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Teoria Geral da Organização do Espaço - 2021/2022 Carolina Andrade Turma C

Realismo

Obra de Arquitetura: Alison e Peter Smithson, Robin Hood Gardens, Londres, Reino Unido
Obra de Arte: John Bratby, Kitchen Interior, pintura a óleo
No Reino Unido, o período pós guerra foi caracterizado por uma escassez de recursos e
declínio económico. Neste contexto os princípios modernistas até então aplicados na arte, e
em particular na arquitetura, deixaram de fazer sentido. Como resposta a este problema
surgiu o realismo, protagonizado pelo casal Alison e Peter Smithson. Os princípios deste
novo movimento passavam pela preocupação com as pessoas e com o dia-a-dia das
mesmas. Procuravam uma arquitetura que, partindo dos princípios modernistas, desse
resposta aos problemas que a sociedade enfrentava e aos problemas das “pessoas
comuns”. O casal Smithson defendia que a arquitetura devia ter em conta o modo de vida
das pessoas e estabelecer um diálogo com a forma como as pessoas iriam habitar e
experimentar essa mesma arquitetura. O complexo habitacional Robin Hood Gardens em
Londres, projetado por Alison e Peter Smithson no final dos anos 1960 e completado em
1972, é um bom exemplo da aplicação destes princípios.

O realismo também afetou a arte, que no mesmo período enfrentava os mesmos


problemas que a arquitetura. Também no Reino Unido, surgiu um conjunto de artistas que
aplicava os mesmos princípios realistas que Alison e Peter mas na pintura. Este estilo de
pintura foi denominado pelo crítico de arte David Sylvester, num artigo para o jornal
Encounter, de kitchen sink realism. Depois disso o termo passou a ser utilizado para
descrever o grupo de artistas britânicos que, nos anos 50, pintavam situações mundanas e
do dia-a-dia. A obra destes artistas não excluía qualquer tipo de objetos nem cenário e
representava o dia-a-dia das pessoas, sem filtros e na sua forma mais crua. A casa em
particular, bem como a vida doméstica eram os temas mais representados por estes
artistas. Estas obras eram assim bastante representativas da vida mundana no período pós
guerra e muitos consideram que foi este estilo de pintura que abriu as portas para que
surgisse mais tarde a tão conhecida pop art britânica. Um exemplo de uma obra deste estilo
é o quadro Kitchen Interior (1955-1956), de John Bratby.

Tanto o complexo habitacional Robin Hood Gardens como o quadro Kitchen Interior
procuram, através de meios distintos, representar e atender às necessidades do dia-a-dia.
As preocupações de Alison e Peter Smithson ao projetar o complexo habitacional Robin
Hood Gardens, uma arquitetura moderna a baixo custo direcionada para o dia-a-dia das
pessoas vêm-se também refletidas no quadro de John Bratby. O quadro Kitchen Interior
representa uma situação do dia-a-dia, numa cozinha, onde se pode observar uma mulher a
lavar a loiça e um homem mais ao fundo. A forma crua e real como John Bratby escolhe
representar a cena, não só incluindo mas realçando a loiça e os objetos espalhados pela
cozinha, bem como a própria cozinha, que aparenta estar suja e desarrumada, vai de
encontro á forma como os Smithson pensavam e projetavam as suas obras. No caso
específico dos Robin Hood Gardens a escolha do betão para todo o edifício deve-se á sua
filosofia de utilizar materias que respondam de foma simples e direta aos problemas que o
edifício procura responder.

Esta estética utilitária e crua também está presente no Kitchen Interior, onde o pintor utiliza
tinta a óleo mas a forma como a aplica sobre a tela é quase bruta. Não está preocupado em
dar grande detalhe aos objetos nem a representá-los de uma forma realista mas sim de
uma forma real.

Voltando ao complexo habitacional, este consiste em duas estruturas horizontais onde estão
inseridos 213 apartamentos. Os apartamentos, que variam em tipologia, estão distribuídos
ao longo das duas estruturas, uma com sete pisos e outra com dez. Esta diferença de
alturas permite aos apartamentos receberem mais luz de sul. A cada três pisos surge um
longo terraço acessível pelas várias casas. O objetivo destes espaços era incentivar a
interação entre as famílias e pessoas que habitavam o edifício. Estas ruas no céu, "streets
in the sky” como foram apelidadas pelo casal Smithson, eram largas o suficiente para várias
pessoas puderem circular ao mesmo tempo e para permitir que as crianças pudessem lá
brincar. Outra forma que Alison e Peter encontraram de recriar o ambiente de bairro e
potenciar as interações entre as pessoas foi criando recantos ao longo dos terraços onde se
encontravam as portas de entrada das casas, duas a duas, viradas umas para as outras.

Mais uma vez, esta preocupação com as interações reais entre as pessoas se podem ver
refletidas na pintura de John Bratby. O pintor, ao representar cenas do dia-a-dia representa
também as interações entre as pessoas nestas mesmas situações. Contráriamente ao que
acontece noutros estilos de pintura, no kitchen sink realism, e nesta obra em particular, as
pessoas representadas não estão numa pose cuidadosamente escolhida nem num
ambiente montado especificamente para a pintura. Em vez disso aparecem representadas
tal e qual estão habitualmente e da forma mais genuína possível, quase como se tivessem
sido apanhadas desprevenidas.

Também com o objetivo de potenciar as interações entre as pessoas e de criar um ambiente


de comunidade, as duas estruturas horizontais dos Robin Hood Gardens foram pensadas
em conjunto com um jardim onde todos os habitantes do complexo se podiam encontrar e
do qual podiam desfrutar. As estruturas dobram-se, uma de cada lado, fechando-se sobre o
jardim. Deste modo as janelas dos quartos estavam viradas para este espaço exterior, mais
calmo e silencioso comparativamente ao oposto, que dá para a rua. Ao mesmo tempo a
forma como o edifício se dobra em volta do jardim faz com que as pessoas se possam ver
de umas casas para as outras, reforçando mais uma vez a ideia de comunidade. Este gesto
também pode ser visto como algo semelhante ao representado na pintura de Jonh Bratby,
estes espaços, que algumas pessoas associariam a áreas mais privadas da casa e
procurariam esconder, são posicionados virados uns para os outros por Alison e Peter
Smithson, demonstrando assim que não têm medo de expor este lado mais mundano.
Mesmo o próprio jardim tem uma colina que foi criada devido às escavações durante a
construção e os arquitetos escolheram incorporá-la no projeto, remetendo mais uma vez
para este lado mais cruo e real.

Tal como mencionado acima, as fachadas exteriores do edifício dão para a rua e as
exteriores para o jardim. As fachadas, construídas com módulos em betão, não apresentam
grandes diferenças entre si, sendo essencialmente uma repetição destes mesmos módulos.
Os materiais predominantes são o betão e o vidro, tendo o betão uma maior presença em
todo o edifício. Nas fachadas viradas para o jardim surgem alguns apontamentos em azul,
nas paredes laterais, e alguns elementos metálicos, mas à parte disso todo o complexo é
quase exclusivamente em betão.

O complexo habitacional Robin Hood Gardens estava localizado na parte este de Londres,
mais especificamente na zona residencial de Poplar. Tinha como objetivo ser um exemplo
dos ideais do casal Smithson, arquitetura projetada de acordo com o local onde se encontra
e com o propósito que vai servir, com materiais acessíveis e feita a pensar nas pessoas.
Esta arquitetura realista não se deveria preocupar com a estética mas sim com a forma
como ia ser utilizada. Apesar de tudo isto os Robin Hood Gardens foram desde o início da
sua construção alvo de críticas por alegadamente não irem de acordo a estes ideais.

Um dos principais motes de Alison e Peter Smithson enquanto arquitetos era melhorar a
vida das pessoas através da arquitetura mas muitos contestam que esse objetivo não foi
conseguido no caso dos Robin Hood Gardens.

À semelhança de Alison e Peter Smithson, também John Bratby foi alvo de críticas pelo seu
trabalho. Aquilo que parecem à primeira vista pinturas de situações do dia-a-dia, que até
poderiam ser interpretadas como uma forma de fazer representar as pessoas “normais” de
uma forma mais genuína e real do que tinha até essa altura sido feito, quando observado
com mais atenção representam uma realidade um pouco mais controversa. No caso da
pintura a óleo Kitchen Interior está representada uma mulher a lavar a loiça numa cozinha
suja e desarrumada, ao fundo é possível observar um homem, que, no meio de toda aquela
situação, apenas a observa, de mãos nos bolsos e com um olhar algo autoritário. Esta
representação, que já na altura em que foi feita foi mal aceite por algumas pessoas,
atualmente levanta muitas questões em relação ao papel da mulher e do homem na
sociedade e é por muitos considerada desadequada.

No caso do complexo habitacional Robin Hood Gardens os problemas são diferentes mas
por ser uma obra arquitetónica as implicações e o número de pessoas afetadas também
acaba por se maior. Um dos problemas, é a própria localização do complexo. Num terreno
entre estradas movimentadas o ruído e poluição são quase inevitáveis e os acessos
também nunca foram os mais fáceis, ficando isolado da envolvente por estas estradas.
Alison e Peter Smithson tentaram resolver estes problemas posicionando as garagens á
volta do edifício e virando-o para si mesmo, mas, apesar de conseguirem com isso filtrar
algum do ruído com sucesso, este posicionamento acabou também por isolar ainda mais o
complexo habitacional. Desenvolveram ainda saliências na fachada, entre as janelas, que
teriam como objetivo filtrar e proteger do ruído, mas muitos acreditam que estas eram na
realidade uma referência à utilização de vigas expostas por Mies van der Rohe. Estas
saliências, dependendo da hora do dia, produziam na fachada uma série de sombras. Entre
outros, este é um dos motivos pelo qual os opositores a este tipo de arquitetura, que
supostamente não está preocupada com a estética do edifício, acusam o casal Smithson de
não agir de acordo com os seus princípios. Os Robin Hood Gardens, isolados da
envolvente, tornaram-se um local mal frequentado e com uma crescente taxa de
criminalidade. Estes fatores aliados à má manutenção do edifício levaram a que chegasse a
um estado de grande degradação.

Após muita controvérsia e mais de 40 anos após a sua construção, o complexo habitacional
Robin Hood Gardens acabou por ser demolido com o objetivo de dar lugar a torres de
apartamentos. Antes da sua demolição os seus habitantes expressaram o seu carinho pelo
edifício, dizendo que lhes dava, tal como idealizado por Alison e Peter Smithson, um
ambiente de comunidade que não queriam perder. Ainda assim, isto não foi o suficiente
para travar a demolição e por isso em 2018 o complexo habitacional foi totalmente
demolido.

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