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A REPERCUSSÃO DA GUERRA DO

YOM KIPPUR PARA A EVOLUÇÃO DA


DOUTRINA MILITAR TERRESTRE E
PARA O APERFEIÇOAMENTO DA
ARTE DA GUERRA NO EXÉRCITO
BRASILEIRO, PARTICULARMENTE NO
QUE SE REFERE AO EMPREGO DE
BLINDADOS

FLAVIO DE CMF AMÉRICO DOS REIS -


Capitão de Cavalaria, Bacharel em Ciências Militares (AMAN),
Especialista na Viatura Blindada de Combate Leopard 1 A1
(CIBGWP) e no Emprego Tático do Pelotão de Carros de Combate
(CIBGWP). Aluno da EsAO.
flavioamerico@uol.com.br

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende integrar os conceitos básicos e uma pesquisa


bibliográfica, a fim de fornecer subsídios para a melhor compreensão de como os
conflitos árabe-israelenses, particularmente a Guerra do Yom Kippur (1973),
contribuíram para o aprimoramento da Arte da Guerra e para o emprego dos
blindados no Exército Brasileiro.

Desde a Guerra dos Seis Dias (1967) às origens imediatas do conflito de


1973, o trabalho em questão revela como os israelenses se viram tomados por um
estado de excessiva confiança, dada a rápida e eficiente vitória em 1967 e a
experiência adquirida na Guerra de Atrito (uma espécie de “conflito de desgaste”
onde israelenses e egípcios enfrentaram-se em embates localizados e de pequena
intensidade ocorridos entre os anos de 1968 e início de 1973) e permitiram que as
forças árabes se concentrassem em massa nas linhas do cessar-fogo
surpreendendo o sistema defensivo das Forças de Defesa de Israel (FDI).

A análise das batalhas nos Teatros de Operações Sul (Sinai) e Norte (Colinas
de Golã) aponta para uma série de ensinamentos colhidos e de lições aprendidas
nos combates com blindados, como o emprego das reservas israelenses nas
Colinas de Golã, o papel do armamento sofisticado utilizado pelos árabes, fornecido
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o planejamento e
execução da transposição do Canal de Suez pelo Exército Egípcio.

Uma apreciação documental e o estudo da Doutrina da Batalha Ar-Terra do


Exército dos Estados Unidos da América, posta à prova nas duas guerras do Golfo
Pérsico (Operação Tempestade no Deserto e Operação Liberdade do Iraque),
permitem identificar e compreender que muitos dos ensinamentos colhidos na
Guerra do Yom Kippur foram absorvidos por uma força armada experimentada em
combate com blindados, como o Exército dos Estados Unidos da América.

A Doutrina Delta do Exército Brasileiro, quando de sua formulação, buscou


incorporar à Força Terrestre experiências observadas nos combates com blindados
no século XX (até o início da década de 1990), por meio das diversas doutrinas
militares vigentes e dos relatos de guerras e obras literárias de interesse. Neste
contexto destaca-se a Doutrina da Batalha Ar-Terra e, por extensão, a Guerra do
Yom Kippur.

2. DESENVOLVIMENTO

a. A Guerra do Yom Kipuur


Na tarde de 10 de junho de 1967, um cessar-fogo imposto pela Organização das
Nações Unidas (ONU) pôs fim a um confronto entre árabes e israelenses que ficou
mundialmente conhecido como A Guerra dos Seis Dias. O cessar-fogo da ONU encontrou
as Forças de Defesa de Israel (FDI) triunfantes em uma guerra relâmpago, onde em
apenas seis dias foram conquistadas a Península do Sinai e as Colinas de Golã,
adentrando, nesta última, 26 quilômetros a leste da antiga fronteira com a Síria (MAGNOLI,
2006).

A totalidade do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, incluindo a parte leste de


Jerusalém e as Colinas de Golã estavam agora nas mãos de Israel. Em menos de uma
semana, as FDI conquistaram uma área três vezes e meia maior do que o próprio território
de Israel, bem como uma população de mais de um milhão de palestinos que viviam na
Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Em seis dias, a geopolítica do Oriente Médio foi
radicalmente alterada. Egito, Jordânia e Síria, as nações derrotadas, saíram do confronto
profundamente humilhadas perante a comunidade árabe.
Fig 1 - Territórios ocupados por Israel, Outubro de 1973

A reação não tardou a se configurar. Uma reunião de líderes das nações árabes,
ocorrido no início de agosto de 1967, em Kartum, no Sudão, entrou para a história como a
“Reunião dos Três Não”: não negociar, não à paz, não ao Estado de Israel. Além disso,
ficou resolvido que os países árabes derrotados na Guerra dos Seis Dias deveriam
reconquistar, através da força das armas, os territórios perdidos (DUNSTAN, 2003).

Com a morte do presidente egípcio Gamal Nasser, em setembro de 1970,


assumiu o governo o vice-presidente Anwar Sadat. Sadat acreditava que, fazendo a
paz com Israel, o Egito poderia reduzir seus enormes gastos com defesa, resolvendo
boa parte dos problemas sociais e econômicos de seu governo. Acreditava que
esses problemas eram mais prementes do que o conflito com Israel (HERZOG,
1977).

Mas antes de qualquer acordo, teria que recuperar a Península do Sinai.


Chegou a propor, através de uma iniciativa diplomática, em 1971, a troca do Sinai
pela assinatura de um acordo de paz. Entretanto, a grande confiança na capacidade
combativa das FDI e a segurança obtida pelos amplos territórios conquistados,
faziam os israelenses pensarem que impediriam seus inimigos de lançarem qualquer
ação ofensiva. Não havia, portanto, qualquer razão para a troca proposta pelo
presidente egípcio. Esta rejeição fez com que Saddat se convencesse de que, para
alterar o status quo, seria necessário lançar uma guerra, ainda que com objetivos
limitados.

Iniciou, então, um cuidadoso processo de reestruturação das forças armadas


egípcias. Ao mesmo tempo, buscou estabelecer alianças políticas e militares com os
demais governantes árabes, em especial com o presidente sírio Hafaz Al Assad,
para desenvolver uma campanha militar visando, em um primeiro momento, um
ataque de surpresa contra Israel em duas frentes, para reconquistar uma parte do
Sinai e as Colinas de Golã. Em um segundo momento, após a conquista das regiões
citadas, pressionar a comunidade internacional para que a ONU impusesse,
novamente, um cessar-fogo na região e, assim, as nações árabes pudessem ter
melhores condições de negociar a paz.

Ambas as nações, Egito e Síria, conduziram um brilhante plano de


dissimulação tática, denominado Operação Spark, para omitir suas verdadeiras
intenções, conduzindo Israel a uma falsa sensação de segurança, ao mesmo tempo
em que planejavam uma coalizão de forças para uma guerra em duas frentes.

O período compreendido entre a Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Yom


Kippur, não foi, necessariamente, um período de tranqüilidade. Ao contrário, foi
marcado por constantes atritos fronteiriços entre Israel, Síria e Egito e é denominado
por alguns historiadores como a Guerra de Atrito. Embora pela primeira vez em sua
história as FDI pudessem se dar ao luxo de um desdobramento em profundidade
nos novos territórios conquistados, estratégica e politicamente a manutenção das
Colinas de Golã e da Península do Sinai tornara-se um fardo pesado. Suas forças
estacionadas nesses locais, junto aos limites com seus vizinhos, muitas vezes se
encontravam envolvidas em escaramuças e limitados bombardeios de artilharia. As
nações árabes aproveitavam-se desses episódios para testar os dispositivos
defensivos israelenses. Dessa maneira, através de pequenas incursões e ataques,
buscavam revelar as posições das FDI, bem como os planos de emprego das
reservas e os tempos de cerrar dessas tropas.

Inseridos no contexto da Guerra Fria, ao mesmo tempo que Israel tinha como
tradicionais aliados os Estados Unidos da América, as nações árabes buscaram um
alinhamento com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, lideradas pela
Rússia, que tratou de reequipar e treinar seus novos aliados do Oriente Médio em
busca de influência nessa estratégica região do globo. Poucos dias antes do início
da guerra, uma grande ponte aérea logística já estava em operação, com
gigantescos aviões de transporte russos Antonov 22 aterrissando a curtos intervalos
em Damasco e no Cairo.

Assim, em pouco tempo, os Exércitos Sírio e Egípcio já estavam


completamente preparados para um novo conflito, agora munidos de modernos
carros de combate, armas anticarro, vetores aéreos e baterias de mísseis antiaéreos
(DUNSTAN, 2003).

1) O Conflito
No dia do Yom Kippur, feriado judeu da reconciliação, seis de outubro de
1973, Síria e Egito lançaram um ataque surpresa contra Israel. Forças militares
equivalentes ao efetivo de toda a Organização Tratado do Atlântico Norte (OTAN),
estacioandos na Europa, lançaram-se coordenadamente contra as fronteiras
israelenses. Pelo menos nove países árabes apoiaram ativamente o esforço de
guerra sírio-egípcio, fornecendo tropas, aeronaves e auxílio financeiro.

Ao norte, as Colinas de Golã foram palco de uma luta que passou para a
história como um dos exemplos mais destacados de batalha defensiva. Os sírios
possuíam cinco divisões blindadas escalonadas em profundidade, contando com
cerca de 1400 carros de combate, enquanto os israelenses defendiam a região com
duas brigadas blindadas, a 7ª e a Brigada Barak, a dois batalhões cada, com cerca
de 150 carros de combate. Como reserva, Israel mantinha dois comandos de divisão
blindada. Estes comandos não eram mobilizados constantemente; seu pessoal
provinha da reserva e o seu material ficava estocado nas proximidades das colinas.
No momento do ataque, todos estavam desmobilizados.

Pontes sobre
o Rio Jordão

Fig 2 – ordem de batalha nas Colinas de Golã em 05 Out 1973

O plano sírio previa um ataque segundo a doutrina soviética, ou seja, por


escalões sucessivos. O objetivo era a conquista das pontes sobre o Rio Jordão.
Uma vez rompidas as defesas israelenses, tropas de ações de comandos
helitransportadas assaltariam as pontes onde, mais tarde, as divisões blindadas
fariam a junção, o que deveria acontecer em um prazo máximo de vinte e quatro
horas, antes que as reservas israelenses pudessem alcançá-las. O plano era bem
concebido e tinha grandes chances de sucesso, especialmente diante do poder
relativo de combate dos sírios.

Inicialmente, a execução ocorreu como previsto. Cada carro de combate


israelense enfrentava uma força dez vezes superior. Suas tripulações sabiam que
deveriam manter o territótio até a chegada das reservas. No ar, uma luta feroz entre
as forças aéreas israelense e síria impedia o apoio de fogo aéreo às forças de
superfície, tão empregado por Israel na Gerra dos Seis Dias. Além disso, os sírios
agora estavam mais bem equipados e treinados (HERZOG, 1977).

Com a chegada da noite, a desvantagem israelense aumentava, já que os


carros de comabate (CC) Centurion, das FDI, não possuiam equipamento de visão
noturna, ao contrário dos T-62 de fabricação soviética, empregados pelos sírios.
Ainda assim, os defensores tentavam resitir e, sempre que possível, contra-atacar,
obtendo poucos resultados de vulto, mas retardando o avanço inimigo. Poucos CC
israelenses ainda atiravam quando a manhã do dia sete chegou. Cada um deles
lutava uma guerra individual. Os comandantes de CC sírios já podiam avistar o Mar
da Galiléia, próximos de seus objetivos finais, quando os primeiros batalhões da
reserva israelense chegaram ao campo de batalha.

Na medida em que as forças em reserva fluíam em maior número, o comando


israelense pôde se reorganizar, invertendo o sentido das operações e “empurrando”
os sírios de volta. A crise imediata estava terminada. A resistência da 7ª Brigada
Blindada tinha conseguido o tempo suficiente para impedir que os inimigos
alcançassem seus objetivos. Com o passar da luta e novos reforços chegando, os
israelenses expulsaram os sírios das colinas, passando a considerar a possibilidade
de realizar um poderoso contra-ataque para explorar a situação, movendo-se em
direção ao interior da Síria e sua capital, Damasco.

Em 10 de outubro, os sírios se deram conta de que o seu ataque não obtivera


sucesso e que, agora, sua capital estava exposta. Assim, tentaram reorganizar suas
forças, montando sumariamente uma defesa. Os israelenses conseguiram romper e
penetrar no dispositivo defensivo alcançando os arredores de Damasco, quando a
guerra foi encerrada por um cessar-fogo.

No sul, os egípcios tinham à sua frente um obstáculo de enorme vulto. Não


somente as águas do Canal de Suez, com cerca de 200 metros de largura, que
mudavam com a maré provocando grandes correntezas, mas também as rampas da
sua margem oriental, construídas pelos israelenses, que em alguns pontos atingiam
vinte metros de altura. Além disso, a linha de frente israelense era constantemente
patrulhada, com posições de apoio para suas guarnições. Recebia o nome de Linha
Bar Lev e compreendia uma série de pontos-fortes sobre o canal, mobiliados por
elementos de uma brigada blindada.

Fig 3 - Linha Bar-Lev


O ataque com transposição de um curso de água é uma das mais complexas
operações militares, exigindo um planejamento minucioso e o máximo de
coordenação na sua execução. O planejamento e a execução egípcias foram quase
perfeitos. Uma vez cruzado o vasto espelho d'água, esperava-se que o contra-
ataque israelense ocorresse em duas fases: na primeira, realizado por forças de
valor pelotão ou companhia blindada, movendo-se para posições preparadas, quinze
a trinta minutos após o início da travessia; na segunda, brigadas blindadas situadas
mais à retaguarda contra-atacariam em cerca de duas horas. De fato, isto
correspondia ao planejamento israelense (DUNSTAN, 2003)

Para fazer face a essas possibilidades, o plano egípcio previa que uma
grande quantidade de armas anticarro seriam transpostas nas primeiras levas do
assalto, garantindo a proteção para as levas seguintes. Além disso, um “guarda-
chuva” de mísseis antiaéreos garantiria a proteção contra aeronaves israelenses que
tentassem atacar alvos no solo. Dessa forma, a tática israelense da “guerra
relâmpago”, com ênfase nos carros de combate e na aviação, estava bastante
comprometida. Como o início das operações seria às quatorze horas, havia uma
previsão de que o choque contra os blindados israelenses ocorreria à noite.

Para tanto, as guarnições de armas anticarro foram dotadas com


equipamentos de visão noturna (EVN). Curiosamente, um dos maiores problemas
previstos para a utilização dos EVN eram as luzes ofuscantes dos faróis de busca
que equipavam os CC Centurion. Para enfrentá-los, foram distribuídos óculos de
solda aos combatentes.

Havia uma discussão entre os comandantes egípcios sobre os objetivos da


operação que iriam iniciar. Alguns advogavam que esta deveria ter um objetivo
limitado, resumindo-se ao estabelecimento de uma cabeça-de-ponte com cerca de
quinze quilômetros de profundidade, fortemente protegida e contra a qual os
israelenses iriam se confrontar, com pesadas perdas e forte desgaste político.
Outros eram favoráveis à operações mais profundas, com a conquista dos passos
(regiões de passagem na Cordilheira do Sinai) que levavam ao interior da península,
bloqueando os reforços israelenses, mesmo que fora da cobertura das armas
antiaéreas. Ao que tudo indica, a primeira linha de ação foi a escolhida.

O assalto aconteceu como o planejado. Os israelenses, pegos de surpresa,


tiveram pesadas baixas no primeiro dia de combate. Sua aviação não conseguia
proporcionar o apoio necessário, devido à ação do guarda chuva de mísseis, e as
armas anticarro tiveram um terrível efeito sobre os CC. Pela manhã, cerca de dois
terços dos CC israelenses tinham sido perdidos. A corrida era, agora, contra o
tempo. Os egípcios tentavam aumentar sua cabeça-de-ponte, conquistando as
alturas mais para o interior, enquanto os israelenses lutavam para deter o avanço.
Em torno do meio dia de sete de outubro, os primeiros CC das reservas israelenses
chegavam ao campo de batalha, tendo atravessado uma distância de 250
quilômetros em vinte horas (HERZOG, 1977).
Fig 4 - Cabeça de ponte egípcia
em 14 Out 1973

A guerra já durava cerca de 40 horas, quando o primeiro contra-ataque


israelense de vulto foi realizado. Nesta altura, os egípcios já tinham estabelecido oito
pontes sobre o Canal de Suez, contando com dois exércitos de campanha na margem
oriental. Eram mais de 1.000 carros de combate, milhares de armas anticarro e pesado
apoio de artilharia. O contra-ataque israelense durou quase todo o dia oito e foi um
insucesso. Na verdade, foi uma grande carga de cavalaria contra as posições egípcias
bem defendidas. Tendo começado o dia com cerca de 170 CC, os israelenses o
terminaram com menos de 100, sem terem alcançado qualquer objetivo importante.

Durante a noite, as guarnições, exaustas, descansavam, enquanto as equipes de


manutenção corriam pelo campo de batalha, tentando recuperar mais blindados
danificados. Pela manhã, o número de CC disponíveis já chegava a 120. O insucesso
do contra-ataque fez com que os comandantes israelenses passassem a agir com
maior cautela nas suas operações, para não repetirem os erros do dia anterior.

Os israelenses tinham chegado à conclusão de que sua única chance de


sucesso seria uma travessia de forças blindadas altamente móveis para a margem
ocidental do canal, de modo a operar na retaguarda egípcia, neutralizando o apoio
logístico, comando e controle e artilharia antiaérea inimigos. Um combate em toda a
profundidade do campo de batalha. Não havia a possibilidade de enfrentar
diretamente, com os seus meios disponíveis, as forças desdobradas nas cabeças-
de-ponte. No entanto, para que essa operação desse certo, seria necessário que a
maioria dos meios blindados egípcios estivesse na margem oriental, deixando do
outro lado forças cujo poder de combate pudesse ser enfrentado.

No dia 13 de outubro, o serviço secreto israelense constatou que as reservas


blindadas egípcias estavam cruzando o canal. Era a oportunidade que o comando
das FDI esperava. Em 15 de outubro, em uma manobra das mais ousadas da
história, uma força israelense de três divisões com aproximadamente 600 carros de
combate cruzou o Canal de Suez, atacando as linhas de suprimento e postos de
mísseis antiaéreos à retaguarda do 3º Exército Egípcio. A reação inimiga foi pífia,
muitos tendo sido apanhados de surpresa. O cerco do 3º Exército forçou os egípcios
a aceitarem um cessar-fogo.

Em um esforço para encorajar o acordo de paz, o Presidente Nixon, dos


Estados Unidos da América, enviou seu Secretário de Estado, Henry Kissinger, à
região, com a tarefa de negociar a paz entre Israel, Egito e Síria. Em 1974, Kisinger
conseguiu o desengajamento militar entre os antagonistas, iniciando um longo
processo de pacificação (DUNSTAN, 2003).

Canal de Suez Península do Sinai

3º Exército Egípcio (vermelho)

Tropas Israelenses ( azul)


Egito

Fig 5 – Cerco ao 3º Exército Egípcio

2) Lições Aprendidas
Paradoxalmente, os erros cometidos pelos israelenses na guerra do Yom
Kippur tiveram sua origem na campanha vitoriosa da Guerra dos Seis Dias. Nunca
foi apropriadamente considerado que, por ocasião daquela guerra, as FDI tinham
atacado um Exército Egípcio desdobrado às pressas. Como resultado, os
comandantes israelenses levaram a certeza de que poderiam fazer quase tudo, no
campo militar, com aviões e carros de combate e, assim, organizaram suas forças
armadas de maneira pouco equilibrada. O Exército Israelense, logo após o fim da
guerra de 1967, iniciou um amplo debate referente à sua reorganização, absorvendo
as experiências do combate. Uma das primeiras críticas levantadas foi a ineficiência
da infantaria blindada no conflito. Embora muitos julguem esta assertiva injusta,
alguns comandantes de blindados advogavam a sua extinção, passando a contar
somente com os CC nas brigadas blindadas.

Entre as causas desta possível ineficiência estava o fato da infantaria


blindada ser equipada com antigas viaturas half-track (meia-lagarta), incapazes de
acompanhar o ritmo dos CC Centurion e dos Sherman modificados. Outra causa era
a de que a maioria dos infantes das unidades blindadas eram oriundos da reserva,
portanto menos treinados (HERZOG, 1977)
Ainda não havia, na época, o conceito de Veículo de Combate de Infantaria (o
primeiro seria o soviético BMP-1, que entraria em serviço na Guerra do Yom Kippur,
pelo lado sírio) e julgava-se que as Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal
(VBTP), como a norte-americana M-113, não iriam satisfazer às necessidades do
campo de batalha, pois possuíam uma blindagem pouco resistente e não eram
capazes de destruir blindados pelo fogo das suas armas orgânicas (BOLIA, 2004)

Além disso, a tática da “guerra relâmpago”, ou seja, emprego maciço dos


blindados com intenso apoio de fogo aéreo tornou-se quase um paradigma, com
efeitos nefastos durante a Guerra do Yom Kippur. As lições aprendidas ditaram a
conversão das FDI em grupamentos de combates interarmas, controlados por um
único quartel general (QG), com ênfase no combinado carro de combate-fuzileiro
(HERZOG, 1977)

Ao contrário das conclusões apressadas de alguns especialistas militares,


após o conflito de 1973, o desenvolvimento dos mísseis anticarro não inviabilizou o
emprego do carro de combate no campo de batalha. Ao contrário, o carro de
combate continua sendo o fator preponderante para a vitória, embora esteja
condicionado a fazer parte de um grupamento de combate bem planejado, capaz de
enfrentar aos desafios da guerra moderna.

A elevada importância atribuída ao apoio de fogo aéreo, pelas FDI,


possibilitou que o emprego da artilharia de campanha fosse negligenciado. Faltou às
forças israelenses uma artilharia adequada e, acima de tudo, meios necessários
para transportá-la. A guerra ensinou a expressiva lição de que as forças terrestres
devem ter condições de resolver qualquer problema e não depender totalmente da
força aérea.

Traduzindo, isso requer uma concentração bastante intensa de armas de


artilharia, permitindo que a força aérea possa dedicar-se a manter o domínio do ar e
intervir no campo de batalha de uma forma seletiva.

A necessidade de mobilização e movimentação das reservas para a linha de


frente, obrigou unidades blindadas inteiras a se deslocarem, sobre lagartas, por
grandes extensões, ocasionando um desgaste prematuro do material e, muitas
vezes, a quebra de viaturas por causa de deficiências mecânicas. Essas quebras
resultavam no abandono das viaturas congestionando as principais rotas de
suprimento e evacuação. Tudo isso por falta de planejamento estratégico.

Um exército organizado, com base em forças blindadas, deve ter em mente


um plano de deslocamento para emprego dessas forças, em especial, um plano de
transporte pelo modal ferroviário.

A intensidade da guerra tomou de surpresa o Serviço de Intendência


Israelense. O consumo de suprimento classe III e V foi anormalmente elevado e a
quantidade de blindados perdida foi alarmante. Era evidente que as suas tabelas
com dados médios de consumo necessitavam de uma rápida revisão. A maior parte
era baseada em estatísticas ultrapassadas e que já não se ajustavam ao combate e
aos meios militares de então (HERZOG, 1977).
A operação de travessia israelense foi um risco calculado em termos
logísticos. Muitos comandantes, em qualquer exército, não arriscariam lançar três
divisões através de um obstáculo do porte do Canal de Suez (e outros pequenos
canais paralelos), com suas rotas de suprimento correndo a menos de oito
quilômetros de flancos desprotegidos. Para minimizar essa desvantagem as
brigadas mandavam para as suas unidades de primeiro escalão, todo o suprimento
do qual elas necessitariam durante um determinado período de tempo em combate,
acrescido de mais uma quantidade em reserva. Foi a partir dessa conduta que
surgiu o conceito de reserva móvel de suprimento.

Muitos historiadores da Guerra do Yom Kippur afirmam que o Corpo de


Material Bélico exerceu um papel decisivo na guerra. As altas taxas de perdas de
material, em especial nos primeiros dias de combate foram, em muito, compensadas
pelas reparações e recuperações feitas pelo pessoal de manutenção.
Aproximadamente 80% dos CC avariados foram reparados em menos de 24 horas.
Alguns dos CC foram danificados e reparados de quatro a cinco vezes. Os
israelenses atribuíram grande parte deste sucesso às técnicas de manutenção de
emergência no campo de batalha, onde os elementos de manutenção, muitas vezes,
iniciavam o reparo sob o fogo das armas inimigas. (HERZOG, 1977).

Ao interpretarem os resultados da Guerra dos Seis Dias e consolidarem a


sua doutrina de emprego avião-blindado, os israelenses demonstraram ter
esquecido que uma das principais características do carro de combate é a
mobilidade. A defesa das fronteiras israelenses estava baseada em linhas de
fortificações, apoiadas por CC, como a Linha Bar-Lev. Uma doutrina de defesa
claramente estática, aplicada a uma tropa vocacionada ao combate ofensivo (BOLIA,
2004).

Uma das principais lições da Guerra do Yom Kippur está no que Clausewitz
denominou de “as dimensões morais” e considerou como sendo “o aspecto mais
importante de uma guerra”. As dimensões morais compreendem a habilidade militar
dos comandantes nos diversos escalões, a virtude militar das tropas, o patriotismo,
entre outros. A superioridade nesses aspectos poderia se mostrar vantajosa mesmo
diante de um inimigo dotado de meios de combate com tecnologia superior.

Os oficiais israelenses têm a tradição de se fazerem presentes na linha de


frente e não enviam seus homens para um combate sem que estejam presentes. Ou
seja, onde estava o soldado, estava, também, o seu oficial comandante. Pode-se
comprovar esse fato ao se observar os altos índices de baixas de oficiais em todos
os conflitos da história de Israel, particularmente nas Colinas de Golã em 1973.
Oficiais experientes e corajosos despertavam a confiança dos seus soldados
(HERZOG, 1977).

b. A Doutrina da Batalha Ar-Terra do Exército dos Estados Unidos da América

1) Conceitos Básicos
A Doutrina da Batalha Ar-Terra foi concebida, no final da década de 1970,
ante a possibilidade do Exército dos Estados Unidos da América enfrentar, no teatro
de operações europeu, as forças do Pacto de Varsóvia, muito superiores em efetivos
e dotadas de modernos meios de combate. Esse enfrentamento seria em um conflito
de alta intensidade e a doutrina vigente mostrava-se incapaz de se contrapor, com
êxito, à doutrina soviética. A solução para um ataque maciço dos soviéticos era, até
então, o emprego de artefatos nucleares, o que sem dúvida, levaria o mundo a uma
escalada atômica sem precedentes.

O desenvolvimento da doutrina deu-se com o auxílio de modernos jogos de


guerra computadorizados e das lições aprendidadas nas Guerras do Yom Kippur e
do Vietnã, o que lhe confere uma credibilidade maior ao terem sido aplicados
metódos e testes científicos. Alcançou o seu batismo de fogo na primeira Guerra do
Golfo Pérsico, em 1991, mostrando-se altamente eficaz na sua concepção de
emprego (SCHRAMM, 1991).

Embora o surgimento da nova doutrina tenha sido acompanhado da entrada


em serviço de novos equipamentos e sistemas de armas, sua elaboração não foi
feita apenas em função dessa modernização. Poderia, mesmo, ter sido adotada sem
a aquisição de novas tecnologias.

A Doutrina da Batalha Ar-Terra descreve a forma como um exército deve


produzir e aplicar seu poder de combate, tanto no nível operacional, quanto no nível
tático. Baseia-se principalmente na conquista e manutenção da iniciativa e na
agressividade no cumprimento das missões (EUA, 1982).

O principal objetivo é impor a própria vontade sobre o adversário. Para isso, é


necessário desequilibrar o dispositivo inimigo com um golpe violento, vindo de uma
direção inesperada, manter a pressão e continuar atuando com agressividade até
atingir os objetivos fixados pelos escalões superiores.

Apóia-se em quatro fundamentos básicos: a iniciativa, a agilidade (ou


rapidez), a profundidade e a sincronização. Enquanto estes fundamentos são a base
para o desenvolvimento de toda a doutrina, existem dez princípios que representam
um guia mais específico para a conduta nas operações, que são: garantir a unidade
de esforço; antecipar-se aos eventos no decorrer do comabte; concentrar poder de
combate contra os pontos fracos do inimigo; eleger, apoiar e, se necessário, alterar o
esforço principal; manter a pressão sobre o inimigo; executar movimentos rápidos e
ações violentas e curtas; máxima utilização do terreno, condições meteorológicas e
camuflagem; conservar forças para a ação decisiva; empregar armas combinadas e
operações conjuntas com outras forças singulares; e compreender os efeitos do
combate, nos soldados, nas unidades e nos líderes (EUA, 1987).

Em resumo, é uma doutrina que preconiza a mobilidade, a liderança eficaz, as


operações em profundidade, a máxima iniciativa dos comandantes em todos os
escalões, o uso das operações aerotáticas, a agressividade e o risco calculado como
fatores e ações perfeitamente adequados a um teatro de operações com as
características de AOC (SCHRAMM, 1991).

2) Influências da Guerra do Yom Kippur


A necessidade de contrapor a ameaça de uma invasão da Europa Oriental,
pelas forças do Pacto de Varsóvia, além da repercussão negativa da campanha do
Vietnã, havia despertado no Exército dos EUA o interesse pela mudança na sua
forma de combater. Assim, em 1973, foi criado o Comando de Treinamento e
Doutrina (TRADOC). Sua missão era repensar a doutrina e a tecnologia empregadas
na força terrestre. O TRADOC operava o maior sistema educacional do mundo não-
comunista, o equivalente a dezenas de universidades de formação de oficiais,
juntamente com centenas de centros de instrução e treinamento.

O principal problema no qual se deparava o TRADOC, em meados da década


de 1970, era como encontrar um meio de se defender da esmagadora superioridade
numérica dos blindados soviéticos, sem utilizar armas nucleares. A resposta estava
na história militar, na Guerra do Yom Kippur.

Em 1974, o general norte-americano Donn A. Starry, um dos idealizadores da


Doutrina da Batalha Ar-Terra, então comandante do 5º Corpo do Exército dos EUA,
localizado nos arredores da cidade de Kassel, na República Federal da Alemanha,
fez uma visita oficial a Israel. O objetivo era estudar a tática empregada pelos
israelenses na defesa das Colinas de Golã (TOFFLER, 1995).

Os números da guerra impressionavam. Um efetivo sírio de 45.000 mil


homens, 1.400 carros de combate apoiados por mais de 1.000 peças de morteiro e
artilharia, lançaram-se contra uma posição defendida por 6.500 homens, 170 carros
de combate e 60 peças de artilharia. Apesar da grande disparidade, foram os
israelense e não os sírios, que triunfaram. Mas como?

Starry fez perguntas detalhadas aos comandantes israelenses sobre cada


parte da batalha. Descobriu que eles utilizavam os seus reforços de uma maneira
inovadora. Embora a grande maioria das doutrinas defensivas da época
preconizasse uma defesa estática, onde os reforços deveriam fortalecer os pontos
mais fracos, ou onde o inimigo iniciava a ruptura ou penetração, e continuar a
defender, os israelenses acreditavam que essa tática só levaria a mais embates e,
por fim, à derrota.

Se em um determinado ponto iniciou-se uma ruptura, é natural que se conclua


que ali está sendo empregado o grosso do efetivo inimigo. Reforçar aquela posição
significaria “atacar” o inimigo onde ele estaria mais forte. E isso não fazia sentido. Ao
contrário, os reforços deveriam ser utilizados ofensivamente. Ao invés de dirigi-los
ao ponto principal da tropa oponente, seria mais eficaz utilizá-los para um ataque em
uma direção inesperada contra uma parte vulnerável do inimigo (TOFFLER, 1995).

Embora os israelenses tivessem perdido muitos homens empregando essa


tática, os ataques inesperados surpreendiam as forças sírias e tirava-lhes o
equilíbrio. O resultado foi não só uma surpresa, mas uma derrota fragorosa dos
sírios. Os ataques israelenses buscavam os flancos do dispositivo, atingindo tropas
em segundo escalão, reservas, instalações de comando e controle e logísticas.

O resultado foi que muitas das forças inimigas em segundo escalão não
puderam entrar em ação. Após quatro dias de combate, com ataques maciços dos
1.400 carros de combate sírios contra Israel, não restou um único CC sírio em
condições de guerrear nas Colinas de Golã (HERZOG, 1984).

A lição primordial aprendida pelo Gen Starry foi a de que os coeficientes


iniciais não determinam o resultado. Não faz diferença quem está em vantagem ou
desvantagem numérica. Para Starry, quem tomar a iniciativa, esteja em vantagem
numérica ou não, seja atacando ou defendendo, vai ganhar. Como foi demonstrado
nas Colinas de Golã, mesmo um exército estrategicamente na defensiva, pode ser
capaz de tomar a iniciativa. E a iniciativa conduzirá à vitória (TOFFLER, 1995).

Apesar de não serem idéias novas, pela primeira vez desafiaram o


pensamento convencional. O velho pressuposto de retardar para trocar espaço por
tempo, defender e, após isso, passar à ofensiva estava-se mostrando vulnerável.
Agora o conceito mudara para retardar e desintegrar, contra-reconhecer, tudo isso
bem no interior da área de operações do inimigo. Os reforços inimigos deveriam ser
detidos, a fim de que não fossem empregados.

Se toda essa maneira de lutar dos israelenses mostrou-se eficaz contra uma
força que lutava com material e doutrina soviéticos, de fato, as lições poderiam ser
aplicadas, também, contra a massa de blindados do Pacto de Varsóvia, por forças
da Organização Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de efetivos menores e sem o uso
de armas nucleares. De forma mais abrangente, poderiam ser utilizadas em outras
partes do mundo, onde vários países estavam montando enormes exércitos
convencionais baseados na velha doutrina de que o simples princípio de guerra da
massa ganharia a batalha (SCHRAMM, 1991).

A ênfase da nova doutrina deveria abranger o conceito de “batalha profunda”,


ou de “campo de batalha ampliado”. Isto é, o combate não iria acontecer na linha de
frente, mas também no flanco, no fundo e na retaguarda do inimigo, bem onde
deveriam estar as tropas de apoio. Seria necessário “interditar” o movimento de
homens, suprimentos e informações, de modo que os escalões da retaguarda não
pudessem apoiar a vanguarda.

Para isso, deveria haver um amplo emprego combinado dos vários sistemas
operacionais e também das forças singulares, todos de forma sincronizada. Uma
íntima integração entre a força aérea e a terrestre, por exemplo, seria fundamental
para que a primeira pudesse atacar em profundidade o inimigo, neutralizando seus
centros de comando e controle, suas linhas logísticas e suas defesas aéreas.

Essa enorme quantidade de ensinamentos táticos foi fundamental para que o


TRADOC formulasse a Doutrina da Batalha Ar-Terra (Bronfeld, 2007). A nova
maneira de lutar, incorporada pela nova doutrina, baseada nas lições aprendidas da
Guerra do Yom Kippur, permitiu que as forças armadas dos EUA e seus aliados
derrotassem os iraquianos, o quinto maior exército do mundo da época, na célebre
Operação Tempestade no Deserto, em um curto espaço de tempo e com uma
pequena quantidade de baixas. (STARRY, 1999).

c. A Doutrina Delta do Exército Brasileiro

1) Conceitos Básicos
O Exército Brasileiro, através da Portaria número 21-EME, de cinco de
dezembro de 1996, instituiu as Instruções Provisórias 100-1 - Bases para a
Modernização da Doutrina de Emprego da Forças Terrestre, que mais tarde se
transformaria no manual C 100-1, também chamado de Doutrina Delta.
Coerente com as novas necessidades impostas pelo combate moderno e da
imperativa necessidade de atualizar os conceitos doutrinários, dentro da visão
dinâmico-evolutiva, o Estado Maior do Exército (EME) estabeleceu novos
fundamentos para orientar a atuação da Força Terrestre no cumprimento de suas
missões constitucionais, em particular, quando atuando em combate convencional
no âmbito da defesa externa, em Área Operacional do Continente (AOC) "exceto a
área estratégica da AMAZÔNIA" (BRASIL, 1996).

A concepção geral da doutrina vislumbra que uma campanha terrestre no


teatro de operações (TO) deverá ser conduzida ofensivamente, com grande ímpeto,
buscando a decisão no menor prazo possível, com o mínimo de perdas para as
tropas em combate e assegurando as condições favoráveis para uma imediata
negociação da paz. As operações devem se desenvolver em um combate
continuado e não linear, com ênfase nas manobras desbordantes ou envolventes,
visando atuar sobre a retaguarda do inimigo para isolá-lo, privá-lo de manobrar,
retirar-lhe a vontade de combater e atingir os objetivos estratégicos previstos.

Em virtude das características da AOC, é fundamental que haja uma


judiciosa seleção da frente, onde deverá ser aplicado o máximo poder de combate,
no momento oportuno, visando a obtenção da vitória o mais rápido possível. Desde
que o terreno permita, as forças blindadas e mecanizadas são as mais adequadas a
essa concepção de emprego.

De acordo com a Doutrina Delta, a iniciativa, a flexibilidade, a rapidez, a


sincronização e a liderança são consideradas fatores fundamentais para o êxito das
operações. É preciso, a todo momento, empregar as forças disponíveis para buscar
a surpresa, reagir com rapidez explorando as vulnerabilidades do inimigo,
transformando manobras defensivas em ofensivas, manobrar com velocidade
sincronizando os ataque terrestre e aéreo, fogos diretos e indiretos, interferência
eletrônica, assaltos aeromóveis, entre outros. As tropas precisam de homens
capazes de liderar e motivar os seus subordinados para o cumprimento das diversas
missões, decidindo oportunamente sobre os rumos do combate.

Nesse contexto, a doutrina privilegia, principalmente, o emprego combinado


de tropas blindadas, mecanizadas, aeromóveis e pára-quedistas, apoio de fogo
terrestre e aéreo e demais sistemas operacionais, todos de forma coordenada, com
a finalidade de realizar manobras amplas, desbordantes e envolventes, visando
impor ao inimigo um combate continuado e agressivo, isolando-o no campo de
batalha, para, em seguida, destruí-lo, tendo sempre em mente o fator tempo como
preocupação fundamental.

2) Influências da Doutrina da Batalha Ar-Terra


A Operação Tempestade no Deserto foi o batismo de fogo da Doutrina da
Batalha Ar-Terra. O inimigo derrotado, as Forças Armadas do Iraque, era
considerado a quinta potência do mundo em poder relativo de combate, com um
efetivo de dois milhões de homens. Em termos de equipamentos, as tropas
iraquianas eram dotadas de aproximadamente 6.000 carros de combate, 200
helicópteros de ataque, 10.000 peças de artilharia antiaérea e 900 aviões militares
de variados tipos. Soma-se a tudo isso, o fato de que era um exército experimentado
em combate, recém saído de uma guerra de oito anos contra o Irã. O supreendente
desempenho das tropas de coalizão, lideradas pelo Exército dos EUA, derrotando
um inimigo tão expressivo em pouco mais de 50 dias, foi fundamental para que as
forças armadas norte-americanas recuperassem o seu prestígio internacional, após
a desmoralização que haviam sofrido na Guerra do Vietnã (TOFFLER, 1995).

O desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente daqueles


transmitidos via satélite, permitiu ao mundo assistir, em tempo real, todas as
imagens da guerra. Analistas militares e profissionais das armas de várias partes do
globo deparavam-se com uma nova e eficiente forma de combater. Uma doutrina
que, a partir de então, influenciaria o modus operandis de alguns exércitos do
mundo, como o Exército Brasileiro.

A influência da Guerra do Golfo faz-se notar já na introducão do C 100-1, em


suas considerações iniciais, onde encontramos a afirmação de que a experiência de
exércitos de países desenvolvidos em combate recente, aliada ao advento de novos
armamentos de elevada letalidade, aponta para a guerra como uma tarefa
multidimensional.

O novo tipo de guerra exigirá dos comandantes, em todos os escalões,


segundo a Doutrina Delta, um alto grau de iniciativa, agilidade, sincronização e
capacidade de gerenciamento das informações. Além disso, enfoca que a
manutenção da iniciativa e da rapidez, com vistas a explorar os pontos fracos do
inimigo, devem constituir-se em princípios básicos para a condução das operações.
Um destaque especial é atribuído à liderança e à iniciativa, fundamentais para que
os comandantes possam decidir independentemente de ligação com o escalão
superior. Todas essas exigências, características e principios básicos citados na
Doutrina Delta são, também, fundamentos doutrinários e princípios de emprego da
Doutrina da Batalha Ar-Terra.

Ambas as doutrinas sugerem um aprofundamento do campo de batalha


através de movimentos desbordantes e envolventes, buscando atingir o inimigo nas
suas rotas de suprimento, instalações de comando e controle e tropas em reserva
com o objetivo de isolá-lo e destruí-lo. O aprofundamento, no nível tático e
estratégico, será obtido através da concentração de poder de combate contra os
pontos fracos do inimigo, preferencialmente em ações de flanco, da rapidez, da
manutenção de uma pressão constante em todas as fases da operação e do
combate continuado.

São doutrinas para o emprego de forças terrestres, embora reconheçam e


enfatizem a necessidade da realização de operações aerotáticas. Dispensam
especial atenção, no nível tático, ao emprego de forças-tarefas carro de combate-
fuzileiro blindado (FT CC-Fuz), materializando o emprego de armas combinadas.
Todos os elementos de manobra e apoios devem trabalhar de forma sincronizada e
agressiva, mesmo em operações defensivas.

Por fim, o texto do C100-1 afirma que não há como fugir às realidades a que
chegaram os pensadores militares dos países mais desenvolvidos e descreve a
necessidade de uma evolução doutrinária, no sentido de acompanhar as
experiências externas, desde que aplicáveis à realidade do Exército Brasileiro. Não
há documento comprobatório de que a Doutrina Delta tenha sido, de fato,
influenciada pela Doutrina da Batalha Ar-Terra. Entretanto, as semelhanças de
princípios e fundamentos evidenciados, inexistentes na concepção doutrinária
brasileira anterior, bem como as citações referentes à Guerra do Golfo, nos
premitem afirmar que houve uma marcante influência da forma de combater norte-
americana sobre a doutrina brasileira.

3) Repercussões da Guerra do Yom Kippur


Comprovada a importância das lições aprendidas da Guerra do Yom Kippur
para a elaboração da Doutrina da Batalha Ar-Terra e a influência de alguns
princípios e fundamentos desta na formulação da Doutrina Delta, resta identificar
quais desses princípios e fundamentos tem ligação com o conflito de 1973, para que
seja possível afirmar, ou não, se houve repercussões da Guerra do Yom Kippur para
a modernização da doutrina de emprego e para o aperfeiçoamento da arte de guerra
no Exército Brasileiro.

Os conceitos de profundidade, iniciativa e sincronização foram os


ensinamentos da guerra de 1973, colhidos pela doutrina norte americana, que mais
repercutiram na doutrina terrestre brasileira. Esses conceitos contribuíram para
consolidar a importância das ações ofensivas e das manobras desbordantes e
envolventes nos combates convencionais.

A iniciativa permite ao comandante tático, manter o espírito ofensivo mesmo


em situações defensivas. Os combates dos israelenses contra as forças sírias
demonstraram que mesmo um exército estrategicamente na defensiva pode ser
capaz de tomar a iniciativa. Não é mais viável manter-se em uma situação estática e
confiar em um sólido esquema defensivo. Os contra-ataques, contra-
reconhecimentos e as mais diversas ações ofensivas devem ser desencadeados
com o intuito de causar o máximo de destruição nas forças oponentes, fazendo-as
perderem a impulsão e a capacidade de atacar. Do mesmo modo, não faz sentido
apenas retardar para ganhar tempo. Nas ações retardadoras, precisa-se retardar e
desintegrar, ou seja, buscar formas de reduzir o poder de combate do adversário.

Combater o inimigo, simultaneamente, em toda a profundidade do seu


dispositivo foi outra importante repercussão. Através desse ensinamento, a Doutrina
Delta sugere aos comandantes que evitem o combate linear e busquem ações
simultâneas em toda a profundidade do campo de batalha. Manobras de flanco
passam a ser a prioridade nas operações. Elas reduzem ou eliminam a liberdade de
ação do inimigo, através da destruição das rotas de suprimento, reservas e
instalações de comando e controle (C2), como, de fato, ocorreu nas Colinas de Golã.

Resultado da aplicação dos conceitos da iniciativa e da profundidade, a


sincronização apresenta-se como fator fundamental para o êxito. As características
dinâmicas do combate moderno resultaram na diminuição dos prazos para a tomada
de decisão. A sincronização objetiva proporcionar ao comandante o máximo de
poder relativo de combate no lugar e no momento decisivos. A falta de sincronização
poderá resultar no fracasso em combate até mesmo de unidades bem treinadas
(SCHRAMM, 1991).

O emprego de forças combinadas em combate foi outra importante


repercussão, principalmente no combate com forças blindadas. A partir da
publicação do C 100-1, alguns importantes manuais e cadernos de instrução
tratando sobre as operações combinadas, foram elaborados e editados pelo Estado
Maior do Exército e pelo Comando de Operações Terrestres, como, por exemplo, o
C 17-20, Forças Tarefas Blindadas, o CI 17-36-2, O Combinado Carro de Combate-
Fuzileiro Blindado e a IP 17-10, Força Tarefa Subunidade Blindada, que aguarda
aprovação. As forças tarefas blindadas e mecanizadas são apontadas pela Doutrina
Delta como as forças mais aptas a executarem as ações ofensivas em profundidade,
desbordantes ou envolventes, devidos às características da AOC, seja no ataque
coordenado ou de oportunidade, bem como as ações de defesa dinâmica, criando
condições favoráveis a realização de rápidos e potentes contra-ataques.

3. CONCLUSÃO

A Doutrina Delta foi elaborada pelo Estado-Maior do Exército, no ano de


1996, com o intuito de atualizar os conceitos doutrinários orientadores do preparo e
emprego da Força Terrestre, coerente com as novas necessidades impostas pelo
combate moderno, no cumprimento de suas missões constitucionais, em particular,
quando atuando em combate convencional, no âmbito da defesa externa, em Área
Operacional do Continente (BRASIL, 1996).

Da análise realizada pode-se concluir que o trabalho de formulação da nova


doutrina brasileira sofreu influência da Doutrina da Batalha Ar-Terra do Exército dos
Estados Unidos da América (EUA), elaborada no final da década de setenta do
século XX, a partir dos ensinamentos colhidos nas Guerras do Yom Kippur e do
Vietnã, e colocada à prova na Operação Tempestade no Deserto. A rápida vitória
dos EUA e de seus aliados, chamados de “coalizão”, contra o Exército Iraquiano, a
quinta força terrestre mais poderosa do mundo, despertou a atenção de analistas
militares e estudiosos em conflitos para uma nova forma de combater.

A iniciativa e a sincronização como fatores de êxito, o aprofundamento do


campo de batalha, a ênfase nas ações ofensivas mesmo em operações defensivas,
buscando o isolamento e destruição do inimigo por tropas dotadas de elevadas
mobilidade tática e estratégica, como as forças tarefas blindadas e mecanizadas,
foram importantes contribuições da doutrina norte-americana, retiradas dos
ensinamentos colhidos e das lições aprendidas na Guerra do Yom Kippur.

Nesse sentido, por dedução lógica, afirma-se que houve repercussões da


Guerra do Yom Kippur, para o aperfeiçoamento da doutrina militar terrestre e da arte
da guerra no Exército Brasileiro, materializadas no texto da Doutrina Delta. A partir
dela, importantes manuais e cadernos de instrução que tratam do emprego de tropas
blindadas e mecanizadas entraram em vigor, como o C 17-20, Forças Tarefas
Blindadas e o CI 17-36-2, O Combinado Carro de Combate-Fuzileiro Blindado, ou
foram revisados como o C 2-20, Regimento de Cavalaria Mecanizado, disseminando
os novos conhecimentos e otimizando a forma de combater dessas peças de
manobra.

Concluindo, ressalta-se que o estudo da história militar, em especial de


conflitos recentes, e da polemologia, ambas ciências que estudam os antecedentes,
as causas, as consequências e as repercussões dos diversos conflitos das história
da humanidade, não se prestam apenas ao aumento do conhecimento profissional
militar ou à consolidação e exemplificação de princípios de guerra e formas de
combater amplamente aceitas e consagradas. Destinam-se, sobretudo, ao
entendimento de novas técnicas e táticas de combate, fundamentais para o
aperfeiçoamento da doutrina militar vigente, mantendo assim, a doutrina militar
terrestre brasileira constantemente moderna e atualizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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15 BRASIL. Comando de Operações Terrestre. CI 17-36-2: Caderno de
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19 BOLIA, Robert S. Overreliance on Technology in Warfare: The Yom
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