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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO

ACARAÚ
RELATÓRIO DE ESTÁGIO
DISCIPLINA: METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA
PROFESSORA: MARIA ANTÔNIA VEIGA ADRIÃO

ESCOLA, NEOLIBERALISMO, VIOLÊNCIA E ENSINO DE HISTÓRIA


ENQUANTO PRÁXIS POLÍTICA

Orlando Mendes Ramos

RESUMO

O presente texto objetiva descrever o período de estágio realizado no ensino fundamental II


(sexto ao nono ano) da unidade de ensino Escola Padre Osvaldo Chaves de Ensino
Fundamental, integrante da rede municipal de educação da cidade de Sobral-CE, localizada
no bairro Dom Expedito; correspondendo às 45 horas obrigatórias para a disciplina de
Metodologia do Ensino de História I do curso de História (Licenciatura) da Universidade
Estadual Vale do Acaraú. Aliado a descrição, o texto trabalhará aspectos estruturais da
unidade de ensino centrada na relação social da violência, integrada ao amplo contexto do
ensino público no Ceará e seus desdobramentos político-econômicos. Assim, estabelecendo
uma relação entre os desenvolvimento das relações econômicas neoliberais com a esfera
social na face do serviço público de educação e a posterior proposição de mediadores para a
problemática, tendo por base os documentos normativos quanto ao ensino e ao ensino
específico de História e a adição de propostas que mesclam uma perspectiva multicultural e
essencialmente socialista de linha libertária.

Palavras-Chave: Educação, Neoliberalismo, Violência, Multiculturalismo, Poder Popular.


RESUMEN: Este texto tiene como objetivo describir el período de prácticas realizado en la
escuela primaria II (sexto a noveno año ) de la unidad de ensino Escola Padre Osvaldo Chaves
de Ensino Fundamental, parte de la red municipal de educación de la ciudad de Sobral-CE,
situada en el distrito Dom Expedito: correspondientes a las 45 horas obligatorias para la
disciplina de Metodología de Enseñanza de la Historia I del curso de Historia de la
Universidad Estadual Vale do Acaraú. Aliado a la descripción, el texto trabajará aspectos
estructurales de la unidad de enseñanza centrado en la relación social de violencia. integrada
al amplio contexto de la enseñanza pública en Ceará y sus desarrollos político-económicos.
Así, estabelecendo una relación entre los desarrollos de las relaciones económicas
neoliberales con la esfera social mediante el servicio público de educación y la posterior
proposición de mediadores para el problema, a partir de los documentos normativos relativos
a la enseñanza y enseñanza específica de la Historia y la además de propuestas que mezclan
una perspectiva multicultural y esencialmente socialista con una línea libertaria.

Palabras clave: Educación, Neoliberalismo, Violencia, Multiculturalismo, Poder Popular.

INTRODUÇÃO

Em relação às atividades realizadas durante o período de estágio, junto do


acompanhamento das aulas e planejamentos, houve a análise de aspectos da estrutura escolar
que influem diretamente sobre as condições de ensino como por exemplo a disponibilidade de
material didático e seus conteúdos, o uso da biblioteca por parte dos alunos, elementos
materiais como carteiras, ventiladores, lousas junto de hábitos dos sujeitos que compõem o
ambiente: alunos, professores e funcionários; ainda que nem todos os aspectos possam ser
melhor trabalhados dado a objetividade do texto.

As observações em campo dirigiram a pesquisa em um tema específico que


corresponde a uma relação social perpetrada no contexto escolar, tanto nas relações entre
indivíduos como entre instituições e sujeitos; no caso a violência escolar e violência na
escola, sendo tais conceitos e discussões melhor explicitadas futuramente dado a necessidade
de uma exposição inicial do panorama da escola.
Tratando primeiramente sobre o ensino de História, tanto em sala como nos momentos
de planejamento, chega-se à conclusão que a prática é centrada no uso do livro didático
(coleção História: Sociedade & Cidadania de Alfredo Boulos Júnior) como instrumento de
apoio e principal documento fornecedor de um discurso histórico para os educandos. Tal fato
não exclui a possibilidade de se trabalhar conteúdos partindo ou articulando com os saberes
prévios dos discentes bem como a sua participação em aula e as conexões possíveis de serem
feitas com suas realidades, sendo um elemento presente e estimulado, na medida do possível,
por minha orientadora; postura alinhada ao que propõe o Documento Curricular Referencial
do Ceará: “(...) a construção de um conhecimento que RESULTA da síntese (metódica) dos
diferentes saberes que embasam a cultura, o trabalho e a prática social dos sujeitos (art 1º
LDB 9394/96).”(p.36)

O manual do professor, presente em uma cópia específica do livro didático, também


oferece um conjunto de orientações referentes ao ensino; desde aspectos metodológicos do
conhecimento histórico escolar e suas especificidades em relação ao conhecimento científico
e os mediadores dessa forma de saber; assim, conforme explica BOULOS JÚNIOR (2018)

(...) seleciona-se o tema e transforma-o em problema por meio de um conjunto de


questões. Estuda-se, então, o passado para entrar em contato com as experiências dos
seres humanos de outros tempos no enfrentamento desse problema e retorna ao
presente.(p. XII)

O argumento apresentado por BOULOS, somados a outros trechos do manual, podem


ser conectados com as propostas curriculares do estado do Ceará, como no trecho referente a
proposta curricular da História no Ensino Fundamental:

Estimular o movimento consciente e criador dos alunos e das alunas, para conhecerem
a própria história, realizando comparações, críticas e interpretações do mundo social
são atitudes diretamente relacionadas com a formação cidadã. Sobretudo, o
conhecimento do outro através de novas interpretações pautadas na alteridade e no
respeito à diversidade foi um princípio que norteou a criação das referências
curriculares da área específica de História. (p.842)
Sendo esse conjunto de pressupostos objetos importantes na construção do saber
humano, da forma como propõe o currículo estadual amparado na BNCC, no que concerne às
propostas pedagógicas somadas ao princípio de uma Educação Integral, isto é, um modelo
educacional que forme diferentes aspectos pessoais e interpessoais da vida do educando:

Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao


desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não
linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que
privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa,
ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do
jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem”. (...) “reconhece
que a educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a
transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também,
voltada para a preservação da natureza” (BRASIL, 2013).

NEOLIBERALISMO, EDUCAÇÃO E VIOLÊNCIA

Embora possuindo tais propostas que se dirigem a um campo relativamente


progressista do saber, é necessário destacar que a experiência prática demonstra como a
atividade de ensino toma um sentido que privilegia e individualiza o aprendizado, no sentido
de não promover uma real integração das experiências culturais e sociais de um amplo grupo
de discentes, além da própria diversidade de corpos e mentalidades presentes em um ambiente
escolar. Assim, conformando um tipo ideal de aluno direcionado a um conjunto normativo
que favorece apenas os sujeitos que se moldam nessa forma, logo sendo dissonante com as
próprias propostas curriculares das instâncias governamentais.

Tal panorama se manifesta nas relações sociais executadas entre instituições e sujeitos
e nas relações interpessoais, formando o conjunto de sistemas sociais que regem o
comportamento dos indivíduos, podendo ser classificado enquanto um habitus escolar,
conforme presente na obra de Bourdieu.

Enquanto “força formadora de hábitos”, a escola propicia aos que se encontram direta
ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamento
particulares e particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas
particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da
ação, aos quais pode-se dar o nome de habitus cultivado (Bourdieu,2007, p. 211).
No contexto da escola pública, tanto na unidade da atividade de campo como em
outras instituições conhecidas a partir de debates e pesquisas, observa-se o direcionamento
para a manutenção de um habitus que tem por intuito a formação não de seres humanos
emancipados seguindo alguns componentes dos modelos da educação integral anteriormente
apresentados, mas sim futuros profissionais que darão continuidade ao atual desenvolvimento
do capitalismo na periferia da globalização, o mercado neoliberal que desde a década de 1970
com a experiência chilena invade as realidades latino-americanas intensificando a condição de
dependência das economias latinas e a dominação sobre as classes historicamente oprimidas
pelo capital associado ao Estado.

Conforme coloca Renato Vieira (2002):

A visão neoliberal de mundo procura impor uma determinada ótica sobre as relações
entre produção e educação, como se houvesse uma necessidade mecânica de
adequação do último termo ao primeiro, com a conseqüente redução do papel das
escolas a um mero atendimento da formação de mão de obra para o processo de
reestruturação das empresas modernas.

Entendendo neoliberalismo enquanto o conjunto de políticas econômicas pelo qual o


capitalismo passa no contexto do pós-segunda guerra mundial no sentido de sua
reestruturação, direcionada para políticas de "austeridade fiscal” que esfacela a regulação do
Estado sobre a economia e os serviços públicos, favorecendo o capital privado e a
precarização das relações de trabalho.

Nas economias periféricas em que a situação de dependência é preponderante há tanto


um recuo nos direitos trabalhistas conquistados nas lutas históricas dos movimentos sociais
como a instrumentalização dos serviços públicos para atender os interesses privados, como no
caso escolar em que a prática pedagógica, através de uma disciplinarização de educandos e
educadores sobre uma lógica mercadológica com o estabelecimento de metas de
produtividade sobre a condição de premiações para turmas e professores, a competitividade
entre as diferentes turmas junto de instrumentos de medição de desempenhos aplicados
periodicamente sobre parâmetros desconhecidos para alunos e professores.
A educação, neste processo, deve incorporar os valores do mercado regidos pela
eficiência, lucro, produtividade, êxito, competição, que lhe permitam também preparar
uma mão-de-obra para este mercado dual, que separa os “bons” dos “ruins” e
negligencia elementos que, se não no todo, pelo menos em parte, orientaram a
formação das redes de ensino público e gratuito: a cidadania, a participação, a
igualdade. (VIEIRA, 2002, p.17)

Configurando uma “nova” pedagogia do capital, de acordo com Vieira (2002), que se
sustenta na construção de uma subjetividade do trabalhador vinculada às novas características
do trabalho e do mercado, “estreita as perspectivas da formação aos ditames do mercado e do
consumo”, isto é, fornecer um processo educativo que direcione o futuro trabalhador a ser
integrado ao mercado neoliberal para garantir sua manutenção ou a continuar sua formação
aliada aos interesses mercadológicos. “Vincular o ingresso dos educandos única e
exclusivamente pela própria capacidade individual”; estimular os ideais de competitividade e
individualismo junto da individualização do próprio “sucesso” ou “fracasso” e por último a
constante desmobilização do potencial social dos sujeitos que formam uma unidade escolar.

Na Escola Padre Osvaldo Chaves, assim como em outras instituições nas suas devidas
condições, ocorre um fenômeno que pode ser interpretado sobre a lógica da constante invasão
mercadológica sobre o setor educacional, no caso as relações sociais de violência observadas.
O próprio direcionamento que o contexto político-econômico emprega sobre a escola pode ser
entendido sobre um viés cultural enquanto uma violência, ou mesmo uma violência simbólica
voltando a Bourdieu.

Tal conceito em Bourdieu aparece enquanto as relações de dominação e opressão que


ocorrem pelos meios ideológicos e não estritamente materiais, partindo de uma classe que
estabelece o monopólio institucional sobre outra classe ou segmento social, impondo uma
cultura e um ethos dominante que ora disciplina ora pune os sujeitos dissonantes. Dentro do
contexto escolar pode-se perceber uma violência disciplinar que se dá através de mecanismo
simbólicos, sobrepujando as especificidades de cada um, conformando um poder
disciplinador nas mãos da instituição. “A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica
específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como
instrumentos de seu exercício” (Foucault, 1987, p. 195).
Em prática, pode-se fazer uma leitura do comportamento violento de alguns estudantes
em relação aos seus colegas e a professores e funcionários enquanto uma reação a disciplina
que se impõe sobre eles. Algo que Nildo Viana (2002), tendo por base Erich Fromm, coloca
enquanto uma violência reativa, entendida por “uma relação social na qual um
grupo/indivíduo impõe, momentaneamente, algo a outro grupo/indivíduo contra sua
vontade/natureza em resposta a uma violência anterior provocada por este mesmo
grupo/indivíduo”.

Exemplificando com fatos observados, a repulsa pela participação em aula ou mesmo


a resistência em permanecer em sala podem ser interpretadas enquanto reações às medidas
disciplinares impostas pela instituição escolar, entendida enquanto um instrumento da classe
dominante que tem por objetivo reproduzir a cultura a ser destacada e valorizada,
colocando-se acima dos inventários simbólicos construídos pelo estudante em interação com
sua realidade social. Um paralelo interessante a ser feito é com as culturas dos povos
indígenas e os momentos de integração de crianças indígenas nas escolas que seguem a lógica
de ensino e relações sociais de acordo com a norma dominante do Estado nacional,
reproduzindo o modo capitalista.

Abaixo de tal estrutura a cultura indígena se torna um elemento a ser substituído pela
cultura dominante, tal fato pode ser correlacionado com o que os estudantes das periferias dos
centros urbanos (como os habitantes do Dom Expedito) internalizam como práticas sociais na
realidade de seus bairros, nas vivências e interações com familiares e amigos, havendo a
necessidade de substituir esses padrões “dissonantes” através da instituição de ensino.

Assim estabelecendo uma dupla relação de violência, uma cultural ou institucional e


uma reativa, reproduzindo padrões comportamentais de uma lógica mercadológica em que se
fragmenta o corpo discente em “classes sociais” ou ainda o prelúdio dos locais sociais que
cada um vai ocupar, com os adequados aos padrões comportamentais premiados com a
certeza (ainda que ilusória dada a instabilidade do mercado de trabalho neoliberal) de um bom
posto de trabalho ou oportunidade para se aprimorar para um futuro emprego. Relegando aos
que não se adequam o mais baixo nível nas relações de trabalho, podendo esse segmento
compor aquilo que categorizado enquanto Geração N.

O que chamo de Geração N, portanto, são jovens nascidos entre 1990 e 2002,
oriundos de famílias de baixa renda, residentes na sua maioria na periferia das grandes
e médias cidades, que estão sem estudar, sem trabalhar e que, em certos casos,
desistiram até mesmo de procurar empregos. Eles vivem a margem do universo
possível que faz a distinção social no Brasil contemporâneo. (DIÓGENES, 2019, p.5 )

Essas relações ainda são manifestantes de uma série de preconceitos de ordem


estrutural que segmentam a sociedade brasileira, desde a condição urbana que esses jovens
ocupam, as implicações étnicas e de gênero e sexualidade que dão cor e rosto aos alunos
“problemáticos”. Derivando na composição étnica preponderante entre os jovens que
abandonam a escola, jovens adultos desempregados ou em subempregos e na composição da
população carcerária.

No caso da Padre Osvaldo Chaves, enquanto uma escola localizada em um bairro


periférico da cidade de Sobral, grande parte de seus alunos é morador da região e assim
convivem com o crescente avanço do crime organizado assistidos nos últimos anos, junto dos
antagonismos construídos entre as diferentes facções que ocupam os bairros sobralenses que
implicam em normas comportamentais para os habitantes desses bairros. Tais fatos geram um
imaginário que se reproduz em sala através dos momentos mais acalorados, seja em
brincadeiras ou mesmo nas manifestações de relações violentas, tais como momentos de
mútua acusação ou mesmo encenações do que seria uma prática criminal.

Ainda no campo das reproduções de representações e vivências que ocorrem dentro


das relações violentas, há o fator das diferentes formas de preconceito que se tornam elemento
de agressão, como termos LGBTQIA+fóbicos, racistas, misóginos e capacitistas; ainda que
seja opinião entre grande parte dos alunos a nocividade dos preconceitos, assim sendo
possível inferir a possibilidade de uma reprodução pouco reflexionada do que está sendo dito
ou mesmo a suavização dos usos desses termos quando instrumentalizados sobre intenções
“amistosas”.

Em relação a isso, um fato interessante a ser analisado é a forma como o corpo


discente e docente trata os alunos neurodivergentes que obviamente necessitam certo nível de
tratamento individualizado mas que quando mal executado (seja por falhas no corpo docente
ou mesmo pela falta de profissionais específicos para essa atividade) constitui uma relação de
violação ao neurodivergente que é segregado das práticas de aprendizagem, estigmatizado
enquanto um problema para o corpo escolar e mesmo segregado por parte dos próprios
colegas, sendo tal panorama observado na unidade de ensino supracitada.
Logo, não é possível concluir como único fator de manutenção para a violência a
“indisciplina” derivada da condição de submissão ou mesmo o locus urbano ocupado pelo
discente, sendo também presente a própria condição socioeconômica familiar do aluno que
implica o nível de acompanhamento do seu cotidiano escolar, elementos próprios da condição
humana do aluno enquanto um sujeito diversificado sobre variados aspectos.

Partindo dessas observações, é possível estabelecer uma série de propostas de


intervenção, mas destaco que qualquer proposta a ser apresentada necessita de uma extensa
revisão quanto ao seu conteúdo e problemas sobre o qual pretende atuar. Assim,
primeiramente coloco como ponto crítico da realidade escolar, se não o maior problema a
tratar a questão da mercantilização do ensino, alinhada ao panorama político econômico
anteriormente apresentado.

EDUCAÇÃO ENQUANTO PRÁTICA POLÍTICA

Além dos problemas que afetam a formação humana do jovem estudante, a lógica de
mercado implantada nas unidades escolares coloca em evidência a quebra com uma série de
pressupostos político-pedagógicos presentes nos documentos que norteiam as resoluções
curriculares da educação sobre variados níveis, como citado anteriormente a ideia de uma
Educação Integral baseada em pressupostos humanistas como o oferecimento das condições
para a manutenção da condição de humano e seu constante desenvolvimento passam a ser
instrumentalizados sobre os interesses econômicos de uma classe exterior ao educando.
Assim, também estabelecendo um desencontro com todas as resoluções referentes a
autonomia; seja a autonomia do discente, docente ou mesmo da instituição escolar conforme
estabelece o plano político-pedagógico: “Prevista desde 1996 na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, a proposta pedagógica tem como objetivo garantir a autonomia da escola na sua
gestão pedagógica, administrativa e financeira.”

O conceito de autonomia também é algo a ser destacado dado seu uso “banalizado”
nos textos oficiais, que utilizam do conceito como um elemento norteador de diferentes
aspectos do ensino e até mesmo usam como referência a obra de Paulo Freire para embasá-lo.
Formando um panorama em que teoria e prática se distanciam, ou mesmo quando
aproximados geram um problema decorrente da contextualização cultural mal executada.
Compreendendo autonomia dentro da proposta freiriana enquanto a construção e manutenção
de uma prática pedagógica dialógica entre o saber do educador e o saber do educando,
ressaltando os mecanismos sócio-culturais e sua individualidade enquanto forma de se
construir o saber.

Assim, referindo-se ao que pode ser colocado enquanto mediador dessa problemática
está o real cumprimento daquilo que está estabelecido nas diretrizes curriculares, sendo tal
ação apenas possível com uma viragem quando a influência mercadológica sobre as
instituições de ensino; através de organismo de representação profissional do professorado
atuando enquanto instrumento de luta social e reivindicação sobre as instâncias políticas. Tal
atividade além de favorecer as reformas necessárias para uma real prática de ensino alinhada
ao que o Estado brasileiro, imbuído da alcunha de um Estado democrático de direito, coloca
para a educação de sua população, também funciona como um fomentador da luta social,
desmobilizada por setores ditos progressistas mas que se alinham diretamente com a
manutenção dos mecanismo de exploração da classe trabalhadora; tornando-se efetivamente
também um instrumento de combate ao avanço do conservadorismo e da extrema-direita.

Somado a representação do professorado é necessário uma real integração e contato


constante com a população do bairro em que se localiza a escola, assim construindo a
formação de uma representação dos moradores aglutinada através do espaço escolar, em que
se possa construir as práticas escolares junto dos pais e responsáveis, discutindo os eventuais
problemas que possam ocorrer como a violência por exemplo, levantar reivindicações às
instâncias públicas para tratar de necessidades imediatas como o acompanhamento
profissional para estudantes com necessidades especiais ou eventuais melhorias estruturais;
não excluindo de reuniões a participação discente. Sendo formado, efetivamente, um
organismo plural de representação e construção social, podendo derivar na transformação do
espaço escolar em um local de autogestão popular. “Podemos dizer que autogestão seria, em
termos gerais, o poder efetivo de decisão sobre o conjunto das questões políticas, econômicas,
sociais; não realizado de cima para baixo, a partir da cúpula, mas de baixo para cima, a partir
da base.”[FAU. Poder, Autogestão e Luta de Classes: uma aproximação do tema]

Transformando o ambiente escolar em um espaço de constante construção e interações


sociais torna-se pertinente a reformulação de elementos curriculares, não partindo de um
processo autofágico que desconsidera os conhecimentos já legitimados, mas adiciona à prática
de ensino propostas epistemológicas para além da tradicional, como os saberes dos povos
indígenas, africanos, suas narrativas, histórias de luta, resistências, construindo uma
representação que não focaliza apenas nos aspectos “negativos”, como o histórico de
violências perpetradas pela dominação e exploração europeia e que foram privilegiados
enquanto a única narrativa válida; mas trata de representar as continuidades culturais das
práticas desses povos que conformam a pluralidade de identidades que constituem a realidade
brasileira junto das suas formas de resistência enquanto detentores de epistemologias que não
são privilegiadas no ensino da história desses povos. Entendendo tal proposição enquanto
uma forma de ampliar a perspectiva histórica e social dos educandos, contribuindo nos
processos de construção de identidades, efetivamente se contrapondo ao discurso dominante e
criando formas de sociabilidade que superam a concepção de um poder disciplinador nas
instituições de ensino.

Dentro dessa perspectiva, é possível incluir enquanto uma outra proposição de ensino
contextualizada ao meio sócio-cultural dos discentes, que se confirma enquanto dissonante à
centralização empregada aos modos de aprendizagem ocidentais de raiz europeia e
instrumentalizados como ferramentas de manutenção do status quo, baseada nas relações
sociais construídas nos espaços periféricos somadas aos efeitos da globalização quanto ao
consumo midiático. Sendo possível historicizar a própria condição periférica dos discentes,
estudando os processos históricos que constroem o panorama econômico e social dos seus
cotidianos; com a possibilidade de adicionar elementos de suas realidades culturais como a
música. Referente a essa temática, é necessário destacar que esse trabalho alinha-se na
atividade de descriminalização da periferia e seus elementos culturais, como o gênero musical
do funk.

Também é possível levantar a possibilidade de um ensino de História próximo com o


consumo midiático dos discentes, em um momento marcado pelo aumento do consumo de
mídias asiáticas; desde animações e quadrinhos japoneses conhecidos popularmente como
animes e mangás, respectivamente, no sentido de aproveitar obras que possam se conectar a
temáticas do ensino de história, ressignificar os efeitos da globalização sobre as nações da
periferia do capitalismo e garantir um interesse e participação dos alunos. Em conversa com
estudantes das quatro turmas do fundamental II, por exemplo, foi possível saber que tanto
meninos quanto meninas consomem ou conhecem em algum nível tais formatos de mídia.

A partir disto é necessário destacar que esse conjunto de propostas podem ser
interpretadas efetivamente enquanto reformas com potencial de uma profunda transformação
social alinhadas diretamente aos interesses dos diversos sujeitos, grupos sociais que formam a
sociedade brasileira, e não aos interesses da abstração do “mercado” ou dos interesses
políticos, supostamente representantes da vontade popular.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, para concluir a exposição, reitero a indissociável ligação entre o panorama


político-econômico atual com a problemática da violência, entendida não enquanto relações
isoladas mas em um amplo contexto que tanto envolve especificidades individuais de cada
sujeito como fatores externos construídos socialmente. Partindo dessa concepção, tanto se faz
necessário a luta social por condições materiais que proporcionem um real ensino
contextualizado à diferentes realidades sociais e intrapessoais, seja através de formações
especializadas para professores e a reconstrução curricular em volta de uma ampliação
epistemológica, a inclusão de profissionais da área da psicologia e cuidadores para pessoas
portadoras de deficiências e neurodivergentes que possam construir junto do corpo docente
formas de integração e aprendizagem desses indivíduos e o estabelecimento de pontes
concretas entre escola e sociedade proporcionando um maior acompanhamento de pais e
responsáveis no cotidiano escolar; conformando a proposta anteriormente apresentada de um
ensino multicultural e emancipatório.

Como tais propostas estão colocadas no campo da idealização, há a necessidade de


análises mais profundas e melhor qualificadas para apontar e propor formas de constituição de
uma melhor realidade para o ensino, sendo o texto uma maneira de apontar uma solução para
um problema concreto através de um outro horizonte político; que tem como um de seus
alicerces a construção de um novo mundo. “É necessário fazer um mundo novo. Um mundo
onde caibam muitos mundos. Onde caibam todos os mundos.” (Subcomandante Marcos,
porta-voz do movimento Zapatista no sudeste do México)

REFERÊNCIAS

BOULOS JÚNIOR, Alfredo. Coleção História, sociedade & cidadania. São Paulo: FTD, 2018.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 6ª Edição. São Paulo: Perspectiva, 2007.
DIÓGENES, Glória. Eles dizem não ao não: um estudo sobre a geração N. Edição 01. Fortaleza-CE: Instituto
Dragão do Mar, 2019.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. 27ª Edição. Petrópolis: Vozes, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 25ª Edição. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Documento Curricular Referencial do Ceará. Disponível em:


http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/curriculos_estados/documento_curricular_ce.pdf

NOSSA CONCEPÇÃO DE PODER POPULAR. Socialismo Libertário - Revista da Coordenação Anarquista


Brasileira. Número 1 - Junho de 2012. Disponível em:
https://cabanarquista.org/wp-content/uploads/2020/04/revista-soli-1.pdf

OLIVEIRA, Bruna Santana de, SANTOS, Jacques Fernandes, SANTOS, Vinicius Silva. A VIOLÊNCIA
SIMBÓLICA NO CONTEXTO ESCOLAR: A transformação da sala de aula em um tribunal de exclusões nos
vereditos do juízo professoral. Revista Científica da FASETE 2017.3. p. 100 - 114. Disponível em:
https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/14/a_violencia_simbolica_no_contexto_escolar.pdf

Escola Padre Osvaldo Chaves de Ensino Fundamental, PROPOSTA PEDAGÓGICA ENSINO


FUNDAMENTAL. Sobral-CE, 2022.

SOUZA, Miriam Rodrigues de. Violência nas escolas: Causas e Consequências. Caderno Discente do Instituto
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