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Além do Dever

Tim Dearborn

Tim Dearborn é diretor do Faith and Development Programs for World Vision International. Anteriormente,
atuou como diretor de staff da Visão Mundial – Estados Unidos e professor de teologia na Universidade Seattle
Pacific. Ele também serviu os esquimós e povos das primeiras nações no Alasca e escreveu vários livros sobre
espiritualidade, globalização e questões relacionadas à missão. De Beyond Duty, 1997. Usado com permissão
da World Vision Inc., Federal Way, WA.

Muitas vezes nos concentramos na pergunta: “O que devemos fazer para obedecer à
Grande Comissão, fazer discípulos de todas as nações e apressar o retorno de nosso
Senhor?” Esse é o ponto de par�da errado, pois nos tranca dentro de uma perspec�va
centrada no ser humano. Se começarmos com a orientação centrada no ser humano,
con�nuamente nos sen�remos constrangidos por ter recursos insuficientes – e as
tarefas são muito maiores do que possivelmente podemos realizar.

Ao contrário, as prioridades bíblicas refle�das repe�das vezes nas Escrituras nos


pedem para começar com estas perguntas:

Quem é o Deus trino?


O que Deus está fazendo no mundo?
Como devemos par�cipar com Deus em seus propósitos redentores?

Em úl�ma análise, missões não é uma resposta humana às necessidades humanas. O


envolvimento da Igreja na missão é sua par�cipação privilegiada nas ações do Deus
trino.

Uma Paixão Singular


A falta de interesse em missões não é fundamentalmente causada pela ausência de
compaixão ou compromisso, nem por falta de informação ou exortação. E a falta de
interesse em missões não é resolvida por mais esta�s�cas chocantes, mais histórias
horríveis ou mais ordens emocionalmente manipula�vas à obediência. A melhor
solução é intensificar a paixão dos povos por Cristo, para que as paixões de Seu coração
se tornem as paixões que impulsionam nossos corações.

Missões nunca deve ter o primeiro lugar na vida da Igreja. A Igreja deve ter um
só Senhor – uma paixão – Aquele em quem habita toda a plenitude de Deus, que
reconciliou todas as coisas consigo mesmo (Cl 1:19-20). Se a Igreja hoje precisa de
conversão, é sempre e somente a Jesus Cristo. Devemos dizer um enfá�co “Não!” aos
deuses menores que clamam por nossa fidelidade, e um vivo e alegre “Sim!” para
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Aquele em quem toda a criação converge.

É insuficiente proclamar que a Igreja de Deus tem uma missão no mundo. Mas sim que
o Deus da missão tem uma Igreja no mundo. Compreenda esta inversão de sujeito e
objeto, e a par�cipação na missão de Deus se tornará um privilégio alegre e vivificante.
Deixe de compreendê-la, e o envolvimento em missões se transformará no futuro em
um dever cansa�vo e pesado.

Se a Igreja for fiel ao evangelho, então seu foco, paixão e deleite são sempre e somente
Jesus Cristo. Uma vez que nossos corações es�verem no mesmo compasso com o de
nosso Senhor, poderemos experimentar um engajamento alegremente apaixonado
em missões.

O Tema Integrador de Missões


Tantas missões conflitantes e concorrentes clamam por nossa atenção. Somos tão
facilmente atraídos e divididos pelo impulso de necessidades e chamados divergentes.
Sem um entendimento central da ênfase bíblica sobre o reino de Deus, nossa
terminologia torna-se a de “Trago-lhe más no�cias a respeito de problemas tristes”.

Os esforços para provocar o interesse em missões são muitas vezes baseados em más
no�cias – catástrofes naturais, desastres humanitários complexos, grupos de povos
não alcançados, minorias oprimidas e exploradas, problemas urbanos ou suburbanos
e guerras civis.

Essas coisas são importantes, mas o evangelho começa com “Estou lhes trazendo boas
novas de grande alegria!”

Entrelaçadas no tecido de nossa fé cristã estão as boas novas! E mesmo assim temos
transformado missões em uma discussão sobre más no�cias e necessidades não
atendidas. Alguma dessas soa familiar?

Milhares de pessoas estão indo todos os dias para a eternidade sem Cristo;
34.000 crianças morrem diariamente devido a desnutrição e doenças evitáveis;
Existem milhares de povos não alcançados sem igreja;
Mais cristãos foram mortos por sua fé no século 20 do que em todos os outros
séculos juntos;
Genocídio, limpeza étnica, analfabe�smo, falta de moradia, pobreza, opressão... a
lista con�nua.

No�cias Tristes sobre Problemas Insolúveis


Devo confessar que uma vez desafiei e mobilizei pessoas para missões usando
esta�s�cas semelhantes às mencionadas acima. Não estou de todo sugerindo que

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não sejam necessidades reais. A questão é esta: Como devemos responder a essas
necessidades?

Pessoas de bom coração sempre querem responder com compaixão e bondade.


Trabalhamos exaus�vamente com exortações para dar mais, fazer mais, ser mais, se
importar mais, servir mais, amar mais, se sacrificar mais. Por mais fru�fero que isso
pudesse ser, algo sempre parecia estar faltando.

Os membros de minha igreja – inclusive eu – pareciam exaustos. Os missionários que


enviamos pareciam esgotados pelo árduo dever e responsabilidade sobre seus ombros.
Materiais escritos para mo�var a igreja por missões estão repletos de descrições de
tarefas que devemos realizar, responsabilidades a serem cumpridas, o mandamento
e a comissão de nosso Senhor para a igreja; e as necessidades desesperadas dos não
alcançados, subnutridos e oprimidos. E assim a Igreja sai em missão por causa de um
senso de dever, obrigação e responsabilidade de realizar estas tarefas.

Não é de se surpreender que esse compromisso com o empreendimento missionário


da Igreja produza servos exaustos. As tarefas são tão imensas e nossos recursos
parecem ser tão pequenos. Sim, devemos enfrentar enormes problemas e questões
fundamentais – mas no contexto de um reino vindouro, não no contexto de um caos
cada vez mais profundo. Missões não é, em úl�ma análise, a nossa resposta à grande
necessidade.

Não é de se admirar que a Igreja e os mantenedores de muitas organizações estejam


cada vez mais desinteressados por missões! As pessoas não conseguem lidar com uma
exposição constante a catástrofes e crises. Isso não é o evangelho. O evangelho é boas
novas de grande alegria!

O Reino de Deus: Boas Novas de Grande Esperança


Somos testemunhas de grande esperança, não meramente de severa dor. Isso deveria
estar profundamente incu�do em nossa psique como cristãos. As Escrituras nos dizem
que “já que estamos recebendo um Reino inabalável, sejamos agradecidos” (Hb 12:28).
Francamente, não colocamos nossos corações na esperança. Olhamos para o mundo
e parece-nos que tudo está sendo abalado. Tudo parece estar andando à beira do
desastre – e, no entanto, a no�cia fundamental das Escrituras é que temos um reino
que não pode ser abalado. O autor de Hebreus afirma isso, dizendo:

“...nós, que nos refugiamos nele para tomar posse da esperança a nós proposta.
Temos esta esperança como âncora da alma” (Hb 6.18-19).

A Grande Vitória de Cristo


Se �vermos esta âncora absolutamente confiável, esta esperança certa e firme,

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então será realmente uma blasfêmia concentrar nossa comunicação missionária em


descrições do grande vazio de necessidades não sa�sfeitas no mundo. P.T. Forsyth faz
a afirmação de que:

A fraqueza de muitos trabalhos missionários atuais é que [nós] traímos o


sentimento de que o que ainda está por fazer é maior do que o que [Cristo] já
fez. A maior necessidade do mundo é menor do que a grande vitória de Cristo.

Se entendermos a fé bíblica, entenderemos que o que Cristo já realizou é muito mais


determinante, significa�vo, completo e importante do que qualquer coisa ainda por
fazer.

No meu trabalho com a Visão Mundial e discussões com seus líderes, começamos a
reconhecer que às vezes não representamos a missão de forma adequada em nossas
a�vidades bem intencionadas de promoção e angariação de fundos. Aperfeiçoamos a
arte de retratar histórias verdadeiramente de par�r o coração e apresentar às pessoas
imagens e descrições de crises, necessidades e desastres reais. Deus tem usado nossos
melhores esforços, embora falhos, e Seu povo tem respondido com compaixão.

Entretanto, se Forsyth es�ver certo – e a Bíblia é enfá�ca em sua documentação


da verdade de sua declaração – então devemos mudar como comunicamos as
oportunidades de missões. Em vez de nos basearmos inteiramente nas apresentações
de necessidade, devemos começar a convidar as pessoas a par�cipar da obra de Deus,
fazendo conhecer a todos as “grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz” (1Pe 2:9).

Par�cipação Privilegiada – Ação Não Exaus�va


Sem essa no�cia de grande esperança e plena confiança em um Deus completamente
soberano, teremos o senso de missões como um empreendimento humano exaus�vo.
Sen�remos como se �véssemos recebido um mandato, uma comissão e um dever,
e que o trabalho depende completamente de nós. Isso inevitavelmente leva ao
“burnout”. Missões nunca pretendeu ser um empreendimento humano exaus�vo.
Missões é a nossa par�cipação privilegiada na ação vivificadora do Deus Trino.

Buscando Primeiro o Reino


Jesus nos convida a par�cipar do que Deus está fazendo ao trazer seu reino. Mas o
que é isso? Todos nós conhecemos Mateus 6:33: “Busquem, pois, em primeiro lugar
o Reino de Deus”. Se o reino era tão central na vida e ministério de Jesus, então não
podemos nos dar ao luxo de ficarmos em dúvida sobre seu significado e importância.
Veja o que Jesus disse sobre o reino de Deus:

O reino de Deus foi o tema da primeira mensagem de Jesus quando disse às pessoas
que o Reino de Deus está próximo (Mc 1:15, Lc 4:18);

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O reino foi também o tema de sua úl�ma mensagem (At 1:1-8);


O próprio Jesus disse que o reino era o obje�vo, a intenção e o propósito de todo
seu ensino (Lc 8:10);
Até mesmo os milagres de Jesus foram chamados de “sinais do reino”;
Todos nós conhecemos a oração do Senhor: “Venha o teu reino, seja feita a tua
vontade”;
Jesus chega até a dizer que o fim desta era não virá até que o evangelho do reino
tenha sido proclamado a todos os grupos étnicos (Mt 24:14).

Sinais do Reino
Sem essa visão integradora do Reino de Deus, o envolvimento em missões pode vir a
se transformar em algo nega�vo como compe�ção entre nossos próprios programas,
ambições e desejos. Quando o reino de Deus é o obje�vo de tudo o que fazemos,
então os chamados concorrentes e ambições opostas desaparecem sob o som das
ordens do Rei para marcharmos. Envolver-se em missões é par�cipar das a�vidades
do Rei.

O próprio Deus causa resultados para o Seu Reino. Ele o estabelece – não nós. Deus
escolhe nos deixar par�cipar em Seu trabalho. Não vemos nas Escrituras que somos
nós que trazemos, causamos ou criamos o Reino. Somos chamados pelo Espírito de
Deus a par�cipar com Ele na construção do reino de Deus, mas a responsabilidade
é dEle. Isso não é meramente uma questão semân�ca. Estes termos significam a
diferença entre algo que é vivificador ou algo que pode ser causador de morte. Temos
um papel fundamental no reino vindouro de Deus. O Espírito de Deus é enviado para
manifestar sinais do Reino através de nós. Mas a obra permanece sendo de Deus.

Sinais da Vida do Reino


Os milagres de Jesus foram sinais da vida do reino. Porque ele escolheu limitar-se
ao tempo e espaço, ele pôde expulsar apenas alguns demônios, e alimentar apenas
algumas pessoas milagrosamente. Em comparação com a população do mundo na
época, rela�vamente muito poucos �veram o privilégio de ver Jesus em ação. Apenas os
que viviam na Pales�na e especificamente ao redor da Galileia �veram a oportunidade
de experimentar uma parte rela�va ao reino. Mas a reputação de Jesus começou a se
espalhar, de modo que quando ele chegava a uma nova cidade, as pessoas traziam os
enfermos para ele curar. Cada ato de cura ilustrava a mensagem: “O Reino de Deus
está próximo de vocês” (Lc 10:9). Toda a plenitude de Deus está a caminho. Cidades e
regiões inteiras foram transformadas pela esperança do reino.

De modo semelhante, a falecida Madre Teresa, por exemplo, só cuidava de cerca de


200.000 pessoas em Calcutá, mas todos os 18 milhões de pessoas naquela cidade
sabiam que a vida poderia ser diferente por causa de seu exemplo. De fato, suas boas
obras vieram a ser conhecidas na aldeia global e impactaram o mundo.

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Deus deseja que sejamos sinais vivos do reino, para fornecer ajudas visuais de como
a vida vai ser um dia quando o reino es�ver plenamente aqui. Não traremos o reino
ou construiremos o reino, mas o nosso privilégio é vivenciar as prévias de “atrações
futuras”, revelando como será este reino.

As Duas Mãos do Evangelho


O Rei busca restaurar o bem-estar e a integridade de sua criação. A Igreja não deve ser
uma estrada de ferro subterrânea para o céu, escondendo as pessoas na terra até que
possam escapar para a glória. A Igreja também não é outra organização filantrópica,
fazendo bondosamente boas obras e dispensando ajuda aos necessitados. Em vez
disso, a Igreja é o Corpo de Cristo, par�cipando consciente e explicitamente no
estabelecimento de seu reinado na Terra. A Igreja deve ser consciente e explicitamente
de Cristo, independentemente da a�vidade.

Por isso, estendemos ambas as mãos do evangelho: a mão que convida as pessoas
ao arrependimento, à fé e à eterna reconciliação com Deus através de Cristo Jesus,
e a mão que manifesta atos de misericórdia e compaixão, estendendo a bondade do
Reino de Deus na Terra. Uma não é um meio para a outra. Ambas são igualmente
significa�vas para a vida no reino eterno como descrito pelas Escrituras.

Não Mais um Dever Sombrio


Envolver-se em missões é par�cipar da vinda do Reino de Deus. Quando o Rei e seu
reino são a fonte unificadora e controladora e o obje�vo de tudo o que fazemos, então
chamados concorrentes e ambições opostas desaparecem sob o som das ordens do
rei para marcharmos. A par�cipação na missão de Deus não é mais um dever sombrio.
Torna-se um privilégio alegre e uma aventura de paixão e esperança.

Perguntas para estudo


1. Em longo prazo, pode ser contraproducente provocar interesse em missões levando
as pessoas a se preocuparem com as necessidades humanas?

2. O que Dearborn quer dizer com “sinais do reino”?

3. Como missões pode se tornar uma paixão alegre em vez de um dever?

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