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RESUMO:
O presente texto reflete sobre alguns aspectos do Ensino de Arte Visual praticado no
Ensino Superior no Brasil confrontando certas estruturas curriculares com o
distanciamento das transformações que ocorreram entre a produção artística e as
diferentes instâncias do chamado Sistema de Arte nos últimos anos.
Esta proposta se funda nas vivências acadêmicas experimentadas ao longo de
quarenta anos de atividade docente e toma como principal questão a relação entre o
Sistema de Arte, constituído pelas organizações ou instituições que atuam com a
Arte ou na Arte e os modos como seu Ensino é professado, especialmente no nível
superior, em cursos que se dedicam à formação artística graduando estudantes em
bacharelados ou licenciaturas através de seus Currículos Pedagógicos.
Palavras Chave: Ensino de Arte Visual; Currículo Pedagógico; Ensino.
Sprains and Anachronism: reflections between Art System and Visual Art
Education.
ABSTRACT:
This paper reflects on some aspects of Visual Art Education practiced in higher education in
Brazil confronting certain curriculum structures with the distance of the changes that
occurred between artistic production and the various instances of so -called art system in
recent years.
This proposal is based on academ ic experiences tried over forty years of teaching activity
and takes as its main question the relationship between art system, made up of
organizations or institutions that work with art or art and the ways in which their education is
professed especially at the top level in courses dedicated to art education graduate students
in bachelor's degrees or through their resumes Pedagogical.
Keywords: Visual Art Education; Educational curriculum; Education.
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1. Precedentes: condutas e contaminações.
O que motiva esta discussão é a relação entre minha prática docente e o Ensino
superior de Arte desde 1976, portanto, não se trata de uma abordagem
estatística, ampla ou comparativa mas restrita a um contexto específico e
particular, à exemplo de um estudo de caso de caráter descritivo e documental.
Tomando por base os Currículos Pedagógicos2 de vários cursos foi possível inferir
alguns aspectos das concepções e circunstâncias por meio das quais foram
concebidos. Inicialmente analisamos as orientações educacionais emanadas da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 5692 de 1971, que, pela primeira
vez, inseria o ensino de arte no contexto educacional nacional, definindo a
obrigatoriedade da Educação Artística no Ensino de Primeiro e Segundo Graus.
Quando o Ministério da Educação assumia, na figura do Conselho Federal de
Educação, a responsabilidade normalizadora das condutas pedagógicas,
especialmente das instituições de ensino superior. As prescrições deste
Conselho se fizeram presentes na criação dos Currículos Mínimos, material de
referência obrigatória para a configuração dos cursos superiores no país até a
edição de uma nova lei de Diretrizes e Bases em 1996. Até então a aprovação
para funcionamento de cursos superiores em instituições públicas ou privadas,
não acontecia sem que eles apresentassem uma proposta de currículo
compatível com tais orientações.
1
Sistema de Arte, entendido aqui como o conjunto de instituições: museus, galerias, coleções públicas e privadas, edições de
2
O conceito de Currículo Pedagógico, aqui utilizado, compreende su as diferentes dimensões: social, política, econômica e
cultural considerando que, historicamente, o termo currículo foi sempre rela cionado à projetos de organização, métodos,
procedimentos didáticos e controle do ensino e da aprendizagem na consecução dos objetivos da praxis escolar.
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na qual o Conselho Federal de Educação, define as diretrizes curriculares para
estes cursos. Tais diretrizes são editadas em diversas áreas e servem de
referência para a criação de cursos superiores no país. Tais fatores, entre
outros, foram determinantes para a configuração dos currículos dos cursos de
arte estabelecendo as características manifestas conforme observadas nesse
estudo.
Sob este olhar também se constatam tentativas de atualizar tais projetos, aliando-os
às conquistas tecnológicas, quer por meio da incorporação de uso de aparelhos
como os computadores, projetores, câmeras de tomada e produção de imagem
e seus desdobramentos na computação e seus resultados digitais fixos, virtuais
ou em rede. Nem sempre esta tentativa obtém sucesso, quer pelo
desconhecimento das novas tecnologias, quer pela dificuldade de investimentos
para compra ou atualização de tais equipamentos ou ainda pela dificuldade que
os agentes envolvidos no processo final, os professores e técnicos, tem de
assimilar, aplicar e difundir tais tecnologias: mais distensão e “anacronismo ao
reverso”, ou seja, tentativas de avanço forçando a inserção de conteúdos ou
recursos sem que se tenha pleno domínio sobre eles.
Todos estes são fatores que compõem o complexo de dados e informações que
concorrem para a configuração de uma estrutura curricular que, na tentativa de
não perder sua efetividade, procura estabelecer um dialogo com a sociedade
dirigindo um olhar para a Arte e outro para o Sistema no qual ela se insere na
atualidade tentando traduzir, no seu contexto pedagógico, as questões que
orientam tanto o fazer quanto o ser da Arte na atualidade.
Tal tentativa é ainda influenciada ou contaminada pelas interpretações de como
estes agentes entendem do seu contexto cultural, independente de reflexões
mais profundas sobre o que este sistema representa no contexto histórico e
pedagógico.
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Além destes fatores, deve-se ressaltar ainda que as opções curriculares
implementadas nos diferentes cursos superiores também decorrem da liberdade
de gestão acadêmica que as instituições de ensino superior gozam. Desse modo
podem orientar seus Projetos Pedagógicos de acordo com o interesse
institucional em função das características e/ou idiossincrasias locais. Cada
contexto social propõe o tipo de formação no qual acredita ter sido configurado
segundo necessidades regionais e as características típicas de cada lugar
personalizando.
Portanto, com base nos projetos curriculares que vivenciamos, inferimos a variação
de perfis que chamamos de Matrizes Curriculares. É disso que trata este texto:
verificar a construção de uma “Identidade Curricular” a partir da reflexão sobre
as distensões e anacronismos revelados por meio da análise destes currículos.
Em vários momentos destes quarenta anos constatei que um dos fatores essenciais
na consecução deste ensino é a Estrutura Curricular sob a qual é orientado que,
na maioria das vezes, é uma mescla das diferentes tendências estético/artísticas
que surgiram desde os mais tenros períodos da Arte. Além disso, há a
interveniência de fatores idiossincráticos decorrentes dos modos como os
professores organizam seus programas de ensino, chamado de currículo oculto,
ou seja, as interpretações, adaptações, compreensões e mesmo transformações
impostas pelos professores na realização das atividades didáticas em sala de
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aulas. Portanto, a análise da configuração estrutural dos cursos que
conhecemos é importante para entendermos como este ensino tende a se
realizar mantendo ou alterando o status quo.
Ao olharmos para a história pregressa do Ensino de Arte, podemos dizer que seu
surgimento formal ocorre com a fundação das Academias no contexto do
Renascimento italiano. Antes, a preparação de pessoas para exercer o fazer da
arte, era realizado pelas Corporações de Ofícios, as Guildas medievais nas
quais os Aprendizes dependiam dos Oficiais e Mestres para dominar um ofício,
fosse ele a Pintura, o Desenho, a Escultura ou qualquer outro meio de
manifestação artística ou profissional. O modelo pedagógico configurado pelas
Academias passou a orientar boa parte de seu ensino baseando-se na
recuperação da origem histórica Greco-Romana recorrendo ao estilo fundado
pelos artistas nesse contexto sócio-político-cultural evocado pela redescoberta
da tradição ancestral e das técnicas consolidadas até então como a Pintura,
Escultura e Arquitetura. Tais procedimentos, por sua vez, influenciam a
fundação das Academia de Belas Artes que surgiram na França séculos depois.
Pode-se dizer então que as Belas Artes, como modelo de ensino de Arte Visual,
perdurou até o advento da Modernidade quando os artistas se rebelaram e se
opuseram aos efeitos decorrentes dos procedimentos metodológico instituídos
pelas Academias que levavam a Arte à uma espécie de padronização visual,
descartando a personalidade e a individualidade como valores inerentes à
expressão artística.
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As manifestações artísticas decorrentes da Modernidade, identificadas pelos
inúmeros “ismos” com os quais passamos a conviver, ampliaram o universo
expressivo e discursivo da Arte Visual possibilitando a expansão de novas
abordagens estéticas e, consequentemente, pedagógicas.
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amparava as poéticas plástico-visuais desde a pré-história, na antiguidade, nas
Guildas Medievais e das Academias Renascentistas ou Novecentistas quanto
aos procedimentos de observação e metodologias. Considerando ainda que o
domínio psicomotor é uma das condições necessárias para a compreensão e
realização das Obras de Arte desde os primeiros momentos da humanidade até
a contemporaneidade. Neste sentido há duas concepções estéticas na
atualidade: uma Material e outra Conceitual. Pode-se dizer que a Material,
decorrente das conquistas da tradição artística, considera os aspectos
cognitivos, psicomotores, técnicos e matéricos na configuração das imagens de
Arte e a Conceitual considera especialmente os aspectos cognitivos-conceituais
na concepção das Obras de Arte.
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autonomia técnica e criativa. Deste modo, a fotografia passa a atuar
concomitantemente na configuração visual de imagens que se aproximavam do
mundo natural e, logo, tornou-se um referencial importante e eficiente para
registro e documentação do mundo visível, além disso se torna também um
procedimentos expressivo importante, constituindo uma poética própria e por
tudo isto acaba influenciando a Arte Visual.
Ao mesmo tempo é necessário aceitar que, até o século XIX e antes do advento da
fotografia, o único meio de criar imagens era o artístico, portanto, não havia
como ignorar que, uma boa parte da produção de imagens, era realizada nesse
contexto e dependia das habilidades dos artistas. Neste sentido é compreensível
que as Academias investissem na consolidação de processos e procedimentos
que garantissem à sociedade meios para a realização de imagens compatíveis
com o mundo natural. O advento da fotografia é um dos fatores que liberam a
Arte da obrigação do naturalismo, do figurativo e do treinamento excessivo para
a construção de imagens possibilitando à Arte a dispensa gradual desta
responsabilidade e, em consequência disso, pode assumir com maior autonomia
sua identidade e inventividade próprias.
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em vários currículos. A versão atualizada deste processo expande a concepção
de Desenho para o conceito de Expressão Gráfica, ou seja, uma orientação
pedagógica amparada na essência do desenho e não em sua aparência
naturalista ou figural.
Ao admitirmos que a Arte atual é mais baseada em ideias e conceitos e menos nas
habilidades técnicas, materiais ou motoras não quer dizer que o processo de
observação esteja obsoleto e deva ser extirpado do contexto de ensino, é
necessário entender apenas que sua finalidade mudou. Se, para a Arte de
tradição acadêmica o desenho de caráter naturalista era a base de estruturação
das demais manifestações artísticas como a Pintura e a Escultura, hoje o que
ele preserva é a capacidade de aprendizado para entender a visualidade e, por
consequência, assimilar os procedimentos discursivos e expressivos, que
orientam a Cultura Visual que constitui o mundo contemporâneo em todas as
suas manifestações imagéticas.
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discurso estético do fazer expressivo da arte visual pode ser operado a partir de
suas essências estéticas e qualidades plásticas.
A nomenclatura adotada naquele momento revelava os processos e procedimentos
necessários ao pensar e ao fazer artístico contemporâneo, distinto do processo
tradicional amparado no ensino acadêmico como Desenho Artístico, Anatomia,
Modelo Vivo, Desenho de Observação, entre outras possibilidades. Tais
conteúdos são nomeados através de seus procedimentos ou conceitos como:
Fundamentos da Expressão e Comunicação Humanas; Formas de Expressão e
Comunicação Artísticas, na parte fundamental e comum. Na parte específica:
Fundamentos da Linguagem Visual; Análise e Exercício de Técnicas e Materiais
Expressivos; Técnicas de Expressão e Comunicação Visuais, na parte da Arte
Visual. Linguagem Instrumental das Técnicas de Representação Gráfica
compreendendo o desenho geométrico, a geometria descritiva, a perspectiva e
sombra e luz na parte do Desenho.
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Na Análise e Exercício de Técnicas e Materiais Expressivos a finalidade é discutir,
identificar, explorar e expandir tanto os procedimentos técnicos quanto as
experimentações com materiais e soluções estéticas destinadas à expressão e
não à representação típica da tradição acadêmica.
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atuais para consolidação de um currículo inovador, o que provoca o que
identificamos como Distensão.
A título de conclusão pode-se dizer que, em boa parte dos cursos, a prática
pedagógica no Ensino de Arte Visual tem ocorrido, desde meados das décadas
e cinquenta do século passado, focado no contexto da matriz Modernista da qual
resultou o ensino de Artes Plásticas e, mais tarde, o ensino de Educação
Artística e de Artes Visuais. Neste sentido, conclui-se que os egressos deste
ensino ainda sofrem com isto e não dialogam plenamente com as tendências da
Arte produzida nos dias de hoje, quer pela dificuldade assimilar as informações
promovidas pela educação anacrônica e distendida à qual estão submetidos,
quer pela dificuldade de traduzir as tendências contemporâneas para o seu
contexto pedagógico vivencial e possibilitar sua integração no Sistema de Arte
atual.
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Bibliografia
BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Ensino da arte: memória e história, São
Paulo: Perspectiva, 2008.
BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos. Arte-educação no Brasil: das origens ao
modernismo, São Paulo: Perspectiva, 1978
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 5692 de 1971.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394 de 1996.
BRASIL. MEC. Conselho Federal de Educação, Parecer 1284/73.
DURAND, José Carlos Garcia. Artes Plásticas, Arquitetura e Classe Dirigente
no Brasil: 1855/1985. São Paulo: Perspectiva, 1989.
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Realizou pesquisas como:
“Panorama da Arte Visual em Londrina, de 1959 a 1984”.
“Aspectos da Arte Visual em Londrina: ensino, produtos e produtores”.
“Vertentes para o Ensino em Artes Visuais”. Dissertação de mestrado
“Modos de presença da imagem na enunciação da mídia jornalística impressa”. Tese de
doutorado.
Arte Visual, Produção e Curadoria:
Realizou diversas exposições de Arte Visual no interior de São Paulo e Paraná, em
Londrina e Curitiba desde 1972. Como Curador, produziu várias exposições como Chefe
da Divisão de Artes Plásticas da Casa de Cultura da UEL, de 1982 a 1990.
Atividades Administrativas e Culturais:
Desempenhou diferentes atividades acadêmico/administrativas desde 1976 na
Universidade Estadual de Londrina assim como: Coordenador de colegiado de cursos de
graduação e pós-graduação; Chefe do Departamento de Arte Visual; Diretor do Centro de
Educação, Comunicação e Arte; Chefe da divisão de Artes Plásticas da Casa de Cultura
da UEL; Chefe da divisão de Editoração da Editora da UEL; Assessor de Comunicação
Social da Universidade Estadual de Londrina.
Foi membro do conselho administrativo da Galeria de Arte Banestado -Atual Banco Itaú- de
Londrina, da Galeria da Caixa Econômica Federal em Lond rina, foi coordenador do Curso
de Especialização em Arte-Educação da UEL e membro do Centro de Pesquisas
Sociossemióticas, vinculado à PUC/SP, CLCH/USP/SP e CNRS/Paris/Fr
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