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Agrupamento de Escolas D.

Afonso Henriques

Lê o texto: A perfeita alegria

É uma arte difícil, a alegria. Por um lado, sabemo-la próxima e acessível, como se os nossos dedos pudessem,
a cada momento, e sem esforço, alcançá-la. Mas sabemos também como nos escapa, como é precária, dolorosa
e inexplicável a alegria. Como nos obriga a procuras extenuantes e a desertos cujo fim não se divisa. Não admira,
por isso, que muitos desistam da alegria e se metam a caminhar, vida fora, excluindo-a do seu alforge. A alegria,
5 porém, é uma condição necessária da existência. Sempre que ela nos falta, temos de interpretar isso como um
iniludível sintoma, a que é preciso atender. Temos de nos interrogar sobre o porquê do nosso viver burocrático e
tristonho, o porquê do nosso passo precocemente anoitecido, do nosso errar entre o peso e a cinza de onde a
alegria se ausenta.
Não raro o problema é fazer depender a alegria de motivações acidentais, que nada têm que ver com a sua
10 essência. Julgamos extrair a alegria do sucesso, da abundância, da força, da afirmação, da eficácia, do poder,
mas o tempo encarrega-se de demonstrar o nosso equívoco. Os mestres espirituais ensinam, por exemplo, que
a alegria não depende do imediato ou conjuntural: a alegria liga-se às razões profundas do viver. De facto, ela
não deve ser reduzida a uma espécie de estado de graça que nos toca em certas estações ou a uma maravilhosa
isenção face à turbulência e aos contrastes do mundo. Pelo contrário. Se pensarmos bem, a maior parte do tempo,
15 a nossa vida é experiência de inacabamento e incompletude, é esboço e projeto, é movimento transformante.
Como escrevia Montale: “Não existe um tempo inteiro: / temos sempre tantos fios / a correr em paralelo / fios em
sentido contrário / que raramente coincidem.Conta-se nos “Fioretti” (a célebre recolha hagiográfica que se tornou
uma das fontes para conhecer o franciscanismo das origens) que regressando São Francisco de uma viagem
para o seu convento de Santa Maria dos Anjos, fustigado por um inverno particularmente hostil, o seu
20 companheiro Frei Leão lhe perguntou: “Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria.”
E que São Francisco lhe respondeu desta maneira: “Imagina que, ao chegarmos a Santa Maria dos Anjos,
completamente encharcados, desfigurados pela lama da estrada, pela fome e pelo frio, batemos à porta do
convento; o porteiro aproxima-se irritado e diz: “quem são vocês?”; e nós explicamos: “somos dois dos vossos
irmãos”; mas ele responde, “vê-se claramente que estão a mentir, são, sim, vagabundos que roubam as esmolas
25 destinadas aos pobres. Fora daqui!”. Quando o irmão porteiro nos fechar a porta, e nos abandonar sem apelo à
neve e à fome, se soubermos suportar tal injúria de bom modo, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra
ele, possuiremos então a perfeita alegria.”
É uma arte de paciência, a alegria. Ela pede de nós a capacidade de desconstruir as nossas expectativas,
necessidades, idealizações — coisas a que estamos mais apegados do que supomos — e de provar aquela
30 liberdade que vem de abraçar a vida nas suas não-coincidências (como sugeria o verso de Montale), com os seus
sofrimentos, os seus revezes, as suas interrogações e pausas, as suas misteriosas travessias. E a fazê-lo sem
ressentimento, mas aceitando que a esperança se expressa de um modo alternativo, prossegue por um caminho
outro, capaz de nos surpreender. Na verdade, é um artesanato a alegria, não um produto pré-fabricado. É uma
coreografia que avança por tentativas e não um enredo prévio, que já dominamos. Somos felizes quando,
35 reconhecendo a nossa própria fragilidade, nos reconhecemos também prometidos não só à alegria, mas à perfeita
alegria.
MENDONÇA, José Tolentino, 2019. “A perfeita alegria». E (Expresso), n.º 2417, 23 de fevereiro de 2019 (p. 92)
1. Na passagem “Quando o irmão porteiro nos fechar a porta, e nos abandonar sem apelo à neve e à fome,
se soubermos suportar tal injúria de bom modo, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele,
possuiremos então a perfeita alegria.”(linhas 25-27), os pronomes pessoais “nos” desempenham as
funções sintáticas de
(A) complemento indireto, no primeiro caso, e de complemento direto, nos restantes.
(B) complemento direto, no primeiro caso, e de complemento indireto, nos restantes.
(C) complemento indireto, no último caso, e de complemento direto, nos restantes.
(D) complemento direto, em todos os casos.

2. As orações introduzidas por “que” nas linhas 4 e 13 são


(A) subordinada substantiva completiva, no primeiro caso, e subordinada adjetiva relativa, no segundo
caso.
(B) subordinada adjetiva relativa, no primeiro caso, e subordinada substantiva completiva, no segundo
caso.
(C) subordinadas adjetivas relativas, em ambos os casos.
(D) subordinadas substantivas completivas, em ambos os casos.

3. As palavras “se” usadas nas linhas 4 e 14 são


(A) pronome e conjunção, respetivamente.
(B) conjunções, em ambos os casos.
(C) pronomes, em ambos os casos.
(D) conjunção e pronome, respetivamente.

4. No contexto em que ocorrem, “porém” (linha 5) e “De facto” (linha 12) contribuem para a coesão
(A) lexical.
(B) frásica.
(C) interfrásica.
(D) referencial.

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5. Os constituintes sublinhados na passagem “A alegria, porém, é uma condição necessária da existência.”


(linhas 4-5) desempenham as funções sintáticas de
(A) modificador restritivo do nome e complemento do adjetivo, respetivamente.
(B) modificador restritivo do nome e complemento do nome, respetivamente.
(C) complemento do nome e modificador restritivo do nome, respetivamente.
(D) complemento do nome e complemento oblíquo, respetivamente.

6. As palavras “para” usadas nas linhas 18 e 19 são


(A) conjunção e preposição, respetivamente.
(B) preposição e conjunção, respetivamente.
(C) conjunções, em ambos os casos.
(D) preposições, em ambos os casos.

7. A frase “Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria.” (linha 20) integra
(A) duas orações subordinadas adjetivas relativas restritivas.
(B) uma oração subordinada substantiva completiva e uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
(C) uma oração subordinada substantiva completiva e uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa.
(D) uma oração subordinada substantiva completiva e uma oração subordinada substantiva relativa.

8. A expressão “vagabundos que roubam as esmolas destinadas aos pobres” (linhas 24-25) desempenha a
função sintática de
(A) predicativo do sujeito e integra uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
(B) complemento direto e integra uma oração subordinada substantiva completiva.
(C) sujeito e integra uma oração subordinada substantiva completiva.
(D) complemento direto e integra uma oração subordinada adjetiva relativa restritiva.

9. Indica o antecedente do determinante possessivo presente na oração “que nada têm que ver com a sua
essência” (linhas 9-10).

10. Menciona as funções sintáticas desempenhadas pelo pronome relativo “que” usado na linha 34.

11. Identifica a função sintática desempenhada pelas expressões:


a) “a alegria” (linha 1);
b) “do seu alforge” (linha 5);
c) “o nosso equívoco” (linha 11);

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d) “de inacabamento e incompletude” (linha 15);


e) “fustigado por um inverno particularmente hostil” (linhas 19-20);
f) “uma arte de paciência” (linha 28);
g) “de nos surpreender” (linha 33);

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