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DIHAPLOIDIZAÇÃO: TÉCNICAS E APLICAÇÕES

Sarah Carolina Alves Araújo ¹

¹Mestrado em Agronomia – Melhoramento Genético de Plantas. UFRPE.

RESUMO:

A utilização de técnicas de biotecnologia é a alternativa para contornar alguns obstáculos,


dentre essas, a geração de linhagens di-haploides, por meio da qual, em um único ciclo, indivíduos
geneticamente puros são obtidos. Existem dois passos principais devem ser considerados para
obtenção de um di-haplóide: o desenvolvimento de haplóides (monoplóides) e a posterior duplicação
dos cromossomos desses indivíduos, gerando linhagens di-haplóides que têm como definição um
genótipo ou planta que teve suas células haplóides duplicadas espontaneamente ou artificialmente por
meio de antimitóticos. Essa técnica pode reduzir o tempo de obtenção de linhagens homozigotas com
baixo custo e melhorando a eficiência na produção de novas cultivares híbridas. Com essa melhoria
e evolução das técnicas de obtenção de linhas DH, vem sendo realizados estudos para avaliar a
eficiência do método e a eficácia da sua utilização dentro dos programas, principalmente comparando
com outros métodos. Essa revisão tem como objetivo apresentar como ocorre a obtenção de di-
haplóides, os entraves encontrados nesse processo e os desafios a serem superados.

Palavras-chave: Melhoramento, di-haplóides, linhagem


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REVISÃO DE LITERATURA

Contexto histórico do emprego dos duplo-haplóides

Dorothy Bergner foi a primeira que descreveu a ocorrência natural de haplóides esporofíticos
na espécie de erva daninha Datura stramonium em 1922. Isso foi rapidamente seguido por relatos
semelhantes em tabaco ( Nicotiana tabacum ), por Clausen & Mann, em 1924 (Forster et al. 2007) ,
posteriormente, em várias outras espécies.

Entre 1964 e 1966, o primeiro haplóide gerado por meio de cultura de anteras foi obtido por
Guha & Maheshwari, em Datura stramonium. Isso correspondeu a um grande avanço na produção
artificial de duplo-haplóides (Wedzony et al. 2009). Na década de 1970 houve a conversão de
haplóides estéreis (H) em duplo-haplóides (DH). Em 1974, houve o lançamento da primeira cultivar
utilizando DH a Maris haplona de canola (Thompson 1972) . Anos depois, Kasha e Kao (1970),
noticiaram a descoberta de uma maneira alternativa e promissora para produção de haploides, através
de cruzamentos interespecíficos entre diferentes espécies de cevada.

Nos anos 80, inúmeros protocolos, inovações científicas e tecnológicas para a obtenção de
linhagens DH, em mais de 200 espécies vegetais, no entanto, somente nos últimos vinte anos que se
mostrou possível na produção de sementes melhoradas (Forster et al. 2007, Pierre et al. 2011).

Importância de di-haplóides

No melhoramento de plantas são utilizados métodos tradicionais e técnicas biotecnológicas


gerando novas variações genéticas, destinadas a selecionar novas variedades elite adequadas com
características aprimoradas para satisfazer tanto agricultores quanto consumidores (em termos de
produtividade, desempenho agrícola e de qualidade, adaptabilidade a terras marginais e ambientais,
tolerância ao estresse biótico e abiótico, etc.) (Germana 2011). Nos dias de hoje, com o
desenvolvimento progressivo na área da genética, os programas de melhoramento disponibilizam de
muitas ferramentas que servem de suporte ao melhoramento convencional. Um exemplo que podemos
citar é a técnica de dihaploidização.

A tecnologia de dihaploidização foi desenvolvida para produção de linhas puras para o


melhoramento de culturas. Nessa técnica ocorre a duplicação do número de cromossomos de uma
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planta haplóide, ocasionando a di-haplóidia, onde as linhagens são desenvolvidas a partir dos gametas
𝐹2 , produzidos pelas plantas 𝐹1 , chamadas de “plantas doadoras” (Canhoto 2010, Seguí-Simarro and
Nuez 2008). Esse método vem sendo bastante utilizada para a geração de grande quantidade de
linhagens endogâmicas em um período mais curto de tempo quando comparado ao método
convencional, pois permite uma drástica redução de mão de obra, ganho de tempo e possibilidade de
se avaliar um maior número de indivíduos devido à maior rapidez em que os híbridos podem ser
gerados (Rosa et al. 2016). O estágio que alcança a obtenção de dihaplóides abrange a geração de
haplóides por meio de cruzamentos de indução, seguida da separação de haplóides da descendência
desse cruzamento (Lopes 2019). Na atividade de obtenção de linhagens DH, assim como no sistema
de autofecundações tradicionais, é feita a seleção per se dos melhores genótipos. Porém, essa seleção
é realizada em uma etapa posterior, após a obtenção e duplicação do indivíduo haplóide. E, por não
haver a necessidade de autofecundações sucessivas, no sistema DH, é possível avaliar um número
bem maior de plantas (Pierre et al. 2011).

Vantagens e desvantagens do uso de di-haplóides

Como toda técnica inovadora, muita discussão tem ocorrido sobre o assunto, sendo apontadas
vantagens e desvantagens do seu emprego no melhoramento de plantas. Os autores Carvalho et al.
(2008) apresentam as seguintes:

Vantagens: i) Linhagens homozigotas são obtidas em menor número de gerações (2 ou 3),


reduzindo o tempo envolvido no desenvolvimento de linhagens; ii) a seleção entre progênies
homozigotas, provenientes de duplo-haplóides pode ser mais eficiente do que a seleção entre e dentro
de progênies heterozigotas, quando realizadas pelos métodos clássicos; iii) não ocorre mudanças no
momento da seleção, entre indivíduos homozigotos dominantes e heterozigotos.

Desvantagens: i) o ganho de tempo obtido no desenvolvimento de linhagens homozigotas pelo


processo de DH pode ser perdido em função do aumento de tempo requerido para as avaliações a
campo das linhagens homozigotas. Por outro lado, no processo de aclimatação, o melhorista pode ir
observando o desempenho de suas plantas durante a condução, já conduzindo a uma pré-adaptação e
descartando as constituições genéticas indesejáveis em gerações precoces; ii) a técnica de obtenção
de DH pode requerer equipamentos especiais e técnicos especializados, inviáveis em alguns
programas de melhoramento; iii) para reduzir os efeitos da escassez dos recombinantes desejados é
necessário que indivíduos haplóides sejam obtidos com alta freqüência, o que em muitos casos torna-
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se difícil, trabalhoso e oneroso; iv) ausência de heterozigotos desfavorece o balanceamento com o


ambiente, fator de grande importância na formação de indivíduos homozigotos com alto potencial e
elevada capacidade adaptativa.

Técnicas e aplicações da dihaploidização

A produção de linhagens di-haplóides (DH) acontece em duas etapas: na primeira tem-se a


obtenção das linhagens haplóides; e na segunda a duplicação destas para recuperação da fertilidade.
Após a indução, há a necessidade de identificação dos haplóides putativos, e a identificação da ploídia
pode ser feita por meio de métodos diretos e indiretos, utilizando-se de caracteres morfológicos,
citogenéticos ou moleculares. Segundo Moraes-Fernandes et al. (1999), di-haplóides são plantas
derivadas de seus gametas, portadoras de apenas um genoma, o qual é duplicado artificialmente,
obtendo linhas totalmente homozigotas. Estas linhas são obtidas em apenas uma geração, ao invés de
sete a nove necessárias através dos processos normais de melhoramento. Desta forma a obtenção de
germoplasma ou cultivares superiores em produtividade e/ou adaptação, é antecipada.

Ao eliminar os indivíduos heterozigotos, a produção de di-haplóides traz outra vantagem, que


é a de ampliar a eficiência de seleção, tanto para caracteres qualitativos como quantitativos,
facilitando, portanto, a identificação de genótipos com características superiores (Moraes-Fernandes
1990, Santos and Zanettini 2002). A ocorrência de di-haplóides em plantas pode ocorrer de duas
maneiras, natural ou induzida. Quando ocorre naturalmente, mecanismos de endomitose e
endoreduplicação provocam a duplicação dos cromossomos nos tecidos e no caso da duplicação
induzida, pode ocorrer quando os materiais são expostos a certos tratamentos químico sendo,
geralmente, o mais utilizado a colchicina (Rao 1996).

Para produção de linhagens DH em escala comercial a duplicação cromossômica costumava


ser uma restrição, no início era devido ao fato de a duplicação espontânea ocorrer em baixa frequência
e somente em poucos germoplasmas como também os protocolos de duplicação artificial ser pouco
eficientes. A duplicação cromossômica artificial em milho utiliza bloqueadores mitóticos, sendo a
colchicina bastante empregada pelos pesquisadores, em concentrações que variam de 0,02% a
0,125%. No entanto, existem pesquisas relacionadas à sua substituição por produtos mais baratos,
menos tóxicos e menos cancerígenos (Melchinger et al. 2016). A colchicina se liga à tubulina e inibe
a polimerização dos microtúbulos que compõem as fibras dos fusos, não havendo, assim, a migração
dos cromossomos para os pólos das células. Dessa forma, as células que anteriormente eram n
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(haplóides) passam a ser 2n (Belicuas et al. 2007). No entanto, bastantes métodos de duplicação
cromossômica têm sido publicados. Um avanço importante na técnica de duplicação foi apresentado
por Gayen et al. (1994) onde inovaram cortando a ponta do coleóptilo das plântulas haplóides (com
3-4 dias de germinação) e colocando-as imersas em uma solução de colchicina mais dimetilsulfóxido
(DSMO), por 12 horas, a 18 °C. Anos mais tarde, Deimling, Röber e Geiger (1997) aumentaram ainda
mais a eficácia do método, reduzindo as raízes de 20- 30 mm e colocando as plântulas imersas no
escuro. Outro método utilizado para a duplicação foi desenvolvido por Zabirova et al. (1996), em
que, no estádio de 3-4 folhas, a solução de colchicina é injetada cerca de 3-5 mm acima do ápice.
Após a injeção, as plântulas são mantidas no escuro, por dois dias, a 18 ºC e, em seguida, plantadas
em campo.

As técnicas utilizadas para induzir a produção artificial de um indivíduo dihaplóide são as


seguintes: hibridização distante, por exemplo, trigo x milho; aplicação de pólen irradiado; tratamento
com reguladores de crescimento (Bhojwami 1983); cultura de anteras imaturas; cultura de óvulos
(Borém 1998); incorporação do alelo ig (gametofítico indeterminado) (Coumans 1989); cultura de
microsporos isolados (Afele 1990); cultura de pólen (Pesciteli 1990).

Cultivares comerciais desenvolvidas através de protocolos de duplo-haploides foram relatadas


para muitas culturas, como o trigo (Triticum aestivum L.), cevada (Hordeum vulgare L.), triticale
(Triticosecale Wittm.), arroz (Oryza sativa L.), Brassica spp., berinjela (Solanum melongema L.),
pimenta (Capsicum annuum L.), aspargo (Asparagus officinalis L.), e fumo (Nicotiana tabacum L.)
(Thomas et al. 2003).

Estudos sobre o uso de di-haplóide (DH) foram feitos por Gomez-Pando et al. (2009),onde foi
demonstrado que linhagens DH de cevada possuem potencial produtivo e qualidade nutricional para
serem utilizados pela indústria. Além disso, essa tecnologia mostrou-se viável em termos financeiros
e temporais para obtenção dessas linhagens em relação às metodologias convencionais. O
melhoramento de milho também utiliza DH como demonstrado por Gallais & Bordes (2007), que
compararam a variação genética entre linhagens endogamias obtidas por meio das técnicas de
descendente de uma única semente, seleção recorrente e duplo-haplóide. O uso da técnica DH
compensou financeiramente pela possibilidade de obtenção de linhagens em um tempo menor e estas
linhagens estarem aptas ao uso como parentais de híbridos comerciais, contribuindo assim para uma
maior eficiência do programa de melhoramento de milho. Além disso, a tecnologia de DH é utilizada
pelas grandes empresas privadas, devido também ao fato de que, segundo Morris et al. (2003), o
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lançamento no mercado de cultivares em um tempo menor e agregando tecnologia, pode ser benéfico
devido a obtenção de direito de patentes. Assim, a técnica de duplo-haplóide pode ser utilizada para
diversas culturas desde que sejam realizados estudos relacionados ao tempo e recursos financeiros
disponíveis por meio de uma equipe de melhoristas e administradores de empresa.

CONCLUSÃO

O benefício no uso do sistema de di-haplóides havendo obtenção de linhagens puras pode ser
justificado por benefícios tais como reduzir o tempo necessário para produção de uma nova variedade
e consequentemente diminuição nos custos e antecipação dos lucros,uma maior variância genética, a
melhor eficiência na seleção e, ainda, como teste para identificar cruzamentos promissores alcançadas
pelo processo de haploidização, faz deste método uma interessante ferramenta para o melhoramento
genético vegetal.

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