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INSTITUTO DE ARTES

BACHARELADO EM HISTÓRIA DA ARTE


LABORATÓRIO DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA ARTE II
Sofia Mazzini – 00303144

Leitura de Imagem de Invídia (1906), de Eugênio Latour

A imagem que escolhi para fazer minha leitura é o quadro


Invídia, de 1906, pintado por Eugênio Latour. O quadro
faz parte do acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo
do Instituto de Artes da UFRGS e tem 154 x 43 cm de
tamanho e sua técnica é a pintura a óleo.
Eugênio Latour (Rio de Janeiro, 1874 - Rio de Janeiro,
1942) foi um pintor, gravador e decorador (mas muito
pouco se conhece de sua produção gráfica). Foi contratado
pelo Instituto de Artes da UFRGS (1919), sendo o
primeiro professor de fora do estado; mas, como diz no
livro “100 anos de Artes Plásticas no Instituto de Artes da
UFRGS”: existem reduzidas informações e praticamente
nenhuma certeza. Latour era um artista consagrado no
centro do País, tendo recebido as mais altas honrarias que
que a Escola Nacional de Belas Artes oferecia, dentre elas
o cobiçado Prêmio de Viagem ao Exterior, estudando na
França e na Itália até 1908. Em Florença, monta um atelier
e se radica como cidadão italiano. (GOMES, 2012, pág.
32)

A formação de Latour, sob a égide de Eliseu Visconti,


estava marcada pelo protomodernismo característico do
grande pintor, acentuando-se, aqui, a ênfase no elemento
pictórico das telas antes do tema, a predileção por aspectos
intimistas e domésticos e a fatura mais aberta da pintura,
mais fresca e mais aliviada, em oposição à técnica
acadêmica ainda tradicional empregada por vários
pintores, como Pedro Weingartner. (GOMES, 2012, pág.
32)
Ainda, como aluno e discípulo de Henrique
Bernardelli (1858-1936), Eugênio Latour recebe
influência do contato de seu professor com
o impressionismo e neo-impressionismo franceses e
o divisionismo italiano. Sua obra oscila entre
temáticas edificantes, como as apresentadas em telas
como Praga Social - O Álcool, 1905, e aquelas que
atestam influências do clima art-nouveau europeu,
como Nelinha, 1912. (ENCICLOPÉDIA Itaú
Cultural, 2017)

Auto-retrato, 1920. Pinacoteca do Estado de São


Paulo.

Invídia, na mitologia romana, é o senso da inveja ou do ciúme, personificado por uma


deusa. O uso romano do termo é para contemplar as versões gregas, que são nêmesis
(indignação em sucesso desmerecido) e Ftono (inveja). Invidia também é um dos sete
pecados capitais, e torna-se mais concreta na tardia iconografia gótica e do Renascimento.
É comumente representada por uma senhora magra, esquálida, suja, muitas vezes
acompanhada de serpentes. Essa imagem de Invídia também é muito associada com
bruxas e magia – durante a pesquisa, li em muitos lugares que as características da Invidia
que poderiam ter originado a imagem de “bruxa” que temos hoje –, e ambas compartilham
o conceito de “mau-olhado”. O termo invidia deriva do latim invidere, que significa
"olhar muito de perto".
Ovídio descreve a personificação de Invidia em comprimento nos Metamorfoseia (2.760-
832): “Seu rosto era doentio pálido, todo o seu corpo magro e desperdiçado, e ela apertou
os olhos horrivelmente; os dentes foram descoloridos e decadente, seu peito venenoso de
um tom esverdeado, e sua língua pingava veneno. Roendo outros, e ser roído, ela própria
seu próprio tormento”. Essa descrição condiz exatamente com o quadro de Latour.
À esquerda: A inveja, gravura de Sebastián
de Covarrubias, séc. XVI.

À direita: Invidia (1620), gravura


de Jacques Callot.

Uma possível relação com o texto A Inelutável Cisão do Ser de Didi-Hubermann:


“Quando vemos o que está diante de nós, por que uma outra coisa sempre nos
olha, impondo um em um dentro, devemos fechar os olhos para ver quando o ato
de ver nos remete, mas abre um vazio que nos olha, nos concerne e, em certo
sentido, nos constitui.” ((HUBERMANN, 1998)
O que entendo desse trecho, é que quando
nos deparamos com uma imagem (e essa
imagem em questão literalmente nos olha,
os olhos de Invidia de fato nos procuram),
ela inelutavelmente nos remete a
memórias próprias nossas, o que faz com
que a obra seja de alguma maneira
“inesgotável”, pois cada pessoa,
carregando consigo suas lembranças, pode
ter uma leitura diferente da obra.
Compreendo que é isso que Didi-
Hubermann tenta expressar quando diz
que devemos fechar os olhos, ver o que
remete, o que nos constitui. A relação que
tive a primeira vista com essa obra, foi a
de parecer já ter visto em outro momento,
depois de ter pesquisado sobre a alegoria
da inveja, de ter visto que na mitologia
romana era uma deusa, lembrei também da
questão dos arquétipos, de como ás vezes
essas questões mitológicas, essas
alegorias, fazem parte de nosso
inconsciente coletivo.

Circe Invidiosa (1892), de John William


Waterhouse. Art Gallery of South
Australia.

Ainda no texto de Didi-Hubermann:


“Então, começamos a compreender que cada coisa a ver, por mais exposta, por
mais neutra de aparência que seja, tonar-se inelutável quando uma perda a suporta
– ainda que pelo viés de uma simples associação de ideias, mas constrangedora,
ou de um jogo de linguagem –, e desse ponto nos olha, nos concerne, nos
persegue.” (HUBERMANN, 1998)
Enfim, sobre também pensarmos e sentirmos o que nos constitui. Essas lembranças de
outras imagens, me lembra o conceito de imagem que Didi-Hubermann nos apresenta em
Imagens que Tocam o Real. Para Aby Warburg e Walter Benjamin: “A imagem não é um
simples corte praticado no mundo dos aspectos visíveis. É uma impressão, um rastro, um
traço visual do tempo que quis tocar, mas também de outros tempos suplementares –
fatalmente anacrônicos, heterogêneos entre eles – que, como arte da memória, não pode
aglutinar”. Esse entendimento do que é imagem, que pra mim parece ser também uma
coisa fugaz, efêmera, conversa bastante com as ideias do primeiro texto, A Inelutável
Cisão do Ser.
Um comentário feito ainda no livro “100 anos de Artes Plásticas no Instituto de Artes da
UFRGS” é sobre o estilo que Latour escolheu pintar, tendo em vista o contexto de onde
trabalhava:
“Ver a obra de Latour, hoje, leva-nos à interrogação de como um pintor
tematicamente tão arrojado poderia atuar num contexto, por outro lado, tão
acanhado. Infelizmente, não temos meios de avaliar como foi sua atuação local –
se foi comportada ou se chegou a causar alguma espécie de frisson –, e como sua
obra repercutiu entre os alunos da Escola e no meio cultural, visto que propunha
temas e abordagens incomuns entre nós, como a moralidade simbolista de Invídia.
Latour é um artista ainda a ser estudado e devidamente inserido no contexto da
arte brasileira do período, o que permitirá tirá-lo do limbo do esquecimento no
qual está imerso.” (GOMES, 2012, pág. 32)

Essa passagem me fez lembrar da ideia de anacronismo do texto de Daniel Arasse, que
defende que historiador sempre está anacrônico em relação ao seu objeto. E eu acredito
que questões como essa, onde a vontade do historiador é tentar compreender a recepção
de uma obra em determinada sociedade, é uma das questões mais difíceis, ainda mais
quando pouco se sabe sobre o artista, e também sobre a obra. Como dito no texto do
Arasse, um dos princípios do historiador é tentar evitar o máximo possível o anacronismo.
Mas nesse caso, parece que temos muitos itens para tentar “desapegar” da ideia que temos
hoje deles, por exemplo: a arte acadêmica, o Instituto de Artes nos anos 20, mitologia,
sobre o próprio pintor, que também carrega consigo características difíceis de não se ter
hoje uma opinião sobre, como neoimpressionismo, ida pra Europa, entre outras
características e vivências. Enfim, esse problema anacrônico é inevitável quando, “a partir
do momento em que não se é historiador do contemporâneo”, porque no contemporâneo
temos o objeto e o historiador no mesmo tempo.
Referências:

• EUGÊNIO Latour. ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.


São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23008/eugenio-latour>. Acesso
em: 05 de Out. 2020.
• BRITES, Blanca; CATTANI, Icleia Borsa; GOMES, Paulo; BULHÕES, Maria
Amélia. 100 Anos de Artes Plásticas no Instituto de Artes da UFRGS: Três
Ensaios. Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2012.
• Invidia, la diosa romana antecessora de las brujas. Supercurioso. Disponível em:
<https://supercurioso.com/invidia-diosa-romana-antecesora-brujas/>. Acesso
em: 04 de Out. 2020.
• COSTA, Ricardo da; SANTOS, Armando Alexandre dos. A Inveja na Arte
Medieval e Renascentista. XI EHA – ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE –
UNICAMP, 2015. Disponível em: <https://www.ricardocosta.com/artigo/inveja-
na-arte-medieval-e-renascentista>. Acesso em: 05 de Out. 2020.
• INVIDIA. WIKIPÉDIA. Disponível em: <https://pt.qaz.wiki/wiki/Invidia>.
Acesso em: 04 de Out. 2020.

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