Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Da Redação
27/09/2022 07h24
Pixabay
Um relatório divulgado nesta terça-feira (27) pelo MapBiomas apontou que a devastação provocada pelo garimpo dobrou
nos últimos 10 anos, passando de 99 mil hectares para 196 mil entre 2010 e 2021. A área equivale a aproximadamente
dois mil km² e é maior do que, por exemplo, a cidade de São Paulo, que tem 1,5 mil km².
O levantamento ainda apontou que a mineração industrial passou de 86 mil hectares de área ocupada em 2001 para 170 mil
hectares em 2021. Os estados mais afetados pela perda de floresta para mineração foram Pará e Mato Grosso. Juntos,
ambos representam 71,6% das áreas mineradas no país ao somar a mineração industrial e a atividade garimpeira. Ao
considerar apenas o garimpo, o percentual aumenta para 91,9%. No Pará são 113.777 hectares de garimpo, enquanto no
Mato Grosso o número chega a 59.624.
Na Amazônia, a expansão garimpeira foi a mais violenta entre as áreas de conservação indígena. Entre 2010 e 2021, as
áreas de garimpo em terras indígenas subiram 632%. Os dados mostram que a área ocupada pelo garimpo em unidades de
conservação até 2010 estava abaixo de 20 mil hectares. Já em 2021, os números chegaram a quase 60 mil hectares, o que
representa um aumento de 352%.
Explosão do garimpo em terra indígena deixa 4 lições sobre como a devastação avança na Amazônia
Apenas na terra Munduruku há 442 garimpos, segundo entidades. Desgoverno transformou território em Jacareacanga
em exemplo do que pode dar errado na gestão de terras e povos protegidos.
27/06/2021
Garimpeiros invadiram aldeia na TI Munduruku e queimaram casas de indígenas contra o garimpo no local, em 26 de
maio. — Foto: Coletivo de audiovisual do povo Munduruku
A Terra Indígena (TI) Munduruku, no Pará, sofre desde março com invasões, incêndios e ataques praticados por
garimpeiros armados. A exploração mineral nessas áreas é crime, mas prospera sem reação efetiva de autoridades, tanto
que a tomada de ações contra as ilegalidades precisou ser determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mais de uma
vez somente neste ano.
Leia mais:
Abaixo, nesta reportagem, especialistas e órgãos resumem, em 4 pontos, o que torna a ação de criminosos possível,
como a realidade da cidade de Jacareacanga (Pará) mostra o retrato do desgoverno ambiental em proteger terras
indígenas e quais lições os sucessivos ataques ao povo Munduruku deixam para o combate ao garimpo ilegal no
principal bioma do país e do mundo, a Amazônia.
Os pontos destacados pelos especialistas ouvidos pelo G1 são:
1. Devastação cresce sem operações efetivas contra o garimpo
2. Organizações criminosas tornam o garimpo uma atividade empresarial
3. Comércio do ouro ilegal alimenta exploração em terras indígenas
4. Atuação de líderes políticos ou órgãos de governo gera incentivo direto ou indireto
Além disso, como bônus, saiba como está a escalada da violência na Terra Munduruku, segundo o relato dos próprios
indígenas.
Veja em detalhes abaixo:
1. Devastação cresce sem operações efetivas contra o garimpo
A Terra Indígena (TI) Munduruku tem 2,3 milhões de hectares protegidos e homologados por lei. O garimpo não é
recente na região, vem de 1970, mas especialistas e o próprio Ministério Público Federal (MPF) alertam os órgãos
responsáveis para uma explosão da atividade ilegal seguida por violência desde 2019.
Em maio, a Polícia Federal realizou a Operação Mundurukânia em Jacareacanga para conter o garimpo na terra
indígena. Os manifestantes pró-garimpo entraram em conflito com os agentes federais, tentaram invadir a base e
depredar patrimônio da União, aeronaves e equipamentos policiais. As aldeias foram cercadas e uma estrada foi
interditada, impedindo o andamento da operação, que durou apenas dois dias. (veja no vídeo abaixo)
“A PF ficou só dois dias, 24 e 25, depois não apareceu mais, infelizmente, deixando uma cidade sem lei, do jeito que é
[Jacareacanga], cheio de pariwat [não indígenas] levando droga, levando bebida, levando prostituição para dentro da
área (...) Eles [grupo pró-garimpo] têm armas, têm carros, têm helicóptero, tem toda uma estrutura”, denunciou em um
vídeo Alessandra Korap, uma das lideranças dos Munduruku que vem sofrendo ameaças.
No mesmo dia em que os policiais federais interromperam a operação, os garimpeiros invadiram e incendiaram uma
aldeia.
“A gente foi surpreendido, a gente não esperava que fosse acontecer por conta daquela operação (Mundurukânia). A
gente pensava que teria mais segurança. As autoridades já estavam cientes de que a gente estava sendo ameaçados”,
disse Maria Leusa, principal liderança Munduruku contra o garimpo. Ela e a família tiveram que sair da TI e buscar
abrigo em um lugar não divulgado por segurança.
Em 1º de junho, o STF determinou que a PF adotasse imediatamente todas as medidas necessárias para garantir a vida e
segurança das pessoas dentro da terra indígena e deu 48 horas para que a PF no Pará prestasse informações sobre a
operação.
Em nota, a Polícia Federal disse que, após os ataques no fim de maio, retornou ao local, onde "foram realizadas prisões,
cumpridos mandados de busca e apreensão no intuito do recolhimento de elementos de provas de atos ilícitos e
restabelecida a normalidade na região".
A PF afirmou ainda que "as investigações prosseguem tanto para esclarecer as eventuais práticas de degradação
ambiental quanto para identificar e punir invasores e responsáveis por atentados às lideranças indígenas". (Leia a
íntegra da nota da PF ao final desta reportagem)
Até o momento, nenhuma proteção prevista na Constituição foi o bastante para evitar que território Munduruku
concentrasse atualmente 442 pontos de garimpo e mais 31 requerimentos de exploração minerária, segundo dados de
fevereiro levantados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
O garimpo na TI Munduruku, PA — Foto: G1
Entre janeiro de 2019 e maio de 2021, a área devastada pelo garimpo na TI Munduruku aumentou 363% em relação a
2018, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). Uma verdadeira explosão da garimpagem em uma única terra indígena.
"Somente em maio, foram registrados 362 hectares em alertas de garimpo dentro da TI Munduruku. Isso equivale a 362
estádios do Maracanã. Se pensar em dia, foram 10 estádios de futebol destruídos pelo garimpo a cada 24 horas”, diz
Antonio Oviedo, cientista ambiental coordenador de monitoramento do ISA.
Apenas em Jacareacanga, cidade que tem 98% do território sobreposto ao da TI, o aumento foi de 269% de áreas
degradadas pelo garimpo desde janeiro de 2019. O mais impressionante é que, até 2016, o município não tinha
desmatamento, como mostram as imagens de satélite abaixo.
Desmatamento em maio de 2021 em Jacareacanga, município que sobrepõe a TI Munduruku. Em 2016, área não tinha
desmatamento. — Foto: G1
O G1 questionou o Ministério do Meio Ambiente sobre o aumento do garimpo na TI Munduruku desde 2019 e sobre as
ações do STF determinando que o governo tomasse medidas imediatas para conter a garimpagem e a violência na
região. A pasta não comentou as questões.
Destruição causada pelo garimpo avança pela Amazônia
O problema não ocorre apenas na Munduruku. Na sexta-feira (18), o STF determinou:
a proteção dos povos indígenas tanto na TI paraense quanto na TI Yanomami, em Roraima, que também passa por
conflitos,
a retirada urgente dos invasores, e
a garantia da integridade física das pessoas ameaçadas nesses locais.
"Outras regiões que tinham garimpo em proporções muito pequenas comparadas com as terras dos Munduruku e dos
Yanomami também têm percebido um aumento do garimpo. É o caso das TIs de Rondônia, como a Igarapé Lourdes e
Sete de Setembro, e as do Maranhão, como a Awá, que até bem pouco tempo não tinha garimpeiros", alerta Antonio
Oviedo, do ISA.
O desmatamento causado pela mineração, tanto a legal quanto o garimpo, registrou recordes ao longo de 2019 e 2020,
além de avançar sobre áreas de conservação na Amazônia. A série histórica do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe)
aponta que o mês com a maior devastação já registrado pelo Deter/Inpe foi maio de 2019, com 34,47 km² desmatados,
seguido por julho de 2019, com 23,98 km². Já 2020 teve os piores junho (21,85 km²), agosto (15,93 km²) e setembro
(7,2 km²) da história.
Desmatamento causado por mineração no Pará em 2020. — Foto: Arte/G1
Depois da conversa do ex-ministro com os garimpeiros, o Ministério da Defesa suspendeu a operação de fiscalização de
combate a garimpos ilegais na terra indígena Munduruku.
O Ministério do Meio Ambiente disse na época, em nota, que não houve “nenhuma reunião com garimpeiros, mas
protesto dos indígenas inconformados com a fiscalização sobre o garimpo que eles mesmos realizam.”
A escalada da violência dos garimpeiros contra indígenas
Pelo menos quatro famílias deixaram as aldeias próximas ao município de Jacareacanga após terem suas casas
incendiadas em uma invasão ocorrida em maio. Uma aldeia composta por oito casas foi quase que totalmente destruída
por garimpeiros na ocasião.
Aldeia na TI Munduruku, Pará, incendiada por garimpeiros em 26 de maio, um dia após operação da PF no local. —
Foto: Coletivo de audiovisual do povo Munduruku
“Chegaram com combustível, atirando, com criança, as crianças que estavam com nós (...) recebemos muito áudio
dizendo que tinham que nos matar", relata a coordenadora da Associação das Mulheres Wakoborũn, Maria Leusa Kabá,
que teve a casa e todos os pertences incendiados em 26 de maio.
Os ataques não pararam por aí. Em março, garimpeiros já haviam destruído a sede Associação das Mulheres
Wakoborũn. Em 9 de junho, um ônibus que levava lideranças e caciques até Brasília para protestar contra projeto que
dificulta demarcação de terras foi atacado por garimpeiros. O grupo seguiu viagem dias depois, com escolta policial. No
dia 14, a aldeia de Maria Leusa foi novamente atacada e animais que eram criados pelos indígenas foram mortos.
No último dia 15, a Justiça Federal determinou o retorno de agentes federais para Jacareacanga para conter os ataques
criminosos. O órgão salientou que aquele era o segundo pedido restabelecimento da ordem na região e que o primeiro,
do dia 29 de maio, foi desobedecida pelo governo federal, como entendeu a Justiça.
“Verifico que a ausência do Estado na região dá espaço ao fortalecimento vertiginoso da violência e sensação de
impunidade pelo grupo que atua na região explorando de forma ilícita o minério de ouro em terra indígena, mediante
ameaça a integridade física das lideranças indígenas”, disse a decisão Justiça Federal.
Localizada no alto curso do rio Tapajós, a TI Munduruku é habitada tanto por aldeias como por indígenas em isolamento
voluntário.
De acordo com o atual regime normativo sobre o garimpo, a atividade não apenas é ilegal, mas configura crime contra o
meio ambiente e a ordem econômica, além de ser inconstitucional, já que a Constituição Federal protege especialmente
as terras indígenas.
Leia a íntegra da nota da Polícia Federal:
A Polícia Federal esclarece, em relação à matéria publicada na data de hoje, pelo portal G1, intitulada "Explosão do
garimpo em terra indígena deixa 4 lições sobre como a devastação avança na Amazônia", o que segue:
A Polícia Federal, e os demais órgãos constitucional e legalmente incumbidos da proteção da floresta e de seus
habitantes, têm atuado com o objetivo de evitar a degradação ambiental, conter os eventuais conflitos de interesses e
preservar os recursos naturais e a incolumidade dos povos indígenas.
Especificamente, no que tange à PF, a matéria desconsidera desdobramentos relevantes da Operação Mundurukânia,
realizada em maio passado.
Primeiramente, a citada Operação transcorreu dentro do período e resultado previstos, tendo sido encerrada de acordo
com o planejamento operacional inicialmente traçado. Após o cumprimento dos objetivos estabelecidos, e com o
encerramento das ações, ocorreu um acirramento dos ânimos na região, causando certo recrudescimento de conflitos
que já existem há décadas.
Ao verificar tal cenário, e ciente de suas atribuições constitucionais, a PF identificou atos hostis contra lideranças
indígenas, ocorridos entre 25 e 27 de maio, e retornou ao palco da ação anterior, para prevenir conflitos e reprimir
referidos ataques. Foram realizadas prisões, cumpridos mandados de busca e apreensão no intuito do recolhimento de
elementos de provas de atos ilícitos e restabelecida a normalidade na região.
As investigações prosseguem tanto para esclarecer as eventuais práticas de degradação ambiental quanto para
identificar e punir invasores e responsáveis por atentados às lideranças indígenas.
A Polícia Federal reafirma seu compromisso com a sociedade brasileira e estará sempre pronta a intervir, dentro de suas
atribuições, no combate ao crime, onde quer que ele ocorra.