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NATAÇÃO h o e m

e r g u l
um ências criativas
m
e x p e r i

Emerson Saint’Clair
(organizador)
Emerson Saint’Clair
Editora Clube dos Recreadores
Editor-chefe Me. Cleber Mena Leão Junior
Diagramação e capa: Editora Clube dos Recreadores
Revisor técnico: Me. Tatyanne Roiek Lazier-Leão

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA


PUBLICAÇÃO (CIP) CATALOGAÇÃO NA FONTE
Conselho Editorial

Dr. Alexandre Paulo Loro (UFFS)


 
Me. Carlos Eduardo Sampaio Verdiani (FGP)

Dr. Franklin Castillo Retamal (Universidad Católica del Maule – Chile)

Dr. Guilherme da Silva Gasparotto (UFPR)


  
Dra. Juliana de Paula Figueiredo (UDESC) 

Dr. Marcio Alessandro Cossio Baez (UNIPAMPA)

Me. Yara Maria Kuster (UFRJ)

Comissão Editorial

Me. Cleber Mena Leão Junior (Clube dos Recreadores)

Dr. Giuliano Gomes de Assis Pimentel (UEM)

Me. Tatyanne Roiek Lazier-Leão (Clube dos Recreadores)

Este livro não contou com financiamento de agências de fomento a


pesquisas científicas.
AGRADECIMENTO
Aos meus alunos e às minhas alunas, os quais manifestam com olhares,
discursos e gestos no dia a dia, nos mais variados espaços e ambientes,
que o ato de ensinar, em síntese, implica experiência exitosa — ou seja, a
própria ressignificação da aprendizagem.

Aos autores e às autoras: Daniel Viana Azevedo, João Pedro Azevedo


Vianna Barreto, José Matheus Rodrigues de Souza, Lorran Marques, Luan
Moraes Rangel, Lucas Cabral Monteiro Alves, Lucas Martins Ramos, Lucas
Ribeiro Pelicioni, Manoela Vieira Dias Sardinha, Marcella Vicente Paulo
Reis, Marco Antônio dos Santos Souza, Matheus de Azevedo Ferreira Alves,
Matheus Soares Campos, Osmany Silva Machado, Otávio França Santos,
Pedro Freitas da Silva, Rafael Gomes Pessanha, Reyson Teixeira Feliciano
Azevedo, Sandra Regina Tavares Manhães Miranda, Taís Cordeiro de Souza
e William Martins da Silva, que tornaram esta obra possível. Obrigado pela
força no processo de orientação de seus estudos.

À minha família, principalmente à minha esposa, ao meu filho, aos meus


pais e ao meu irmão, pelo apoio e incentivo em todos os momentos da
minha vida, em especial na construção desta obra.

Aos colegas professores e às colegas professoras de Educação Física do


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, pela
parceria do dia a dia na instituição.

À Jeniffer Tavares Viana, pela edição, preparação e revisão do original


antes de ser enviado para a editora.

À equipe editoral do Clube dos Recreadores, pelo profissionalismo no


processo de edição, diagramação e publicação deste livro.
APRESENTAÇÃO
Oi! Como vai?

Por aqui, estamos bem.

É fato que a pandemia da COVID-19 tornou tudo um pouco mais difícil,


promovendo impactos na saúde física e mental, nas práticas sociais, como
por exemplo, nas atividades de estudos e trabalho, além de ter provocado
mudanças no lazer. Porém, são em situações excepcionais que nascem as
oportunidades de ressignificarmos a vida em sociedade e de
(re)pensarmos os espaços e as práticas de lazer no cotidiano.

Diante dessa compreensão, como gostamos muito da Educação Física,


resolvemos colaborar com a área de estudos e fortalecer o nosso processo
criativo no campo da natação na perspectiva do lazer. Foi aí que tivemos
uma ideia…

Nesse contexto, nós (o organizador, sendo professor de Educação Física, e


os seus alunos, sendo licenciandos da área), da disciplina Ensino e
Aprendizagem das Atividades Aquáticas, do Curso de Licenciatura em
Educação Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Fluminense campus Campos Centro, de Campos dos Goytacazes/RJ,
decidimos construir um livro juntos. Só que não se trata de qualquer livro…
Este material que você está lendo agora apresenta um apanhado de
contos infantojuvenis bem legais sobre a natação! Demais, né?

Pensando nisso, este livro que você vai começar a ler retrata a natação sob
muitos pontos de vista. Você vai conhecer diversos personagens e
provavelmente deve se encantar tanto quanto nós, porque cada um tem
as suas características especiais. Achamos bem provável que se
identifique!

“Dito” tudo isso, respire fundo, tente se acomodar de uma forma


confortável e se prepare para uma boa leitura!

Chegou a hora do seu mergulho…


SUMÁRIO
Capítulo 1 – Aventuras aquáticas do Clubinho da Mangada em Paraíso.................................... 7

Capítulo 2 – Bem que Brilhante disse…........................................................................................................... 13

Capítulo 3 – Fábio e o Clubinho da Mangada............................................................................................ 26

Capítulo 4 – Fiquem como tartarugas............................................................................................................. 31

Capítulo 5 – Se nada igual em toda a água?............................................................................................... 35

Capítulo 6 – A jornada de Lipe: das ruas do interior para as piscinas olímpicas.................. 46

Capítulo 7 – Madame Butterfly........................................................................................................................... 53

Capítulo 8 – O conto do Tchibum...................................................................................................................... 61

Capítulo 9 – Muito além de só nadar............................................................................................................... 73

Capítulo 10 – Estudando natação na sala de aula.................................................................................. 89

Capítulo 11 – Maria, a menina que sonhava em nadar.......................................................................... 97

Capítulo 12 – Murilo, o homem que tinha um sonho.......................................................................... 102

POSFÁCIO..................................................................................................................................................................... 106

O ORGANIZADOR..................................................................................................................................................... 107

OS AUTORES............................................................................................................................................................... 108

REFERÊNCIAS............................................................................................................................................................ 109
CAPÍTULO a q u á t i c a s d o
A v e n t u r a s g a d a e m
n h o d a M a n
Club o i
Paraís
Lorran Marques
AVENTURAS AQUÁTICAS DO
CLUBINHO DA MANGADA
EM PARAÍSO

Lorran Marques

Em um dia quente, Bento estava sentado na beira do rio que


os moradores de sua pequena Paraíso chamavam de Correnteza. O
menino se lembrou do dia em que seu amigo Francisco, que é
carinhosamente chamado de Chico, contrariando as
recomendações da sua mãe de nunca entrar nessa água, chamou
por ele para ali brincarem. Os dois pensaram que ninguém iria
descobrir, mas se enganaram…
Ao longo da tarde, sem perceberem, os dois já estavam
longe da margem e não conseguiam retornar. O pai de Chico, que
estava chegando da pescaria, viu aquela cena e ficou atordoado.
Ele remou o mais rápido que pôde e colocou os pequenos no barco.
Em seus 9 anos de idade, esse foi o maior susto da sua vida.
Nem se comparou com a mordida que Paçoca, o cachorrinho de
Vicente, primo do menino, deu no calcanhar dele quando
distraidamente pisou no rabo do bichinho enquanto corria atrás de
uma pipa que queria cortar em uma tarde de domingo.
Bento ainda se lembra da sua mãe Jacinta abraçando-o tão
forte e dizendo:
— Bento, meu filho, graças a Deus que você está em casa!
— Ela disparou tremendo. — Nunca mais na sua vida entre ali!
Ouviu bem?
— Mãe, eu só estava brincando com o Chico! — O menino

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tentou se justificar.
— Eu sei, filho. — Rendendo-se, a mãe demonstrou estar
mais calma. — Mas você não sabe nadar, então não desobedeça…
e fique longe desse rio!
Já havia se passado 1 ano desde o ocorrido e a única coisa
que ele fazia em Correnteza era pescar piabas com a varinha de
bambu feita por seu pai. Além disso, o menino amava os bolinhos
de farinha que sua mãe preparava com água para que colocasse na
pontinha do anzol.
Bento pensava em como os peixes tinham sorte em poder
nadar o dia inteiro sem precisarem se preocupar. Certa noite, o
menino sonhou que um vinha conversar com ele na beira do rio.
— Oi, Bento. Tudo bem? — O animal demonstrava
naturalidade com a ideia de conversar com outros seres que não
eram como ele; parecia que fazia isso sempre. — Tenho visto que
você passa horas sentado aí e nunca entra no rio… Gostaria de vir
comigo? Quero te mostrar a minha casa. — Disse sorrindo e
exibindo a sua pequena boca sem dentes aparentes.
— Mas eu não sei nadar e também não consigo ficar tanto
tempo lá debaixo d'água. — Com a voz triste, Bento confessou.
Então o peixe abriu a boca e uma bolha gigante igual a uma
de sabão saiu de lá voando, indo em direção a Bento.
— Pode entrar! — Demonstrando muita empatia pelo
menino, o peixe afirmou.
— Dentro dela, você vai poder respirar pelo tempo que quiser
e não vai precisar se preocupar, pois vai te proteger!
Ainda confuso, Bento entrou na bolha e seguiu o peixe rio
adentro; mal podia acreditar no que via. Havia casas de areia com
caixas para o Correio Bolha, onde as bolhas-cartas eram
colocadas… Peixes de todas as cores passeavam de um lado para
o outro enquanto o Peixe Guarda sinalizava e organizava todo o

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trânsito.
Bento estava maravilhado e não conseguia acreditar em
como Correnteza era um rio tão mágico em suas profundezas.
Chegou a pensar que gostaria de que Chico também estivesse ali
para ver tudo isso e que não ia acreditar quando contasse.
Na metade do caminho, o peixe parou e disse a Bento que
queria lhe mostrar algo muito especial. Curioso, o menino o seguiu e
entrou em um lugar cheio de luz, a qual estava sendo refletida para
todos os lados.
Bento olhou para cima e viu o lugar onde sentava todos os
dias na beira do rio. Surpreso, ele perguntou ao peixe:
— Quando eu olho, não consigo ver tudo isso aqui embaixo.
— Com os olhos brilhando, o menino comentou. — Mas daqui eu
posso ver lá em cima!
— Sim, Bento, você não me vê… mas eu te vejo! — O peixe
disse e piscou para o menino. — Antes de te contar algo importante,
quero te lembrar de uma coisa para não ficar confuso com o que
vou dizer em breve… — Misterioso, o novo amigo de Bento disse e
posicionou as nadadeiras bem em frente ao corpo; ele parecia
querer estalar os dedos que só existiam na sua imaginação.
— Conta logo, senhor peixe! Eu sou ansioso! —
Expressando inquietação, o menino comentou.
— Está bem, está bem… — Rendido, o peixe limpou a
garganta para falar. — Como você já deve ter percebido, nem tudo é
o que parece ser: os humanos acham que os animais não possuem
vida, não sentem, não falam... Só que são vocês quem não
enxergam isso. — O novo amigo do menino destacou enquanto
olhava para o horizonte como se estivesse refletindo sobre um
assunto capaz de mexer com ele.
— De qualquer forma, tem algo que vocês não sabem
mesmo sobre nós, mas que você já deve desconfiar a essa altura:

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temos superpoderes.
Com as sobrancelhas levantadas em sinal de entendimento,
Bento demonstrou estar começando a encaixar as peças daquele
quebra-cabeça inusitado. Afinal, fazia todo o sentido…
— Caramba! — Nitidamente animado, Bento começou a
fazer várias perguntas ao amigo. — Então você pode ler mentes?
Soltar fogo pela boca? Atravessar paredes? Ficar invisível?
— Calma, Bento! Não é bem por aí também — o peixe disse
em meio a um riso incontido. — Eu posso ver o futuro e vi algo
envolvendo você, mas é segredo. Precisa ficar só entre nós, tá? —
Com a voz mais baixa, Brilhante comentou.
— VOCÊ VÊ O FUTURO? E SÓ ME DIZ ISSO AGORA? —
Eufórico, Bento não conseguiu conter o aumento do tom de voz. —
COMO ASSIM?
Percebendo os gritos e se lembrando do pedido do amigo, o
menino ficou vermelho.
— Ops! Desculpa!
— Tudo bem, tudo bem… — Tentando parecer sério, o peixe
respondeu, mesmo sabendo que o menino não tinha feito por mal.
Brilhante sabia que, se não segurasse o riso diante da animação
do menino, provavelmente ele iria falar para todos o que precisava
ficar só entre os dois. — Trouxe você aqui para te dizer que em 7
dias você vai ter uma notícia que te deixará muito feliz. Você nunca
mais sentará perto do Correnteza olhando triste para o rio.
— O que é? — Bento perguntou de forma pausada e com
olhos ansiosos. — Estou curioso… Poderia me contar?
— Ah! Não posso! Só posso dizer que vai ser um grande
presente!
Assim, levando a sério a questão dos superpoderes, o peixe
soprou muito e a bolha que estava saindo da sua boca começou a
subir. Bento ainda se lembra de pensar no que Brilhante queria

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dizer.
O novo amigo do menino aparentemente despertou
características aventureiras nele…

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CAPÍTULO r i l h a n t e
Bem q . u e B
d i s s e . .

Lorran Marques
BEM QUE BRILHANTE DISSE...

Lorran Marques

Os dias se passavam e Bento não deixava de pensar que


surpresa seria essa de que tanto ia gostar. Ele prestava atenção em
tudo; não queria que nada passasse despercebido. Até que, 7 dias
depois do seu sonho, uma notícia deixou Paraíso empolvorosa.
Bento estava indo até a casa do seu amigo Chico quando
Cecília, sua coleguinha da escola, chamou-o para contar as
novidades.
— Oi, Bento! Pra onde você está indo? — De forma
simpática, a menina perguntou e ajeitou uma mecha do seu cabelo
atrás da orelha.
— Vou na casa do Chico. Vamos andar de bicicleta e catar
jabuticaba no quintal de dona Anastácia; o pé está cheinho. Você
quer ir comigo? — Animado, o menino estendeu a mão para Cecília
ao perguntar.
— Então você não está sabendo mesmo, né? — Um pouco
surpresa, Cecíla questionou sem perceber a mão estendida de
Bento. — Lembra do Fábio, neto do seu Antônio? Que foi fazer
faculdade?
— Hum. Acho que sim. O que tem ele? — Curioso, Bento
devolveu a pergunta.
— O neto do seu Antônio foi fazer faculdade de Educação
Física, não foi?
— Uhum. — Demonstrando satisfação, Cecília continuou. —
Parece que ele conseguiu uma vaga no curso pelo Enem. Você
sabe, né? O Exame Nacional do Ensino Médio. Mamãe me explicou

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que é uma prova que a gente faz quando quer cursar uma faculdade
em uma escola públ…
Cecília foi interrompida pelos risos contagiantes de Bento.
— O que foi? — Ela perguntou.
— Você não terminou de falar do neto do seu Antônio e já
entrou em outro assunto… Fiquei perdido! — Sabendo que Cecília
não tinha feito por mal, Bento comentou em tom divertido.
— Ah, desculpa! É tanta informação que me perco — com as
bochechas vermelhas, a menina comentou e prosseguiu. —
Então… Ele voltou para a cidade e vai dar aula na piscina da casa
do avô. Soube que quem faz a faculdade de Educação Física
aprende várias coisas, como a história dessa área, as funções e as
partes do corpo humano, danças, esportes, ginásticas, lutas, jogos,
nutrição, LIBRAS… — Pausando para respirar antes de continuar, a
menina falou um pouco sem fôlego. Quando mais um pouco de ar
voltou aos seus pulmões, ela prosseguiu.
— Como e a razão de a brincadeira ser importante, além de
se divertir em vários lugares e espaços…
— Gostei, hein! — Bento comentou sem perceber.
— … E atividades na água! — Eufórica, a menina destacou
sem prestar muita atenção no que Bento havia acabado de dizer. —
No meio de tantos conhecimentos, o neto do seu Antônio escolheu
trabalhar com a natação! Muito legal, né? — Dando pulinhos de
empolgação ao falar sobre o que os alunos do curso estudam,
Cecília perguntou ao menino sem esperar necessariamente por uma
resposta.
— Poxa! Não sabia que quem faz a faculdade em Educação
Física estuda tudo isso! — Surpreso, Bento disse. — Até eu fiquei
interessado e olha que ainda nem cheguei ao Ensino Médio pra
poder aproveitar o tal do Enem que você citou mais cedo.
— Ah, Bento, mas o tempo passa rápido! Olha só pra mim: já

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estou virando uma mocinha, como diz a minha mãe — rindo, Cecília
falou enquanto dava voltinhas segurando as pontas do seu vestido
estampado. — De qualquer forma, o que queria dizer é que as
inscrições estão abertas e vai ser de graça para a vizinhança. De
graça, Bento! Você vai se inscrever, né?
— DE GRAÇA? — Sem conseguir controlar o tom de voz,
Bento acabou gritando do nada. — É sério, Cecília? Ele não vai
cobrar nada?
— Fala baixo, Bento! Eu tô do seu lado! — A menina
comentou e colocou uma das mãos no ouvido esquerdo para
sinalizar que ele estava gritando. — Sim, vai ser de graça, mas os
menores de idade precisam pedir aos pais para comparecerem até
a casa do seu Antônio pra preencherem a ficha e entregarem a
documentação. Você vai pedir para os seus responsáveis?
— CLARO! — Percebendo que acabou gritando de novo por
animação, Bento ficou vermelho instantaneamente. — Desculpa.
Gritei de novo sem querer.
— Bento, Bento… — Risonha, Cecília brincou.
— Tô animado, Cecília! Cecília do céu! A gente vai ter aulas
de natação de graça! De GRAÇA! — Notando ter feito a mesma
coisa de novo, o menino fechou os olhos e fez uma careta. — Ops!
— Ai, Bento… — Colocando a mão direita na testa e rindo,
Cecília disse.
Nesse momento, Bento sentiu borboletas no estômago,
coçou a cabeça e fez uma cara de quem não parecia acreditar ainda
no que tinha acabado de escutar. Assim, ele olhou para Cecilia e
voltou a perguntar:
— Você está falando sério mesmo?— Com a voz mais baixa
e um olhar de cachorro pidão, Bento perguntou.
— Tô sim. Quer ir lá comigo pra ver?
Mais uma vez ele parou e pensou em tudo que estava

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acontecendo. Será que seu sonho de poder aprender a nadar ia se
tornar realidade? Será que essa era a notícia que o peixe disse que
ia receber? Sem pensar duas vezes, Bento disse:
— Temos que contar para o Chico, o Vicente e toda a nossa
galerinha. Pega a sua bicicleta que precisamos reunir o clubinho
urgente!
E lá foram os dois em suas bicicletas… pedalando pelas ruas
de Paraíso super animados em contar a grande novidade ao
pessoal.
Eles passaram na casa de todos os amigos e anunciaram
uma reunião de última hora no Clubinho da Mangada, que ficava na
beira do rio Correnteza, nos fundos da casa de dona Maria e de seu
Genaro. Esses dois eram avós de Bento.
O nome foi escolhido em homenagem ao pé de manga em
que foi fundado. Seu Genaro construiu uma casa na árvore e se
divertia com a movimentação das crianças em seu quintal; dona
Maria sempre fazia suco de manga em todas as reuniões para
servir com bolachas de maisena que ficavam numa latinha. Ela as
deixava lá no aguardo das crianças.
Em meia hora, todos estavam no Clubinho da Mangada e
muito curiosos para saberem o motivo de tanta urgência para uma
reunião inesperada. Vicente pedalou o mais rápido que pôde para
não se atrasar e Paçoca, seu cãozinho e fiel escudeiro, chegou com
a língua para fora. Não demorou para que fosse logo tomar água no
rio diante da sede esperada.
Eles subiram a escada de madeira até a casa na árvore e
sentaram nas almofadas coloridas ali colocadas por dona Maria. A
avó de Bento gostava muito de enfeitar o espaço e queria que
ficasse bem confortável para as crianças.
Como presidente do clube, Bento subiu no caixote de
madeira, que ficava ao lado do armário de brinquedos, e começou a

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falar:
— Bom dia, pessoal! Essa reunião urgente é pra contar a
grande novidade na cidade: teremos um professor de natação
dando aulas na casa do seu Antônio! O nome dele é Fábio e é o seu
neto.
O menino declarou e esperou alguns segundos dramáticos
antes de continuar, desejando causar impacto nos seus amigos; ele
conseguiu, porque todos ficaram de boca aberta. Assim, o menino
prosseguiu.
— Cecília me contou que vai ser de graça pra comunidade e
que nossos pais terão que ir até lá pra fazerem a nossa inscrição;
parece que vão precisar preencher uma ficha e entregar alguns
documentos.
Todos ficaram surpresos e felizes com a notícia. Afinal, eles
teriam aulas de natação gratuitas com alguém muito capacitado!
Assim, Vicente foi o primeiro a falar, quase atropelando as
próprias palavras:
— E vocês? Já viram o professor? Falaram com ele? Todos
vão participar?
— Ainda não, Vicente. — Com as mãos espalmadas na
direção do amigo para simbolizar um pedido de calma, Bento
respondeu. — Primeiro decidimos reunir o clubinho pra anunciar e
depois pensamos em ir até lá pra podermos falar com ele. O que
vocês acham?
Todos concordaram e imediatamente se levantaram para
irem até a casa de seu Antônio. O clubinho da Mangada inteiro
desceu da casinha e encontrou com dona Maria, que estava
trazendo suco de manga e bolachas na bandeja.
Intrigada com tanta correria, ela perguntou com voz doce:
— Crianças, o que está acontecendo? Qual é o motivo de
tanta correria? — Dando de ombros, ela continuou falando como se

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estivesse sendo ouvida. — Vamos lanchar?
Vicente, que já estava pegando sua bicicleta azul, a qual
tinha sido jogada na grama devido a tanta pressa, logo disse:
— Desculpe, dona Maria! Temos que correr, pois estamos
com muita pressa, mas depois contamos para a senhora o que
aconteceu. — Percebendo a falta de reação dela, o menino
complementou. — OBRIGADO, viu?
Ninguém esperou para ouvir a resposta de dona Maria: todos
foram correndo, deixando a avó de Bento com uma bandeja nas
mãos sem entender o que estava acontecendo. Seu Antônio, que
estava sentado em sua cadeira de balanço na varanda, parecia se
divertir com a cena.
— Essas crianças não param um segundo. O que será que
estão aprontando agora?
Paçoca, o cãozinho de Bento, que já não aguentava mais
tanta correria, demonstrava se esforçar para acompanhar tamanha
agitação. Mesmo sem entender as coisas com tanta clareza, pois a
turminha se esqueceu dele lá embaixo da casinha, de forma que
não pôde participar da reunião, o bichinho agitou as suas patinhas e
foi atrás dos seus amigos em uma saga desenfreada.
Em poucos minutos, todos estavam em frente à casa de seu
Antônio para matarem a curiosidade. Bento, Vicente, Cecília, Arthur,
Chico, Duda, Marquinhos e Regininha ficaram parados no portão
dele… pensando em como chamar o homem e o que falar com ele.
Mas Paçoca resolveu ajudar: o cãozinho de Bento começou
a latir bem em frente ao portão de um jeito que era impossível
ninguém aparecer para saber o que estava acontecendo.
Dito e feito: todos perceberam que, lá de dentro, o pessoal
começou a ouvir o som que parecia estar chegando cada vez mais
perto.
Assim, foi de repente que o portão abriu e um rapaz alto, de

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cabelos pretos, surgiu na frente da turminha com um sorriso no
rosto. Não demorou muito para que se apresentasse.
— Olá, crianças! Está tudo bem por aqui? Posso ajudar
vocês?
Um pouco acanhados, todos olharam uns para os outros e
mais uma vez Paçoca interrompeu o silêncio com seu latido. Assim,
era possível ouvir outro som semelhante atrás do portão, além de
ver quatro novas patinhas.
Era Farofa, o cachorrinho de Fábio.
Em meio aos olhares de curiosidade, Bento resolveu iniciar a
conversa para ajudar os seus amigos. Tudo bem que ele também
queria saber, mas…
— Oi, tio Fábio! Tudo bem? — Esboçando o seu melhor
sorriso, o menino fez uma pausa após a pergunta e continuou sem
esperar uma resposta. — Eu sou o Bento… lembra de mim? — Um
pouco receoso, ele continuou sem aguardar um parecer do rapaz,
que só sorria enquanto aguardava o menino terminar de falar. —
Então... soubemos da aula de natação e viemos aqui para falar com
você. Vamos poder participar?
Mais que depressa, o professor respondeu:
— Claro, pessoal! Vocês serão bem-vindos e espero ver
todos aqui na próxima semana. Vou entregar para cada um o
formulário de inscrição que seus pais deverão preencher. Peçam
para que venham aqui para conversarem comigo e me entregarem
esse papel assinado direitinho. Tudo bem?
— Pode deixar, tio Fábio! — Bento respondeu com
animação. — Vamos agora mesmo pra casa e daremos o recado
aos nossos pais. Mal podemos esperar pra começarmos a
frequentar as aulas!
Assim, mais uma vez o grupo seguiu sua jornada pelas ruas
da cidade com o fiel escudeiro de Bento correndo atrás das

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bicicletas. Enquanto corria, Paçoca parecia ter se animado com a
ideia, ainda que não a tivesse entendido. O cãozinho demonstrava
saber que teria Farofa lá, outro parceirinho de latidos, para poder
brincar enquanto as crianças estivessem na piscina.
Bento quase atravessou a porta sem abrir diante de tanta
pressa, mas por sorte sua mãe o viu pedalando rápido como um
foguete no céu enquanto ela estava debruçada na janela. Assim, já
soube que ia chegar daquele jeito esbaforido para contar alguma
novidade.
Já imaginando a cena, ela abriu a porta antes que ele
deixasse sua marca nela e viu o foguete entrar em casa a todo
vapor.
— Posso saber qual é o motivo de tanta agitação, Bentinho?
— Dona Jacinta riu e perguntou ao menino.
Enquanto ela aguardava uma resposta, ele tentava
recuperar o fôlego bebendo um refrescante copo de suco que tinha
sido disposto em cima da mesa da cozinha por sua mãe; era como
se Jacinta soubesse da sua chegada com antecedência.
Após beber um pouco, o menino respirou fundo e desatou a
falar:
— Temos uma grande novidade na cidade, mamãe! O Fábio,
neto do seu Antônio… aquele, mãe… — o menino começou a
gesticular como se a mãe estivesse na sua cabeça para saber o que
estava pensando. — Aquele que tem piscina em casa, sabe?
— Ah! Sei sim, meu filho. O que tem?
— Ele vai dar aulas de natação! — Sem conseguir conter a
felicidade, o menino falou entredentes. — Eu trouxe esse papel pra
senhora fazer minha inscrição. Não é uma notícia boa, mamãe?
— Bento, meu filho… — Dona Jacinta franziu a testa de
preocupação ao comentar a novidade. — Isso é seguro para um
garoto de 10 anos?

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— Sim, mamãe! Todos nós, do Clubinho da Mangada, vamos
participar e estamos ansiosos pelo começo das aulas! Vamos poder
aprender a nadar e vai ser muito legal!
Percebendo a preocupação da mãe, o menino prosseguiu:
— Mamãe, conversei com alguns colegas da escola sobre
isso. — Respirando fundo, o menino fez uma pausa que aparentava
ser a responsável por ajudá-lo a se lembrar de algo importante. — A
professora deles falou que podemos aprender a nadar desde bebês,
então não precisamos perder mais tempo! Todos vamos participar e
estamos ansiosos pelo começo das aulas!
— Bento…
— Você vai me inscrever? — Com os olhos úmidos, o
menino implorou. — Por favor! Por favor, mamãe!
Rendida, dona Jacinta deixou os ombros caírem antes de
responder.
— Se é assim, meu filho, mamãe vai assinar!

✦✦✦✦✦

No final do dia, todos os formulários estavam assinados e


foram entregues para o professor Fábio. Na primeira aula, o
Clubinho da Mangada estava super animado, inclusive Paçoca e
Farofa. Os cãezinhos sempre acompanhavam tudo bem de perto.
A piscina ficava nos fundos do quintal e tinha sido construída
por seu Antônio há muitos anos, porque o avô não queria que os
filhos entrassem no rio Correnteza; ele sabia dos perigos que
apresentava.
Fábio, no decorrer do aquecimento, observou se as crianças
estavam com as roupas adequadas: sungas e maiôs. Ao término
desse momento, o professor pediu para passarem no chuveiro

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antes de entrarem na piscina.
— Crianças, não se esqueçam de entrar no chuveiro antes
de mergulharem na piscina. Beleza? O professor lembrou a
turminha animada.
— Por que, professor? Sempre ouvimos isso, mas ninguém
nunca nos explicou. — Aparentemente inquieta, Cecília perguntou.
— Cecília, precisamos retirar o excesso de sujeiras do
nosso corpo para mantermos a piscina sempre limpa.
Após responder a menina, Fábio prosseguiu, voltando-se
para todos.
— Aliás… Nada de urina na piscina. Se precisarem, peçam
gentilmente para irem ao banheiro.
Logo depois, o professor pediu para todos sentarem nas
bordas para a explicação inicial:
— Agora, vamos para a parte tão esperada: a entrada na
piscina. Sentem-se e coloquem as pernas para dentro da água,
galerinha!
Após o pedido, todos os alunos começaram a andar ao redor
da piscina para encontrarem a borda onde queriam se sentar.
Cecília quase esbarrou em Bento, que por pouco não se
desequilibrou e caiu na água ainda intocada.
— Como está a água, gente? — Com um tom de voz um
pouco mais alto para ser escutado por todos, o professor perguntou.
— Muito boa! — Em coro, os alunos responderam.
— Show! Ainda sentados na borda, mexam as pernas à
vontade.
— Assim, professor? — Bento perguntou e começou a
balançar as pernas como se estivesse chutando uma bola na água.
— Isso, Bento! — Nitidamente satisfeito, o professor
continuou. — Pessoal, façam como o nosso rapazinho aqui: chutem
a água para cima de forma alternada, ou seja, uma perna de cada

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vez. Quem consegue?
— EU! EU! EU! — Sentindo-se desafiada, a turminha
atendeu ao pedido do professor e começou a chutar a água.
Respingos estavam voando para todos os cantos e a risada do
Clubinho era contagiante.
— Está divertido? Vocês estão gostando? — Sorrindo de
satisfação, Fábio perguntou. Ele já imaginava a resposta, mas
queria ouvir do pessoal.
— MUITO! Isso é muito legal! — Todos comentaram em
tempos diferentes dessa vez.
Fábio imaginava que o trabalho fosse capaz de lhe deixar
feliz, mas não tinha a noção de que ficaria tão contente ao ver o
empenho e o brilho nos olhos daquela turminha. A prática da
natação tinha sido um dos seus melhores aprendizados na
faculdade.
Assim, o professor prosseguiu:
— Antes de encerrarmos por hoje, galerinha, precisamos
conversar sobre a necessidade de vocês se adaptarem na água.
Sabem como funciona?
Todos se entreolharam antes de falar; era como se
estivessem esperando a iniciativa de alguém.
— Professor, a gente não sabe. — Mariana comentou com
bastante sinceridade na voz. — Pode explicar?
— Claro, Mariana! — Fábio respondeu e limpou a garganta
para prosseguir. — Ensinarei várias brincadeiras dentro d’água para
vocês se divertirem à vontade. — Como se aguardasse a reação de
animação dos alunos, o professor fez uma pequena pausa antes de
continuar a explicação. — Vocês irão correr, mergulhar, jogar bola
com cada colega...
— UHU! UHU! UHU! — Bento não se conteve e comentou.
Ele começou a chutar a água com ainda mais empolgação.

24
— AHHHHHH! Eu não tenho nem roupa pra isso, professor!
— Aos risos, Cecília disse.
— QUE DEMAIS! — Mariana falou, não percebendo que
estava gritando.
Olhando a reação das crianças, Fábio percebeu que
realmente tinha se encontrado na profissão. Era mais que ensinar
alguém a nadar...
— Vocês vão se divertir muito!

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CAPÍTULO l u b i n h o d a
F á b i o e o C
Ma n g a d a

Lorran Marques
FÁBIO E O CLUBINHO DA
MANGADA

Lorran Marques

Em um dia de sol, as crianças estavam na borda da piscina


quando o professor disse que iriam fazer o nado cachorrinho. Era
uma maneira rápida e divertida de se movimentarem pela piscina e
continuarem mantendo a cabeça acima da água, assim como uma
boa forma para os iniciantes na natação aprenderem a nadar!
Fábio trabalhou respiração, flutuação, imersão, visão
subaquática e batidas de pernas, que são fases importantes nesse
período de aprendizagem, durante semanas. A cada aula, as
crianças ficavam mais e mais animadas.
Paçoca e Farofa, que ficavam deitados debaixo da sombra
do pé de manga em todas as aulas observando, como sempre,
aparentaram pensar em como os humanos, que não têm patas,
podem nadar como cachorrinhos... como eles!
Muito animados e seguindo os comandos do professor,
Bento e sua turma se divertiam atravessando a piscina como
cachorrinhos na água. Regininha disparou na frente e falou para
todos:
— Ninguém me pega! Ninguém me pega!
Fábio se divertia com a animação da galerinha; era
motivante ver a evolução de cada um. O planejamento das aulas era
feito com muito carinho.
Na época da faculdade, ele se lembra de pensar em como
seria após formado e se seria um bom professor para seus alunos.

27
Agora podia colocar seus conhecimentos em prática na cidade onde
nasceu e ainda utilizar a piscina da casa do seu avô! A
concordância de seu Genaro tinha sido uma grande oportunidade
para que os dois prestassem um serviço para a comunidade na qual
viviam.
Assim, a segunda-feira passou a ser um dia muito
aguardado por todos. A sensação de semana começando com
novos aprendizados a caminho era motivo de muita festa nas aulas.
Não seria diferente dessa vez, já que o famoso nado crawl, tão
aguardado pela turminha, seria apresentado pelo professor após
semanas de outros ensinamentos.
Esse é considerado o mais rápido de todos os nados da
natação e um dos primeiros a serem ensinados. Ele se caracteriza
por ter movimentos sincronizados de braços e pernas.
Dessa forma, a ação da braçada envolve um movimento
para a frente de maneira alternada com as pernas batendo
continuamente. O corpo do nadador permanece na horizontal e fica
alongado na água. A pessoa que está nadando acaba ficando com a
cabeça virada para um lado para respirar após cada ciclo completo
de braçadas.
Posicionado no meio da piscina, Fábio iniciou as
explicações:
— Galerinha, como prometido, hoje vamos colocar em
prática o nado crawl, que é um dos mais rápidos da natação! Vocês
já ouviram falar dele? — Bastante animado, o professor perguntou
para a turminha aplicada.
— Nado o quê? — Um pouco envergonhada, Cecília
perguntou.
— Como se fala isso, professor? KRAU? — Bento disse e
começou a gargalhar, contagiando os demais. — Ah, gente! Eu não
entendi mesmo! — O menino comentou e começou a guardar as

28
suas coisas na mochila, já que não poderia nadar com a chave do
cadeado da bicicleta e com o seu boné.
— Nado Crawl, Cecília! — Fábio respondeu a menina e
prosseguiu. — É isso mesmo, Bento! Bem legal, né?
— Que chique, professor! Nado Crawl! — Mariana disse e se
sentiu orgulhosa por ter aprendido a forma certa de falar.
—Bom, galerinha, agora que vocês já entenderam, vamos
continuar. — O professor comentou e aguardou que todos
voltassem os olhos para ele. — Já aprendemos a respirar na água,
colocamos essas perninhas para trabalharem como motores velozes
e aprendemos como girar os braços. Agora irei demonstrar como se
faz. Fiquem todos encostadinhos na borda e observem o tio!
Do lado de fora e com um olhar bem atento, um salva-vidas
estava observando toda a movimentação da piscina.
Fábio, como um bom professor, avaliou os riscos antes de
iniciar suas aulas, então sabia que, para ensinar os elementos da
natação com tranquilidade, era importante a presença de um salva-
vidas para assegurar que as devidas providências seriam tomadas
diante de qualquer imprevisto.
O professor fez a demonstração enquanto a turminha estava
sentada na borda da piscina. Ele foi e voltou nadando na água.
Pouco depois, Fábio chamou um a um para que pudesse
ajudar a atravessar. Todos os exercícios básicos para que
aprendessem os movimentos necessários naquela aula foram feitos.
O professor queria que o nado crawl pudesse ser proposto sem
grandes dificuldades de entendimento pela turminha.
Assim, o resultado inicial foi muito satisfatório. Alguns
tiveram dificuldades, mas o desenvolvimento era visível com o
tempo e a prática.
No percurso de volta para a casa, todos comentavam como
tinha sido legal aquela aula.

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— Logo estaremos tão rápidos que poderemos nadar até o
outro lado do mundo com os peixes. — Nitidamente afobado,
Marquinhos comentou.
— Marquinhos, você não chega até a esquina com essa
ideia. Sua mãe vai atrás que nem um foguete! — Vicente não
aguentou e, rindo alto, respondeu o amigo com a intenção de
implicar com ele.
Todos riram da ideia, mas seguiram com seus planos de
saírem nadando por aí até chegarem em lugares inusitados e
distantes.

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CAPÍTULO r u g a s
o mo T a r t a
Fiq u e m c

Lorran Marques
FIQUEM COMO TARTARUGAS

Lorran Marques

Após o trabalho envolvendo o nado crawl, chegou a vez do


nado costas. Os cãezinhos Paçoca e Farofa estavam ansiosos para
saber como era esse nado novo; até deitaram no chão e ficaram de
barriguinha para cima tentando girar as patinhas como tio Fábio
ensinava para a turminha, mas os dois chegaram à conclusão de
que o nado cachorrinho era mais legal.
Nas aulas anteriores, Fábio cuidou dos preparativos para
que esse momento pudesse acontecer da melhor forma. No nado
costas, as crianças deviam ficar de costas na água como uma
tartaruga de casco para baixo. A ideia era ficarem olhando para
o céu e respirando normalmente dentro da piscina.
As crianças pareciam se divertir enquanto olhavam para o
céu abraçadas em suas pranchinhas. O mais difícil era saber se
estavam chegando ou não até à beira da piscina, porque olharem
para o céu, para os lados e até tentarem fazer isso para trás era
muito comum; era quase involuntário.
Sabendo que a posição podia causar ansiedade, Fábio se
adiantou e disse que ninguém precisava ficar nervoso. Tão logo, o
professor reforçou que eles deviam bater as pernas alternadamente;
os braços deviam girar para trás dessa forma.
Para ilustar, ele pediu para pensarem na natação e se
lembrarem dos atletas nos Jogos Olímpicos que acompanhavam
pela televisão e pelas redes sociais. Percebendo como todos
demonstravam empolgação com a competição, o professor
destacou a importância do pedido e desse evento.

32
Assim, ele continuou explicando que o batimento de pernas
no nado costas é um pouco parecido com o do nado crawl: a perna
de cada um devia ficar estendida na batida para cima e semi-
flexionada no movimento para baixo; o ideal era que as crianças
ficassem chutando a água com os peitos dos pés, não se
esquecendo de que os joelhos não devem sair da água nem
dobrar demais.
Fábio continuou seguindo a sequência de preparativos para
ajudar os alunos nos nados. Sempre de forma lúdica e divertida, o
professor passava as atividades e observava como todos se
divertiam aprendendo.
Os alunos atravessaram a piscina montados em seus
“cavalinhos”, que eram os macarrões nos quais faziam a braçada
como se estivessem abrindo o caminho pela piscina.
Era evidente que Tio Fábio era muito querido por esses
alunos, que adoravam as atividades divertidas que ele passava.
Tudo acontecia de uma forma muito natural e por meio de
brincadeiras que os incentivavam a continuar.
Paçoca e Farofa agora pareciam estar mais intrigados com
esse nado; eles demonstravam pensar, com as orelhinhas em pé e
a cabeça meio de lado, além dos focinhos sérios de cachorros em
dúvida: ''Agora eles estão imitando uma tartaruga? Antes era um
cachorro… O que mais será que vai acontecer nessas aulas? Tenho
medo de que apareça o nado leão… Aí nós vamos precisar começar
a correr.''
A intenção de Fábio era a de que os seus alunos
experimentassem os nados; ele não queria que fizessem perfeito. O
importante era que compreendessem o campo da natação como um
ambiente de aprendizado e de significados que constituem a vida
das crianças e dos jovens.
Todos estavam indo muito bem, mas ocorreu algo naquela

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semana que iria deixar o tom da próxima aula um pouco mais sério.

34
CAPÍTULO u a l e m t o d a a
S e n a d a i g
água?

Lorran Marques
SE NADA IGUAL EM TODA A
ÁGUA?

Lorran Marques

Como era de costume acontecer semanalmente, todos foram


ao Clubinho da Mangada porque tinham resolvido jogar uma bela
partida de queimado perto do rio Correnteza antes de fazerem o
famoso lanche com suco de manga e biscoitos de maisena de dona
Maria, sagrada tradição nos dias de reunião.
Regininha analisou com calma os seus alvos e decidiu
queimar Marquinhos, que se esquivou rapidamente para não ser
atingido. O problema foi que a bola caiu no rio e a correnteza logo
começou a agir. O objeto das crianças acabou parando no meio
daquela água meio misteriosa.
Sem pensar duas vezes, Marquinhos saiu em disparada em
direção ao rio para buscar a bola. Preocupado com o amigo, Bento
logo gritou:
— Marquinhos, pra onde você vai?
— Não se preocupem! Vou buscar a bola pra continuarmos o
jogo. — Tentando aparentar segurança pelo tom de voz,
Marquinhos comentou já dentro da água agitada pela correnteza. —
Agora que sei nadar, posso entrar sem problemas em qualquer
lugar com água. Sou um atleta!
Quando viu a bola cair no rio Correnteza, Regininha logo foi
em direção à casa de seu Genaro para pegar outra que estava na
varanda. Ao chegar lá, ela não demorou a começar a falar:
— Seu Genaro, vim buscar uma bola porque a outra caiu no

36
rio e o Marquinhos quer ir lá buscar. — Respirando fundo para falar
pela falta de fôlego diante da corrida, já que queria chegar rápido na
casa do avô de Bento, a menina soltou e prosseguiu. — Quis pegar
uma nova logo pra ele mudar de ideia.
Diante daquela preocupação nítida na fala da menina, seu
Genaro não pensou duas vezes e seguiu Regininha, que voltou
pedalando bem depressa em sua bicicleta que estava encostada
perto da casa dele. O avô de Bento achou melhor verificar o
ocorrido, pois não era bom deixar para lá quando se tratava daquele
rio.
Ao chegar onde as crianças estavam, a cena que seu
Genaro viu era assustadora: Marquinhos nadava em direção à bola,
mas a correnteza levava os dois cada vez mais para dentro das
águas misteriosas. As crianças gritavam o nome do menino, mas
não sabiam como fazer para ajudá-lo naquela situação.
Percebendo que não podia só observar, seu Genaro entrou
em seu barco, que tinha deixado na beira do rio no mesmo local
onde estavam as crianças, e ligou o motor. Marquinhos já começava
a se debater na água pedindo socorro e a bola já tinha sumido de
vista.
Por sorte, seu Genaro conseguiu chegar a tempo e resgatar
Marquinhos. O menino estava muito nervoso e com os olhos
arregalados.
Assim, o avô de Bento o colocou dentro do barco e retornou
para a margem do rio.… de onde não deviam ter saído.
Pelo menos não daquela forma.
— Por que você fez isso, Marquinhos? — Sem conseguir
esconder a preocupação na voz e no olhar para o menino, Genaro
perguntou. — Se eu não aparecesse agora, o que poderia ter
acontecido com você?
— Desculpa, seu Genaro… — Sem graça, Marquinhos

37
respondeu e prosseguiu. — Eu achei que não fosse ter problema…
porque… bem… você sabe, né? Eu aprendi a nadar… não achei
que isso fosse acontecer…
— Filho, eu te entendo. Só que você precisa tomar cuidado.
— Sério e com as sobrancelhas quase unidas, seu Genaro
comentou como um pai. — Não é porque você sabe nadar que pode
se aventurar em qualquer lugar. Você entende os perigos que
correu?
— Entendo… acho que estou entendendo. Achei que poderia
nadar em qualquer lugar por saber como funciona a natação…
— Tenha cuidado, meu filho. Não faça isso de novo. Por
favor. — Seu Genaro disse e se virou novamente para a frente,
pois precisavam voltar para a margem, então ele precisava seguir
para que o barco saísse do lugar.
Em seguida, seu Genaro chegou com o menino intacto na
margem. Mesmo querendo esconder, a turminha não conseguiu
conter a agitação diante da visão do amigo de volta, que estava
ensopado e tremia muito diante da ventania.
A essa altura, ouvindo os gritos das crianças, dona Maria já
estava junto a elas na margem; a avó de Bento acompanhava a
difícil situação tentando acalmar os integrantes do Clubinho da
Mangada.
Ao chegar, seu Genaro colocou o barco de volta no lugar e
tirou Marquinhos de lá, seguindo com ele diretamente para a casa.
O menino estava acordado, mas muito assustado e tremendo.
Dona Maria tirou as roupas ensopadas e frias dele,
enrolando-o em uma toalha. Sabendo do susto, a avó de Bento o
abraçou e tentou acalmar as soluçantes lágrimas que insistiam em
correr pelo rosto do menino.
Já era final de tarde quando o lamentável incidente ocorreu.
Os pais de Marquinhos estavam retornando para a casa quando

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foram avisados, de modo que dispararam em direção à residência
de seu Genaro e dona Maria.
Quando chegaram, os pais de Marquinhos abraçaram
demais o menino e não conseguiram parar de pedir para que não
fizesse mais isso.
Em uma cidade pequena como Paraíso, as notícias correm
rápido. Fábio, que estava passando pela rua naquela hora, viu
algumas bicicletas conhecidas e seus tripulantes pedalando em sua
direção como se algo tivesse acontecido. Bento e Regininha não
conseguiram conter o nervosismo ao se depararem com o
professor, de forma que correram para contarem o ocorrido.
— Professor, aconteceu uma coisa horrível! — Os dois
comentaram em coro.
— O que houve, crianças? — Fábio ficou pálido de susto. —
Contem logo!
— Estávamos brincando perto do rio e a bola caiu lá dentro.
Como por reflexo, Marquinhos saiu correndo e pulou na água pra
nadar em direção a ela, pois disse que já é um atleta…
— Ele reforçou pra gente que já sabe nadar. — Quase
atropelando as palavras, Bento completou a amiga.
— Se não fosse seu Genaro... Pra tirar ele de lá… Nem sei,
tio… — nervosa, Regininha retomou a fala.
Fábio ouviu tudo sem acreditar. Ele ficou assustado com a
possibilidade de que algo pior pudesse ter acontecido com seu
aluno.
Naquela noite, o professor pensou em Marquinhos, nas
crianças e em como precisava fazer um trabalho de conscientização
para que isso não ocorresse mais.
Na semana seguinte, então, a aula começou de forma
diferente: era o dia dos pais, mães e responsáveis da turminha, de
forma que Fábio os chamou para irem até lá. Eles precisavam

39
conversar sobre o que tinha acontecido.
Pedindo para formarem um círculo, o professor tentou não
prestar tanta atenção no nervosismo dos responsáveis diante do
que viria a seguir.
— Conscientizar as crianças é fundamental.— Fábio disse e
fez uma pausa proposital, pois queria dar um tempo para
processarem o que estava querendo dizer.
— Solicitei a presença de vocês para conversamos sobre a
necessidade de alertarmos seus filhos a respeito dos riscos de
acidentes e afogamentos. Quero que entendam o perigo e a
gravidade dessas situações. Todos precisam ficar sempre atentos.
Percebendo como os pais, as mães e os responsáveis
estavam estáticos e pálidos, Fábio tomou ainda mais cuidado com
as próximas palavras.
— É indispensável que as crianças de todas as idades
tenham experiências em ambientes aquáticos e saibam nadar,
porque isso vai trazer um pouco mais de tranquilidade tanto para
elas quanto para vocês. — Percebendo os olhares curiosos de
concordância, o professor continuou. — Porém, é importante que
saibam que entrarem no rio ou fazerem qualquer prática na água
sem supervisão é perigoso e não recomendado.
Assim que terminou de falar, os responsáveis começaram a
conversar entre si e o ambiente foi preenchido por diversas vozes
desencontradas antes de uma organização entre os presentes.
— Aconteceu alguma coisa com os nossos filhos, professor?
— Aflita, uma mãe perguntou.
Todos pararam de falar e voltaram os olhos para Fábio, que
ficou imediatamente tenso.
— Aconteceu. Gostaria de não ter esse assunto para
comentar hoje com vocês, mas aconteceu. — Resignado, o
professor deixou os ombros caírem e prosseguiu após limpar a

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garganta. — Um dos alunos entrou no rio para pegar uma bola e por
pouco não se afogou.
— Deus do céu! — Nervoso, um pai soltou.
— Será que foi a minha filha? Ela ainda não disse nada
sobre essa aula! — Com a mão na testa, uma mãe comentou.
— Mas as crianças não sabem nadar? Por que isso quase
aconteceu? — Aparentemente intrigado, um avô disse.
— Boa observação. Escutem.
Fábio passou a mão esquerda no cabelo como se estivesse
caindo na testa, mesmo não tendo fios grandes para isso. Aquela
era uma conversa tensa para o começo do dia, mas necessária
demais para não acontecer.
— Não basta que saibam nadar. É preciso que a gente
conscientize as crianças e os adolescentes de que nadar em piscina
é diferente de nadar em rios, mares, lagos e cachoeiras. —
Desejando dar um tempo para que todos compreendessem a sua
fala, o professor comentou e fez uma pausa antes de terminar. —
Isso é muito, muito perigoso. O ambiente é diferente, há maiores
riscos de afogamento, não conseguimos ver o fundo… há entradas
em buracos, correntezas e quedas dentro da água. São situações
que não existem em uma piscina. Vocês conseguem me entender?
Os pais pareceram entender que o trabalho em conjunto era
necessário. Assim, todos demonstraram ter ciência de que essa
campanha de conscientização era essencial.
Não demorou muito para que fizessem o lançamento na
cidade e nas aulas de natação. Todos começaram a trabalhar em
equipe para a redução dos riscos.
O movimento envolveu a criação de pequenos grupos de
trabalho, como um em que o professor e outro colega de profissão
fizeram demonstrações sobre atitudes a serem tomadas em caso
de afogamento, considerando a vítima da situação e quem a tiver

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percebido.
Além disso, a campanha também contou com a criação de
murais colaborativos cheios de dicas de cuidados para o nado em
diferentes ambientes, com o desenvolvimento de músicas
pedagógicas sobre o esporte e com a criação de rodas de
conversas sobre a vida cotidiana dos nadadores profissionais.
Todos gostaram bastante da proposta, tendo chegado a conversar
com Fábio sobre a possibilidade de uma nova edição.
Não foram só os pais, as mães e os responsáveis, porém,
que aproveitaram a oportunidade de troca de conhecimentos sobre
o assunto: as crianças também ficaram encantadas com o fato de a
natação significar muito mais que apenas conseguirem se mexer de
maneira organizada na água.
— TIO, FOI DEMAIS! — Regininha não conteve a
empolgação e soltou a frase com um grito agudo que fez os seus
amigos colocarem as mãos nos ouvidos em reflexo. — Quando vai
ter de novo? A gente pode ajudar a organizar?
— Eu tive várias ideias, tio Fábio! A gente pode ensinar as
crianças menores como se nada por brincadeiras! — Empolgado,
Marquinhos comentou.
Fábio começou a pensar no que um dos seus alunos havia
acabado de dizer e ficou curioso para entender o seu comentário.
Como poderiam ensinar as crianças menores a nadarem por
brincadeiras?
— Como assim, Marquinhos?
— Ah, professor! Eu já pensei em tu-do! — Com os olhos
brilhando, Marquinhos continuou quase sem respirar para falar. —
Vou trazer alguns dos bonecos do meu priminho, pedir a ajuda da
turminha pra encher uma bacia de água e mostrar pras crianças
menores como funciona aquele nado que o senhor ensinou pra
gente por último…

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— O nado de tartaruga? — Esboçando satisfação ao ver o
empenho e a vontade de ensinar do seu aluno, o professor
perguntou.
— Isso! O nado de tartaruga! Acho que as crianças vão se
divertir...

✦✦✦✦✦

Nas aulas seguintes, o professor conversou novamente com


as crianças sobre a importância de não acharem que estarem na
aula de natação significava que poderiam ultrapassar os limites. Não
deveriam entrar no rio para irem atrás de objetos ou nadarem em
pontos perigosos.
A campanha foi um grande sucesso, todos juntos em prol da
segurança e da tranquilidade. Fábio teve uma excelente ideia para
estreitar os laços com a comunidade e mostrar o que as crianças já
tinham aprendido.
Assim, após esse movimento de conscientização, que discutiu
abertamente sobre os significados da natação, tinha chegado a hora
de realizarem o Festival de Natação na cidade.
Fábio conversou com as crianças, que ficaram super
animadas com o evento. Os pais foram avisados e convidados para
participarem, assim como toda a cidade. Alguns comerciantes
fizeram parceria e forneceriam picolés, pipoca, milho verde, frutas e
suco no dia desse grande evento.
O professor explicou para as crianças que o importante era
participarem do Festival; todos ganhariam medalhas e poderiam
desfrutar dos lanches. Dessa forma, ele reforçou, durante as aulas,
que seriam chamados pelos nomes, demonstrou a sinalização para
a saída do nado, entre outros assuntos relacionados ao evento.
No dia, os moradores ajudaram na organização, na

43
decoração das mesas e capricharam na arrumação do enorme
quintal. Fábio, ao olhar toda a movimentação, sentiu orgulho de si e
de sua cidade.
As aulas de natação eram um serviço comunitário que ele
realizava com muito carinho. Aquela era a única piscina de Paraíso
e o professor sabia que, com os perigos do rio, a comunidade
precisava de um espaço que proporcionasse atividades aquáticas
seguras capazes de orientar as crianças para as práticas de lazer.
Ninguém sabia, mas Fábio contaria uma excelente novidade
no Festival: fariam um momento de demonstração de habilitades
aquáticas entre a comunidade, de forma que todos os
competidores precisariam atravessar a piscina nadando, lembrando-
se de que não poderiam colocar os pés no fundo.
A ideia era nadarem os 25 metros, ou seja, somente ida,
mas também poderiam nadar os 50 metros, que correspondiam à
ida e à volta.
Todos ganhariam os lanches que Fábio e o Clubinho da
Mangada conseguiram para o evento. Também tirariam fotos com
os pais, as mães e os responsáveis.
Assim, foram feitas as inscrições para a participação com o
consentimento dos pais, das mães e dos responsáveis. Os
participantes deviam escolher, com a ajuda do professor, em qual
modalidade aprendida participariam, podendo ser em mais de uma.

✦✦✦✦✦

Tio Fábio abriu o Festival com um pequeno discurso, que


tinha a intenção de agradecer toda a cidade por se empenhar em
fazer do Festival um verdadeiro sucesso. Ele anunciou que, muito
em breve, teriam aulas de natação para adultos; a intenção era a
de que todos pudessem se apropriar desse espaço de lazer.

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É claro que os presentes aplaudiram animados após o
professor terminar de falar. Fábio era tão feliz com a sua profissão
que conseguia contagiar qualquer um.
Assim, iniciada a competição, cada bateria ia sendo
anunciada, de forma que os alunos realizavam os preparativos
simultaneamente com a ajuda de tio Fábio e a supervisão do salva-
vidas, além dos olhares atentos dos pais, das mães e dos
responsáveis que aplaudiam os pequenos muito entusiasmados.
Todos deram um show na piscina. Após terem saído de lá,
os participantes receberam suas medalhas e os lanches que
poderiam escolher.
Paçoca e Farofa caminhavam por entre as pessoas
abanando os seus rabinhos de felicidade. Os dois buscavam por
alguém que desse lanches para cachorrinhos fofos como eles, ou
que deixassem cair os seus em um descuido, de forma que
pudessem abocanhar coisas gostosas.
Paraíso estava feliz. Histórias estavam sendo escritas por
seus habitantes e coisas significativas ainda estavam por vir.
O Clubinho da Mangada aprendeu coisas novas, como a
importância de todos respeitarem o rio e os seus mistérios. Além
disso, os integrantes entenderam que não bastava alguém saber
nadar para desbravar qualquer ambiente aquático; a supervisão de
um salva- vidas era importante, assim como a prática da natação em
locais diferentes.
Dessa forma, no próximo ano, tio Fábio prometeu a todos
que organizaria uma turminha num curso de natação chamado
“Práticas de Aventura na Natureza”, em que o objetivo seria explorar
alguns novos cantinhos da cidade e suas maravilhas… Debaixo
d’água, claro.

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CAPÍTULO d a d e L i p e : d a s
A J o r n a i o r p a r a a s
d o i n t e r
ruas s Olímpicas
piscina
Lucas Martins Ramos, Matheus Soares
Campos, Luan Moraes Rangel, Osmany
Silva Machado
A JORNADA DE LIPE: DAS
RUAS DO INTERIOR PARA AS
PISCINAS OLÍMPICAS

Lucas Martins Ramos, Matheus Soares Campos, Luan


Moraes Rangel, Osmany Silva Machado

Vamos contar a história do Felipe, conhecido como Lipe.


Lipe é um menino negro de 12 anos. Ele é muito inteligente,
humilde e morador de uma comunidade carente do Rio de Janeiro.
Após muitos anos de dedicação aos estudos, o nosso
personagem conseguiu passar na prova de uma escola pública
conceituada e finalmente começou a estudar em uma com quadra de
basquete, campo de futebol e PISCINA!
O maior sonho do Felipe era aprender a nadar, mas seus
pais nunca tiveram condições de pagar uma aula de natação para
ele.
Lipe havia estudado em 5 escolas nessa comunidade em
que morava, porém, nenhuma dispunha de infraestrutura para a
prática de esportes. Piscina? Nem em sonho! Mal havia merenda,
ainda mais piscina!
No primeiro dia de aula na tão sonhada escola nova, ele já
começou a se enturmar. Assim, o menino se aproximou de Arthur
(Foguinho), de Renan (Siri) e de Carlos Eduardo (Dudu).
— Vocês sabem nadar? — Curioso, o menino perguntou aos
colegas no recreio sem saber muito bem como reagiria diante das
respostas.
De forma despretensiosa, todos responderam que sim.

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Considerando a pergunta de Lipe, Arthur, que tinha 13 anos e
também era negro, de família rica, praticante de natação e muito
competitivo por natureza, logo sugeriu uma travessura:
— Vamos lá ver a piscina da escola! — Nitidamente
animado, o menino falou em tom de desafio. — Se não tiver
ninguém perto, o que vocês acham de fazermos uma competição?
Quem fizer a primeira ida e volta ganha!
Lipe não sabia nadar, mas não queria passar vergonha na
frente dos seus novos amigos.
— Vamos! — Sua vontade era dizer o oposto, mas a
vergonha foi maior que a coragem de falar a verdade.
Minutos após a suposta animação (e aprovação) de Lipe, os
meninos correram ao encontro da piscina, que estava vazia; não
havia ninguém por perto para atrapalhar a disputa.
Todos, ansiosos para mergulhar, tiraram suas roupas e
ficaram de cueca na beira do local. Lipe estava bastante nervoso e
suava frio; ele estava enrolando para tirar as roupas e se posicionar
para que dessem início ao desafio.
Os meninos apressaram-no até que se posicionasse. Diante
da pressão, mesmo não querendo, ele logo cedeu e fez isso.
Não demorou para começarem a contagem…
— 3… 2…1. VAI! — Gritou Dudu.
Os 3 meninos logo mergulharam e saíram nadando muito
bem em disputa. Ao cair na piscina, Lipe deu uma barrigada e
começou a beber água; ele estava se afogando e seu corpo parecia
cada vez mais pesado.
Lipe começou a ser puxado para o fundo…
Por sorte, Flávio ouviu barulhos na água e correu para ver o
que estava acontecendo. O salva-vidas rapidamente percebeu que
havia quatro meninos lá, porém três nadando e um se afogando.
Assim, sem hesitar, ele mergulhou na piscina e salvou a vida de

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Lipe.
Após ser salvo, depois de tossir e cuspir toda a água que
havia engolido, Lipe e os meninos foram levados por Flávio até a
sala do diretor Mauro. Os quatro levaram uma bronca feia, porém o
diretor se lembrou da sua adolescência… De quando foi convidado
por um amigo para ir ao clube onde seus pais eram sócios, coisa
que ele nunca tinha experimentado, pois não tinham condições
financeiras.
Assim, na primeira oportunidade, o diretor Mauro se jogou na
piscina sem saber nadar e acabou tomando um grande susto, sendo
salvo pelo guarda-vidas da mesma maneira que Felipe.
— Você mergulhou na piscina sem saber nadar, jovem? —
Sem rodeios, o diretor perguntou.
— Sim… — Envergonhado, Felipe respondeu sinceramente.
— Eu pensei que saberia nadar, senhor diretor, mas afundei igual a
uma pedra.
— Você poderia morrer…
— Sim, senhor. Eu nunca mais vou fazer isso. —
Demonstrando entendimento, Felipe respondeu e fixou o olhar nos
olhos do diretor. — Prometo!
Ainda pensando em como já tinha experimentado uma
situação semelhante, o diretor limpou a garganta antes de falar para
Felipe o que gostaria de ter escutado quando foi a sua vez de viver
a ocasião.
— Vou lhe dar um conselho, meu jovem — tomando cuidado
para ser interpretado corretamente, o diretor começou a falar e fez
uma pausa para que Felipe pudesse refletir sobre a importância do
que estava dizendo a ele. — Sempre que entrar numa piscina ou no
mar, lembre-se de ficar o mais tranquilo e calmo possível. Você
afundou porque estava tenso. Toda a vez em que ficar assim, você
vai se afogar… Entendeu, Felipe?

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— Sim, diretor — respondeu Lipe.
Ainda não satisfeito com a situação, Mauro achou que não
custaria nada reforçar a importância da sua fala para o menino.
— Amanhã é a sua aula de natação. Seja sincero com o seu
professor e diga que não sabe nadar para que ele possa te ensinar
tudo que precisa aprender até conseguir. Certo?
— Sim, diretor. Pode deixar. — Resignado, o menino
respondeu.
— Pode voltar para a sua aula.
Lipe voltou para a sala e todos riram dele. Nesse momento, a
notícia de que ele mergulhou e se afogou já havia se espalhado pela
escola.
Mesmo triste, o jovem não se esqueceu dos conselhos que
recebeu do diretor e foi para a casa ansioso pelo primeiro dia da
aula de natação, que seria quando acordasse.

✦✦✦✦✦

Na manhã seguinte, Lipe foi para a escola ansioso, pois teria


a sua primeira aula de natação. Porém, durante o percurso, o ônibus
enguiçou e ele acabou tendo que pegar outra condução, chegando
atrasado.
Ao chegar, o menino percebeu que todos já estavam na
aula; só faltava o seu nome na lista do professor, o que o deixou
acanhado.
O professor Júlio, ao ver Lipe se aproximando, perguntou:
— Você é dessa turma, meu garoto?
— Sou sim, professor — Lipe respondeu um pouco
envergonhado. — Desculpa pelo atraso… Eu tive um imprevisto
com o transporte!
— Tudo bem. Vá trocar de roupa para entrar na piscina! —

50
Visivelmente tranquilo e confiante na justificativa do aluno, o
professor intimou.
Lipe, ao sair do vestiário, sentiu-se envergonhado; todos os
seus colegas estavam olhando para ele e cochichando. Ao olhar
para o seu corpo, o menino percebeu que era diferente dos demais,
que eram magros e brancos em sua maioria.
Entrando na água, ele se sentiu deslocado. Seus colegas já
estavam divididos nas raias, que são os equipamentos de
segurança para dividir a piscina nos processos de aprendizagens e
nas competições.
Embora pareça algo fácil de ser entendido, o garoto só
compreendeu a ideia desses materiais na água quando o professor
lhe explicou que a raia segue a mesma lógica de uma pista de
atletismo, em que cada um deve correr no seu espaço. Ou seja, não
podendo invadir o do outro.
O professor, ao perceber a forma diferente de que Lipe
estava sendo tratado por seus colegas e ouvir comentários
maldosos sobre como o menino não sabia nadar, decidiu ministrar a
aula dentro da mesma raia em que estava.
Durante a aula, o professor Júlio mandou que os alunos
caminhassem na piscina de uma ponta até a outra com o espaguete
embaixo do braço para que eles perdessem o medo de se afogar.
Lipe, que não tinha o costume de entrar em água assim, foi
ganhando confiança e ficando mais calmo nesse ambiente até que
percebeu já estar flutuando sem se afogar.
O menino gostou tanto que nem notou, mas já tinha passado
50 minutos de aula, ou seja, já estava chegando ao fim.
Vendo os progressos do seu aluno, o professor elogiou o
rapaz e viu que ele tinha potencial mesmo sendo sua primeira
experiência com a natação na vida.
Lipe mostrava estar evoluindo mais a cada aula, destacando-

51
se do restante da turma.
Assim, semanas depois, o menino, que era visto como fora
do padrão por não ter o biotipo atlético dos seus colegas, tornou-se
referência por sua resistência, dedicação e compromisso para a sua
turma. Ele era um nadador com muito potencial, de forma que não
demorou para ser convidado para integrar a equipe de competição
da escola.

✦✦✦✦✦

Após 3 meses de muito treino e dedicação, Lipe foi para a


sua primeira competição interescolar e consagrou-se campeão na
modalidade 100 metros. Ele levou a medalha de ouro para a casa,
deixando todos da sua escola e da sua comunidade muito
orgulhosos.
Quanto mais tempo se passava, mais Lipe se dedicava ao
esporte, colecionando títulos e momentos gloriosos na sua jornada
como nadador amador.
Em poucos anos, o menino foi reconhecido e alcançou a tão
almejada carreira como representante do Brasil nas piscinas
olímpicas, tornando-se uma inspiração para tantos outros jovens que
também sonhavam em ser atletas profissionais nos esportes que
amavam.

52
CAPÍTULO
e B u t t e r f l y
M ad a m

Otávio França Santos, Taís Cordeiro


de Souza
MADAME BUTTERFLY

Otávio França Santos, Taís Cordeiro de Souza

Alicia é uma jovem nadadora de 7 anos de idade que nada


desde os 3 e tem o sonho de se tornar uma atleta vencedora. Seu
maior incentivador é seu avô Maurício, de 70 anos, um ex-atleta
amador de natação e professor de Educação Física.
Ainda que a menina nade todos os dias, literalmente de
segunda a sexta, o avô a acompanha sempre. Tem mais: ele adora
contar, para ela, histórias da época em que competia e do período
em que lecionava.
Foi num belo dia em que Maurício perguntou para a Alicia o
que gostaria de ser quando crescesse.
— Além de nadadora, vô? — Curiosa, a menina respondeu
com outra pergunta.
— Sim, querida.— Em tom carinhoso, o avô comentou. —
Além de atleta profissional?
— Quero ser professora como o senhor ou uma super-
heroína como nos filmes!
— Ao terminar a sua frase, a menina suspirou e saiu
andando com os braços esticados para imitar um voo dessa figura
pela sala em que estavam.
— Vou te contar uma história sobre uma super-heroína real
brasileira da minha época. Eu a admirava muito! Você poderá se
inspirar…
— Verdade, vô? — Com os olhos brilhando, a menina
perguntou. — Quem é essa moça?
— Pensando em como aprendeu muito com a história dessa

54
referência, vô Maurício fechou os olhos antes de continuar. Ele se
emocionava muito ao falar do assunto.
— Sim, minha neta. — Com a mão no coração e um sorriso
sutil no rosto, o avô disse. — Ela era magnífica! Era uma heroína,
professora… e nadadora, claro!
— Nossa, fiquei curiosa! Começa logo a contar essa história!
— Calma! Deixa eu ver por onde eu começo! — Com a mão
no queixo, o avô falou e distanciou o olhar como se estivesse
recorrendo ao horizonte para lhe ajudar no resgate das memórias.
— Qual era o nome dela, vô? — Batendo os pés no chão em
sinal de impaciência, a menina perguntou.
— Ela era conhecida como “Madame Borboleta” — sem
esconder o suspiro de satisfação, o avô respondeu rapidamente. —
Mas seu nome verdadeiro é Maria. Igual ao da sua avó.
— Quais eram seus superpoderes? — Com a doçura que só
uma criança dessa idade possui, a menina perguntou de forma
ingênua.
— Além de exímia nadadora? — O avô respondeu à
pergunta com outra e fez uma pausa antes de prosseguir. — Ela era
destemida, corajosa e confiante. — Maurício fazia questão de
enumerar as características da mulher ao erguer um dedo para cada
palavra.— Além de gentil e rígida com as pessoas ao mesmo
tempo.
— Que legal, vovô! Conta mais! — Alicia não fazia questão
de disfarçar a empolgação com a felicidade do avô em lhe contar
essa história.
— Pois bem… — Maurício prosseguiu. — Ela foi minha
professora durante anos e eu nunca a esqueci. Maria me ensinou
muito do que eu sei hoje; devo muito a essa personalidade da
natação.
— Sério, vovô? Você deve dinheiro a ela? Poxa. Não achei

55
que o senhor era disso! — Visivelmente sincera, a menina comentou
por entender de maneira literal o que ele estava lhe dizendo.
— Ah, Alicia! Hahahahaha!
Entendendo que a menina compreendia as coisas ao pé da
letra, o avô gargalhou a ponto de colocar a mão na barriga e limpar
algumas lágrimas que surgiram no canto dos seus olhos. O
acontecimento durou alguns minutos, mas foi capaz de transformar
o seu dia.
Assim, antes de prosseguir a história, Maurício ergueu a mão
para acariciar o topo da cabeça da sua neta. Alicia era realmente
especial.
— Vou te contar a historia dela desde o início. — Ele
comentou e parou de mexer nos cabelos da menina, que não
escondeu a expressão de insatisfação diante da bagunça feita pelo
seu amado avô nos seus fios castanhos. — Você também vai se
apaixonar… Mesmo sem tê-la conhecido pessoalmente.
— Então vou prestar bastante atenção, vovô!
Para que o avô não tivesse dúvidas da sua palavra, a
menina correu pela sala e buscou duas das quatro cadeiras que
estavam dispostas ao redor da mesa ao lado do sofá, retirando-as
de lá e posicionando-as uma de frente para a outra onde os dois
estavam em pé. Sua ideia era fazer com que Maurício ficasse muito
confortável porque, se estivesse se sentindo bem, ela poderia ouvir
mais histórias. A menina não tinha nenhuma pressa quando se
tratava disso!
— Ela nasceu em 1915 — disse o avô e fez uma pausa para
se sentar na cadeira que a neta colocou em sua frente. — O maior
fenômeno da natação brasileira de todos os tempos: Maria Lenk.
— Nossa, vô! Ela é velha, hein? — A menina disparou e
começou a rir.
— Está me chamando de velho, Alicia? — Tentando manter

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o tom de voz sério, o avô devolveu a pergunta. — Pois eu sou
mesmo. Bem vivido! — Aos risos, ele comentou antes de
prosseguir.
— Vovô! — Em tom de reclamação, a menina falou.
— Desculpe, querida. Acabei me distraindo. — Vô Maurício
comentou com sinceridade. — De qualquer forma, quando ainda era
jovem, Maria sofreu com uma pneumonia severa. Por conta disso,
seus pais resolveram colocar a jovem na natação…
— Para quê, vovô?
— Para o fortalecimento da saúde e principalmente do seu
sistema respiratório.
— Nossa, vovô! A natação tem esse poder? — Surpresa, a
menina indagou.
— Ah, Alicia… As pessoas subestimam muito o que a
natação pode proporcionar. Esse espaço de lazer nos ajuda a
compreender o convívio entre os amigos, o prazer de brincar e de
nadar, o direito à alegria, ao lazer e ao esporte de competição, que
são importantes para a nossa formação humana. — Satisfeito com
a semente que plantou no coração da menina naquele momento, o
avô continuou. — Bom, ela aprendeu a nadar ainda pequena com
seu pai, o senhor Paul Lenk, no rio tietê em São Paulo.
— E como ele ensinava a Maria, vô?
— Ele, professor de Educação Física, ensinava a filha por
meio de uma técnica pouco usada no Brasil na época, vinda da
Alemanha…
Falar sobre esse assunto tocava em questões muito
profundas do avô Maurício. A natação era muito mais que um
esporte para ele, e a história da Maria… era a história, não uma.
Assim, nitidamente afetado, o avô prosseguiu.
— Bom, Maria iniciou sua carreira como atleta em provas tipo
a travessia de São Paulo a nado, uma que era popularmente

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conhecida na época. Essa prova reunia a sociedade paulistana nas
margens e pontes do rio Tietê… entre 1920 e 1930. Naquela época,
as mulheres sofriam muito preconceito, de forma que não podiam
praticar esportes do mesmo jeito que os homens nem frequentar os
mesmos espaços públicos que eles. Mas a Maria era resistente:
além de participar, vencia várias vezes as travessias com maestria.
— Nossa! Várias vezes? — Surpresa, a menina comentou.
— Exatamente. — Satisfeito com a lembrança, o avô não
conteve o sorriso. — E logo depois ingressou como professora na
Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do
Brasil (ENEFD), no Rio de Janeiro… instituição que hoje é a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
— Que chique, vovô! Continua contando, continua contando!
— Apaixonada pelo esporte, Maria foi a primeira mulher
brasileira e sul- americana, aos 17 anos, a participar dos Jogos
Olímpicos em Los Angeles (1932), abrindo caminho para outras
atletas nas competições seguintes. Foi precursora do nado
borboleta, tendo sido a primeira a utilizá-lo em uma competição
oficial envolvendo uma prova de peito; isso aconteceu em Berlim
(1936). Ela acabou ficando popularmente conhecida como “Madame
Butterfly” lá, ou Madame Borboleta, uma alusão ao estilo de nado
que introduziu nos jogos e se tornou uma modalidade específica
hoje em dia.
— Que demais, vovô! Madame Borboleta. Será que eu posso
ser chamada assim também? — Realmente interessada, a menina
perguntou.
— Hahahahahaha! Claro que pode, Alicia!
— PERFEITO então, vovô. Me chama só de Madame
Borboleta daqui pra frente, hein? Vou até falar com mamãe e com
meu irmão. — Visivelmente feliz, a menina comentou. — Mas
continua a contar, vovô, que eu tô interessada!

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— Você é uma figurinha, Madame Borboleta! — Carinhoso,
Maurício comentou antes de prosseguir. — Bom, ela bateu seus
primeiros recordes mundiais logo depois, em 1939, nos 200 e 400
metros nado borboleta. Maria foi a primeira brasileira a conquistar
tal feito.
— Pensando em dar espaço para a menina processar
as informações, o avô comentou e fez uma pausa antes de voltar a
falar. — No auge da carreira, foi atrapalhada…
Surpresa com o início dessa fala, a menina se desligou do
momento e começou a pensar nas possibilidades do que o avô
estava dizendo. Como será que Maria tinha sido atrapalhada? Será
que adoeceu? Será que a mãe não quis deixar que participasse dos
esportes? Será que decidiu ser jogadora de vôlei?
— Essa é uma parte da história de Maria Lenk. Entendeu,
Alicia? — percebendo que a menina viajou para longe ao final da
sua contação, o avô perguntou.
— Ih, vovô, não ouvi o final do que você disse. Ela foi
atrapalhada pelo quê? Pensei em tantas coisas e… — afobada, a
menina começou a comentar sobre as possibilidades responsáveis
por fazê-la se desligar da fala final do avô.
— Calma, Madame Borboleta. Vou repetir para você, mas
adianto que não é nada disso em que pensou. — Carinhoso, o avô
respirou fundo antes de prosseguir.
— Maria Lenk foi atrapalhada pela Segunda Guerra Mundial.
Seus planos para as Olimpíadas de 1940 tiveram de ser
interrompidos por isso… Ela ficou bem frustrada.
— Segunda Guerra Mundial? — Alicia coçou a cabeça como
se quisesse demonstrar não estar conseguindo entender o
significado dessa expressão. — O que foi isso?
— Isso é uma história para outra hora, minha querida. —
Sem conseguir disfarçar muito bem os olhos sombrios diante das

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memórias desses tempos, o avô balançou a cabeça para os lados
sutilmente e piscou algumas vezes para espantar as recordações
ruins antes de prosseguir. — Mas o que importa é que a nossa
heroína era a grande favorita a ganhar a primeira medalha de ouro
olímpica de mulheres brasileiras em esportes individuais.
— Que legal, vovô! Ela foi muito importante, né?
— Sim, minha querida. — O avô respondeu antes de finalizar
seus comentários sobre a importância de Maria Lenk para a
natação. — Ela foi um espelho para outras mulheres se
posicionarem e compreenderem os lugares das outras
em diferentes espaços sociais, sobretudo nos espaço s
públicos de lazer e nos espaços de competição.
— Adorei a história, vô! Mas o que aconteceu com ela? —
Assustada, a menina pulou da cadeira ao continuar as perguntas. —
Morreu?
— Sim, Alicia. Mas ela deixou um grande legado!
Antes que o avô pudesse terminar de falar, a menina
disparou uma pergunta forte que foi capaz de fazê-lo fechar os
olhos e respirar fundo antes de responder.
— Mas super-heróis não morrem, não é, vovô?
— Os super-heróis de verdade sim, minha querida — em um
tom de voz triste, ele comentou. — Infelizmente…
— Poxa, vovô! Não é justo!
— Eu sei, minha neta. Porém, eles ficam gravados nos
nossos corações pra sempre. Sua vida e seus feitos são eternos…
Assim como a Maria Lenk!

60
CAPÍTULO m
d o T c h i b u
OC ont o

Marco Antônio dos Santos Souza, Sandra


Regina Tavares Manhães Miranda
O CONTO DO TCHIBUM

Marco Antônio dos Santos Souza, Sandra Regina Tavares


Manhães Miranda

Recém-formada em Educação Física, a tia Gisele começou a


atuar numa turma formada por alunos de 8 a 10 anos de idade. No
seu primeiro dia, ela se apresentou e procurou conhecer as
habilidades e experiências de cada aluno.
Ela estava na beirada da piscina de uma escola pela qual foi
contratada como professora de natação.
Tia Gisele tinha a missão de ensinar essas crianças a como
nadarem, além fornecer um espaço para se socializarem e se
divertirem enquanto aprendem. Ela também precisava incluir alunos
com menos habilidades ou limitações em suas aulas.
O desafio era grande, pois as crianças deviam aprender
outros conteúdos além da natação, tais como o respeito às
diversidades e a importância da solidariedade, das relações
afetivas, da psicomotricidade, da coordenação motora, das
linguagens oral e gestual, etc.
Assim, ela começou sua aula com uma conversa informal
para que a turminha se descontraísse e se sentisse confiante.
— Olá, pessoal — sorridente, a professora cumprimentou
cada rostinho ainda desconhecido.
— Olá, tia! Que cabelo bonito você tem! — Com os olhos
brilhando, uma menina de cabelos crespos bem curtinhos comentou
ao se identificar com a professora.
— Oi, tia! Qual é o seu nome? — Um menino albino
perguntou de forma simpática.

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— Meu nome é Gisele, mas podem me chamar de tia Gisa,
ok? — Feliz com a receptividade positiva dos alunos, a professora
comentou.
— Ok, tia! E o que vamos fazer agora? — Outra menina, um
pouco mais distante, indagou.
— E como é o seu nome e o de seus coleguinhas?
Ninguém falou ainda…
— Aproveitando a oportunidade que a menina lhe ofereceu,
Gisele perguntou o nome de cada um daquela turminha.
— O meu é Sandrinha — disse a menina que estava mais
distante. — Aquela ali é a Karla — ela apontou para a autora do
primeiro comentário, que foi um elogio para Gisele —, aquele ali é o
Marcelinho… — ela direcionou o dedo para o menino que estava
quase escondido e perguntou o nome dela mais cedo. — Ainda tem
a Milena, a Letícia, o André, a Josi e o nosso amigo Marco, que
ainda estão pra chegar. Eles são bem legais, tia!
— Uau! Que turma show! Agora a tia Gisa quer saber outra
coisa…
— Pode perguntar, tia! — Sandrinha disparou em reflexo.
— O que vocês sabem fazer dentro dessa piscina? Vocês
estão com os pés no chão, não estão?
— Estamos sim, tia! — Todos responderam.
— Alguém aí tem medo dessa piscina enorme?
— Tia, eu não tenho, mas acho que o nosso amigo Marco
tem muito. — Sandrinha comentou e complementou a informação.
— Pois ele sempre chega atrasado e com vontade de chorar
quando tem que entrar. — A menina demonstrou estar pensativa no
assunto.
— É mesmo? — Surpresa, Gisele disse. — Mas para que
isso não aconteça mais, a tia Gisa vai mudar algumas coisas por
aqui. Vamos colocar uma música?

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— Que legal, tia! — Karla e Marcelinho falaram quase juntos.
— Quero todos aqui na borda da piscina cantando junto com
a tia, pode ser?
— Gisele disse enquanto colocava “Bom dia”, do Mundo Bita,
para tocar. Ela sabia que eles gostariam da escolha.
— SIM! — Os presentes falaram em coro.
— Todos estão com os pés no chão, não estão? — A
professora perguntou e fez uma provocação para que
respondessem em coro novamente. — Sim ou não, pessoal?
— Sim, tia! Estamos! — Os presentes responderam em coro
novamente e a professora demonstrou satisfação.
— Agora vamos borbulhar na água para aprendermos a
controlar a nossa respiração e ganharmos fôlego. Não é preciso que
ninguém mergulhe. Puxem o ar pelo nariz e se lembrem de soltá-lo
pela boca. Pode ser? — Animada, a professora perguntou.
— Ok, tia Gisa! Deixa só a gente se arrumar aqui! — Karla
disse e começou a ajustar a touca, pois seus cachos crespos
estavam querendo sair.
Para não gerar muita ansiedade nos alunos, Gisele parou de
andar ao redor da piscina em que estavam e se posicionou no lado
esquerdo. Em pé, ela estava na mesma direção de Marcelinho, mas
fora da água.
— Ao meu sinal então, hein, galerinha — Gisele comentou.
— Se preparem!
— Já estamos prontos, tia Gisa! — Os presentes falaram de
forma desencontrada.
— JÁ! — Após gritar o comando no espaço aberto, a
professora soprou o apito que estava pendurado em seu pescoço.
Ele sempre era útil nas aulas quando fazia propostas de atividades
assim.
Antes de mergulharem na água, todos os presentes fizeram

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o que a professora pediu. Era possível ver várias bolhas subindo ao
longo da piscina.
— Todos conseguiram?— Gisele quis saber.
— Sim, sim, sim, sim! — A turminha disse em segundos
diferentes.
— Muito bem! — Gisele afirmou e bateu palmas com o
objetivo de estimulá- los a continuar nesse ritmo. — Agora vamos
fazer essas borbulhas debaixo da água? Será que conseguem? —
A professora perguntou e logo fez uma afirmação.
— Tia Gisa acha que sim!
Gisele não precisou esperar muito para que os seus alunos
mergulhassem na água para a atividade. Ela notou, porém, que
subiram a cabeça para respirarem. Como era esperado,
desconsiderou.
— Nossa! Vocês são incríveis! — Com os olhos brilhando,
Gisele comentou.
— Agora vamos dar um passo a mais. A tia quer que vocês
trabalhem com as pernas. Batam as pernas como se fossem uma
tesoura.
Após fazer a proposta de atividade, Gisele entrou na água e
demonstrou o movimento enquanto se apoiava na beirada da
piscina.
— Não é engraçado? As minhas pernas agora se
transformaram em uma tesoura! — Rindo, ela disse para chamar a
atenção dos alunos. — Vamos cortar a água?
Saindo daquela posição, Gisele começou a caminhar
pela piscina para segurar as barriguinhas dos seus alunos, que não
conseguiam disfarçar a emoção e a ansiedade. Ela precisava
mantê-los na horizontal para que fizessem a atividade. Enquanto ia
ao encontro de cada um, a aula estava acontecendo de maneira
confortável: com músicas preenchendo o ambiente e pranchas

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espalhadas pela
água. Tudo estava bem tranquilo.
Assim, de forma gradual, a professora começou a se afastar
dos alunos na água para que pudesse ver como cada um estava se
saindo na atividade. Ela ficava muito preocupada com a segurança
deles e sabia que era perigoso se ausentar enquanto estivessem na
piscina. Até mesmo virar de costas podia ser fatal.
— Olha, tia! O Marco chegou! — Empolgada, Karla
comentou.
— Oi, Marco! Seja bem-vindo! Eu sou a tia Gisa! — Com seu
mais sincero sorriso, Gisele cumprimentou o aluno e se apresentou.
— Toca aqui, campeão! — Ela disse e ergueu a mão para que o
menino a cumprimentasse.
— Oi, tia Gisa… — meio tímido, Marco respondeu.
— Marco, vem aqui na piscina — Gisele disse de maneira
carinhosa. — A tia te pega no colo para te ajudar a boiar. Tudo
bem?
— Tudo, tia — tremendo, o menino respondeu baixinho. —
Mas estou com medo e com frio. Quero a minha mãe!
Ouvir a última frase de Marco, que ia completar 8 anos no
próximo mês, de acordo com as fichas dos alunos que Gisele
recebeu, fez com que o coração da professora se partisse em
pequenos pedacinhos. O menino realmente estava com medo da
água. A professora levou alguns segundos para respondê-lo e tentar
ajudá-lo a superar esse pavor.
— Enquanto a mamãe não chega, serve a tia Gisa? —
Percebendo a relutância do menino, a professora caminhou um
pouco na água para pegar um espaguete verde que estava próximo.
— Ou o espaguete?
— Sim! — Sentindo-se um pouco confiante, Marco
respondeu.

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— Ah! Ótimo! — Gisele comentou e sorriu para o menino,
que se agarrou ao espaguete como se valesse a sua vida.
Um pouco mais aliviada, Gisele caminhou para a ponta da
piscina com o objetivo de ver todos os seus alunos. Quando chegou
lá, limpou a garganta e começou a falar um pouco mais alto,
tentando não ter a voz engolida pelo ambiente aberto e a música em
volume mediano ao fundo.
— Agora que já somos peixinhos, vamos borbulhar na água e
bater as pernas ao mesmo tempo? Será que conseguiremos? —
Entendendo que todos gostam de bons desafios, a professora
perguntou nesse tom.
— Claro, professora! — Animada, Karla comentou enquanto
tentava voltar para a borda da piscina sem engolir água.
— Vamos, professora! — Confiante, Marcelinho falou.
— Vou contar de um até três, hein…
— Pode contar, tia!— Todos falaram em coro já na borda da
piscina.
— Então tá… — Respirando fundo para iniciar a contagem e
apitar, Gisele comentou. — 1… 2… 3… JÁ!
Todos os alunos começaram a fazer as coisas que Gisele
pediu. Ela percebeu, porém, que alguns apresentaram dificuldades,
então foi até eles para segurá-los pelas axilas e facilitar o processo
de cada um.
— Muito bem, pessoal! Que lindinhos da tia! — Gisele disse
e bateu palmas. — Vocês estão dando um show na água! Logo
vamos chamar os responsáveis de cada um para assistirem!
— OBAAAAAAA! — Empolgados, Karla e Marcos gritaram.
— TIAAAAAAA!
Vamos fazer uma festa na piscina? — Eles perguntaram
juntos.
— Sim, vamos! — Gisele respondeu e começou a pensar em

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como poderia planejar uma festa na piscina que fosse segura e
divertida para as crianças.
Os pensamentos da professora foram interrompidos por uma
preocupação: como ela faria uma festa na piscina com os alunos se
eles ainda estavam aprendendo a nadar? Seria muito arriscado
programar algo no primeiro mês de aula e ela ainda não conhecia o
salva-vidas da escola de natação.
Foi diante desse pensamento que ela entendeu ser
necessário avançar aos pouquinhos com a turminha.
— Será que já podemos soltar um pouco a borda para ver se
conseguimos ficar um pouquinho sem ela? — Gisele perguntou e
sugeriu ao mesmo tempo. — Alguém está com medo?
Gisele observou a expressão de cada aluno e percebeu que
Marco aparentava estar tenso. Suas sobrancelhas estavam
franzidas e seu olhar parecia ter se perdido na porta do espaço em
que estavam.
Entendendo que era necessário fazer uma intervenção para
que o menino se acalmasse, Gisele se dirigiu para ele.
— Marco, a tia vai te segurar. Ok?
O menino apenas balançou a cabeça em concordância.
Assim, Gisele foi até ele e o ajudou a fazer os
movimentos propostos.
Quando percebeu um pouco mais de confiança no menino,
ela perguntou:
— Querido, vamos soltar?
— Olha pra mim, tia! Tô conseguindo! Tô conseguindo! —
Sem tentar conter a felicidade, Marco comentou. Ele já estava
interagindo com o ambiente aquático sem tanto medo.
Ao esboçar a sua satisfação em conseguir ficar na água sem
entrar em pânico, Marco começou a se soltar dos braços de Gisele
para dar alguns passos na piscina até chegar à sua beirada.

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— Tia Gisa — bem feliz, o menino chamou a atenção da
professora antes de continuar —, eu consegui!
— Nossa, Marco! A tia está muito feliz! Vamos bater as mãos
na água para fazer uma festa para ele, pessoal? — A professora
sugeriu para a turma.
Todos começaram a bater as mãos na água para
comemorarem a superação do amigo. Era uma vitória e quando se
trata de algo assim, não há pequena ou grande; é vitória e tem o
mesmo valor.
— Excelente, galerinha! — Gisele elogiou a turma. — Agora,
com o auxilio da prancha, vamos bater as perninhas para podermos
nos deslocar? Esse é o famoso nado cachorrinho. Alguém já viu
como um cãozinho faz?
— Ih, tia, eu só tenho gato e ele detesta água! — Karla
comentou em meio aos risos, que contagiaram os demais.
— Hahahahahahaha! Ótima observação, Karlinha! —
Visivelmente animada com a interação, Gisele disse. — Com
relação ao nado, é super simples: fiquem com a cabeça para fora
d’água, deixando o tronco relaxado, e batam as perninhas. Não se
esqueçam de mexer os bracinhos! Vamos tentar?
— Vamos, tia! Acho que não é tão difícil, né? — Marcos
perguntou.
— Não é, Marcos! Estou aqui para orientar vocês também!
Contem comigo!
— Obrigada, tia! É tão bom saber que a gente pode contar
com você! — Karla disse e sorriu.
Percebendo o interesse e a animação dos alunos, Gisele
entendeu que era um bom momento para deixar outra proposta de
atividade para eles na piscina.
— E se soltarmos a prancha e batermos as mãos também, o
que será que acontece? — A professora questionou e esboçou uma

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expressão de dúvida. — O cachorrinho não usa prancha… Se ele
consegue, nós também podemos, não é?
Após seus comentários, a professora fez a contagem para o
início do treino dos alunos com base nas propostas e começou a
andar ao redor do espaço em que estavam para acompanhar cada
um de perto.
— Muito bem, Josi! — Gisele bateu palmas para a menina e
completou o raciocínio. — Você já consegue sem a prancha!
— Você viu, professora? — Eufórica, Josi perguntou. — Tô
conseguindo!
Gisele respondeu a aluna com um balançar de cabeça e
continuou andando até a próxima.
— Olhem só! — A professora exclamou. — Milena também
conseguiu passar de um lado para o outro da piscina! Vamos lá,
meus amores! Quero ver todos imitando o cachorrinho nadando!
Segundos depois de ter estimulado a continuidade das
atividades, Gisele notou que os alunos ficaram afobados com o seu
comentário e achou importante destacar que se trata de um
processo.
— Vamos com calma, pois não estamos com pressa. Certo?
— Tia, isso é muito divertido! — Entusiasmada, Milena
gritou ao chegar à borda.
— Que turma maravilhosa! A tia está encantada com vocês!
— De um modo muito sincero, Gisele comentou com a voz firme
antes de continuar. — Estão cansados? Vamos descansar um
pouco. Venham para perto da tia.
Após ouvirem o pedido da professora, os alunos nadaram
para a direção da borda da piscina em que ela estava. Ofegantes,
todos comentavam entre si sobre seus progressos.
O descanso durou cerca de 10 minutos. Para descontraírem,
Gisele perguntou qual era a música que gostariam de ouvir, até uma

70
voz irreconhecível dizer, bem baixo, que gostaria muito de cantar
“Dois Peixinhos”, da Xuxa.
A professora percebeu que aparentemente foi a única a ter
escutado o pedido doce e tímido. Assim, fez questão de falar alto a
sugestão:
— O que vocês acham de escutarmos “Dois Peixinhos”, da
Xuxa, enquanto descansamos um pouco aqui na borda da piscina?
Acho que combina com o momento, não?
Assim que deu a sugestão, ela percebeu um olhar de
agradecimento escondido no meio dos outros e sorriu
disfarçadamente; era como se quisesse dizer que a opinião e o
gosto de todos eram importantes.

✦✦✦✦✦

Assim que notou o primeiro bocejo após alguns minutos de


descanso fora da água, Gisele pigarreou para começar a falar.
— Meus amores, a tia teve uma ideia. — Como já tinha
notado a curiosidade de todos diante de qualquer novidade, a
professora fez questão de falar gesticulando e empolgada. — Agora
que já estamos descansados, vamos deitar sobre a água e ficar
flutuando igual a essa prancha? — Ela disse e apontou para
umadas pranchas flutuantes na piscina.
— Oba, tia Gisa! Oba! Nós queremos, mas eu não sei fazer!
— Sandrinha comentou e ficou triste por achar que não ia
conseguir.
— A tia vai te ensinar, Sandrinha! — Gisele respondeu à
inquietação da menina, que sorriu de cabeça baixa. — Todos vocês
vão aprender. Se não for hoje, será na próxima aula ou na outra.
Não precisamos ter pressa!
Dito isso, a professora aparentou ter entendido que seria

71
interessante começar a proposta pela menina que demonstrou mais
medo da tentativa.
— Sandrinha, vem você primeiro. — A professora convocou
com uma voz afetuosa. — Você vai ficar de costas sobre a água,
com as pernas e os braços afastados, e a tia vai te segurar por
baixo das costas, ok? — Ao notar um fio de pânico no seu olhar,
Gisele emendou a sua fala. — Não precisa ter medo. Estou aqui
com você. Com vocês.
Assim, a professora pediu para todos se sentarem na borda
da piscina enquanto ensinava cada um a boiar, explicando que
flutuariam na água como a prancha e o espaguete.
Os alunos balançaram a cabeça em concordância e se
sentaram onde a professora pediu. Karla quase caiu em cima de
Josi, de forma que as duas começaram a rir até se organizarem
conforme pedido por Gisele.
— Olha isso, Marco! — Eufórica, Sandrinha gritou de
animação. — Eu consegui!
Todos aplaudiram a conquista de Sandrinha. Tia Gisa ainda
estava ali, segurando as mãos da menina, mas entendia que esse
apoio não anulava o progresso da aluna. Já era uma vitória!
O grupo parecia bastante empolgado em realizar todas as
atividades, mas Gisele percebeu que até havia ultrapassado um
pouco o tempo da aula do dia, que já tinha sido suficiente. Ela
aparentava estar se sentindo muito bem com essa turma.
Com essa pequena parte da história da tia Gisele, podemos
entender que todas as crianças têm o direito de experimentar a
natação com prazer e alegria. Sem exceções!

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CAPÍTULO a d a r
lém d e s ó n
M u i t o a

Daniel Viana Azevedo, José Matheus


Rodrigues de Souza, Lucas Cabral
Monteiro Alves, Lucas Ribeiro Pelicioni,
Rafael Gomes Pessanha
MUITO ALÉM DE SÓ NADAR

Daniel Viana Azevedo, José Matheus Rodrigues de


Souza, Lucas Cabral Monteiro Alves, Lucas Ribeiro
Pelicioni, Rafael Gomes Pessanha

João era um pai exemplar e andava preocupado com a


relação de amizade entre os seus filhos Matheus e Felipe, além da
convivência deles com os colegas. Num belo dia, pensando em
como fazer para melhorá-las, ele conversou com a sua esposa para
refletirem juntos sobre o caso.
— João, você não tinha feito natação com 11 anos? —
Rebeca perguntou ao marido.
— Sim, querida. Eu fiz com 11 anos, a idade do Matheus. —
Inquieto, João disse e achou melhor também mencionar o outro
filho, já que ele e Rebeca tiveram dois meninos. — Também era 2
anos mais velho que o Felipe.
— Então vamos matriculá-los na natação. — Rebeca foi
direta e enfática. Com essa ideia, foram até o local onde queriam
que os filhos tivessem aulas.
Chegando lá, o casal foi conversar com o professor, que os
recebeu muito bem e percebeu na hora algo estranho em um dos
irmãos.
— Olá! Meu nome é Pedro. Serei o professor de natação de
vocês. — Simpático, ele sorriu e ergueu a mão para apertar a dos
pais e a dos filhos.
O casal e os meninos cumprimentaram o professor. Assim,
enquanto os rapazes foram encaminhados para o chuveiro, não
demorou muito para Rebeca e João se dirigirem às cadeiras

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destinadas aos pais, às mães e aos responsáveis para assistirem à
aula.
Logo no início, o professor Pedro notou que o Felipe
simplesmente não queria entrar na água, então tentou incentivá-lo a
ultrapassar essa barreira.
— Vamos lá, Felipe! Não precisa ter medo!
— Eu não consigo. Eu tenho pavor de água! — Com
sinceridade, o rapaz disse.
Era possível sentir o seu pânico pela voz trêmula.
— Você é muito medroso, rapaz. — Sem ter noção dos
impactos das suas palavras, Matheus disse para o seu irmão.
Segundos se passaram antes de se curvar para o professor e
prosseguir, aparentando não ter a menor noção do que dizia. — Eu
sempre brinquei de “lutinha” dentro d’água com ele, professor. Ele
sempre foi assim.
— Você o QUÊ? — Nervoso, Pedro gritou a pergunta sem
perceber.
— Não podia? — Matheus devolveu a pergunta sem
entender o tom de preocupação do professor. Afinal, era só uma
brincadeira… Certo?
— Por acaso você já o “afogou” nessas brincadeiras? — O
professor perguntou e torceu para ouvir uma resposta negativa.
— Muitas vezes… Ele é muito fraco pra mim! — Rindo,
Matheus respondeu e saiu andando para longe do irmão dentro da
água.
Analisando a situação, o professor Pedro solicitou que o
Matheus fosse para o outro lado da piscina para acompanhar o
professor Thiago, outro professor que trabalhava com ele.
— Felipe, vamos tentar perder esse medo? — Cuidadoso
com as palavras, Pedro perguntou da maneira mais gentil que
conseguiu. — Seu irmão é a causa do seu medo, não é?

75
— É. — Envergonhado, o rapaz concordou e abaixou a
cabeça.
— Bom… Agora você pode confiar em mim. Eu estou aqui
para proteger você do que der e vier. Conte comigo!
— Tudo bem… — Desconfiado, Felipe não conseguiu
disfarçar o medo que latejava nele quando estava dentro d’água.
— Você gosta de cachorros? — Pedro estava buscando
formas de suavizar a situação.
— Sim. Gosto.
— Ótimo! Vou te mostrar o nado cachorrinho, uma técnica
básica da qual você vai gostar.
Enquanto isso, o professor Thiago estava de pé na borda da
piscina. Sua visão panorâmica permitia que visse o que estava
acontecendo dentro d’água.
Assim, conforme o Pedro dava uma atenção especial ao
aluno novato e inseguro, o Thiago cuidava dos demais.
Enquanto um irmão estava se habituando bem à água após
alguns minutos e tentando praticar o nado cachorrinho, o outro,
muito bagunceiro, já chamava a atenção dos professores do outro
lado da piscina. Houve até um momento em que ele tentou afogar
um garoto quando a criança não estava atenta. O Thiago interveio e
logo chamou a sua atenção para que isso não se repetisse.
Assim, logo após o final do primeiro dia de aula, já
percebendo o perfil de Felipe e o de Matheus, o professor Pedro
chamou o João quando estava indo embora com a família,
sinalizando que queria que conversassem a sós. No momento em
que se sentaram nas cadeiras dispostas perto da piscina, sem os
olhares dos familiares, o professor disse ao pai dos dois irmãos:
— João, você tem dois bons filhos. Sabe disso, não sabe?
— Obrigado. Sei sim. — Desconfiado, o pai respondeu. Ele
parecia saber que o professor não o chamou somente para isso.

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— Então… precisamos compreender que o ambiente
aquático tem suas particularidades, ou seja, requer cuidados e
medidas de segurança para todas as pessoas envolvidas nas
práticas aquáticas. Você compreende isso?
— Tudo bem.
Estranhando o comportamento do pai, que estava
impassível, Pedro deu continuidade à conversa.
— Vou te explicar a metodologia das nossas aulas: primeiro
trataremos da adaptação ao meio líquido, ou seja, da adaptação na
piscina onde seus filhos vão brincar, jogar, trabalhar a respiração e
formas de imersões variadas, desenvolvendo a percepção da
resistência nesse ambiente e de como afeta os movimentos
aquáticos, o equilíbrio e o controle do corpo. Tudo isso a fim de
prepará-los para as fases seguintes do aprendizado… Digo, até
terem todas as bases para que realmente possam nadar várias
modalidades. — Pedro disse e fez uma pausa para garantir que
João tinha escutado toda a sua explicação. — Ok?
— Certo. Eu me lembro disso de quando fiz minhas aulas. —
João comentou de maneira pontual.
— Então você já fez natação? — Curioso, Pedro perguntou.
— Sim. — João respondeu e direcionou o olhar para a porta
do local.
Ignorando o sinal de que estava cansado da conversa, Pedro
continuou o assunto com o pai de Felipe e Matheus, porque não
podia fingir não ter percebido o trauma desenvolvido pelo menino
com relação à água.
— Eles aprenderão a respirar corretamente na água e a
utilizar os equipamentos, assim como praticarão bem a flutuação, o
deslize e o giro. — Tentando ser direto da mesma forma que João, o
professor falou de maneira mais técnica, também considerando se
tratar de um homem habituado com o esporte.

77
— Tudo bem. Explicarei e tenho a certeza de que ficarão
bem animados. — O pai de Felipe e Matheus comentou antes de se
levantar. — Você quer falar mais alguma coisa comigo, professor?
Preciso ir.
— Não, não. Já disse tudo o que queria. Vejo você e seus
filhos na próxima aula? — Inquieto, Pedro perguntou. Ele parecia
sentir que precisava fazer alguma coisa para ajudar Felipe a se
curar do trauma que desenvolveu com relação à natação.
— Com certeza. — Levantando-se da cadeira e balançando
as chaves do carro, João fez um cumprimento de cabeça para o
professor e começou a andar em direção à porta. — Retornaremos
na próxima aula. Obrigado.

✦✦✦✦✦

No primeiro mês de aula, os professores decidiram algo


importante: os alunos que se desenvolvessem mais rápido iriam
para a turma mais avançada após as duas primeiras semanas de
adaptação ao meio líquido. Os demais teriam acompanhamento
diferenciado para desenvolver suas habilidades, respeitando o seu
tempo.
— Vamos lá, Felipe! — Pedro disse com a intenção de
incentivar seu aluno. — Treine a sua respiração: inspire pela boca e
expire pelo nariz.
— É difícil, professor. — Felipe comentou e fechou os olhos.
— Estou dando o meu melhor. Acredite.
— Eu sei, Felipe. Estou aqui para te ajudar. — Pedro falou e
respirou fundo de forma discreta antes de prosseguir. — Puxe o ar
pela boca e solte o ar pelo nariz. Ok?
— Sim, professor, mas parece que não sai ar pelo meu
nariz. — Agoniado, Felipe comentou.

78
— Ponha seu dedo embaixo do nariz. — Pedro disse e
gesticulou para facilitar a compreensão do seu pedido.
— Assim? — Felipe disse ao atender à solicitação do
professor. A desconfiança estava clara no seu rosto; ele realmente
estava com medo.
— Isso. — Pedro disse e balançou a cabeça para
reforçar o seu posicionamento. — Agora você sente o ar saindo?
— Entendi, professor. Sim.
Enquanto Thiago estava com Matheus na piscina, o
professor Pedro notou que Felipe estava com certa facilidade para
praticar a respiração, tendo evoluído muito rapidamente. Isso era
um bom sinal.

✦✦✦✦✦

Após uma semana, o professor Pedro teve uma ideia para


explicar aos alunos como funciona a sustentação na água e usou o
colega de profissão como exemplo.
— Estão vendo esse nosso amigo aqui? — Pedro disse e
apontou para Thiago.
— Ele não está um pouco cheinho? Acreditem se quiserem,
ele flutua melhor do que vocês por possuir mais gordura corporal.
Isso facilita a flutuação, porém os magrinhos também podem se
sustentar na água.
Os alunos estamparam uma expressão de surpresa.
— Sim, gente. A gordura corporal facilita a flutuação, mas
quem não tem muito também pode flutuar. — Pedro reforçou a sua
explicação anterior e notou que os ombros dos alunos caíram por
ficarem nitidamente um pouco aliviados com esse destaque do
professor.

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Pedro estava explicando todos os passos para uma
sustentação adequada na água e notou que alguns alunos não
estavam conseguindo. Diante disso, ele chamou o Felipe e
demonstrou a proposta novamente. O professor utilizou o aluno
como exemplo.
— Vamos lá, Felipe! Essa é uma maneira que utilizamos
para termos autonomia na água, seja piscina ou mar. Vou passar
para vocês quatro componentes: para o primeiro, pensem na
batedeira de bolo que têm em casa. Pensaram? — Após perceber
que todos balançaram a cabeça de maneira afirmativa, o professor
continuou. — Vocês conseguem fazer como essa máquina?
— Assim, professor? — Murilo, um dos alunos, perguntou
enquanto fazia o movimento conforme a explicação de Pedro. —
Acho que estou um pouco confuso. É assim mesmo? Parece fácil.
— Exatamente! — Pedro disse e aumentou o tom de voz
para a sua próxima fala. — Todos entenderam? Vamos praticar!
Após cinco minutos dessa prática, Pedro chamou a atenção
dos alunos novamente para continuar a explicação.
— Bom, galera, o segundo componente é a ação dos braços,
também chamada de palmateio. — Pedro destacou e continuou
explicando. — As nossas mãos abrem de forma inclinada.
— Como, professor? — Matheus perguntou.
— Dessa forma — ele disse enquanto gesticulava —. Vocês
precisam “abrir” para fora do corpo e “fechar” no peito.
— Estou conseguindo? — Com a voz trêmula, Felipe
perguntou ao professor enquanto tentava seguir as orientações
dele.
— Sim. Está muito avançado para a segunda semana!
Pedro observou que Felipe ficou bastante animado com o
seu comentário, ainda que o rapaz tenha tentado esconder a reação
diante do reconhecimento do professor. O jovem estava realmente

80
se esforçando; era capaz de ver como Pedro realmente se
importava com a sua aprendizagem. Ele não o tratava como alguém
que precisava aprender a nadar, mas como um ser humano com
sonhos e perspectivas paralisadas acerca da natação por um
trauma não curado em ambiente aquático.
Porém, ao mesmo tempo, Pedro entendia que todos
precisam compreender como esses desafios estão por toda a vida
cotidiana.
— Galera, o terceiro componente envolve as respirações
com inspirações rápidas, mantendo sempre os pulmões cheios de
ar. — Pedro explicou.
Tudo ia bem até que o Felipe teve o estímulo maior no
quarto item, que ainda não tinha sido explicado: o controle
emocional.
Diante disso, o professor não pensou duas vezes e disse:
— Muito bem, Felipe — com o semblante sério de um jeito
nunca visto até então, o Pedro falou para o menino. — Vou levar
você para o fundo.
— Professor! — Felipe exclamou. — Mas eu tenho medo!
Não!
— Confie em mim, Felipe. Você confia? — Com sinceridade
e tomando o cuidado para não parecer autoritário, o professor
perguntou. — Vamos lá! Você consegue vencer o medo. Eu vou
estar junto te orientando.
Quando chegaram na piscina, Felipe ficou nervoso e
esqueceu os passos, então o professor Pedro disse o seguinte
enquanto caminhava para o meio do espaço:
— Muito bem, pessoal. O quarto e principal componente é o
controle emocional.
— De forma pausada, ele comentou. — Precisamos manter o
equilíbrio para que, aos poucos, consigamos flutuar e nadar com

81
alegria.
Todos os alunos se entreolharam e ficou nítido que esse não
era um assunto que esperavam ouvir sobre nas aulas de natação. É
um fato, porém, que não dá para falar de corpo sem fazer uma
relação com a mente; como nos percebemos e sentimos vai
influenciar diretamente nas nossas ações. Não é diferente na água.

✦✦✦✦✦

Depois de duas semanas pensando na última fala do Pedro,


Felipe começou a perceber que precisava tentar controlar os
pensamentos para que pudesse se apropriar das maravilhas do
ambiente aquático. Assim, ele conseguiu se sustentar bem na água
a cada dia mais e entendeu que essa conquista só foi possível
graças ao professor, que o orientou com carinho e com dedicação.
— Muito bem, pessoal. Agora vamos encher os pulmões de
ar. — Pedro solicitou como uma afirmação. — Vamos entrar em
apneia em três, dois, um.
Ao fazer a proposta de atividade, o professor percebeu que
todos os alunos estavam empenhados e alegres; era evidente que
queriam dar o melhor de si mesmos.
— Fiquem relaxados, pois quanto mais relaxados, mais
vocês flutuarão. — Pedro comentou ao perceber que alguns
estavam muito nervosos. — Agora, deem as mãos ao colega do
lado e ponham os rostos na água. Não se esqueçam de levantar as
pernas. — Disse e observou todos atendendo ao seu pedido. —
Muito bem! Agora só com uma mão… Vão revezando.
— Estou fazendo direito, professor? — Agindo de modo mais
calmo, Matheus perguntou com cuidado. Ele havia mudado bastante
desde que começou a fazer as aulas de natação; parecia estar
entendendo que só a humildade e a empatia poderiam ajudá-lo a

82
ser uma pessoa melhor.
— Sim, Matheus. Você está se saindo muito bem; até parece
o Michael Phelps.
— Pedro brincou, entendendo a tensão na voz do rapaz. —
Todos nós temos o direito de errar, mas é necessário que as falhas
sejam percebidas e corrigidas por nós e, por vezes, pelas pessoas
que nos amam. Matheus estava fazendo isso.
Notando que o progresso dos alunos estava excelente,
Pedro fez uma nova proposta de atividade para a finalização da
aula.
— Agora, pessoal, vamos aplicar tudo o que aprendemos?
Vão para a borda da piscina. Vou sugerir outra atividade. — O
professor solicitou e comentou. — Vamos lá!
Os alunos, que estavam no meio da piscina treinando a
última atividade, atenderam ao pedido do professor e começaram a
andar para o meio.
— Posicionem-se na raia de vocês. — Pedro pediu. —
Vamos nadar até a outra borda. Beleza?
— Show, professor. — Todos os alunos disseram em
momentos diferentes.
— Estamos aprendendo a nadar numa piscina semiolímpica
que tem 25 metros, mas existem piscinas olímpicas com 50 metros.
— O professor declarou antes de prosseguir. — Acredito que vocês
já viram nos campeonatos mundiais e nos Jogos Olímpicos. — Ele
fez uma pausa para dar tempo de processarem o que estava
dizendo. — Vocês devem ter assistido pela televisão e/ou nas redes
sociais… Hoje muita coisa se baseia na internet, né? — De forma
retórica, Pedro comentou. A internet é um adianto para muitas
coisas.
Percebendo a movimentação e os olhares voltados para a
sua direção, Pedro prosseguiu a explicação da nova proposta de

83
atividade.
— Bom, gostaria de que todos vocês fizessem o nado crawl
até a outra borda. De forma calma mesmo; gostaria de observar
cada um para saber como estão fazendo os movimentos.
— Professor! — Uma aluna chamada Beatriz exclamou. — O
nado crawl é aquele que aprendemos na semana passada?
— Sim, Beatriz. — Pedro disse e balançou a cabeça para
concordar. — Ele mesmo. — Matheus, Felipe, Beatriz e Roberta. —
O professor intimou e explicou com um tom de voz um pouco menos
sério, já que olharam assustados para ele.
— Não, não há nada errado com vocês. Como estão em
raias próximas — a 2, a 3, a 4 e a 5, respectivamente —, queria que
começassem a proposta. Vamos lá?
Ao fazer a proposta para esses alunos e receber a resposta
com um balanço afirmativo de cabeça, Pedro pegou o apito que
estava no seu cordão e soprou o instrumento. Todos se
posicionaram quando o som característico ecoou pelo espaço.
Satisfeito ao perceber que os alunos estavam conseguindo
atender bem à proposta, o professor Pedro começou a andar ao
redor da piscina com o intuito de acompanhá-los fora da água. Ele
observava como cada um estava evoluindo na natação.
— Os movimentos de pernas, braços, respiração e a própria
coordenação de cada um de vocês estão ótimos! — Pedro elogiou.
— Parabéns! Vocês estão muito bem!
Todos os alunos começaram a assoviar por estarem felizes
e como uma forma de responderem aos comentários do
professor. O empenho de cada um era visível.
— Vamos descansar agora, porque temos muito trabalho
pela frente hoje. — Pedro sugeriu. — Ok?
— Opa! — Roberta exclamou. — Estou doida pra comer
alguma coisa! Quem diria que nadar dá fome? — A aluna disse e

84
começou a rir, sendo acompanhada pelos demais.
— Professor! — Beatriz chamou. — Antes de irmos... Esse
nado é aquele em que a gente fica olhando para o céu? Queria
saber disso antes de pausarmos.
— Sim, Beatriz. — O professor respondeu e continuou após
uma breve pausa que sinalizava a importância do que falaria a
seguir. — Mas não se esqueçam de bater as pernas de forma bem
forte.
Após 8 minutos de descanso, Pedro chamou os alunos
novamente. Eles tinham saído da água e estavam sentados em
cadeiras de plástico brancas dispostas ao redor das mesas do local.
— Vamos lá, pessoal! — O professor disse. — Vamos voltar
para a piscina. Os alunos que estavam sentados se levantaram e
foram para o chuveiro, porque aprenderam como é necessário
seguir esse ritual antes de entrarem na piscina. Os que estavam
em pé retiraram as peças de roupa que haviam colocado diante do
vento; ficar com elas molhadas na ventania fazia com que o corpo
gelasse na hora e o dia estava muito bonito para passarem sufocos
desnecessários.
Vendo que os alunos já estavam prontos para entrar na
água, Pedro fez um sinal para entrarem. Ele percebeu como os
movimentos de cada um estavam diferentes; os detalhes revelavam
dedicação e esforço no processo de aprendizagem.
— Comecem a aquecer na água. Lembrem-se daqueles
quatro pilares que expliquei para vocês! — Ao dizer isso, o
professor Pedro, que novamente estava andando ao redor da
piscina, encaminhou-se para uma das cadeiras e a puxou para se
sentar. Ele aparentava estar muito satisfeito com o interesse e com
a evolução dos alunos.
— Seria tão incrível se todas as crianças, os jovens e os
adultos pudessem participar das aulas de natação nas escolas…

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Seria tão incrível! — Pedro disse para si mesmo antes de voltar a
atenção para a piscina. O bom era que não trabalhava sozinho:
Thiago, seu amigo de longa data, também era professor daquele
local. Ele estava sentado um pouco mais distante e respondendo à
pergunta de Felipe naquele momento.
— Excelente, galera. Excelente! — Pedro comentou. —
Dirijam-se aos colegas dos dois lados e perguntem como se sentem
com relação à natação.
Após fazer a proposta, o professor se calou para observar as
interações.
— Como você está se sentindo ao nadar aqui, irmão? —
Com sinceridade e visivelmente arrependido pelas brincadeiras sem
graça que havia feito com Felipe, Matheus perguntou. Ele estava
arrependido dos danos causados sem intenção.
— Tem sido muito bom, Matheus. — Surpreso ao notar o tom
da fala de Matheus, Felipe comentou. — A gente fica cansado, mas
aprende a nadar se divertindo bastante, porque os alunos são
ótimos e os professores também. — Respirando fundo e de olhos
fechados antes de continuar, Felipe percebeu que precisava
devolver a pergunta do irmão. — E você?
— Ah, as aulas são cansativas mesmo, mas você está certo:
tem sido muito legal aprender aqui na escola de natação. —
Matheus declarou com sinceridade. — Tem sido tão bom que o
cansaço logo vai embora. Tô gostando muito e aprendendo
bastante… — Certificando-se de que o seu tom de voz seria baixo o
suficiente para não ser entendido, Matheus prosseguiu a fala. —
muito além de só nadar, inclusive. Notando que os irmãos estavam
conversando, Pedro parou de observar a piscina como um todo e
focou no rosto de cada um. Ele estava satisfeito: o clima entre os
dois havia mudado bastante; parecia que Matheus havia
entendido a influência de uma “brincadeira” na vida de alguém.

86
— Que bom que vocês estão gostando das aulas de
natação. — Pedro comentou e todos olharam para ele. — Vejo que
estão interagindo muito bem uns com os outros; o respeito aos
limites dos colegas tem ficado claro. — O professor disse e
direcionou o olhar de maneira discreta para os irmãos Felipe e
Matheus.
Os alunos sorriram e alguns gritos como “UHU!” puderam ser
escutados até por quem estava andando pela calçada onde a
escola estava localizada.
— O cansaço existe, eu sei. — Pedro destacou antes de
prosseguir. — Mas é momentâneo. Vocês se sentirão melhores a
cada dia. É hábito!
Os alunos balançaram a cabeça em concordância. Eles
estavam percebendo mesmo que o fôlego ficava diferente a cada
aula.
— Bom, preparem-se… — Pedro disparou. — Teremos uma
competição no próximo mês.
— VAMOS COMPETIR? — Surpresa, Beatriz perguntou
gritando. — Ops.
Desculpem pelo grito.
— Sim, Beatriz! Vai ser legal demais! — O professor
comentou.

✦✦✦✦✦

Os alunos ficaram muito empolgados com a ideia da


competição. No fim daquele mês, todos estavam dispostos a
competir de forma saudável e respeitosa. Pedro e Thiago chegaram
a “trocar figurinhas” entre si sobre a relação entre os irmãos,
percebendo que a natação teve um papel fundamental para a
melhora do relacionamento entre eles. Além disso, estava claro que

87
Felipe estava se resolvendo com o seu medo de água diante do
trauma causado por uma brincadeira sem graça de Matheus.
Os professores decidiram organizar uma competição por
idades. Pensando nos irmãos, Matheus, o mais velho, foi o primeiro
a competir e demonstrou ter desenvolvido boas habilidades para o
nado crawl. Ele conquistou o terceiro lugar.
Felipe, que era mais novo e tinha mais medo quando chegou
à escola de natação, surpreendeu todo mundo, menos os seus
professores, que já aguardavam essa conquista: ele se destacou na
prova e ficou em primeiro lugar.
— O medo não impede ninguém de se superar… — Um
pouco distantes da piscina, Pedro e Thiago comentaram em tom
baixo. — Felipe é a prova de que devemos encarar os nossos
medos...
— Pois só assim conseguiremos crescer e evoluir. — Thiago
completou o amigo.
No meio da piscina, Felipe estava fazendo dancinhas de
felicidade. O sorriso do rapaz podia ser visto de longe.
— Eu venci! Eu venci o meu medo! — Emocionado, Felipe
disse.

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CAPÍTULO N a t a ç ã o n a
Est u d a n d o
e a u l a
sala d

Reyson Teixeira Feliciano Azevedo, João


Pedro Azevedo Vianna Barreto, Matheus
de Azevedo Ferreira Alves, William
Martins da Silva, Marcella Vicente Paulo
Reis
ESTUDANDO NATAÇÃO NA
SALA DE AULA

Reyson Teixeira Feliciano Azevedo, João Pedro Azevedo


Vianna Barreto, Matheus de Azevedo Ferreira Alves,
William Martins da Silva, Marcella Vicente Paulo Reis

Bom dia, professora! O que iremos estudar? — Sem rodeios,


Pedro a cumprimentou e fez a pergunta assim que ela entrou na
sala de aula olhando para o relógio.
— Bom dia, Pedro! Nós estudaremos sobre a natação! —
Animada com a interação espontânea, a professora respondeu de
maneira resumida.
— Mas qual é o motivo pra eu ter que saber isso? — O
adolescente não conteve o comentário e pouco depois ficou um
pouco arrependido da pergunta grosseira; não tinha sido a sua
intenção.
— Pois, como dizia Platão: “O homem que não sabe nadar
não é educado”. — A professora respondeu sem pensar muito. Ela
sabia, pelo perfil da turma, que aquele comentário chamaria
atenção.
— Hum! — Pedro disse e colocou a mão no queixo. —
Olhando assim, eu vejo a importância de estudar a natação.
— A natação ainda serve como uma forma de sobrevivência,
pois antigamente as pessoas morriam afogadas em naufrágios. — A
professora completou.
Ansiosa por mais um dia de aula, a professora se levantou
da cadeira disposta em frente a uma grande mesa central no início

90
da sala e começou a andar pelo espaço enquanto falava com a
turma, que a acompanhava com movimentos lentos de pescoço.
— Vocês sabem quem foi Agripina? — Sem rodeios, ela
perguntou.
— Não sei, professora! — Inquieto com o silêncio dos
colegas, Pedro respondeu novamente e complementou. — Quem foi
ela?
— Interessante, Pedro — a professora disparou. — Ela foi
uma imperatriz romana que sobreviveu nadando 10km quanto tinha
56 anos… isso graças à sua condição física, que veio através da
natação assídua e comprometida.
Todos esboçaram uma expressão de surpresa.
— Nossa, professora! A natação realmente salvou a vida de
Agripina! — Bárbara comentou sem perceber.
— Sim! Por isso que a natação não é só um dever voltado
para o exercício e para a diversão de homens e de mulheres; é uma
forma de ressignificarmos muitas questões na nossa vida. — A
professora argumentou com o intuito de chamar a atenção dos
presentes.
— Depois dessas histórias e fatos que você nos falou, fiquei
animado para aprender sobre a natação. — Do fundo da sala,
Carlos disse ao levantar a cabeça que estava apoiada mesa.

✦✦✦✦✦

Uma semana se passou. A segunda-feira parecia um pouco


mais animada que as outras e os alunos da professora de Educação
Física estavam ansiosos para mais trocas com relação ao esporte.
Eles estavam gostando muito de aprender com ela.
— Bom dia, professora! — Bárbara comentou assim que a
professora entrou pela porta a passos rápidos. Até parecia que

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estava atrasada, mas dois minutos não significam tanta coisa assim.
Certo? — Passei a semana esperando para saber o que vamos
aprender na nossa segunda aula.
— Bom dia! — A professora disse ao se sentar e sorriu para
a turma. — Hoje nós vamos aprender sobre o meio aquático e as
propriedades da água.
Todos os presentes expressaram demonstrar interesse: os
alunos que tinham o costume de ficar de fone retiraram o aparelho
da orelha; os que gostavam de cochilar levantaram a cabeça da
mesa; as que gostavam de trocar papéis na aula jogaram fora as
bolinhas já bem amassadas. O interesse pelas aulas da disciplina
era evidente.
— Vocês já perceberam que, em dias muito quentes, a água
da piscina continua gelada e de noite fica mais morninha? — Tendo
o cuidado de falar e olhar para cadarosto, a professora perguntou
para a turma.
— Sim, professora! — Agnes, que estava sentada na
segunda carteira da primeira fila, disparou. — Por que isso?
— Excelente, Agnes! — A professora destacou. — Pois a
água tem elevado calor específico e assim mantém sua temperatura
por muito tempo.
— Boto fé! — A adolescente disse e provocou risos.
Após rir com os demais, a professora continuou a aula
direcionando questões para Agnes, porque sabia que ela gostava
de participar.
— E sobre a flutuablidade? Você sabia que as mulheres
acabam tendo mais facilidade para flutuar que os homens?
— Não sabia! — Agnes respondeu e balançou a cabeça em
sinal de concordância com o que escutou. — Por qual motivo isso
acontece?
— Porque as meninas têm mais tecido adiposo que os

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meninos, principalmente na região do tronco e do quadril. — A
professora argumentou de forma quase automática. Ela gostava
bastante de ensinar as bases de fundamentação da natação. Assim,
a professora andou em direção ao quadro branco e, após retirar
uma caneta piloto de tinta preta do bolso, começou a escrever
alguns tópicos lá para a discussão daquela aula.
Aquela turma era muito interessada, então a aula aconteceu
de maneira muito natural e proveitosa. As trocas entre eles eram
muito significativas.
— Nossa, professora! — Visivelmente admirado, Bernardo
comentou. — A aula de hoje foi muito boa. Pude aprender muito
sobre as propriedades físicas da água!
— Fico feliz que tenha gostado e aprendido bastante hoje. —
A professora disparou. Seu amor pelo ensino da Educação Física,
principalmente da Natação, era muito fácil de ser percebido.
Após dois tempos de aula e uma garganta rouca, a
professora começou a apagar o quadro e a cumprimentar os alunos
que estavam indo embora.

✦✦✦✦✦

Segunda-feira. A professora estava ansiosa para mais um


encontro com aquela turma tão animada e interessada em aprender
sobre a Natação.
— Bom dia, pessoal! — Ela entrou na sala e cumprimentou a
todos enquanto andava até cada carteira. — Hoje vamos falar sobre
os tipos de nados.
— Massa, professora. — Atrás da porta, Pedro disse
enquanto usava o apontador em um lápis pequeno. — Quais são os
tipos? — Visivelmente ansioso, o garoto logo perguntou.
— Você é ansioso, hein, Pedro? — Em tom de brincadeira, a

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professora devolveu a pergunta e logo continuou. — Mas vou te
responder: crawl, costas, peito e borboleta.
— Massa! — O adolescente disse e repetiu a mesma palavra
algumas vezes.
Ele parecia estar com sono.
A professora riu de maneira discreta; ela também tinha
dormido pouco na noite anterior, mas não se importava em acordar
cedo para dar aula.
Assim, a professora pegou a caneta piloto na bolsa e se
virou para o quadro branco. Ela não demorou para registrar, em
letras garrafais, os tipos de nado que comentou com Pedro há
poucos minutos.
TIPOS DE NADO: CRAWL, COSTAS, PEITO E
BORBOLETA.
— Vocês já ouviram falar de algum? A sala ficou silenciosa
por um minuto.
— Sim, já vi o nado crawl nos Jogos Olímpicos, mas gostaria
de saber mais sobre ele. — Bárbara disparou.
— Então, o crawl é um nado que permite o desenvolvimento
dos músculos dos braços, abdome e pernas. Você também deve
bater as pernas para manter o corpo na superfície e fazer um
movimento de chutar a água para baixo. A ideia é que bata uma
perna após a outra. — A professora explicou e buscou o olhar de
cada aluno para saber se todos haviam entendido.
— Professora… — Visivelmente intrigado, Pedro começou a
falar. — Esses nados também são utilizados para o resgate de
pessoas que estão se afogando?
— Boa pergunta, Pedro! — A professora destacou. — No ato
do resgate, a mecânica do movimento acaba sendo diferente:
usamos um braço para nadar e o outro para segurar a pessoa. —
Após uma pausa rápida, ela achou importante complementar a fala.

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— Entendeu?
— Hum… — Pedro demonstrou estar pensativo. — Entendi.
Faz sentido!

✦✦✦✦✦

Três meses se passaram e as aulas do curso básico


chegaram ao fim. Embora estivesse um pouco triste pelo término
desta turma iniciante, a professora estava satisfeita com todas as
trocas, as interações e as sensações que proporcionou àqueles
adolescentes.
— Chegamos ao fim das nossas aulas, meus queridos. —
Em tom um pouco triste, a professora comentou. — Espero que
tenham aprendido bastante sobre a natação. Foi muito bom dar
aulas pra vocês!
— Aprendi muito, professora! — Emocionada, Agnes
disparou. — Aprendi muto com a senhora. Obrigada!
— Também aprendi muito sobre a natação com você,
professora. — Caio, que estava silencioso no fundo da sala,
levantou a cabeça da carteira e comentou de maneira muito sincera.
— Agora já sei a importância da natação na vida das pessoas, mas
tenho a impressão de que ainda tenho muito pra aprender.
Emocionada, a professora tentou esconder como ficava feliz
ao perceber o empenho dos seus alunos. Eles eram muito especiais
e seriam ótimos nadadores. Alguns até demonstravam interesse,
ainda que não percebessem, em dar aulas sobre o assunto.
— Sempre temos assuntos pra aprender, Caio. Sempre
temos assuntos pra aprender. — Pensativa, a professora estava
refletindo sobre como dar aula de natação fazia com que ela sempre
considerasse uma nova forma de enxergar o esporte. — A Natação
é um mundo…

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— E agora sabemos como começar a mergulhar nele. —
Sorrindo, os alunos disseram de maneira desencontrada.

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CAPÍTULO e n i n a q u e
M a r i a , a m d a r
a v a e m N a
sonh

Manoela Vieira Dias Sardinha


MARIA, A MENINA QUE
SONHAVA EM NADAR

Manoela Vieira Dias Sardinha

No dia das crianças, uma menina de 10 anos chamada Maria se


virou para a sua mãe com uma expressão engraçada. Parecia que
queria dizer algo importante.
— Mãe… posso te fazer um pedido?
— Claro, minha filha. Se estiver ao meu alcance… — A mãe
prontamente a respondeu.
Maria pediu à mãe para aprender a nadar, pois leu num livro que
"Quem não sabe nadar não é educado". Só que ela queria ser educada,
então, queria aprender a nadar.
A mãe da menina ficou surpresa, pois nunca tinha escutado essa
frase antes. Parecia até brincadeira, mas ela sabia que não era; a filha
podia ser muito nova, mas a inteligência a dominava.
O dia passou e a mãe de Maria não tirou essa frase da cabeça.
Chegou a achar que precisava ajudar a filha, sentindo que a autoestima
dela estava abalada.
— Preciso fazer algo — a mãe da menina disse para si mesma.
— Só não sei como agir. Não estava esperando por isso.

✦✦✦✦✦

No dia seguinte, a mãe de Maria foi à escola da filha a fim de


pedir uma orientação à professora.

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— Mãezinha, eu sei que deve ter sido estranho para a senhora,
mas essa frase que Maria te disse é do filósofo Platão. — A professora
disse de maneira pausada antes de continuar. — A natação surgiu na
Antiguidade como forma de sobrevivência do homem no mundo em que
estava inserido.
— Ah… Ah, ta… — A mãe da menina disse até a voz sumir.
A mãe de Maria ficou ouvindo a professora falar. A professora
Cândida, muito atenciosa, disse que nunca é tarde para aprender a
nadar e que Maria não deveria ficar se sentindo inferior por isso.
Cândida sugeriu que Maria tivesse uma experiência com o meio
aquático, começando com a adaptação ao meio líquido.
— Adaptação ao meio líquido? — A mãe de Maria fez uma
expressão de espanto por ter se lembrado de que, por medo de que
acontecesse algo com Maria durante a sua infância, não a deixou livre
para correr, cair, brincar e nadar. A menina não conseguiu nem
desenvolver a coordenação motora direito.
— Sim, mãezinha. — A professora respondeu de maneira serena.
— O que é isso? — Com as sobrancelhas levantadas, a mãe da
menina perguntou.
— De forma simples, são exercícios voltados para que as
pessoas se sintam bem na água. — A professora falou e percebeu os
ombros da mãe de Maria caírem na hora em que ouviu “se sintam bem
na água”.
A professora Cândida tranquilizou a mãe de Maria ao explicar
que primeiro há uma ambientação ao meio líquido para o aluno ter a
oportunidade de ir aos poucos se ambientando. A intenção do processo
é impedir o nascimento de traumas.
Mesmo com a professora tranquilizando a mãe de Maria, ela ficou
com medo de a filha não conseguir, pois era cercada de cuidados, não
corria, não caía e passava os dias com os livros em seu quarto.

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— Será que isso vai dar certo? — Nitidamente preocupada, a mãe
da menina disse para si mesma. Queria muito acreditar que sim.
Ao chegar à casa, a mãe de Maria a chamou para contar a
novidade.
— Filha, conversei com a sua professora hoje! — A mãe da
menina disse em tom de animação, mas a resposta que recebeu não foi
a esperada.
Maria começou a chorar.
— O que houve, filha? — Ela disse e foi ao encontro da menina,
abraçando-a com doçura. — Não ficou feliz?
— Estou com medo, mamãe. — Com os olhos cheios de lágrimas
e um beicinho involuntário, Maria disse. — Estou com medo.
Maria ficou abraçada com a filha até que ela parasse de chorar.
Os seus pensamentos estavam muito acelerados, pois grande parte
daquele medo da menina era culpa sua. Certo? Ela não devia ter ficado
com tanto receio de deixar a filha viver.
Acabou sendo isso no fim das contas: conhecendo o mundo,
Maria ficou com medo de a filha se machucar, esquecendo-se de que ela
sempre estaria ao seu lado, mas que problemas eram inevitáveis.
Antes de dormirem, a mãe da menina refletiu sobre qual era o
tipo de educação que queria para a sua filha.
— Eu não posso criar Maria para mim, mas para o mundo. Maria
não me pertence — custou muito para ela dizer aquilo. — Ela precisa
viver e a natação é um passo importante para que consiga correr atrás
dos seus sonhos… Ou nadar para alcançá-los.
Após dizer essas palavras para si mesma, a mãe da menina saiu
do quarto dela ao perceber que já estava dormindo e foi para o seu. Lá,
foi ao encontro da cômoda e abriu a terceira gaveta. Após revirar
algumas roupas na busca por algo, encontrou a sua touca de natação
dentro de uma embalagem antiga e a separou para entregar à filha

100
quando acordasse.
Um novo tempo a esperava. Maria conheceria a potência que só
a natação poderia proporcionar.

101
CAPÍTULO o m e m q u e
M u r i l o , o h
a u m s o n h o
t i n h

Pedro Freitas da Silva


MURILO, O HOMEM QUE
TINHA UM SONHO

Pedro Freitas da Silva

No final da década de 1980, um jovem de 14 anos chamado


Flávio, do interior do Rio de Janeiro, apaixonado por esportes como
qualquer outro da sua idade — como basquetebol, handebol,
voleibol e natação —, decidiu que iria se tornar professor de
Educação Física. Só que naquela época não existia nenhuma
faculdade da área na rede pública da sua cidade.
Ele se perguntava frequentemente o porquê de ter demorado
tanto para disponibilizarem uma Licenciatura em Educação Física
na cidade em que morava. Sempre ficava feliz ao constatar que não
só havia oportunidade para todos agora como o ensino poderia ser
gratuito e de qualidade pela rede pública!
Pois bem, Flávio nasceu e cresceu em um bairro carente da
cidade em que morava, não tendo demorado para descobrir, através
de conversas com os amigos da escola e com alguns professores,
que podia cursar a tão desejada faculdade na capital do Rio de
Janeiro. Assim, com todo o esforço, ele conseguiu a aprovação no
vestibular. O apoio da família foi muito importante para ter cursado
até o final.
No decorrer da faculdade, ele interagia com professores e
com professoras constantemente. Foi assim que conheceu o
professor Murilo, responsável pela disciplina de natação. Ele tinha
um projeto social que atendia crianças, jovens, adultos e idosos em
um bairro da cidade do Rio de Janeiro.

103
Não demorou para que Flávio começasse a participar do
projeto de natação e percebesse que os jovens participantes de 13
anos chamados Victor e Alberto, além de umas meninas chamadas
Angélica e Inês, todos muito tímidos, não gostavam de interagir com
os outros colegas da turma. Flávio, porém, percebeu neles um
potencial para se tornarem grandes nadadores. O professor via que
tinham um presente e um futuro de grandiosas conquistas.
Foi assim que o professor Flávio começou a incentivar toda a
turma de natação. Ele ajudava o Victor, o Alberto, a Angélica e a
Inês a participarem cada vez mais das aulas, que eram muito
divertidas.
As aulas eram ministradas pelo professor Murilo com a
assistência do Flávio. Os dois ensinavam sobre a segurança, os
equipamentos de salvamento aquático, as brincadeiras na água e
os nados crawl, costas, peito e borboleta.
— Eu gosto tanto de dar aulas de natação, Flávio! — O
brilho nos olhos de Murilo era evidente. — Obrigado por me ajudar
nesta jornada. Você tem feito um trabalho muito bom.
Surpreso com o comentário, Flávio engoliu em seco antes
de falar.
— Ah, professor… — O rapaz disse e percebeu a voz falhar.
— O senhor tem me incentivado muito e faz um trabalho incrível.
Obrigado por me deixar participar de uma parte desta história.
As aulas de natação aconteciam ao longo de todo o ano e,
no decorrer de todo o período da faculdade, Flávio ajudava no
projeto social de natação.
Conforme o tempo ia passando, os jovens, sempre
entusiasmados, enxergavam algumas mudanças no dia a dia.

✦✦✦✦✦

104
Numa bela manhã, Alberto chamou o professor Flávio para
conversar.
— Professor, muito obrigado pelo carinho e dedicação. Você
ainda nos ensinou tantas coisas legais! — O aluno disse da
maneira mais sincera possível.
— De nada, Alberto! Estou apenas somando forças para que
todos nós cresçamos como pessoas presentes nos âmbitos sociais
e culturais. — O professor comentou e logo depois complementou.
— Espero que vocês levem esses aprendizados e sensações para
toda a vida e que ensinem outras pessoas também.

✦✦✦✦✦

Depois de algum tempo, Flávio se formou e decidiu retornar


para a sua cidade no interior do Rio de Janeiro. Ele começou a
ministrar aulas de natação.
O tempo passou. Em um belo dia, o professor Flávio recebeu
uma ligação da capital Fluminense. Era o Victor, ex-aluno da
natação, que educadamente agradeceu por todos os ensinamentos
daquela época, comentando que também estava cursando
Educação Física na mesma faculdade onde ele tinha se formado.
— Quero ajudar outras crianças e jovens que também
merecem as mesmas oportunidades e experiências que tivemos
naquele projeto social de natação. — Victor disse com a voz trêmula
pelo celular. — Obrigado, professor.
— Não precisa agradecer. — O professor Flávio respondeu
emocionado. — Fico muito feliz pelas suas conquistas. Espero que
essas experiências sobre a natação incentivem outras crianças e
jovens a se envolverem em projetos desse nível. A natação ajuda a
transformar...

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POSFÁCIO
A obra Natação: um mergulho em experiências criativas reúne contos
elaborados a partir de atividades pedagógicas não presenciais que, por
agora, nesse período de crise sanitária mundial ocasionada pela pandemia
do Novo Coronavírus (COVID-19), substituem as aulas presenciais da
disciplina Ensino e Aprendizagem das Atividades Aquáticas, do Curso de
Licenciatura em Educação Física, do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Fluminense campus Campos Centro.

No contexto dessa temática, os contos versam sobre a natação. Os


discentes-autores da disciplina desenvolveram seus processos criativos
diante dos conteúdos estudados no componente curricular já
mencionado, tendo sido mediados através de recursos pautados nas
tecnologias digitais da informação e da comunicação.

Assim, esta obra envolve histórias ficcionais que carregam alguns


elementos pedagógicos da natação numa perspectiva voltada para o
lazer. Isto é, criando, de certo modo, uma aproximação entre o que é
ensinado e aprendido na Licenciatura em Educação Física. Temos em vista
trabalhar com a liberdade do leitor para refletir sobre a ficção como fonte
de conhecimento, de informação e de aprendizagem com base no seu dia
a dia.

Portanto, esta publicação torna-se uma leitura relevante para aquelas


crianças, para os jovens e — por que não? — para os adultos interessados
em refletir acerca das possibilidades, bem como das potencialidades de
ensino e aprendizagem das atividades aquáticas. Dessa forma, pensamos
em explorar os rios e as piscinas, por exemplo, na perspectiva do lazer,
contando com experiências que nos fazem robustos como pessoas nos
âmbitos sociais e culturais.

Emerson da Mota Saint’Clair


Prof. Dr. do Curso de Licenciatura em Educação Física, do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense campus Campos Centro
(IFFluminense/RJ).

106
O ORGANIZADOR

Emerson da Mota Saint’Clair é Doutor em Ciências do Exercício e do


Esporte pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/RJ, Mestre em
Ciências da Atividade Física pela Universidade Salgado de Oliveira/RJ,
Especialista em Recreação e Lazer pela Universidade Federal de Juiz de
Fora/MG e Licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de
Juiz de Fora/MG. Além disso, atua como professor de Educação Física na
Educação Básica e no Curso Superior de Licenciatura em Educação Física,
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
campus Campos Centro, em Campos dos Goytacazes/RJ. Ele também
desenvolve estudos no campo da Educação Física, nas interfaces do lazer
e do meio ambiente.

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OS AUTORES

Daniel Viana Azevedo, João Pedro Azevedo Vianna Barreto, José Matheus
Rodrigues de Souza, Lorran Marques, Luan Moraes Rangel, Lucas Cabral
Monteiro Alves, Lucas Martins Ramos, Lucas Ribeiro Pelicioni, Manoela
Vieira Dias Sardinha, Marcella Vicente Paulo Reis, Marco Antônio dos
Santos Souza, Matheus de Azevedo Ferreira Alves, Matheus Soares
Campos, Osmany Silva Machado, Otávio França Santos, Pedro Freitas da
Silva, Rafael Gomes Pessanha, Reyson Teixeira Feliciano Azevedo, Sandra
Regina Tavares Manhães Miranda, Taís Cordeiro de Souza e William
Martins da Silva.

Os autores e as autoras matriculados/matriculadas na disciplina Ensino e


Aprendizagem das Atividades Aquáticas — do Curso de Licenciatura em
Educação Física, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Fluminense campus Campos Centro — compreenderam a proposta do
organizador da obra com entusiasmo, entendendo que tiveram a
oportunidade de serem protagonistas dos seus processos criativos diante
desse período de pandemia. Isto é, ressignificando o campo pedagógico
da Educação Física na perspectiva do lazer por meio da criação de
histórias infantojuvenis sobre a natação.

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REFERÊNCIAS
CATTEAU, R.; GAROFF, G. O Ensino da Natação. 3. ed. São Paulo: Manole,
1990.

CHAVES, A. D. et al. O medo na aprendizagem da natação. Pensar a


Prática, Goiânia, v. 18, n. 4, out./dez. 2015.

DEVIDE, F. P. História das Mulheres na Natação Feminina Brasileira. 1.


ed. São Paulo: Hucitec, 2012.

FIORI, J. M.; CASTRO, F. A. de S.; TEIXEIRA, L. B. T.; WIZER, R. T. Pedagogia da


natação: análise das atividades realizadas em aulas para crianças. Pensar
a Prática, Goiânia, v. 22, p. 51934, 2019.

GOMES, C. L; ISAYAMA, H. F. O direito social ao lazer no Brasil.


Campinas. Autores Associados, 2015.

MAGLISCHO, E. W. Nadando ainda mais rápido. 3. ed. São Paulo: Manole,


2010.

MYSKIN, M.; STIGGER, M. P. O lazer entre a conteudização e a


compreensão: olhares das subáreas da educação física. In: STIGGER, M. P.
(org.). Educação Física + Humana. Campinas: Autores Associados, 2015, p.
155-179.

PALMER, M. L. A ciência do ensino da natação. São Paulo: Manole, 1990.

SEMINÁRIO DE CIÊNCIAS DOS ESPORTES AQUÁTICOS, 2., 2020, Rio de


Janeiro, RJ. Anais... Rio de Janeiro, RJ: Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 2020.

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