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AS LIÇÕES DA PANDEMIA
A Aprendizagem da Dor
Nadja HermannI
I
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS – Brasil
Primeiras Palavras
Na história epidemiológica há registro de grandes pandemias,
todas virulentas e ameaçadoras. Lembremos apenas duas das mais
conhecidas: a peste bubônica que atingiu a Europa entre 1347-1351,
matando 200 milhões de pessoas, e a gripe espanhola, que teve início
em 1918, com uma estimativa entre 40 a 50 milhões de mortos1. Mes-
mo sabedores disso, atônitos e com medo, assistimos ao surgimento da
Covid-19, algo inusitado, uma vez que não havíamos vivido uma expe-
riência dessa magnitude, deixando inclusive governos desorientados.
Convém destacar que epidemiologistas não chegam a se surpreender
e especialistas em informática médica alertam sobre a probabilidade
de “uma pandemia maior que a atual”, tendo como “base a possibilidade
teórica de mutações de vírus” (Massad, 2020). Mas se a abordagem epide-
miológica e médica cabe aos especialistas, o interesse pela pandemia
extrapola em muita a área especializada, assumindo grande amplitude,
pois a doença e a morte repercutem em todas as dimensões da vida. Pelo
impacto avassalador que provocam, as pestes instigam o pensamento,
numa espécie de convocação à reflexão, à apreciação legítima da rea-
lidade, como se observa no famoso poema filosófico de Tito Lucrécio
Caro (ca. 96 a. C. - ca. 55 a. C.), Da natureza (De Rerum Natura), cujos
últimos versos narram a peste que abalou Atenas, na antiga Grécia, em
430 a. C., durante a Guerra do Peloponeso, deixando antever, em bela
rítmica, uma intenção pedagógica. O poema retoma, com notável talen-
to poético, a filosofia materialista de Epicuro2, segundo a qual a natu-
reza é um grande sistema em que todas as partes se acham em relação
recíproca. Tudo é composto por elementos em perpétuo movimento e a
vida humana está submetida às mesmas condições que regem o univer-
so, numa dinâmica entre movimento criador e destruidor presentes na
natureza. Conhecendo o sistema da natureza, o homem pode afugentar
os horrores e dispersar os obscurantismos da mente, afastar o medo dos
deuses e da morte incutidos pelas religiões e, assim, buscar a felicida-
de. A catastrófica pandemia referida no poema ensina a humanidade
que os males que a afligem não são causados por castigos divinos: “Já
não tinham importância nenhuma nem a religião nem os numes dos
deuses: a dor presente era muito mais forte” (Lucrécio, 1973, VI, 1279).
Os males se dissipam pela correta compreensão da natureza das coisas,
essa é a lição da filosofia de Epicuro que o poeta quer mostrar. Note-se
que era comum em textos antigos a referência à peste, como se observa
no início do Édipo Rei, de Sófocles, mas, nesse caso, está associada ao
castigo divino. Em Da natureza, a introdução da peste não tem mais
esse sentido; ao contrário, é uma aposta na ratio.
tempo de dor. Elas não são totalmente estranhas para nós, mas são redi-
mensionadas pelo caráter avassalador da pandemia, e o saber mais am-
plo que daí resulta tem uma força transformadora, constitui-se numa
espécie de superação, não no sentido de um sentimentalismo ingênuo,
mas como uma força que brota ali mesmo onde se encontra a situação,
como canta a lírica de Hölderlin nos versos que integram a epígrafe des-
te texto, pois, justamente onde há o perigo, a dor, aí nasce a salvação.
Notas
1 Conforme dados fornecidos pelo infográfico da história das pandemias, no site
Visual Capitalsit. Disponível em: <https://www.visualcapitalist.com/history-
of-pandemics-deadliest/>. Acesso em: 05 maio 2020.
2 O poema é um elogio ao filósofo grego Epicuro (341 a. C.-270 a. C.), como se
lê nestes versos: “Ó tu que primeiro pudeste, de tão grandes trevas, fazer sair
um tão claro esplendor, esclarecendo-nos sobre os bens da vida, a ti eu sigo, ó
glória do povo grego, e ponho agora meus pés sobre os sinais deixados pelos
teus, não por qualquer desejo de rivalizar contigo, mas porque por amor me
lanço a imitar-te” (Lucrécio, 1973, III, 1, p. 71).
3 Pinzani (2020) observa que, especialmente em relação aos governos sul-ame-
ricanos, faltou uma estratégia global de combate à pandemia: “Isso se explica,
por um lado, pela rapidez com a qual a epidemia se tornou pandemia, pegando
de surpresa os governos, e, por outro, pela pouca ou nenhuma inclinação desses
mesmos governos em confiar à OMS a gestão da crise” (Pinzani, 2020, p. 22).
4 Há uma proximidade entre a atitude ética solidária e o entendimento de espe-
cialistas na área epidemiologia no combate à pandemia, como se observa na
declaração de Lipkin (2020): “A Covid-19 requer soluções globais e é encorajador
ver o G20 se comprometer com um programa de vacinação mundial, em vez de
buscar soluções nacionais. [...] A covid-19 nos mostrou nossa vulnerabilidade
a vírus emergentes, mas também demonstrou nossa capacidade de responder
com ciência, compaixão e um objetivo comum”.
Referências
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NIETZSCHE, Friedrich. Ecce homo. KSA. Berlin/New York: Deutscher Taschen-
buch Verlag, de Gruyter, 1988. v. 6.
Nota
1 Este artigo foi publicado na Opernwelt (Revista Mundo da Ópera) 7/20, com
o título “Medo e Razão” (p. 16-19) e em Tanz. Zeitschrift für Ballet, Tanz und
Performance (Dança. Revista de Ballet, Dança e Performance), em julho de
2020, com o título “Pavor” (p. 10-13). A presente versão é apenas para uso pes-
soal – nenhuma transferência de arquivo ou impressão para terceiros!
Referência
TÜRCKE, Christoph. Fracksausen. Tanz. Zeitschrift für Ballett, Tanz und Per-
formance, Berlin, p. 10-13, Juli 2020.
Introducción
Todo lo que ha sucedido en los últimos meses a raíz de la pandemia
de Covid-19 puede ser considerado como una especie de experiencia de
lo imposible. Nadie imaginaba hace un año lo que hoy recorre el mundo.
Nadie pensó, por ejemplo, que un país desa rrollado como España ce-
rraría la ominosa primavera del 2020 con una sobre-mortalidad de mil
personas por cada millón de habitantes. Estamos ante la experiencia de
lo que previamente considerábamos imposible. O, para ser más preci-
sos, de lo que previamente ni siquiera imaginábamos como posibilidad.
El hecho de que nos haya sucedido algo que no habíamos ni imagi nado
debería aportarnos ya una primera y perentoria lección. Podríamos ex-
ponerla con las palabras de Karl Popper: el porvenir está abierto1. El fu-
turo no está ante nuestra vista. Es más, el futuro no existe en acto. Hay
que hacerlo para que aparezca, pero aparece ante nosotros siempre ya
como presente. La propia natura leza, por un lado, y la libertad humana,
por otro, lo van configurando.
Lo desconcertante del caso es que cuando ocurre algo que nadie
preveía ni imaginaba siquiera, resulta que muchos, en lugar de asumir
la lección referida, se lanzan a hacer predicciones para la post-pande-
mia y nadie se priva de hablar en futuro2. De nuestros pensadores de
guardia, Giorgio Agamben augura un terrible futuro policiaco de vigi-
lancia total, mientras que Byung-Chul Han celebra – desde Alemania
– que el autoritarismo oriental vaya a acabar con la privacidad. Y, para
Slavoj Zizek, está a punto de arribar un nuevo comunismo, dado que el
virus ha puesto al aire las miserias del capitalismo. Lo cual es una idea
asombrosa, pues se refiere a un problema generado – aun no sabemos
como – en China, el mayor recinto del planeta gobernado todavía por
un partido comunista. Y después está Yuval Harari, quien también se ha
lanzado a predecir cómo será el mundo post-pandémico, sin el crédito
que le hubiese dado haber predicho la propia pandemia. Pero lo cierto
es que la filosofía no tiene por misión el hacer futuroscopia, no se ocupa
de predecir lo que será, sino de estudiar el ser y el deber ser.
Da la impresión de que todavía no han sacado algunos la principal
lección que la pandemia nos recuerda. Y digo nos recuerda porque tal
lección podíamos haberla aprendido ya mucho antes, con o sin covid: lo
único que sabemos del futuro es que no sabemos cómo será. Podíamos
haberlo aprendido de las tradiciones sapienciales: “Si quieres hacer reír
a Dios, cuéntale tus planes”, dice el refrán hebreo. También de la poesía
de todos los tiempos. Por ejemplo, nuestro Jorge Guillén lo cantó así: “Lo
extraordinario: todo”. O bien de los textos filosóficos más sensatos. Con
Hans Jonas (1995): “Nosotros sabemos – y tal vez es lo único que sabe-
mos – que la mayoría de las cosas serán distintas[.], que hemos de contar
siempre con la novedad, pero que no sabemos calcularla 3”. Ahora bien,
tras la sacudida que nadie supo anticipar, muchos han retomado ya las
gafas de ver el futuro y se han echado a profetizar. ¿Qué les indica que
mañana mismo no pueda darse una nueva sacudida de distinta ralea
o una réplica del mismo temblor o una vacuna eficaz o algo que hoy ni
imaginamos? Siguen algunos sugestionados por el mismo trampantojo
decir, un sistema que para la escala humana resulta casi aislado. Ahora
bien, el resto de los sistemas que nos interesan, desde los ecosistemas
hasta los organismos o los sistemas sociales, no están aislados. Mantie-
nen intrincadas relaciones con el entorno y poseen una gran compleji-
dad interna. Esto los hace impredecibles. Lo más que pueden hacer las
ciencias es aportar modelos y escenarios abstractos que arrojan previ-
siones condicionales imprecisas, falibles y sometidas a incertidumbre.
Por no hablar del elemento de impredictibilidad que la libertad huma-
na introduce en el mundo. El logos nunca está a la altura de la physis,
siempre hay más cosas en el cielo y en la tierra de las que puedan soñar
nuestras filosofías, como sabían ya los antiguos, como olvidaron los
modernos, como hoy nos recuerda la inopinada pandemia. Por supues-
to, si empezamos a considerar magnitudes alejadas de la escala huma-
na, muy grandes espacial o temporalmente, nos damos cuenta de que ni
siquiera el sistema solar es perfectamente predecible, pues está some-
tido a diferentes interacciones, no todas ellas integrables en nuestros
modelos.
Los modelos y teorías científicas pueden ser vistos como sistemas
de expectativas. Incluso los artefactos dotados de la llamada inteligen-
cia artificial (IA) son sistemas de expectativas. O más bien son una pró-
tesis de nuestros sistemas de expectativas. Un sistema de IA coloca un
punto en un espacio n-dimensional construido a partir de un histórico
de datos, y, en función de ello, nos dice qué se puede esperar del objeto
representado por ese punto. Como cualquier sistema de expectativas,
puede colapsar cuando registra la ocurrencia de algo que previamente
consideraba imposible, es decir, que ni siquiera consideraba. Es lo que
más arriba hemos llamado la experiencia de lo imposible. Cuando esto
ocurre, el sistema de expectativas que empleábamos se queda sin capa-
cidad de adaptación, no puede aprender de esta experiencia. Cuando
nos sobresalta la experiencia de lo imposible, cuando nuestro sistema
de expectativas colapsa, solo podemos sobrevivir creando otro. Y este
paso no tiene por qué ser puramente arbitrario, azaroso o irracional,
sino que, en algún sentido, está guidado por un saber práctico y social
que Aristóteles llamó phrónesis. Dicho saber nos facilita la constitución
integradora de la experiencia, la gestión de las emociones vinculadas a
la frustración de expectativas, la propedéutica del momento creativo y
el filtrado crítico de los sistemas de expectativas emergentes.
Muchas de nuestras interacciones con la realidad encajan en es-
quemas previos, pero otras obligan a romper dichos esquemas y a crear
otros nuevos. En este último caso, el salto hacia un nuevo esquema o
paradigma o sistema de expectativas, hacia una nueva teoría o modelo,
estará impulsado por un elemento creativo y guiado por alguna forma
de racionalidad prudencial, si es que no queremos fiarlo todo al azar.
Precisamente, la apa rición en nuestro horizonte de la reciente pande-
mia ha disparado un proceso de reestructuración del tipo mencionado.
Y siempre hay que contar con que suceda de nuevo algo con lo que no
podemos de antemano contar.
Todo esto ya lo supimos en su día, pero hemos preferido olvidarlo,
pues resulta incómodo pensar que no tenemos todo bajo control, que
4 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, e109147, 2020.
Marcos
Conclusiones
La pandemia que estamos sufriendo supone una especie de prue-
ba de estrés, no solo para los sistemas sanitarios y para la economía del
planeta, sino también para los distintos sistemas éticos18. Las éticas del
deber resultan imprescindibles, pero en estas circunstancias excepcio-
nales se nos han quedado cortas. Ante el esfuerzo heroico que tantas
personas han ofrecido voluntaria y gratuitamente, la mera noción de
deber se nos antoja minúscula e insuficiente. Cuando tantos han ac-
tuado en el nivel de lo supererogatorio, la simple apelación al deber se
convierte en una ética de mínimos, un tanto raquítica para afrontar lo
que se nos ha venido encima. En cuanto a los cálculos uti litaristas, hay
que decir que tampoco han soportado con éxito la prueba de estrés. Di-
chos cálculos de poco sirven cuando todas las previsiones van saltando
por los aires, cuando la propia OMS, la comunidad científica, los exper-
tos y no digamos los gobiernos van dando a diestro y siniestro palos de
ciego. Tampoco las éticas de la posmodernidad han salido muy airosas
de la prueba de estrés. Cuesta ver el virus como una mera construcción
social. Una buena parte de la frivolidad relativista se ha evaporado ante
la constancia cruda de la realidad que nos golpea.
Quizá, por las razones que venimos exponiendo, han soportado
mejor la prueba de estrés las éticas de virtud y del cuidado, que no de-
penden tan drásticamente del apego al deber, de los cálculos de utili-
dad o de las veleidades individuales y culturales. Las éticas de la vir-
tud miran al fondo de la naturaleza humana. Allí encuentran los rasgos
propios de nuestra condición animal, social y espiritual, allí detectan la
vulnerabilidad humana, nuestra mutua dependencia, la aspiración le-
gítima a la realización personal. De ahí brota la fuerza normativa, de ahí
surge la necesidad de cultivo y desarrollo de una segunda naturaleza,
Notas
1 Popper and Lorenz (1992).
2 Agamben et al. (2020).
3 Jonas (1995, p. 200).
4 Jonas (1995, p. 95).
5 Para una exposición en profundidad de estas ideas puede verse Marcos and
Pérez (2018).
6 Masiá (1997).
7 Feito (2020, p. 2).
8 Sigo aquí las principales ideas contenidas en Marcos (2015) y en Marcos (2016).
9 Levinas (1978, chap III, section 5, p. 120-128). Véase también Nicolas Antenat
(2003).
10 MacIntyre (2001, p. 10). Las nociones de interior y exterior, así como la de
vulnerabilidad, se aplican también a entidades no vivas, como por ejemplo
casas o computadores, pero se hace de modo analógico o metafórico, tomando
estas entidades como si fuesen seres vivos o prolongaciones en algún sentido
de los mismos.
11 Puede verse el número monográfico de la revista Medic dedicado a los Disability
Studies como nueva área de investigación. (Ugolini et al. 2013).
12 Véase Torralba (2002).
13 Jonas (1995, p. 87-88).
14 Las dos citas de Nussbaum proceden de: Nussbaum (2004, cap. 1).
15 MacIntyre (2001, p. 10); Marcos (2013, p. 21-34); Marcos (2012, p. 83-95).
16 Ricoeur (1995).
17 Feito (2020).
18 Marcos (2020).
Referencias
AGAMBEN, Giorgio et al. Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporáneo en tiem-
pos de pandemias. ASPO, 2020. Available at: <http://iips.usac.edu.gt/wp-content/
uploads/2020/03/Sopa-de-Wuhan-ASPO.pdf>. Accessed on: 07 Sept. 2020.
Vivir es resistir9
Hay que recordar que también vivir es resistir no solo íntima y
privadamente, sino también pública y políticamente10.
Se trata entonces de no caer tampoco en un absoluto pesimismo,
que me deje sin posibilidad de reacción a las amenazas del momento
presente. Para ello debemos recordar que: El Covid 19 es un virus y no
4 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, e109526, 2020.
Díaz Genis
estudio no debe ser para los privilegiados, sino para toda la humanidad
como legado. La pandemia dejó otra vez la evidencia de las grandes des-
igualdades con las que nos encontramos a la hora de enfrentar las crisis,
es decir, los que más pierden siempre son los que menos tienen, los más
vulnerables. Pero mucho más perjudicados aun si no hay nadie que se
responsabilice por los avatares del mundo, si no hay nadie que diga aquí
estoy a pesar de todo. En este caso, por mantener una presencia y un
vínculo que, aunque no suficiente, quizás se habría roto absolutamente
de no haberse podido sostener. Con esto no estamos queriendo decir
que se debe sustituir lo real por lo virtual, la educación presencial por la
virtual, sino que lo que no puede darse ni debería darse es que los viejos,
los adultos y los docentes no nos hagamos cargo. Así, aunque insufi-
ciente, y precaria, la responsabilidad queda intacta cuando hacemos lo
que podemos con lo que tenemos en tiempos de crisis y nihilismo. Eso
es también otra manera de hablar de resistencia íntima y política.
Aquí estamos de pie todavía, profanando todo lo que se dice con-
sagrado o sagrado e intocable, para experimentar como amantes del
saber, del mundo y de los nuevos lo que somos. Queremos admitir, y
testimoniar que hemos llegado hasta aquí, porque el mundo adulto no
ha sabido cuidar ni cuidarse, y nos hacemos cargo, nos cabe ahora se-
guir pensando más a fondo y actuar en consecuencia, ponerlo todo en
cuestión, sin dejar de crear e imaginar otros futuros posibles, en este
entretiempo que construye resistencia en educación, de esa manera no
estaremos dando lugar a la derrota, sino a la esperanza.
Notas
1 Este artículo constituye una reformulación de un artículo ya publicado en la
Revista Ariel. Andrea Díaz Genis. Recursos y resistencias de una filosofía próxima.
Revista de Filosofía arbitrada. Montevideo: ARIEL, n. 25, julio 2020.
2 Etimológicamente nihil significa nada.
3 El análisis sobre el nihilismo está basado en Friedrich Nietzsche, ver La Volun-
tad de Poder (2000).
4 Fernando Pessoa (2013), Libro del Desasosiego. Barcelona: Acantilado, p. 178.
5 Todo esto pensando desde el contexto de la filosofía nietzscheana. Para pro-
fundizar en este punto ver Andrea Díaz Genis (2008), El Eterno Retorno de lo
Mismo o el Terror a la Historia. Montevideo: Editorial Ideas.
6 Ver en este sentido el libro de Josep María Esquirol (2015).
7 Mientras mencionamos esto, sigue muriendo personas en el Mediterráneo,
huyendo del hambre y la desesperación sin ser rescatados, sin derechos, inca-
paces de ser llorados como dice Butler, abandonados para morir, simplemente
no refugiados. Según Acnur, hay 70,8 millones de personas en todo el mundo
se han visto obligadas a huir de sus hogares por situación de extrema violencia
política, guerra, hambre, etc. Entre ellas hay casi 25,9 millones de personas
refugiadas, más de la mitad menores de 18 años. Los Muertos desde el 2014 en
Referencias
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DÍAZ GENIS, Andrea. El Eterno Retorno de lo Mismo o el Terror a la Historia.
Montevideo: Editorial Ideas, 2008.
DÍAZ GENIS, Andrea. La Formación Humana desde una Perspectiva Filosó-
fica. Inquietud, cuidado de sí y de los otros, autoconocimiento. Buenos Aires:
Biblos, 2016.
10 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, e109526, 2020.
Díaz Genis
congressual que entrou para a história como “[...] uma mancha no curso
da democracia brasileira” (Bignotto, 2020). O voto do deputado Bolso-
naro fazendo o elogio público ao torturador de Dilma Rousseff é certa-
mente um marco a respeito da guinada política que abriu caminho para
a ascensão da extrema-direita ao poder.
O curto governo de Michel Temer (2016-2017) tampouco foi pou-
pado das investigações e denúncias de corrupção no contexto dos des-
dobramentos da operação Lava Jato. Consolidou-se assim o enfraque-
cimento generalizado das instituições democráticas e dos principais
partidos e lideranças políticas que vinham disputando a Presidência da
República desde meados dos anos 90. Ademais, como observou Mar-
cos Nobre (2020), “Grande parte do eleitorado estava se sentido existen-
cialmente ameaçada em 2018. Temia pelo seu emprego, pela sua vida,
pela vida de sua família, pela religião que professava, pelo seu prestígio
social” (p. 24). Foi assim que Jair Bolsonaro se tornou um ator político
decisivo, algo praticamente impensável alguns anos atrás. O atentado
à faca durante a campanha presidencial foi um episódio decisivo, pois
permitiu uma arquitetada e bem-sucedida vinculação simbólica entre
seu corpo e o corpo político brasileiro, ambos agredidos e em risco de
morte, como argumentou Letícia Cesarino (2019) em sua apurada aná-
lise da ascensão do populismo digital no país.
No entanto, essas foram apenas as circunstâncias políticas pré-
vias que permitiram e incentivaram a construção de Bolsonaro como
um outsider, isto é, como um político antissistema, a despeito de ter fei-
to parte dele por quase trinta anos, mesmo que habitando suas franjas
obscuras. Por certo, diversos candidatos a cargos políticos do passado
brasileiro souberam como capitalizar para si certo ambiente nacional
difuso de rejeição à política. O aspecto importante é que apenas Bolso-
naro soube como converter a estratégia eleitoral da recusa da política
em estratégia de governamento, recusando-se a negociar com o sistema
e a respeitar integralmente as regras do jogo democrático, ainda que
permanecendo no seu interior. Leonardo Avritzer (2020) definiu a es-
tratégia governamental de Bolsonaro como antipolítica, entendendo-a
como “[...] a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos
devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no
país. A antipolítica constitui uma negação de atributos como a nego-
ciação ou a coalizão” (2019, p. 19). Para Avritzer (2020), a “[...] suposta
luta anticorrupção” teria sido decisiva para isso (2020, p. 19). Seguin-
do uma linha de raciocínio semelhante, Marcos Nobre (2020) observou
que “[...] não é acaso que a tática de Bolsonaro tenha envolvido sem-
pre uma recusa de governar” (p. 23). Para Nobre, ao ganhar as eleições
como candidato outsider, Bolsonaro se tornou refém daquela condição
e converteu a guerra contra o sistema político e suas instituições em
estratégia de governo, fazendo do caos o seu método ao apresentar-se
como a solução para os problemas que ele mesmo cria (2020, p. 15-16). A
negação da política como estratégia de governamento é mais um aspec-
to propriamente novo e desconcertante do Bolsonarismo, movimento
que não apenas se apresenta publicamente como antipolítico e antis-
Notas
1 Cf. Disponível em: <https://epoca.globo.com/as-ideias-os-valores-de-bolso-
naro-em-100-frases-23353141>. Acesso em: 23 set. 2020.
2 Cf. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-
25-frases-polemicas/>. Acesso em: 23 set. 2020.
3 Cf. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-
25-frases-polemicas/>. Acesso em: 23 set. 2020.
4 Cf. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-08-07/
declaracoes-polemicas-bolsonaro.html>. Acesso em: 23 set. 2020.
5 Cf. Disponível em: <https://folhasul.com.br/site/2020/04/19/nos-nao-vamos-
negociar-nada-chega-de-patifaria-diz-bolsonaro-em-discurso-a-apoiado-
res/>. Acesso em: 23 set. 2020.
6 Cf. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/10/09/vice-ha-
milton-mourao-diz-que-governo-lidou-muito-bem-com-a-pandemia.ghtml>.
Acesso em: 23 set. 2020.
7 No Brasil, Tatiana Roque tem promovido uma importante discussão acerca do
negacionismo climático em sua relação com a ascensão ao poder de governan-
tes vinculados à extrema-direita. Veja-se o seu artigo O negacionismo no poder.
Revista Piauí, fev. 2020b. Mais recentemente, já no âmbito da pandemia do novo
Coronavírus, ela foi uma das primeiras teóricas a compreender a importância
que Bolsonaro atribuiu ao negacionismo como forma de governamento. Cf.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=52wP-CPFIOs>. Acesso
em: 23 set. 2020.
8 Pesquisa Ibope divulgada em 24 de setembro de 2020 indica que 40% da popu-
lação aprovam o governo de Bolsonaro. Cf. Disponível em: <https://jovempan.
com.br/noticias/brasil/popularidade-jair-bolsonaro-maior-percentual-desde-
o-inicio-do-mandato.html>. Acesso em: 23 set. 2020.
9 Cf. O Negacionismo no Poder, op.cit.
10 Swako, José. O Que Nega o Negacionismo?. In: A Terra é Redonda, 2020. Cf.
Disponível em: <https://aterraeredonda.com.br/o-que-nega-o-negacionis-
mo/#_edn4>. Acesso em: 21 set. 2020.
Referências
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medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral&f bc-
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VAMOS chegar a 100 mil mortos, mas vamos tocar a vida’, diz Bolsonaro. UOL,
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dacao/2020/08/06/vamos-chegar-a-100-mil-mortos-mas-vamos-tocar-a-vida-
diz-bolsonaro.htm>. Acesso em: 17 out. 2020.
RESUMO – Mais uma Lição: sindemia covídica e educação. Este artigo ar-
ticula os desdobramentos das crises geradas pela pandemia da COVID-19,
com as deficiências da educação escolar, no Brasil. Argumenta que uma
escola marcada por desigualdades, exclusões, elitismo, facilitação e super-
ficialidade vem gerando amplos contingentes de estultos e refratários às
orientações científicas de prevenção à pandemia e seu controle. Tal situa-
ção é agravada por parte das classes políticas dirigentes, cujos líderes são
fiéis adeptos do negacionismo, fundamentalismo político e religioso, an-
ticientificismo e conspiracionismo. Propõem-se alguns princípios nortea-
dores para a educação científica com ênfase nas dimensões gnosiológica e
formativa. É feita uma revisão da nomenclatura usada pelos estudos sobre
pandemias.
Palavras-chave: Pandemia. Sindemia Covídica. Currículo e Educação
Científica. Governamentalidade. Estultice.
ABSTRACT – A Further Lesson: the Covid syndemic and education. This ar-
ticle articulates the developments of the crises generated by the COVID-19
pandemic with the deficiencies of school education in Brazil. It argues that
a school marked by inequalities, exclusions, elitism, facilitation and super-
ficiality has generated large contingents of fools and people refractory to
scientific guidance for prevention and control of the pandemic. This situa-
tion is made worse by the political governing classes, whose leaders are fol-
lowers of negationism, political and religious fundamentalism, anti-scien-
tificism and conspiracy theories. A few guiding principles are proposed for
scientific education emphasizing the gnoseological and formative dimen-
sions. The nomenclature used in studies on pandemics is reviewed.
Keywords: Pandemic. Covid Syndemic. Curriculum and Scientific Educa-
tion. Governmentality. Stupidity.
O vocabulário
Sem pretender fixar significados e sentidos às palavras e expres-
sões, considero importante relembrá-las e esclarecer como estou me
valendo delas neste texto6. No esforço de reduzir a ambiguidade, sigo
sempre as palavras de Antoine Arnauld, expoente da Logique de Port
Royal, que, em seu célebre debate com Nicolas Malebranche, perguntou:
“A primeira regra do tratamento adequado em ciência não é a definição
dos seus termos principais, para fixar a noção correspondente como
tendo um único significado, mesmo que haja poucos motivos para te-
mer que ele seja compreendido de maneiras diferentes?” (Arnauld, 1780,
p. 296; in Dascal, 2006, p. 309).
Reconheço a impossibilidade de se fixar um único significado
para qualquer palavra, conceito, enunciado etc. Mesmo assim, sempre
Proposições
Qualquer jumento pode derrubar um celeiro com um coice;
mas é preciso um carpinteiro para construir um (Samuel
Rayburn, congressista estadunidense17).
Sintetizando bastante as discussões feitas até aqui e agora di-
rigindo o foco para a educação, meu argumento vai no sentido de ser
imperioso e urgente proceder-se a abrangentes – porém simples e não
dispendiosas – mudanças nas ênfases curriculares, com destaque para
a educação científica. Vejo, aí, uma boa oportunidade de diminuir uma
parte das históricas deficiências da educação escolarizada no Brasil. A
formação de amplos contingentes familiarizados com o pensamento
científico significa, também, a formação de uma cidadania sem paro-
quialismos, mas com uma mente mais aberta e alargada para o mundo.
Compreender a importância da ciência no mundo de hoje já é um bom
início para comportamentos menos estultos e não submissos ao pensa-
mento mágico e dogmático. De saída, ao falar em proposições faço dois
alertas:
Em primeiro lugar, não se trata de aderir automaticamente ao ca-
tastrofismo e ao prometeísmo, essas que eu considero ser duas dentre as
muitas pragas da Pedagogia moderna. Não estamos à beira do fim do
mundo. E insisto: medidas pedagógicas são necessárias, mas, por si só,
elas não vão nos salvar nem resolver todas as deficiências e problemas
sociais que nos afligem.
A deficiência a que me refiro fica por conta e resulta do fato de que
a educação escolar, em nosso país, acumula uma secular tradição de
desigualdades estruturais, exclusões de toda ordem, elitismo descara-
do, facilitação, aligeiramento e superficialidade curricular. Mesmo os
amplos setores sociais incluídos na escola, na maioria das vezes encon-
tram ali currículos – em termos de conteúdos e práticas didáticas – tão
pobres e malconduzidos que se ampliam, cada vez mais, os contingen-
tes de indivíduos individualizados18, encalhados na doxa19, pouco afei-
tos aos conhecimentos sistematizados e à mobilização de raciocínios
lógicos, por mais simples que esses sejam.
Efeitos notáveis disso tudo se manifestam no plano da política, no
qual se articulam, de um lado, os governantes estultos e/ou mal-inten-
cionados e, de outro lado, um amplo contingente de governados, na sua
maior parte desinformados e desinteressados. É bem comum e conhe-
cida a situação: escandalosamente, as classes políticas aproveitam-se
da fraca escolarização de amplas parcelas da população – e sua corre-
lata pobreza e analfabetismo (também político) – para, colocando em
marcha o populismo20, o fundamentalismo, o conspiracionismo etc.,
formarem castas e dinastias familiares, bem como se perpetuarem no
poder.
Parece imperioso, então, caminharmos no sentido do fortaleci-
mento de uma educação escolar voltada para diminuir ou mesmo sanar
esses problemas. Mas dita apenas assim, essa frase não passa de um
clichê. Temos, então, de ir muito adiante dos lugares-comuns. A ques-
tão complicada é: que medidas se pode tomar, principalmente a curto
prazo?
Em segundo lugar, o que segue nesta seção não pretende ser origi-
nal. Muito disso já vem sendo dito e defendido, há bastante tempo, por
inúmeras correntes pedagógicas. De qualquer maneira, sugiro alguns
poucos encaminhamentos curriculares e lhes dou algumas ênfases, na
medida em que os considero apropriados e urgentes, face às situações
calamitosas que a sindemia covídica está justamente colocando em evi-
dência.
No que diz respeito às sugestões curriculares aqui tratadas, há
duas dimensões principais a serem consideradas: a gnosiológica e a for-
mativa. Certamente, não há uma linha clara de separação entre ambas;
e elas são até interdependentes.
Na dimensão gnosiológica, estão os assim chamados conteúdos
curriculares, isso é, as informações e conhecimentos a serem ensina-
dos e aprendidos21. Um ponto a sublinhar é o fato de que os conteúdos
não devem ficar no simples patamar das informações. Por mais atuali-
zadas, importantes e interessantes que sejam as informações e os co-
nhecimentos, por si mesmos eles são de pouco valor se não cumprirem
duas funções: ampliar articuladamente o repertório e, principalmente,
servir para desenvolver operações mentais mais e mais integradoras,
elaboradas e complexas. Combinar e articular os conteúdos entre si,
rebater uns com os outros, distinguir o que é importante do que é aces-
sório, agrupá-los em distintas categorias, sequenciá-los, estabelecer as
hierarquias e identificar os possíveis nexos causais entre eles são pro-
cedimentos que promovem e exercitam o raciocínio lógico. Com isso,
elevam-se a integração e a elaboração mental a patamares cada vez
mais avançados.
Na dimensão formativa estão a aprendizagem e o exercício de con-
dutas éticas segundo princípios e códigos sociais historicamente esta-
belecidos por uma dada cultura e partilhados no seu interior, de modo
a promover “[...] uma vida coletiva, includente, respeitosa ao outro e à
diferença e, por isso mesmo, atenta ao comum” (Veiga-Neto, 2020, sp).
Importa incluir atividades conjuntas no currículo – como trabalhos de
campo, aulas práticas em laboratório, projetos coletivos etc. – que exer-
citem a colaboração mútua, o respeito às rotinas e protocolos e o uso
de modelos como reprodução controlada ou representação de fenôme-
nos naturais e sociais. Todas essas são atividades que valem tanto por
si mesmas quanto como meios para aprender, exercitar e promover os
valores (acima referidos) de uma vida coletiva.
Nesta dimensão, um primeiro ponto a considerar é o fato de que a
atenção ao comum implica compreender a importância das singulari-
dades e, simultaneamente, os limites a serem respeitados nas relações
interpessoais. Assim, por exemplo, no que tange à liberdade individu-
al é sempre imperioso manter em equilíbrio os interesses e direitos de
cada um com os interesses e direitos da comunidade em que cada um
12 Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 45, n. 4, e109337, 2020.
Veiga-Neto
Notas
1 COVID-19 é o nome atribuído à pandemia do vírus SARS-CoV-2, originado na
China no final de 2019.
2 Para abordagens mais amplas e detalhadas, vide principalmente Loureiro;
Lopes (2020).
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Acesso em: 28 set. 2020.
Apresentação do Problema
No prefácio de sua mais importante coletânea de ensaios – En-
tre o passado e o futuro –, Arendt enuncia assumir como pressuposto a
tese de que o pensamento político emerge dos incidentes da experiência
viva e a eles deve permanecer ligado , já que são os únicos marcos por
onde pode-se obter orientação (Arendt, 2006, p. 14). Trata-se, em primei-
ro lugar, de tornar patente uma convicção que orientou a elaboração de
todas as suas obras: as categorias do pensamento político herdadas da
tradição se mostraram inadequadas para compreender os fenômenos
que emergiram com a ascensão dos regimes totalitários e cujos elemen-
tos, a despeito da derrocada do fascismo e do nazismo, permanecem a
nos ameaçar, ainda que sob novas formas (como a mentira deliberada e
organizada, uma forma de ação política criada pelo nazismo e que hoje
se apresenta no fenômeno das fake news). Assim, em face da ineficácia
dessas categorias, restou-nos recorrer à capacidade de reflexão como
forma de enfrentar o desafio de buscar um sentido para os aconteci-
mentos políticos que abalaram nossas convicções e práticas. Mas, para
além dessa constatação, sua afirmação representa também uma toma-
da de posição em relação à natureza da tarefa que Arendt atribui à re-
flexão filosófica: pensar o presente, procurando decifrar o significado
de nossas experiências mais recentes (Arendt, 2011, p. 6). A reflexão sobre
as condições do presente implica, em sua perspectiva, um esforço in-
telectual que visa compreender tanto aquilo de que padecemos – que,
portanto, sobre nós se abate, como uma pandemia – quanto a forma
pela qual respondemos ao desafio de viver uns junto aos outros em um
mundo comum sujeito à contínua transformação. Por essa razão, mais
do que um mero esforço intelectual, o exercício de buscar compreender
os fenômenos políticos é uma forma de se reconciliar com a realidade e
de tentar, a despeito de tudo, sentir-se em casa no mundo (Arendt, 2008,
p. 330).
Que desafios, pois, a experiência de viver uma pandemia global
coloca à reflexão daqueles que abraçaram a educação – concebida em
seu sentido lato como a transmissão intergeracional de um legado de
experiências e realizações simbólicas e materiais – como sua profis-
são e modo de habitar o mundo comum? Essa interrogação, que ser-
virá como fio condutor deste exercício de pensamento, não terá como
seu objeto central as radicais transformações que se impuseram às
práticas docentes – como as aulas remotas – nem seus supostos efeitos
nos processos de aprendizagem ou nas novas relações pedagógicas e
manos transmitem a seus filhos não somente uma carga genética, mas
um nome que ao mesmo tempo identifica e vincula simbolicamente
aquele que o recebe a seus ancestrais. E o mesmo se passa em relação
à transmissão – e, claro, à recepção, como sua contrapartida necessá-
ria – de saberes, práticas, princípios e conhecimentos que configuram a
dimensão histórica da existência humana em sua complexa dialética de
conservação e renovação de um legado intersubjetivo comum.
A própria noção de geração (cuja aplicabilidade a outras espécies
é mais metafórica do que descritiva) se assenta precisamente sobre esse
vínculo temporal que marca tanto continuidade como ruptura. Mes-
mo nos casos em que a ruptura geracional parece ser bastante radical
– como a da década de sessenta do século passado – é somente por opo-
sição ao passado, que permanece e nos afeta, que se pode falar da eclo-
são de algo novo, inaudito e até então imprevisível nas relações entre
gerações. É, pois, nesse entrecruzamento entre o espaço de experiên-
cias simbólicas do passado e o horizonte de expectativas do futuro que
se tece a presencialidade temporal do processo formativo daqueles que
acabam de chegar a um mundo simbólico compartilhável. Mas como
operar essa transmissão simbólica em um contexto no qual a trans-
missibilidade da experiência é colocada em xeque (Benjamin, 1994, p.
1142) – e no qual o horizonte de expectativas se encontra reduzido aos
temores mais imediatos, comportando mais incertezas do que apostas?
Nesse sentido, é como se a divisa punk que se espalhou pelos mu-
ros da década de oitenta – No Future! – abandonasse seu papel de pro-
testo contra a crença na noção de progresso como significado do devir
histórico para se inscrever como expressão de uma resignação em face
do caráter sombrio do presente. Vivemos a experiência de um tempo
que já não mais crê, como o fazia Políbio, que educamos os jovens para
que sejam dignos de seus antepassados. Mas que tampouco crê, como
os modernos, que a educação seria um instrumento necessário e sufi-
ciente para a construção de uma nova ordem no mundo (seja ela a socie-
dade sem classes, a era científica e tecnológica ou qualquer outra crença
teleológica acerca do sentido da história).
É bem verdade que esse diagnóstico antecede a emergência da
pandemia. Mas aquilo que era até então apenas uma categoria teórica
a mobilizar um número restrito de intelectuais – como a noção de pre-
sentismo em Hartog (2013) – tomou uma nova dimensão à medida que
passou a habitar o cotidiano da experiência docente. Como educar em
uma sociedade na qual a ânsia pelo gozo do presente tende a conce-
ber o legado simbólico do passado como obsoleto e na qual o horizonte
de expectativas parece se circunscrever ao tempo das vidas individu-
ais que nela hoje habitam? Somos, pois, testemunhas de uma transfor-
mação radical na relação que as novas gerações estabelecem com sua
experiência temporal, cujos efeitos atingem o próprio significado que
atribuímos à ação educativa e não simplesmente os meios aos quais re-
corremos para sua efetivação. Trata-se de uma experiência existencial
que transcende a pandemia, mas que com ela tomou uma visibilidade
até então inusitada.
Isso porque, para além de exigir novos meios para atingir finali-
dades historicamente associadas à formação escolar, a pandemia fez vir
à tona um problema bem mais radical que, em alguma medida, pode ser
entrevisto nos comentários finais de Maya. Sua crítica acerca da ausên-
cia de significado das atividades que lhe haviam sido propostas, mais
do que uma queixa individual, pode ser interpretada como uma inter-
rogação que condensa a perplexidade de toda uma geração: afinal, em
face das condições concretas que vivemos, a experiência escolar ainda
tem algum sentido?
e começar algo novo. Uma capacidade que, como nos lembra Arendt,
opera como “[...] um lembrete sempre presente de que os homens, em-
bora tenham de morrer, não nasceram para morrer, mas para iniciar
algo novo” (Arendt, 2005, p. 194).
Notas
1 No original: “[…] je pensais plus modestement à mon livre, et ce serait même
inexact que de dire en pensant à ceux qui le liraient, à mes lecteurs. Car ils ne
seraient pas, selon moi, mes lecteurs, mais les propres lecteurs d’eux-mêmes,
mon livre n’étant qu’une sorte de ces verres grossissants comme ceux que
tendait à un acheteur l’opticien de Combray ; mon livre, grâce auquel je leur
fournirais le moyen de lire en eux-mêmes” (Marcel Proust, Le temps retrouvé,
[1927], 1989, p. 610, tradução e grifos nossos).
2 A perda da transmissibilidade da experiência é trazida à tona de forma densa
e poética na interrogação com a qual Benjamin (1994) fecha seu primeiro pa-
rágrafo do texto Experiência e pobreza: “[...] quem tentará, sequer, lidar com a
juventude invocando sua experiência?” (p. 114).
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Introdução
Sociedade pós-moderna (Lyotard, 1987, 1989), Sociedade Trans-
parente (Vattimo, 1991), Sociedade da Informação e Comunicação, So-
ciedade informacional, Sociedade em Rede (Castells, 1989), sociedade
do conhecimento, Telepolis (Echeverria, 1994), Tecnopolis (Postman,
1994) são algumas da inúmeras propostas que têm emergido, num mo-
mento ou outro, para caracterizar o tempo em que vivemos. Creio que a
multiplicidade das designações atesta a complexidade do tempo e a ma-
nifesta dificuldade de encontrar um elemento que seja verdadeiramen-
te agregador. Em todas elas permanecem dimensões que são comuns
e que nos permitem identificar o que é deveras essencial no tempo em
que vivemos. Conscientes de que o projeto da modernidade não se cum-
priu, apesar de um dos mais reconhecidos arautos da pós-modernidade
(Lyotard, 1987, 1989) terem pretendido avançar para um tempo que se
pretende novo.
Vivemos num mundo avassalado por uma massa assustadora de
informação que chega a qualquer um através de múltiplas fontes de
informação e de forma ininterrupta. O desenvolvimento tecnológico
trouxe consigo um inaudito progresso nos dispositivos tecnológicos
que vão conquistando um lugar fundamental nos processos de media-
ção comunicacional. A proposta de leitura da história da comunicação
com que nos brindou Jean Cloutier, em dois momentos fundamentais,
ainda que distanciados quase três décadas no tempo, continua a ser de-
cisiva para a compreensão do papel da comunicação educativa. A Era de
EMEREC ou a Comunicação Audio-scripto-visual na hora dos self-media
(1979) e Petit traité de communication. EMEREC à l´heure des technolo-
gies numeriques (2001) são, por isso mesmo, duas obras fundamentais
para a compreensão da relação entre a comunicação, as mediações tec-
nológicas e o vasto território da educação.
Neste artigo, somos desafiados a pensar o lugar da comunicação
educativa numa tripla dimensão. Conceptualização do conceito de co-
municação educativa, discussão em torno da relevância crescente das
mediações tecnológicas no processo de ensino e aprendizagem e, por
fim, os desafios que a pandemia do COVID-19 trouxe à comunicação
educativa no contexto português.
A Comunicação Educativa
Cada vez é mais evidente o lugar que a comunicação detém na
contemporaneidade. É-nos dado observar a gradual consolidação da
sociedade da informação e da comunicação, enterrando definitivamen-
te as decadentes sociedades industriais. A própria designação de pós-
industrial (Bell, 1976), pós-moderna (Lyotard, 1987, 1989), atesta a mu-
dança paradigmática em que a matéria prima passa a ser a informação.
A palavra comunicação tem a sua origem no adjectivo latino com-
munis, com o sentido de posse em comum de algo por vários indivídu-
os. É frequente encontrarmos nos dicionários o vocábulo associado às
ideias de união que se pode construir entre espaços físicos como são os
passeios, escadas, ruas, canais, ou outros, ou num universo humano a
afinidade no trato e relação entre duas pessoas.
É no espaço da reflexão antropológica de cariz filosófica que bus-
camos e encontramos verdadeiramente uma fundamentação adequada
à compreensão da comunicação educativa. A filosofia contemporânea,
pelo menos alguns dos mais significativos movimentos, distinguiu-se
por uma recusa muito clara de um pensamento herdeiro da modernida-
de, nutrido de um gélido racionalismo que eleva e absolutiza a categoria
de sujeito autocentrado, auto-suficiente, egologicamente construído
e legitimado num crescente deserto de seres atomizados e isolados. O
pensamento cartesiano consagra um lugar fulcral ao sujeito (subjec-
tum), o cogito, enquanto ser racional, ser pensante, garante da verdade
de todos os raciocínios. Prisioneiro desta perspectiva poderíamos con-
siderar, de uma forma global, que a concepção tradicional de educação
tendeu a privilegiar nos processos comunicacionais, a educação como
processo unidirecional, centrada na principal ou quase exclusiva fonte
de informação, o professor e, nesta medida sem possibilidade de retor-
no e ajustamento das mensagens.
O que é a comunicação educativa? Partamos da definição que Pa-
ciano Fermoso (1985, p. 275) na sua Teoria de la Educación considerou
que
A comunicação educativa é uma comunicação qualifica-
da, na que a participação, a doação e as demais caraterís-
ticas são específicas e especialmente aplicadas. Há muito
outros tipos de comunicação, mas singulariza-se entre
todas é a comunicação educativa.
A tese essencial de Paciano Fermoso (1985) é a de que apesar de
nos confrontarmos com uma multiplicidade de tipos de comunicação,
a comunicação educativa revela uma especificidade muito própria, que
a individualiza e distingue das demais formas de comunicação. Ao con-
ceder uma atenção à especificidade da comunicação educativa Paciano
Fermoso põe o foco muito mais no que a distingue do que o que a apro-
xima da comunicação de uma forma global. Neste sentido seria legíti-
mo considerar a comunicação educativa como um capítulo da comu-
nicação em geral. Numa análise mais atenta, o autor chama a atenção
para duas das características mais evidentes da mesma: as noções de
participação e doação.
Partindo da etimologia da palavra comunicação sobressaem, de
forma evidente, os sentidos de comunicar, participar, comungar, nos
quais detetamos uma referência comum à ideia de comunidade ou de
posse de algo em comum. Na noção de comunicação está presumida a
unidade ou comunidade entre as pessoas que comunicam. Emílio Re-
dondo (1999, p. 163), definirá a comunicação como a
[...] relação real estabelecida entre dois – ou mais seres –
em virtude da qual um deles participa do outro, ou ambos
participam entre si; ou também relação real estabelecida
Conclusões
Neste artigo, num primeiro momento procurámos refletir sobre a
noção de comunicação educativa, estabelecendo o que designei como
os quatro axiomas da comunicação educativa, discutindo a sua impor-
tância na relação com as tecnologias na educação e com a tecnologia
educativa. A evolução da comunicação (Cloutier, 2001) estabelece uma
relação entre a comunicação no contexto educativo e os dispositivos
técnicos que se foram inventando e o modo como se integraram na
escola, transformando a comunicação educativa. Nos quatro axiomas
buscamos evidenciar quatro ideias centrais para responder a uma ci-
vilização cada vez mais tecnológica. Por muito que se multipliquem as
ferramentas tecnológicas e que estas invadam os vários domínios da
sociedade, se instalem e condicionem o quotidiano dos cidadãos, a pro-
blemática comunicação educativa impõe a necessidade de inscrever a
comunicação no âmago da ação educativa. Assim, defendemos como
primeiro axioma que não há educação sem comunicação; o segundo
axioma discute a estreita relação entre a existência e a educação, mos-
trando que a educação tem a mesma extensão que a noção de existên-
cia. A condição humana marcada pelo inacabamento, inconclusão e
insatisfação, tornam o homem um sujeito de busca, aprendendo desde
o nascimento até morte, estabelecendo como segundo axioma a relação
entre existir e educar(se).
Ainda que a escola tenha uma preocupação com a comunicação
objetiva, com o cumprimento estrito dos programas oficiais, com a
transmissão da informação, e naturalmente o sucesso na aprendiza-
gem, a comunicação educativa vai para além desta exigência defendo
no seu terceiro axioma que a comunicação objetiva, formativa, instruti-
va deve abrir espaço a uma relação eu-tu, a uma comunicação intersub-
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Considerações Finais
Não é nossa tarefa ‘entender’ logo um caso clínico, isso
talvez aconteça mais tarde, quando tivermos recebido
impressões suficientes dele. Provisoriamente deixamos
nosso juízo em suspenso e acolhemos com igual atenção
tudo o que se oferece à observação (Freud, 2015).
A incidência mundial da pandemia causada pela Covid-19 desve-
lou a fragilidade humana com a exposição a um vírus, contra o qual ain-
da estudamos formas de combate. Por outro lado, deparamo-nos com a
importância de estarmos com os outros e de sustentarmos outras for-
mas possíveis de laço, valendo-nos predominantemente dos meios digi-
tais para encontros, festejos e despedidas a fim de tentarmos diminuir
a distância física provocada pela necessidade do distanciamento social.
Com os contextos educativos não foi diferente. Professoras e professo-
res, de todos os níveis educacionais ao redor do mundo se defrontaram
com o desafio de operar o educar sem contar com o espaço físico da
escola. Nesse sentido, embora controverso e alvo de críticas, o ensino
remoto, das diversas formas que está sendo levado a cabo, vem susten-
tando o ensinar e o aprender em muitos países.
Valendo-nos da afirmação de Freud (2015), que abre esta última
sessão como epígrafe, quando consideramos a docência no ensino re-
moto como caso, podemos pensar que ainda não extraímos informa-
ções mais consistentes sobre essa forma de ensino. Como nos coloca o
mestre vienense (Freud, 2015), precisamos, momentaneamente, deixar
nossas leituras inacabadas, o juízo suspenso, para que possamos extrair
dessa experiência novos elementos que nos possibilitem pensá-la, e
também vivê-la. Por ora, o percurso realizado ao longo deste artigo nos
permite algumas considerações provisórias sobre o ensino remoto e o
exercício da docência nessa inédita forma de ensinar e aprender.
Tivemos a oportunidade de argumentar que as críticas dirigidas
ao ensino remoto e à EaD tendem a enfocar o uso das tecnologias toma-
das como prejudiciais ao laço, impossibilitando-o ou produzindo-o de
Notas
1 É importante enfatizar que a noção de escolha para a psicanálise não remete
a um processo deliberado racionalmente, mas segue determinações do fun-
cionamento inconsciente. Para uma discussão pormenorizada sobre a noção
de escolha em psicanálise, indicamos a consulta ao artigo de Costa e Gomes
(2017).
2 Os nomes apresentados na Cena 3 são fictícios.
3 O uso destes relatos neste trabalho foi devidamente autorizado.
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