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Prazos do Zambeze, com o Luabo

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Prazos do Zambeze, com o Luabo

Zambézia, Sofala, Manica, Moçambique

Enquadramento Histórico e Urbanismo

Em termos de definição e de balizas cronológicas, os prazos da coroa surgiram na colónia de


Moçambique no quadro de um sistema de concessão de terras por três gerações (daí o seu nome), com
a obrigatoriedade de sucessão por linha feminina. Esta política foi arquitetada por Afonso de
Albuquerque (1453-1515), enquanto vice-rei da Índia (1509-1515), a cujo governo Moçambique esteve
subordinado (séculos XV-XVIII); destinava-se a obrigar o colono português a fixar-se à terra. Esta terra
pertencia à mulher de origem africana, sendo herdada pela filha primogénita e pela neta. Personificado
sobretudo pelas "donas" na Zambézia, este regime de concessão de terras existiu durante um longo
período histórico, entre os séculos XVI e XIX, tendo como resultado final um sincretismo de várias
culturas: lusa, asiática e africana, que, entrelaçadas numa só, deram origem a uma nova e pujante
civilização, que pode ser classificada de crioula. É obra dos filhos da terra. Floresceu em meados do
século XVII no centro da colónia, e ainda hoje sobrevive numa certa forma de ser e de estar na vida, num
substrato de consciência coletiva zambeziana, no período da pós-independência de Moçambique.
Podemos distinguir três momentos principais na evolução dos prazos da coroa. O primeiro corresponde
à sua criação em 1530, com a penetração portuguesa no Vale do Zambeze; o segundo centra-se no
apogeu do processo, ao longo do século XVII; o terceiro coincide com a decadência dos prazos, no século
XVIII, que levará à abolição, decretada em 1832 por Mouzinho da Silveira (1780-1849) e ao seu fim
oficial, em 1930, pelo governo de António de Oliveira Salazar (1889-1970). Os prazos localizavam-se ao
longo do amplo Vale do Zambeze, estendendo-se desde Quelimane, na costa, ao Zumbo, na fronteira
oeste com a Rodésia (atual Zâmbia). Lobato interpretou esta ocupação como tendo sido levada a cabo,
de forma espontânea, por homens do reino que legal ou ilegalmente se lançaram no interior de
Moçambique, em busca de riquezas auríferas. A primeira legislação sobre eles surgiu durante a dinastia
filipina. A 12 de março de 1618, no reinado de Filipe II de Portugal (1598-1621), o primeiro diploma régio
criou o regime de concessão de terras na Zambézia, mas as primeiras concessões foram feitas em 1590,
no reinado de Filipe I (1581-1598). Seguindo a análise de Newitt, os prazos são um sistema de
propriedade da terra, tornado possível devido à situação de instabilidade nas comunidades políticas
africanas na região do Vale do Zambeze. Os prazos suscitaram polémica entre os historiadores que a
eles se referiram. Por exemplo, Oliveira Martins considerou o sistema de origem árabe, ao passo que
Papagno e Lobato se inclinaram para a influência da Índia. José Capela defendeu a origem portuguesa
como "um contracto enfitêutico, tal como era de uso em Portugal". Interessante é a polémica entre
Capela e Isaacman. Enfatizando as dinâmicas internas, Isaacman analisou este tipo de concessões como
uma instituição funcional, operando dentro do meio africano. O sucesso alcançado deveu-se ao facto de,
na sua opinião, o sistema se entroncar na cultura do povo macua, de cariz matrilinear e tipicamente
rural. Capela, porém, refere contratos análogos em Portugal, nas ilhas atlânticas, no Brasil, na Índia, bem
como nas colónias africanas, incluindo Moçambique, sendo por isso um fenómeno português. Numa
ótica diferente, Carlos Serra interpretou os prazos do ponto de vista do modo de produção dominante,
que denominou colonial-escravista. Procurando descobrir as razões da criação do sistema pela coroa
portuguesa, chegou à conclusão de que os seus objetivos eram controlar e sedentarizar soldados e
comerciantes, evitando o seu envolvimento em guerras intermináveis. Assim, a coroa decidira
transformar parte considerável do seu domínio em propriedades, sujeitas a uma renda anual em ouro,
entregues a um casal europeu e cujo usufruto se fazia durante três gerações, cabendo a sucessão à linha
feminina. Ao fim dessas três vidas, o prazo reverteria para a coroa ou seria renovado. Serra refere-se ao
poder do prazeiro, através da força dos seus grandes exércitos de escravos, os achicundas. Refere-se
ainda ao facto de se ter mantido a autoridade do chefe local, através de uma política de alianças
matrimoniais entre os prazeiros e os chefes africanos, o que levou a aumentar o seu poder e a criar
estabilidade numa região de lutas intestinas. O sistema foi também estudado por Ishemo, que distingue
na sociedade prazeira o senhor, o prazeiro, a dona e os muzungos, seus descendentes mestiços. Na base
estavam as famílias de camponeses, os colonos a quem era cobrado o mussoco ou mutsonko: "nas
sociedades pré-capitalistas da Zambézia tinha sido um tributo costumeiro (renda em espécies) pago pelo
produtor camponês à aristocracia ou chefes linhageiros" (Ishemo, 1989, pp. 109-158). Este imposto
evoluiu para renda em trabalho e em dinheiro, mantendo-se igualmente em espécies, o que provocou
um agravamento das condições de vida das famílias camponesas e a migração de força de trabalho,
constituindo para quem o recebia o principal mecanismo de acumulação capitalista colonial.

Em 1730, no reinado de D. João V (1706-1750), a maior parte dos grandes prazos estava em decadência
ou tinha sido abandonada. Entre as causas do declínio aponta-se: a fraqueza estrutural da instituição,
pela falta de legitimidade tradicional do prazeiro; o baixo nível de produção agrícola e as elevadas
necessidades de consumo, sendo para o senhor do prazo suficiente a coleta do mussoco; a
obrigatoriedade da comercialização interna de todos os produtos produzidos no prazo e importados; a
competição entre os prazeiros e os povos vizinhos; a ausência de uma força militar e administração
portuguesa eficiente; o envolvimento dos prazeiros no tráfico de escravos nos finais do século XVIII e no
século XIX, quando começaram a escravizar os colonos que viviam nos prazos; o crescimento do
absentismo por parte dos prazeiros; as secas e as fomes; as invasões, de que é exemplo significativo a
dos ngunis (1815-1840), com a formação do reino de Gaza e a sua expansão. Referindo-se ao decreto de
adaptação dos prazos, por António Enes, em 1890, Amélia Souto chama a atenção para o facto de este
ser o primeiro diploma legal "a recusar a propriedade aos indígenas". Segundo Enes, os prazos "deviam
ser adaptados aos preceitos da civilização e às necessidades e fins do domínio português".
Interpretando o segundo regime deste tipo de concessões, Rita-Ferreira mostrou como foram passando
para a posse de grandes companhias agrícolas e agroindustriais e comerciais a partir de 1890. Assim, a
ocupação de grande parte do território da Colónia de Moçambique, na rica região da Zambézia, foi
entregue a grandes companhias agrícolas e agroindustriais, constituindo empresas privadas, cujos
capitais eram maioritariamente estrangeiros, como aconteceu, por exemplo, com a Companhia de
Boror.

Em termos da articulação e dos vestígios materiais dos prazos, quer no território em análise quer nos
núcleos urbanos ali implantados, deve referir-se que a secular existência das instalações agrícolas que,
com os seus equipamentos de apoio, habitações e conjuntos de edificações várias, suportavam a
exploração das terras dos prazos, gerou inúmeros vestígios materiais com valor histórico e patrimonial,
espalhados por todo o Vale do Zambeze. Mais tarde, quando a maioria dos prazos "feudais" passou para
a posse das companhias de exploração agroindustrial, levada a cabo na transição dos séculos XIX-XX,
apareceram novas instalações, e até estruturas pré-urbanas e mesmo urbanas, decorrentes do
crescimento das estruturas anteriores, aproveitadas e/ou ampliadas. Neste quadro, os diversos
aglomerados rurais evoluíram para povoações (ou instalações agroindustriais), com carácter pelo menos
pré-urbano. Em 1921, em todo o distrito de Quelimane, dos vinte e três prazos existentes, vinte tinham
passado à posse daquelas companhias (não majestáticas, mas arrendatárias).

Podem exemplificar-se as diferentes tipologias desses vestígios, em diversos casos concretos, muitos
deles ainda hoje com toponímia localizável na vasta região do Zambeze. Os prazos definiam "estações",
ou os lugares que organizavam a produção, normalmente com uma casa central e as instalações de
apoio e de habitação dos trabalhadores envolvendo-a num amplo quadrângulo, tendo a toda a volta as
plantações agrícolas. Essas estruturas podem ter sido a base para posteriores desenvolvimentos de
espaços mais edificados, eventualmente gerando povoações, entre as quais algumas que estão referidas
em documentação do último quartel do século XIX, e são as seguintes: Nhandôa (na província de Tete,
na margem esquerda dos rios Zambeze e Aroenha; e/ou, na área de Quelimane, uma "estação" do Prazo
Marral); Marral/Campo, "estação" do concelho de Mopeia (Quelimane), na margem esquerda do Rio
Lualua; a povoação sucessora foi criada pela portaria n.o 1.974 de 27 de maio de 1933, como sede do
posto administrativo de Campo (atualmente a cerca de cinquenta quilómetros a oeste de Quelimane);
Guengue, na margem do Zambeze, província de Tete, constituindo um prazo e uma povoação fortificada
com uma aringa de duzentos e dez por oitenta e dois metros; Maindo/Mahindo, prazo ao longo da
costa, confinando a oeste com o de Marral e o Luabo, tinha nos anos 1920 cerca de 7.800 habitantes;
Luabo, a sudoeste de Quelimane, povoação criada possivelmente a partir das instalações agrorurais da
antiga Luão, em terras muito produtivas no século XVII, mas ao abandono em Setecentos; foi sede da
Sena Sugar Estates/Sena Sugar Factory desde 1911. A povoação local veio a exercer as funções de posto
administrativo, pela portaria n.o 15.156 de 8 de julho de 1961, no concelho de Chinde. Em 1921, muitos
pontos na área do Zambeze (de Quelimane a Tete), eram referenciados como tendo sido sedes de
prazos (ou povoados vizinhos e relacionados), que foram integrados nas diversas companhias, como
Maindo/ Mahindo (desde 1904 na Société du Madal); Luabo e Marral, desde 1911 na Sena Sugar
Estates, antes Companhia do Luabo. Hoje identifica-se ainda uma série de povoados, como Milange (da
Companhia de Lugela, em terras de produção de chá desde 1906), ou Inhassunge (a sul de Quelimane),
da Societé du Madal, desde 1916.

José Manuel Fernandes

Olga Iglésias Neves

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