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Daniela Castro dos Reis*

AUTOR DE AGRESSÃO SEXUAL


A CRIANÇAS E ADOLESCENTES

(AASCA)
E DISTORÇÃO COGNITIVA
A DISCUSSÃO SOBRE O PERFIL E CARACTERÍSTICAS BIOPSICOSSOCIAIS
DO AASCA AINDA É UM TEMA MARGINAL E OBSCURO SOB O VÉU DA
CIÊNCIA E DA SOCIEDADE, ATÉ HOJE POUCO EXPLORADO E QUE TRAZ
UM RANÇO HISTÓRICO E SOCIAL DOS MÚLTIPLOS PRECONCEITOS QUE
MARCARAM A PESQUISA ANTROPOLÓGICA, SOCIOLÓGICA E PSICOLÓGICA,
ENTRE OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO

• L I A ACEPÇÃO MAIS COMUM Essa afirmação vislumbra a noção de r e -


E G E R A L DO T E R M O , O lação de poder assimétrica existente nos vários
CONCEITO D E VIOLÊNCIA tipos de violência. Essa relação implicada na
ESTÁ ASSOCIADO À EXPRESSÃO violência associa-se à intencionalidade do ato,
C O N C R E T A DOS D I F E R E N T E S com a sua prática propriamente dita, indepen-
MÉTODOS D E COERÇÃO E dentemente do resultado produzido, podendo le-
DOMINAÇÃO U T I L I Z A D O S COM A var à ocorrência de um ato violento, uma vez
F I N A L I D A D E D E CONQUISTAR, que envolve aqueles comportamentos e práticas
R E T E R P O D E R OU O B T E R que resultam de uma relação de abuso, incluin-
PRIVILÉGIOS ( R I B E I R O , F E R R I A N i do as ameaças e as intimidações. A relação de
& R E I S , 2004). NO Q U E DIZ R E S P E I T O poder assimétrica também serve para promover
À E T I M O L O G I A DA P A L A V R A , a negligência ou ações de omissão, além de atos
V I O L Ê N C I A V E M DO L A T I M violentos mais óbvios de perpetração.
VIOLENTIA, Q U E R E M E T E AO ABUSO Especificamente sobre a violência sexual
DA FORÇA Q U E D E S R E S P E I T A a criança e adolescente, ela acompanha a t r a -
AS M E D I D A S SOCIAIS Q U E SÃO jetória histórica da humanidade, manifestando-
CULTURALMENTE ESTABELECIDAS se de múltiplas formas, em diferentes épocas e
( M U L L E R , 2006). ESSAS M E D I D A S contextos sociais, conforme concepções e práti-
P O D E M S E R DADAS P E L O OUTRO cas culturais também diversas (COSTA, CARVA-
E P E L A SUA CONSTITUIÇÃO LHO, BÁRBARA, SANTOS, GOMES & SOUSA, 2007;
PSICOLÓGICA, A L É M DA DEFINIÇÃO KRUG, DAHLBERG, MERCY & ZWI, 2002). Para se
DO Q U E A S O C I E D A D E C O N S I D E R A entender a configuração histórica e os signifi-
COMO J U S T O E A D E Q U A D O E M SUAS cados sociais que fazem da violência sexual um
L E I S , R E G R A S SOCIAIS, C O S T U M E S E fenómeno tão antigo quanto atual, é necessário
CRENÇAS P O R E L A INSTITUÍDOS. compreender os comportamentos que a definem
como tal, quais as suas formas mais comuns de
expressão no cotidiano de famílias e institui-
ções, além dos indivíduos envolvidos nessas re-
lações abusivas, neste caso, o AASCA.
É necessário fazer uma ressalva nesse as-
pecto, já que fiá uma generalização quando se
fala nos perpetradores sexuais de crianças e
adolescentes. Dessa forma, podese dizer que,
pela heterogeneidade das características exis-
tentes nesse tipo de perpetrador, nem todo
AASCA é um indivíduo que tem Transtorno Pe-
dofílico, mas todo pedófilo é um AASCA. Essa
diferença está na forma de perpetração, fre-
quência do ato e desvio sexual identificado na
pessoa que apresenta tal característica. Podese
afirmar que nos dois casos é necessário ainda
pesquisas e estudos que ajudem a entender as
principais características e, com isso, tentar m i -
nimizar ou prevenir a agressão sexual perpe-
trada contra a criança e o adolescente.
A discussão sobre o perfil e/ou as carac-
terísticas biopsicossociais do AASCA ainda é um
tema marginal e obscuro sob o véu da ciência e
da sociedade, até hoje pouco explorado e que traz
um ranço histórico e social dos múltiplos pre-
conceitos que marcaram a pesquisa antropoló-
gica, sociológica, psicológica, entre outras áreas
do conhecimento (ESBER, 2009; MORAIS, SANTOS,
MOURA, VAZ, & KOLLER, 2007; MOURA, 2007).
Os trabalhos nessa temática ainda são
insuficientes, já que sua abordagem colocase
como um desafio mesmo nos dias atuais, em r a -
zão da sua amplitude, que envolve estudos em
diversas áreas e o grau de complexidade que
exige investigações sistemáticas. Em termos te-
óricos, há uma produção literária embrionária,
podese dizer emergente, nas neurociências
(Doin, 2005), nas ciências comportamentais
(Vieira, 2010) e do desenvolvimento humano
(Morais et al., 2007), que faz com esse seja um
assunto que, hoje, começa a ganhar força no
cenário brasileiro.
Libório e Castro (2010). ao analisarem
as pesquisas empíricas que investigaram os

PODESE AFIRMAR QUE NOS DOIS


CASOS É NECESSÁRIO AINDA
PESQUISAS E ESTUDOS QUE
AJUDEM A ENTENDER AS PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS E COM ISSO
TENTAR MINIMIZAR OU PREVENIR A
AGRESSÃO SEXUAL PERPETRADA
CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE
AASCA nos Estados Unidos, fazem referência que, com significativa frequência, as pesquisas
ao fato de que as categorias que os pesquisa- sobre agressão sexual e a condição do AASCA se
dores adotaram para estudo foram propostas concentram na área social e médica. Portanto, o
em função dos recortes feitos pelos autores a termo perfil psicológico das pessoas que cometem
partir dos objetivos dos trabalhos originais r e - agressão sexual contra criança e adolescente aca-
visados. Isso significa que, em geral, os estudos ba por enfocar os aspectos específicos das áreas
privilegiam a abordagem de aspectos de cunho do conhecimento em que foram gerados.
sociallegal ou psicopatológico (ESBER, 2009). A partir da literatura, identificouse que os
No recorte sociallegal, a discussão baseia-se trabalhos sobre os AASCA apresentam esse fe-
no tipo de crime cometido e no psicopatológico nómeno sob vários olhares e formas conceituais
está centrada em categorias de procedimen- distintas. Os vários olhares acerca da agressão
tos diagnósticos, revelando as psicopatologias sexual, que vão desde aqueles que discutem a
mentais (ECHEBURÚA & CORRAL, 2006: ERANC, agressão sexual como crime (Verhoeven, 2007)
VAUGHAN, HAMBLETON, FOX & BROWN, 2008). ou patologia (Felipe, 2006; Landini, 2003), pas-
No Brasil, as primeiras inciativas das pes- sando pelos que enfatizam a sua definição como
quisas empíricas seguem na mesma direção, de problema social (Barbosa et al., 2010) até os que
maneira que os recortes são feitos em geral, foca- privilegiam sua compreensão como violação de
lizando apenas os aspectos sociais (ou socioeco- direito (COSTA, CARVALHO et al., 2007; MARTINS
nómicos) na perspectiva da garantia dos direitos & JORGE, 2010). Como se pode perceber, as formas
humanos (Faleiros & Faleiros, 2001; Leal & Leal, de abordagem da problemática das característi-
2002) e do recorte psicopatológico como observa- cas da agressão sexual são variadas, mas, em
do nos trabalhos de Felipe (2006), Landini (2003) termos bioecológicos, poucos trabalhos foram
e Verhoeven (2007). For sua vez. Serafim, Saff, encontrados no levantamento preliminar aqui
Rigonatti, Casoy e Barros (2009) demonstraram resgatado, fazendo com que essa perspectiva

.1
"Os vários olhares acerca da agressão sexual, que vai desde aqueles que discutem a agressão sexual como
crime (Verhoeven. 2007) ou patologia (Felipe, 2006; Landini, 2003), passando pelos que enfatizam a sua
definição como problema social (...)"
INFÂNCIA - AUTORES DE AGRESSÃO
SEXUAL E DISTORÇÃO COGNITIVA

possa ser vista como uma nova forma de olhar os crimes sexuais e que legitimam as agres-
o fenómeno em questão. sões sexuais. São vários os modelos teóricos
Nesse sentido, a literatura sobre as carac- desenvolvidos com o intuito de compreender e
terísticas biopsicossociais, dando voz ao AASCA, explicar os perpetradores de agressão sexual;
é incipiente e produziu muitas vezes descrições Modelo de Finkelhor (Précondições), Modelo de
simplistas baseadas em dados sociodemográficos, Abel, Becker e CunninghamRathner, Modelo de
conforme sinalizado por Moura (2007). Falta um Marshall e Barbaree, Modelo de Hall e Hirs-
olhar mais abrangente, que integre os domínios chman (Modelo Quadripartite, Modelo de Mala-
bio-psico-social e a percepção dos vários agentes muth e Modelo de Ward e Hudson - Percurso »
e da própria pessoa que cometeu agressão sexual Teórico (Pathway Theory). 5
contra criança e adolescente. Essa parece ser uma Todos esses modelos, de uma forma ou de >.
demanda que, hoje, mais do que antes, apresenta- outra, tentaram explicar as motivações da agres-
-se como necessária à pesquisa em torno das ca- são, ora discutindo as características dos perpe- '
racterísticas dos AASCAs, suas definições concei- tradores, ora as motivações intrínsecas e extrín- \
tuais e as respostas possíveis quanto aos aspectos secas para o acometimento da agressão sexual. '
que circundam a formação do seu desenvolvi- De maneira geral e de forma integrativa, o Mo- í
mento social e psicológico. Entretanto, a literatura, delo Bioecológico do Desenvolvimento Humano í
apesar de incipiente, já traz alguns dados impor- (MBDH) possibilita olhar para o AASCA de ma-
tantes para a investigação dessa questão (ESBER, neira sistémica e ecológica, unificando os diver- \
2009; MARQUES, 2005; MOURA, 2007). SOS conhecimentos das teorias e modelos, uma *
Quanto às características dos AASCAs, vez que se propõe estudar as características
estudos apontam que, de maneira geral, esses
indivíduos apresentam padrões semelhantes à
população geral. Ou seja, a característica este-
reotipada que tornaria fácil a tarefa de reco-
n h e c ê l o s à primeira vista está ausente. Autores
como Hall (1990); Hall e Hirschman (1991); Hall,
Shondrick e Hirschman (1993), sinalizam que os
AASCAs são heterogéneos e muhimodais, isto é,
com amplo e multivariado repertório dos aspec-
tos psicológicos e comportamentais.
Nos estudos mais atuais (Ward, Hudson &
Marshall, 1994; Krindges, Macedo, & Habigzang,
2016 ; Nunes & Jung, 2012; Costa, Zoltowski, Kol-
ler, & Teixeira, 2015), as características que es-
tão presentes nas descrições biopsicossociais
dos AASCAs são distorções cognitivas, ausência
de empatia em relação à vítima, fatores de risco
frequentes e constantes na trajetória de vida.
De maneira geral, a produção científica aponta
não haver consenso entre os pesquisadores da
área no que diz respeito a ser possível determi-
nar as características específicas dos AASCAs,
mas sim características determinantes em po-
pulação específica.
Desse modo, a agressão sexual à criança
e adolescente é um fenómeno sistémico, polis-
sêmico e multideterminado, principalmente re-
lacionado às características biopsicossociais do
AASCA. Essa multideterminação aponta para
estudos das características biopsicossociais e
levanta a necessidade de novos caminhos para
a pesquisa na contemporaneidade, pois é um
fenómeno complexo, que requer um método de
pesquisa capaz de captar e compreender as r e -
lações e conexões que o consthuem.
No campo teórico, há contribuições i m -
portantes acerca dos modelos que explicam

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pessoais, contextuais e os aspectos processuais humano é o conjunto de processos por meio
de maneira temporal. dos quais as particularidades da pessoa e do
Esse modelo traz em seu bojo teórico a ambiente interagem para produzir constância
visão do fenómeno desenvolvimental como um e mudança nas características da pessoa na
processo dinâmico e interdependente entre os trajetória de sua vida.
sistemas, essência do desenvolvimento humano De maneira geral, entender os AASCAs a
que é construído ao longo da vida, ou seja, na partir do MBDH permite estudar os indivíduos
trajetória de vida. A perspectiva bioecológica, considerando os diversos fatores envolvidos na
então, legitima o estudo da pessoa em desen- sua trajetória de vida. Os principais resultados en-
volvimento no sentido de que ela é um ser ativo contrados na minha pesquisa, intitulada Autores
e dotado de plasticidade, ou seja, é portadora de de Agressão Sexual de Crianças e Adolescentes:
potencialidades para a mudança, autenticando Características Biopsicossociais e Trajetórias de
essa perspectiva como otimista na forma de Vida, identificou uma série de características. En-
como a ciência vê e pode ver o desenvolvimento tre as diversas características analisadas, podese
humano. Esse modelo propõe, por meio teórico citar as distorções cognitivas (DCs).
e operacional, uma investigação das instâncias O termo distorção cognitiva (DC) pare-
multifatoriais de interação e da complexa rede ce ter origem na literatura da Terapia Cog-
de relações humanas formada por pessoas, l u - nitiva Comportamental (TCC), sendo utilizado,
gares, tempo, atividades, papéis, instituições, pela primeira vez, por Beck, em 1960, quando
entre outras (BRONFENBRENNER, 2011). Assim, divulgou importante estudo sobre transtor-
para Bronfenbrenner (2011), o desenvolvimento no depressivo (POWELL, ABREU, OLIVEIRA, &

"Nesse sentido, a literatura sobre as características biopsicossociais.


dando voz ao AASCA. é incipiente e produziu muitas vezes descrições
simplistas baseadas em dados sociodemográficos conforme sinalizado
por Moura (2007)."

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INFÂNCIA - AUTORES DE AGRESSÃO
SEXUAL E DISTORÇÃO COGNITIVA

UMA DENSA LITERATURA SOBRE DC VEM SE CONSTITUINDO


COM A COLABORAÇÃO DE AUTORES ATUAIS (GUGLIELMO, 2014),
ATESTANDO A AMBIGUIDADE CONCEITUAL DO TERMO E OS VÁRIOS
SIGNIFICADOS COM OS QUAIS ELE PODE SER EMPREGADO.

SUDAK, 2008). Nesse campo, o termo foi usado, envolvidos (VIEIRA, 2010).
originalmente, para descrever o pensamento Desse modo, entende-se que o termo DC
idiossincrásico referente a conceituações dis- referese a atitudes que estão na base de consti-
torcidas ou irrealistas (BECK, 1963). Desde o tuição de um influente sistema de crenças capa-
surgimento, uma densa literatura sobre DC vem zes de explicar e, até, justificar o que pensam os
se constituindo com a colaboração de autores AASCAs sobre o próprio comportamento e o quan-
atuais (Guglielmo, 2014), atestando a ambigui- to consideram legítimas as relações sexuais que
dade conceituai do termo e os vários significa- envolvem crianças e adolescentes (VIEIRA, 2010).
dos com os quais ele pode ser empregado. Diversos autores (Knapp & Beck, 2008; Nunes,
Aqui, o termo DC é compreendido como 2012) propõem que, subjacentes à agressão sexual,
crenças disfuncionais e mal-adaptativas que estão as crenças acerca da vítima e do próprio
podem estar relacionadas à visão que o i n d i - comportamento, as quais se organizam em teorias
víduo tem sobre outras pessoas, sobre si mes- implícitas que tomam a forma de ideias, concep-
mo e sobre o mundo que o cerca (MOURA & ções e pensamentos aplicados na interpretação do
KOLLER, 2008). Ou seja, duas pessoas podem mundo (WARD, 2000).
ter acesso à mesma informação e, ainda assim, Essa conceituação é corroborada pela pes-
absorver crenças sobre elas muito diferentes. quisa em Psicologia do Desenvolvimento, a qual
Todavia, os pensamentos podem mudar ao lon- vê as crenças como parte de um processo ins-
go do tempo, dependendo da disponibilidade crito no desenvolvimento humano, uma vez que
da informação e dos fatores biopsicossociais elas seriam constituídas desde os primórdios da
infância, quando as crianças começam a formar
hipóteses sobre si mesmas, sobre as outras pes-
soas e sobre o mundo, tornandose, progressi-
vamente, mais complexas e se prolongando por
toda a trajetória de vida (DE ANTONI & KOLLER,
2004). Nesse sentido, as crenças individuais se-
riam resultados de um processo de informação a
partir das experiências e conhecimentos apreen-
didos no decorrer da trajetória de vida do indiví-
duo (GUGLIELMO, 2014).
As DCs, portanto, podem ser entendidas
como características da pessoa, constituídas por
um conjunto de crenças que convencem o indi-
víduo de que algo (pessoas, objetos, valores, re-
gras) que ele acredita ser verdadeiro, na realida-
de, pode não ser exatamente da forma como ele
percebe. Por isso, as DCs remetem à existência de
pensamentos desviantes ou deturpados, com certo
grau de imprecisão e compromisso com a realida-
de (KNAPP & BECK, 2008; NUNES, 2012). As DCs são,
normalmente, utilizadas para reforçar o pensa-
mento e/ou emoções negativas, transformando a
forma de pensar do indivíduo diante de situações
que parecem racionais e precisas, mas que podem
deturpar e causar sofrimento.
Sendo as DCs parte das características da
pessoa, elas podem ser vistas como produto e
produtora do processo de desenvolvimento, na
medida em que são constituídas a partir das
experiências emocionais precoces e importan-
tes que deixam marcas ao longo da vida do
indivíduo, determinando a interpretação que
aquele dará aos acontecimentos. Quando as ex-
periências emocionais precoces são negativas,
influenciam na forma como o indivíduo lida
com os problemas e os resolve, direcionando-
os para a construção de crenças disfuncio-
nais ou equivocadas sobre si mesmo e sobre os
outros (DE ANTONI & KOLLER, 2004).
Resumidamente, as DCs promovem crenças
arraigadas no indivíduo, fazendoo agir ou se
comportar sobre determinada situação, fato ou
sobre si mesmo (BECK, 1997; Ó CIARDHA, 2011). Para
CoutinhoPereira e Gonçalves (2009) e De Antoni
& Koller, (2004), tais crenças podem se originar
a partir de um contato com o ambiente familiar
abusivo ou disfuncional em termos de dinâmica e
estrutura familiar, reforçado por uma modelagem
parental ineficaz, que favorece experiências i n -
terpessoais distorcidas.
Do ponto de vista do Modelo da Bioecologia
do Desenvolvimento Humano (MBDH), as DCs, na
agressão sexual a criança/adolescente, podem
ser entendidas como atributos internos que a "As DCs, portanto, podem ser entendidas como característi-
pessoa disponibiliza, os quais guiam os proces- cas da pessoa, constituídas por um conjunto de crenças que
sos proximais e acabam levando o indivíduo a convencem o indivíduo de que algo (pessoas, objetos, valo-
cometer a agressão sexual, tolerando, justifican- res, regras) que ele acredita ser verdadeiro, na realidade,
do, desculpando, minimizando, racionalizando pode não ser exatamente da forma como ele percebe."

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ou, em alguma medida, dando apoio à agressão crenças podem ser detectáveis na maneira
sexual contra criança/adolescente. como os AASCAs lidam com a informação pro-
No caso dos AASCAs, as DCs podem ser cessada e que sofre variações, ou seja, pode
constituídas por meio de informações inadequa- ser utilizada para justificar a agressão em ter-
das e experienciadas tempos atrás, mas que ge- mos da moralidade ou da necessidade psicoló-
raram crenças que alteram o sentido dado pelo gica; minimizar as atitudes ou as consequên-
indivíduo aos processos, aos objetos e aos sím- cias; deslocar a responsabilidade por meio da
bolos constituintes do contexto ecológico. Tal si- desvalorização da vítima (COUTINHO-PEREIRA
tuação pode l e v á l o a transgredir regras sociais, & GONÇALVES, 2009).
códigos morais, princípios políticos e, inclusive, Entre as principais distorções cognitivas
agredir sexualmente quem deveria estar a sal- podese citar: Negação Completa, em que o i n -
vo de qualquer forma de violência, como, por divíduo não assume na íntegra nada sobre a
exemplo, a criança e o adolescente (ABEL, BE- agressão pela qual foi acusado e condenado;
CKER, CUNNINGHAM-RATHNER, 1984; COUTINHO- Negação Parcial, que se caracteriza por uma
-PEREIRA & GONÇALVES, 2009). negação parcial; Aceitação da Agressão Sexu-
Além desse aspecto, o produto dos proces- al, em que o indivíduo assume que praticou a
sos cognitivos envolvidos, isto é, as próprias agressão sexual; Minimização da Agressão, que

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consiste em relativizar a agressão, atribuindo qual admite que às vezes ele se percebe pensan-
-lhe uma intenção menor; Negação/Minimização do em sexo com criança/adolescente.
da responsabilidade, na qual coloca se a culpa De maneira geral, é necessário que se diga
em terceiros, imputando-lhes alguma participa- que mais estudos possam identificar uma série
ção; Negação/Minimização das Consequências, de características ainda pouco estudadas pre-
na qual alegam que a vítima não ficou magoada sentes nessa população, sobretudo no Brasil, em
e não houve dano, pois houve carinho e afeto; que pesquisas sobre essa temática ainda estão
Negação/Minimização do Planejamento, em que iniciando. Além disso, é necessário entender que
tentam justificar que não houve intencionalida- as características do AASCAs não são unifato-
de de arquitetar a agressão; Negação/Minimiza- riais. Pelo contrário, são multifatoriais, o que
ção das Fantasias, reporta a ideia de que o ato contribui para que essa população apresente
se inscreve num outro ato e não na área sexual; características heterogéneas.
Negação/Minimização do Tratamento, nenhum
desejo ou nenhuma necessidade expressa de * Daniela Castro dos Reis é psicóloga, especialista em Gestão
ajuda; Negação do Desvio Sexual, em que o indi de Pessoas, mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento -
víduo nega qualquer desejo sexual por criança/ UFPA, doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento - UFPA
adolescente; Aceitação do Interesse Sexual, na e professora da Universidade Federal Rural da Amazónia - UFRA.
fasiftwwicj fà
I G R A N D E S T E M A S DO C O N H E C I M E N T O

I ESPECIAL MENTES PSICOPATAS


CIVILIZAÇÃO
E CRUELDADE
Como a sociedade pode lidar
com as pessoas portadoras
desse transtorno
ABUSO
INFANTIL
Agressões sexuais
durante a infância podem
agravar e desencadear
surtos psicóticos nas
vítimas e gerar um
perigoso ciclo de ^
violência ^^^M
A MENTE . \/
OBSCURA
As verdades e os mitos
sobre o que faz alguém
agir como um psicopata
JUSTIÇA
RESTAURATIVA
Como o sistema judiciário
pode agir de maneira a
compensar as vítimas e,
ao mesmo tempo, ajudar
os portadores desse
transtorno

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