento uma porcen-
pelo senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, tagem do lucro líquido anual da venda do produ-
a revolta dos parceiros de língua alemã e as de- to por eles gerado. A parceria empenhava daquele
núncias feitas por portugueses radicados no Rio modo, por antecipação, o resultado do trabalho
de Janeiro, acerca dos abusos cometidos na lavou- futuro do imigrante, com o qual ele deveria saldar
ra contra seus conacionais. Ressalta, por fim, a os gastos feitos em seu benefício, desde a viagem
edição da Lei de Terras, norteadora do desenho marítima até os adiantamentos para compra de ali-
institucional de ocupação do território brasileiro, mentos e subsistência.
sugestivamente promulgada duas semanas após a O contrato previa também a possibilidade
Lei Eusébio de Queirós, que levaria à extinção do de transferência do parceiro a outros empregado-
tráfico transatlântico de escravos. res, independentemente da sua vontade, num ne-
gócio comercial que passou a ser comparado à re-
venda de escravos. Além dessas condições, nos
ESCRAVOS E HOMENS LIVRES: o trabalho latifúndios, o lavrador europeu passava a convi-
nos cafezais ver lado a lado com negros cativos. Por vezes, eram
empregados nas mesmas funções (Alencastro,
Foi no bojo das transformações que a eco- 1988), estabelecendo-se um notável paralelo entre
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nomia brasileira atravessou ao término das Regên- a parceria agrícola no café e a escravidão.
cias (1831-1840) – com a substituição do açúcar A fixação de imigrantes, nesse contexto,
pelo café como principal gerador de capitais – que condicionava-se à necessidade imediata da grande
se deu a primeira tentativa de parceria, destinada lavoura, desvinculada de um projeto colonizador
a promover a vinda sistemática de trabalhadores para o território. Na gênese da introdução do traba-
europeus para os cafezais de São Paulo. Emprega- lho livre na cafeicultura, a mentalidade escravocrata
vam-se, então, naquela cultura, contingentes ma- do fazendeiro entendia que a organização dos nú-
1
cleos populacionais, sobretudo na fronteira ocidental
A documentação que fundamenta este artigo constitui-
se basicamente de correspondência diplomática do Bra- da zona cafeeira, deveria disponibilizar a mão de
sil e de Portugal, sob guarda do Arquivo Histórico-Diplo-
mático do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Por- obra conforme os seus interesses. Afinal, era no
tugal (Lisboa) e do Arquivo Histórico do Itamaraty (Rio interior dos vastos latifúndios que acontecia o po-
de Janeiro). A pesquisa foi feita no âmbito da tese de
doutorado em História Social intitulada “Laços de San- voamento efetivo da terra. Assinale-se que, nos anos
gue. Privilégios e intolerância à imigração portuguesa no
Brasil (1822-1945)”, apresentada, em abril de 2007, no anteriores à implementação do sistema de parceria
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Le-
tras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo no Brasil, o avanço das zonas agrícolas, em São Paulo
(FFLCH/USP), sob orientação de Maria Luiza Tucci Car- e Minas Gerais, contou com um afluxo sem prece-
neiro, com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) e do Instituto Camões. dentes de escravos para aquelas províncias.
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mais notabilizados naquele sistema trabalho. Isso virtude do espírito de ganância [...] que anima
numerosos senhores de escravos, e também da
se deu por terem sido relativamente significativos, ausência de direitos em que costumam viver es-
em termos numéricos, no regime de parceria. Mas ses colonos na província de São Paulo, só lhes
resta conformarem-se com a ideia de que são
é plausível supor que a notoriedade da presença tratados como simples mercadorias, ou como
escravos (Davatz, 1980).
alemã nas fazendas de café, nos anos 1840-1850,
deveu-se à publicidade negativa que as críticas ao
tratamento a que eram submetidos obteve nos pa- As palavras de Davatz expressam a percepção
íses de origem. Em meados do século XIX, o café e o ponto de vista de um imigrante que se empregou
se tornava uma bebida conhecida na Europa Cen- na cultura do café, ainda em meados do século XIX,
tral, propiciando algum destaque às zonas produ- como fizeram milhares de homens de diversas naci-
toras, sobretudo quando se tratava de um destino onalidades. Seu relato, simples e direto, permanece
imigratório, como era o caso de São Paulo. um testemunho sobre o regime de parceria, mais uma
Uma rebelião de parceiros de língua alemã, vez aproximando-o do escravismo – não importa aqui
ocorrida na Fazenda Ibicaba, em 1857, liderada pelo a imprecisa relação conceitual traçada pelo lavrador
suíço Thomas Davatz, mobilizou a diplomacia suíço entre o parceiro e o escravo.
helvética no Rio de Janeiro e repercutiu nas regi- Adotada nos Estados Unidos no século
ões centro-europeias onde mais se buscava engajar XVIII, a parceria agrícola logo caiu em desuso na-
trabalhadores para a grande lavoura, com o au- quele país, tendo em vista a enorme extensão de
mento da propaganda contrária à imigração para o terras da América do Norte disponíveis para as-
Brasil. Reclamações e revoltas de menor propor- sentamento de lavradores, num quadro de libera-
ção ocorreram noutras fazendas de café paulistas, lidade jurídica no acesso à pequena propriedade,
invariavelmente agitadas por lavradores alemães. tanto por norte-americanos quanto por estrangei-
Em reação às denúncias, o governo da ros. No Brasil, por sua vez, o contrato de parceria
Prússia suspendeu a autorização de trabalho dos entrou em decadência após a revolta de 1857 na
agentes que captavam imigrantes em suas aldeias. Fazenda Ibicaba, episódio que fez cessar por vári-
O rescrito de Heidt, decreto promulgado em Berlim, os meses a vinda de novos imigrantes da Europa
em 1859, proibiu o agenciamento de colonos agrí- Central para a província de São Paulo (Witter,
colas prussianos para a província de São Paulo. O 1987). O regime de trabalho adotado por mais de
veto depois se estendeu para o Sul do Brasil, mui- uma década para fixar braços livres na cafeicultura
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terras abandonou a parceria, passando alguns a pagar articuladas por imigrantes portugueses estabeleci-
salário fixo ao trabalhador livre, fosse ele brasileiro dos no meio urbano brasileiro, em oposição ao
ou estrangeiro. Na Fazenda Ibicaba, Vergueiro e seus engajamento de mão de obra para a cafeicultura.
descendentes adotaram variantes de contratos de Numa dessas manifestações, ocorrida em janeiro de
locação de serviços (Holanda, 1980). 1852, uma petição assinada por um grupo de mora-
dores lusitanos do Rio de Janeiro solicitava provi-
dências ao diplomata José de Vasconcellos e Sousa,
OS MAUS TRATOS AOS PORTUGUESES ministro plenipotenciário de Portugal no Brasil:
A força das denúncias dos ex-parceiros ale- Os abaixo-assinados, súditos portugueses e ne-
gociantes estabelecidos nesta praça do Rio de Ja-
mães e suíços e das revoltas por eles protagonizadas neiro, não podem por mais tempo ser indiferen-
no interior de São Paulo deve ser levada em conta tes ao triste e aviltante espetáculo que se oferece
a seus olhos, sempre que no porto da capital do
quando se avaliam as razões para a falência do sis- Império aporta algum navio procedente das ilhas
portuguesas. É triste [...] é doloroso o quadro que
tema de parceria. Medidas restritivas tomadas por então se desdobra à vista de todos [...]
governos estrangeiros, ainda na década de 1850, Especuladores ambiciosos [têm] arrebatado para
ganham relevância histórica, como primeira rea- aqui, a título de colonos, indivíduos de ambos os
sexos das ilhas portuguesas, e principalmente
ção oficial efetiva contra a imigração para o Brasil. dos Açores, pondo em prática os meios mais tor-
pes e asquerosos, como sejam a mentira, a sedu-
Nesse aspecto, vale ressaltar que, antes mesmo da ção, a infâmia e até o roubo. Então esses moços
rebelião que expôs, na Europa Central, as condi- inexperientes, que julgam encontrar um novo El
Dorado, essas jovens donzelas, fascinadas por
ções de trabalho dos lavradores de língua alemã, a mágicas grandezas, essa pobre gente enfim
situação penosa enfrentada pelos europeus nas conduzida por tais meios para o Brasil, tarde co-
nhecem o engano, e suas esperanças convertem-
fazendas brasileiras já era conhecida das autorida- se em torturas do inferno.
des de Portugal, país que estivera como um dos Esses especuladores, verdadeiras feras [...] esta-
belecem a arbítrio o preço da passagem, e então
polos de captação de parceiros para a cafeicultura. são os passageiros condenados a um cativeiro sem
Reclamações de maus tratos a portugueses remédio, são comprados pelo dinheiro. [...] Um
tráfico vergonhoso e degradante esse que, na re-
e denúncias de aliciamento enganoso para as zo- alidade, se efetua aos olhos de todos, e que, para
nas agrícolas e as grandes plantações vinham sen- opróbrio da humanidade, se repete frequente-
mente, e com um abuso inqualificável
do veiculadas na imprensa lusitana e registradas (D´Amorim [Petição], 1852).3
por políticos desde a década de 1830, previamen-
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antes lusos estabelecidos na Corte tomarem a pala- ro, explicitava, em carta, sua expectativa de que ao
vra em defesa de gente das ilhas atlânticas lusita- “maior desenvolvimento não venha opor-se à falta
nas que estaria a ser enganada por especuladores. de braços” (Sousa [Ofício n. 20], 1853). Sobre as
Seu apelo é contra a “indiferença”, pois já reclamações de maus tratos a lavradores imigran-
não suportam o “triste e aviltante espetáculo que ofe- tes, entretanto, o diplomata relativizava: “não me
rece aos seus olhos”, ainda de acordo com a petição consta a existência de um só [estabelecimento ru-
de 1852 firmada pelo grupo de portugueses do Rio ral no Brasil] onde não se queixem ou os colonos
de Janeiro. O drama teria sido frequente no então ou os proprietários das terras, sendo que pela maior
principal cais de desembarque de estrangeiros no parte, segundo ouço, vivem descontentes uns e
país – o porto de Santos só tomaria a dianteira no outros!” (1853).
recebimento de imigrantes nos anos 1870.
Uma discrepância que se observa na leitura
da documentação consular e de imprensa lusitana CONTORNOS DA LEI DE TERRAS
do período, comparada à atitude de outros países
emissores de imigrantes, era a dificuldade da di- As condições dos trabalhadores livres na
plomacia de Portugal responder a denúncias de cultura do café em meados do século XIX, ponto
maus tratos contra seus nacionais (Maia, 2002), de inflexão do escravagismo no Brasil, estiveram
diante do volume proporcionalmente maior de amplamente relacionadas à estreita mobilidade
portugueses que faziam do Brasil seu destino. A social a eles relegada pela ordem jurídica do Se-
postura da legação lusa no Rio de Janeiro foi por gundo Reinado. Foi nesse sentido que se conce-
diversas vezes considerada de alheamento. Nos beu a principal legislação do período sobre ocupa-
jornais de Lisboa e do Porto, as críticas que envol- ção do território, a Lei de Terras (Lei n. 601, de
viam a situação dos trabalhadores na cafeicultura 18.09.1850), geradora de efeitos de longa duração
atacavam a suposta benevolência dos diplomatas para a propriedade fundiária e o povoamento do
daquele país para com os interesses do Império. país. A medida transformou as áreas devolutas em
No aniversário de 35 anos da Independência mercadoria comercializável pelo Estado. A obten-
do Brasil, em setembro de 1857, concomitante à re- ção de lotes agrícolas passava a se dar exclusiva-
volta dos parceiros de língua alemã na Fazenda Ibicaba, mente por meio de compra e venda, não mais por
o lisboeta Jornal do Commercio publicou, em edito- cessão gratuita em nome do sesmeiro ou do pos-
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rial de primeira página, um texto atacando o que de- seiro, como ocorria desde o tempo colonial.
nominou “ignominiosa fraqueza” da representação Já no artigo 1º, a Lei n. 601/1850 determina-
consular de Portugal na ex-colônia, frente aos abusos va: “ficam proibidas as aquisições de terras
dos imigrantes arregimentados para trabalhar no café, devolutas por outro título que não seja o de com-
e diante dos “procedimentos arbitrários das autori- pra”. No artigo 3º, inciso IV, definia: “são terras
dades brasileiras contra súditos portugueses”. (Edi- devolutas: [...] as que não se acharem ocupadas
torial [Jornal do Commercio], 1857). por posse que, apesar de não se fundarem em títu-
A legação diplomática de Portugal, da sua lo legal, foram legitimadas por esta lei”.
parte, admirava-se com o “estado próspero” da Consequência do dispositivo foi impedir a
economia brasileira e chamava a atenção para os maioria dos lavradores de ter acesso à proprieda-
recursos crescentes com que contava o Império. A de da terra. E como os que imigravam para o Brasil
criação do terceiro Banco do Brasil, tendo por ob- eram geralmente europeus empobrecidos e sem
jetivo substituir por metal o papel fiduciário em recursos, não tinham como adquirir um lote de
circulação, foi compreendida como exemplo da maneira legal, tornando-se propensos a fornecer
afluência de capitais. José de Vasconcellos e Sousa, sua força de trabalho para a grande lavoura, até
principal representante de Lisboa no Rio de Janei- que acumulassem meios necessários à compra de
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um terreno agriculturável (Beiguelman, 2005). A perar que o imigrado pobre alugue o seu traba-
lho efetivamente por algum tempo, antes de ob-
nova legislação de terras sintetizava a diretriz ter meios de se fazer proprietário (Parecer [Con-
restritiva, definidora do papel social do imigrante selho de Estado], 1842).
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resultando na ocorrência sistemática de falsas pos- à questão (Sousa [Ofício n. 17], 1854). Com efeito,
ses em todo o país, na segunda metade do século os anos 1850, imediatamente seguintes à extinção
XIX, até o período republicano. As fraudes na ob- do tráfico transoceânico de escravos, viram estan-
tenção de escrituras raramente eram cometidas por car o suprimento de braços da África para a cafei-
lavradores, eles próprios vítimas de posseiros e cultura do Brasil, ao mesmo tempo em que não se
empresas colonizadoras que lhes revendiam os ter- concretizou “a colonização europeia, na qual se
renos. Na maioria das vezes, os beneficiados foram fala sempre, é verdade, mas que de fato está ainda
grandes proprietários e não agricultores sem terra, mui longe” (Sousa [Ofício n. 20], 1853).
fossem eles brasileiros ou imigrantes (Lopes, 2002). Na sessão de abertura do Parlamento do
Nas áreas cafeicultoras, o destino da maio- Império, em maio de 1855, Dom Pedro II declarou,
ria das terras roxas devolutas incorporadas ao do- num arroubo inusitado, que o futuro do Brasil
mínio particular favoreceu a persistência do siste- dependia “essencialmente da colonização estran-
ma de latifúndio, em detrimento da pequena pro- geira”, tarefa para a qual seu governo deveria ter
priedade. Nas áreas férteis do Oeste Paulista, entre “particular solicitude [e] empenho” (Dom Pedro II
as décadas de 1850 e 1890, o avanço de posseiros [Fala do Trono], 1855). Três anos depois, na Fala
e matadores de índios, os bugreiros, sobre territó- do Trono com que abriu a legislatura anual do Par-
rios habitados por indígenas kaingangs, guaranis lamento, o imperador reconheceu que “a coloniza-
e terenas deixou como marca as expulsões, o ção tem sofrido tropeços” (1858). Afirmou também
morticínio e o desmantelamento de suas socieda- a necessidade de haver cumprimento fiel dos con-
des (Monbeig, 1998). Do ponto de vista legal, tais tratos firmados na Europa, para garantir a “sorte
ações não encontravam amparo, mas suas futura dos imigrantes” e desfazer
consequências foram legitimadas pela brecha ofe-
recida à apropriação de terra que se demonstrasse ... preocupações pouco favoráveis à vinda de co-
lonos para o Império. Para se conseguir este be-
ter ocorrido antes de 1854, a depender da inter- nefício tão insistentemente reclamado pelas cir-
pretação da lei ou da generosidade de seu agente. cunstâncias de nossa produção agrícola, faz-se
necessária uma lei que inspire ao emigrante in-
Mesmo na província do Rio Grande do Sul, teira confiança na pátria de sua adoção (Dom
distante das plantações de café, estimados 750 mil Pedro II, [Fala do Trono], 1858).
hectares de terras devolutas teriam sido transferi-
dos de modo fraudulento a particulares, por meio As rebeliões de lavradores estrangeiros ocor-
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de falsas legitimações, nos 35 anos que separaram ridas em fazendas de café da província de São Paulo
o Regulamento da Lei de Terras e a Proclamação – especialmente a revolta em 1857 dos colonos par-
da República (Roche, 1969). Essa situação também ceiros suíços e alemães – e o quadro normativo con-
se verificou em grande escala no Paraná, em Santa solidado pela Lei de Terras e seu Regulamento ins-
Catarina e no Espírito Santo. tauravam uma situação pouco favorável à vinda de
imigrantes agricultores. A lei preconizada por Dom
Pedro II na Fala do Trono de 1858 não foi instituída,
OBSTÁCULO À PEQUENA PROPRIEDADE ao passo que a legislação já em vigor não poderia
FAMILIAR “inspirar” nos trabalhadores europeus, os quais o
imperador desejava atrair, a confiança na futura “pá-
Foram escassos os resultados da Lei de Ter- tria de sua adoção”, conforme seus termos.
ras e de seu Regulamento, em prol dos objetivos Em sentido diverso, relatos da época da-
imigrantistas dos cafeicultores brasileiros: a “subs- vam conta de que, nos principais portos de parti-
tituição dos pretos escravos por gente branca que da da Europa, ampliavam-se os embarques para
se dedique à lavoura e cultura de suas terras”, nas os Estados Unidos, cuja política de povoamento
palavras da diplomacia portuguesa no Brasil, atenta facilitava o acesso à propriedade da terra pelos re-
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Só nos restou mais constante a [corrente se sob os parâmetros restritivos do parecer de 1842
imigratória] dos portugueses e ilhéus, segura-
mente pela comunidade de raça, de língua, de do Conselho de Estado. Combinadas com o limite
religião, origem, costumes e relações. Mas esta legal imposto, as experiências de contrato de tra-
prefere o comércio e outras indústrias, a vida nas
cidades e povoados; e conquanto não seja para balho entre latifundiários e homens livres, brasi-
desprezar, e ao contrário também nos serão úteis,
todavia, a lavoura não recebe o principal reforço leiros ou estrangeiros, deram mostras do impedi-
de que precisa, e que convém promover mento à ocupação do território por pequenos la-
(Malheiro, 1866).
vradores sem terra. Ao mesmo tempo, expressa-
ram o dramático vislumbre do fim da escravidão e
a prolongada busca por um novo estatuto para o
CONSIDERAÇÕES FINAIS trabalho no Brasil.
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(1822-1945). 2007. Tese (Doutorado em História Social) - cios de Portugal no Brasil, a António Aloísio Jervis de
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras Atouguia; Rio de Janeiro, 14.05.1858; LPRJ, correspon-
e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2007. dência recebida, 1858/1859, caixa 204, maço 1, AHD-MNE.
MONBEIG, Pierre. Plantadores e fazendeiros de São Pau- LIBELO acusatório contra o diplomata português João
lo. 12.ed. São Paulo: Hucitec, 1998. Baptista Moreira, anexo ao ofício n.º 10 da LPRJ a António
Aloísio Jervis de Atouguia; Rio de Janeiro [1854]; LPRJ,
ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do correspondência recebida, 1854/1855, caixa 203, maço 2,
Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. AHD-MNE.
TAUNAY, Alfredo de Escragnolle (Visconde de). Homens OFÍCIO n.20 de José de Vasconcellos e Sousa a António
e cousas do Império. 2.ed. São Paulo: Weiszflog, 1924. Aloísio Jervis de Atouguia; Rio de Janeiro, 11.05.1853;
WITTER, J. S. A revolta dos parceiros, o choque da imi- LPRJ, correspondência recebida, 1853, caixa 202, maço 5,
gração. São Paulo: Brasiliense, 1987. AHD-MNE.
OFÍCIO n.17 de José de Vasconcellos e Sousa a António
Aloísio Jervis de Atouguia; Rio de Janeiro, 13.03.1854;
maço 2, AHD-MNE.
OFÍCIO n.64 de José de Vasconcellos e Sousa a Nuno
Documentos de Arquivo Severo de Mendonça e Moura (Marquês de Loulé), minis-
tro dos Negócios Estrangeiros de Portugal; Rio de Janeiro,
04.10.1858; LPRJ, correspondência recebida, 1858/1859,
CARTA de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro a José caixa 204, maço 1, AHD-MNE.
Tomás Nabuco de Araújo, presidente da província de São
Paulo; Fazenda Ibicaba/SP, 06.01.1852. In: LATA COLÔ- OFÍCIO reservado n.4 do Conde de Tomar, encarregado de
NIAS AGRÍCOLAS, nº 7.212, 1855/1867, Arquivo do negócios de Portugal no Brasil, a António José de Sousa
Estado de São Paulo, transcrita por SILVA, Maria Beatriz Severin de Noronha (Duque da Terceira), ministro dos
Nizza da. Documentos para a história da imigração portu- Negócios Estrangeiros de Portugal; Rio de Janeiro,
guesa no Brasil (1850/1938). Rio de Janeiro: Federação 11.11.1859; LPRJ; correspondência recebida, 1858/1859,
das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, 1992, p. caixa 204, maço 2, AHD-MNE.
34-35.
OFÍCIO reservado n.13 do Conde de Tomar ao Duque da
EDITORIAL “Lisboa, 7 de Setembro”. Jornal do Terceira; Rio de Janeiro, 08.12.1859; LPRJ; correspondên-
Commercio, Lisboa, 08.09.1857, p.1; Legação de Portugal cia recebida, 1858/1859, caixa 204, maço 2, AHD-MNE.
no Rio de Janeiro (LPRJ), correspondência recebida, 1854/
1855, caixa 203, maço 5, Arquivo Histórico-Diplomático PARECER da Seção do Império do Conselho de Estado à
do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal (AHD- consulta de Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Cesário
MNE). de Miranda Ribeiro; Rio de Janeiro, 08.08.1842. Imperiais
resoluções tomadas sobre consultas da seção de Justiça
FALA do Trono de Dom Pedro II na abertura da 2ª sessão do Conselho de Estado: desde o ano de 1842, em que
da 9ª legislatura da Assembleia Geral Legislativa (AGL), começou a funcionar o mesmo Conselho, até hoje: coligi-
03.05.1855; anexo ao ofício nº 13 de João Gomes de Oli- das em virtude de autorização do exm. sr. conselheiro
veira Silva Bandeira de Mello, encarregado de negócios de Manoel Pinto de Souza Dantas pelo bacharel José Prospe-
Portugal no Brasil, a António Aloísio Jervis de Atouguia, ro Jehovah da Silva Caroata. Rio de Janeiro: Typographia
ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal; Rio de Garnier, 1884. Arquivo Histórico do Itamaraty.
Janeiro [1855]; LPRJ, correspondência recebida, 1854/1855,
caixa 203, maço 3, AHD-MNE. PETIÇÃO de José Joaquim d’Amorim e outros, comerci-
antes estabelecidos no Rio de Janeiro, a José de
FALA do Trono de Dom Pedro II na abertura da 2ª sessão Vasconcellos e Sousa; Rio de Janeiro, 16.01.1852; LPRJ,
da 10ª legislatura da AGL, 03.05.1858; anexo ao ofício n.º correspondência recebida, 1851/1853, caixa 202, maço 3,
31 de José de Vasconcellos e Sousa, encarregado de Negó- AHD-MNE.
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This paper analyzes the first decades of the Cet article traite des premières décennies du
transition process from slavery to paid labor in Brazil processus de transition du régime esclavagiste au
(1840-1870). Two factors marked the period: the système de travail salarié au Brésil (1840-1870). Deux
extinction of the slaves’ transatlantic traffic and the facteurs ont marqué cette période: l’extinction du trafic
need for ever larger numbers of laborers for the transatlantique des esclaves et le besoin chaque fois
Brazilian coffee plantations. Among the solutions plus grand de trouver de la main d’œuvre pour la
found for this impasse, the experiences that sought to caféiculture brésilienne. Parmi les solutions trouvées
use free foreign workers, such as as partnership pour résoudre ce problème, on peut citer les expériences
contracts and the enganchado ones. Complaints and d’embauche des travailleurs libres étrangers, tels que
European farmers’ revolts against mistreatments in the les contrats de partenariat et ceux de «dépendance». Les
coffee plantations resulted in prohibition of the réclamations et les révoltes des travailleurs européens
continuity of hiring workers to Brazil. The contre les mauvais traitements dans les grandes
promulgation of the Lei Eusébio of Queirós (Eusébio plantations de café ont entraîné l’interdiction de
de Queirós Act), that put an end to the slaves’ traffic, continuer à faire venir des travailleurs au Brésil. La
happened two weeks before the promulgation of the promulgation de la Loi Eusébio de Queirós, qui a mis fin
Lands Act, restrictive of small farmers’ access to land au trafic des esclaves, a eu lieu deux semaines avant la
ownership. The obtaining of lots started happening promulgation de la Loi sur les Terres, qui restreignait
through purchase and sale, no more for squatting and l’accès à la propriété de la terre par les agriculteurs.
cession, as had happened since the colonial times. The L’acquisition d’une parcelle de terre ne pouvait se faire
measure hindered the access to small rural property que par l’achat et la vente et non plus par la possession
and stimulated the expansion of the ownership of large ou la cessation comme cela se faisait à l’époque coloniale.
tracts of land in the whole country. Une telle mesure a rendu beaucoup plus difficile l’accès
à la petite propriété rurale et a stimulé l’expansion des
latifondiaires dans tout le pays.
KEYWORDS: work, legislation, immigration, riots, coffee, MOTS-CLÉS: travail, législation, immigration, révolte,
Brazilian Empire. café, Empire du Brésil.
CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 55, p. 173-184, Jan./Abr. 2009
José Sacchetta Ramos Mendes - Pós-doutorando em Filosofia e Teoria do Direito da Faculdade de Direito da
USP. Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre
Etnicidade, Discriminação e Racismo (LEER/USP). Pesquisador visitante no Centro de Estudos Brasileiros da
Universidade de Columbia (Nova York). Entre as suas publicações recentes estão Lei e Etnicidade no Brasil:
entre a lusofobia e o favorecimento jurídico dos portugueses (São Paulo, 2009), Triângulo Imigrantista: o Caso
Hessels-Carrièrre e a Re-emigração de Portugueses do Brasil para Venezuela e Antilhas (Bauru/São Paulo,
2008) e O Tratado do 1° Centenário. A Retórica das Duas Pátrias (Lisboa, 2006).
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