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Leitura crítica de um projeto contemporâneo

A Cadeira RIO e o modernismo

A cadeira Rio, de 2011, é um exemplo notável de design contemporâneo com referências ao


modernismo. Feita por Carlos Motta e Butzke, ela apresenta linhas simples e marcantes na
madeira, com técnica construtiva forte, duradoura e arejada. É chamada Rio em homenagem à
cidade do Rio de Janeiro. O designer criador Carlos Motta disse ter a capital fluminense como
inspiração para a cadeira por conta de sua doçura, beleza, apreço nas construções coloniais e
alegria do povo, promovendo um design leve, atual e moderno. A madeira utilizada proporciona
um visual natural e versátil, ao mesmo tempo que apresenta uma estética de redução e
simplicidade, com enfoque na forma e no material, atributos presentes na época do modernismo.
Butzke é a primeira empresa especializada em móveis de madeira do país e Carlos Motta é
um designer e artista visual que busca a utilização deste material em seus projetos sem agredir a
natureza, mas sim, buscando enaltecê-la. A junção de ambos na criação da Cadeira Rio resultou
em uma peça durável e ecologicamente consciente. Esse engajamento político era também
preocupação dos artistas, arquitetos e designers do período moderno.
O design da cadeira é simples ao apresentar formas geométricas e limpas, curvas suaves, e
ter como principal foco a sua simplicidade e funcionalidade, além de seu revestimento estar
disponível em diversas cores vibrantes e intensas em acrílico. Essas características eram comuns
nos projetos modernistas, os quais apresentavam o uso de cores vivas para transmitir emoções e
focavam mais na função, muitas vezes simplificando ideias e tornando produtos, artes e projetos
arquitetônicos mais minimalistas, até mesmo retirando ornamentos e detalhes para que a
comunicação fosse destacada de modo mais claro e objetivo.
Na época do modernismo, os móveis no Brasil passaram por uma grande mudança em seu
estilo e propósito de produção, como descreve a arquiteta Mina Warchavchik em um de seus
textos, o qual foi disponibilizado à nós em classe. Com o alastramento da Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos e a Europa se viram incapazes de suprir a própria demanda de
produtos diversos, o que possibilitou com que o Brasil aumentasse suas exportações, inclusive
na área de mobiliário. Estes começaram a passar por mudanças no país e foram então projetados
com estilo moderno que já era vigente em outras partes do mundo, com uso predominante de
madeira ou metal. Contudo, vale ressaltar, que, no começo, a mentalidade do Brasil ainda era
muito “anti-moderna”, de acordo com Pietro Maria Bardi, o que dificultou a produção de
móveis que crescia no país. No entanto, quando foi criada a empresa Móveis Artesanal, e depois
a Forma e a Ambiente, fábricas de mobiliário iniciaram a busca por uma identidade nacional que
ao mesmo tempo tivesse apelo de vendas universal, mesclando esses novos atributos com os
aspectos modernos já existentes.
Esses princípios buscados na época ainda se refletem no design atual, como na Cadeira Rio.
Não somente isso é visto no uso do material – a madeira – para a feitura do mobiliário, mas
também na busca e reforço dessa identidade nacional do Brasil ao usar como inspiração para o
móvel a célebre cidade do Rio de Janeiro, antiga capital do país.
Na época em que o modernismo estava se alastrando, o referente estava sendo mudado sob
a ótica de uma expansão capitalista. Os conceitos de velocidade, espaço e tempo começaram a
ser percebidos como cada vez mais rápidos, e dessa forma a velocidade de produção e de
consumo também se acelerou. A produção em série passou a ocupar cada vez mais espaço e os
designs foram concebidos de maneira a possibilitar sua reprodução em larga escala. Esse
fenômeno foi corroborado pelo fato de a burguesia e a classe média serem crescentes e estarem
fazendo cada vez mais parte do âmbito moderno, tanto na reconstrução das cidades quanto na
decoração de suas casas. A habitação e a decoração das residências da época aos poucos
acolhem o que se situa fora dela, de modo a refletir as reorientações que ocorrem no ambiente
doméstico, e no caso, era a tomada do moderno na arquitetura, design e grandes obras.
Vários estudiosos analisaram esse período e essa nova ótica de mudanças mencionadas, dois
deles sendo Marshall Berman e Perry Anderson, este que analisou também as observações e
estudos do primeiro. Tendo isso em mente, é possível analisar que essa mudança no design de
modo que este seja reproduzido em série perdura até os dias atuais. A própria Cadeira Rio
exemplifica essa abordagem, pois sua simplicidade não somente remete às características das
obras do modernismo, mas também a torna um modelo de fácil reprodução em grande escala.
Essa produção em série foi uma característica muito marcante também na Bauhaus,
conforme analisado por Hernan Carlos W. S. Garcia em sua Dissertação de Mestrado pela FAU
USP, na qual ele compara as experiências didáticas de VKhUTEMAS, Bauhaus e Hochschule
Für Gestaltung Ulm. A Bauhaus, escola de artes, design e arquitetura alemã, buscava um design
que fosse tanto estético quanto funcional. Apesar de ter enfrentado crises, revoluções e
mudanças em sua liderança com diversos diretores que aplicavam métodos pedagógicos
diferentes, a partir de uma época de ensino, os móveis feitos para reprodução em série se
mantiveram como característica predominante dessa escola, e eram em sua maioria
caracterizados por linhas simples e materiais como metal ou madeira. A prioridade de seu
design era na ergonomia e em uso eficiente, resultando em peças práticas e duráveis.
Os móveis da Bauhaus representaram um marco no estilo moderno, que permeou toda a
reconstrução das cidades e da vida da burguesia em ascensão, e foram projetados para serem
reproduzidos em massa.
Todas as características citadas do modernismo e da produção mobiliária da Bauhaus são
inerentes à Cadeira Rio, a qual busca um design acessível, prático e durável, reforçando a
ligação deste projeto brasileiro com o período moderno, sendo uma peça atemporal e altamente
reproduzível.
Dessa forma, é possível analisarmos que a Cadeira Rio, de Carlos Motta e Butzke, é uma
excelente representação de um móvel contemporâneo com diversas características modernas,
como a simplicidade e leveza das formas, uso de cores vibrantes, referências ao país na busca de
uma construção de identidade e possibilidade de reprodução em série do móvel.
Referências bibliográficas
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. 1982.
ANDERSON, Perry. Modernidade e Revolução. 1984.
GARCIA, HERNAN CARLOS W.S., VKhUTEMAS, Bauhaus e Hochschule Für Gestaltung
Ulm: Experiências didáticas comparadas. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design,
Universidade de São Paulo, Brasil.
HUGERTH, W. Mina. Mobilínea - Design de um estilo de vida. 2018.
BEGUIN, François. As maquinarias inglesas do conforto.

Cadeira Rio
https://www.vivadecora.com.br/pro/carlos-motta/
http://www.carlosmotta.com.br/arquivos/product/cadeira-rio
https://blog.butzke.com.br/butzke-e-carlos-motta-apresentam-a-cadeira-rio/

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