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Wilson Porte Jr.

Jonathan Edwards
A doutrina da ceia e sua demissão de Northampton
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Jonathan Edwards
A doutrina da ceia e sua demissão de Northampton
SUMÁRIO

Introdução................................................................................................02

O contexto por trás da demissão: de Stoddard a Edwards..................03

O estado da cidade...................................................................................06

Edwards muda a tradição eucarística...................................................09

O pacto do meio termo............................................................................13

A Controvérsia.........................................................................................15

Demissão...................................................................................................20

Conclusão.................................................................................................21

Referências Bibliográficas......................................................................22

Sobre o Autor...........................................................................................23

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Jonathan Edwards
A doutrina da ceia e sua demissão de Northampton
INTRODUÇÃO

Este artigo busca mostrar a relação entre a Doutrina da Ceia defendida


por Edwards e sua demissão de um dos pastorados mais conhecidos em
toda a história da igreja.
Analisaremos, portanto, a relação entre a demissão de Jonathan
Edwards do ministério pastoral em Northampton e sua compreensão da
Doutrina da Ceia do Senhor. Apesar de todo o contexto do período da
controvérsia indicar um relacionamento ferido entre Edwards e Stoddard –
seu avô e antigo pastor da igreja – veremos que, na realidade, o que levou
Edwards a seguir sua consciência foi o amor pela verdade bíblica. Embora
amasse seu avô, seu amor pela verdade do Evangelho se constituía em um
elo com a obrigação de ensinar suas ovelhas com uma nova percepção da
Ceia e da recepção à membresia na igreja.
Quanto mais percebia o estado da cidade, mais Edwards se convencia
da necessidade de mudar a tradição eucarística da igreja em Northampton.
Veremos como esse período na vida de Edwards tornara-se em um período
de muitas dores. Sua desconformidade com o Pacto do Meio Termo, seu
ensino sobre o que as Escrituras esperam dele, bem como do povo,
levaram-no a demissão. Contudo, fica-nos claro o caráter piedoso e
amoroso desse homem. Com espírito desinteressado e altruísta, Jonathan
Edwards revelou um caráter exemplar, que evidenciava aquilo em que cria
e pregava.
Nosso foco, então, será, além de analisar o contexto que levou à
controvérsia que se desenrolou entre 1748 a 1750, analisar a controvérsia
em si.

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O CONTEXTO POR TRÁS DA DEMISSÃO:
DE STODDARD A EDWARDS

Embora todo o contexto de meados do século dezoito nos pareça


apontar para um relacionamento não muito próximo entre Edwards e seu
avô Stoddard e descendentes, Murray nos revela o contrário. Digo isso pela
forma como Edwards conduziu seu rebanho na pequena Northampton, em
caminhos que seu avô antes não os levara. A doutrina da ceia, assim como
ensinada por Edwards, ia de encontro com o ensino de Stoddard. Apesar da
aparência que se teve por volta da década de 40, Edwards nutria uma
estima muito grande por seu avô.
Nota-se tal apreço por ocasião que antecedeu o falecimento de um
filho de Salomão Stoddard, tio de Jonathan Edwards, chamado John
Stoddard. Nesta ocasião, meados de 1748, toda a família Edwards teve de
se adaptar a ausência de Sarah, esposa de Jonathan Edwards, quando esta
apressou-se para Boston para ajudar em sua enfermagem, deixando
Elizabeth, filha do casal Edwards com apenas treze meses de idade em
casa. Isso aconteceu em junho de 1748, mês em que John Stoddard veio a
falecer de apoplexia, uma extravasação de sangue em algum órgão do
corpo.
Em 26 de junho de 1748 Edwards fez o funeral de John Stoddard, seu
tio. Murray registra algumas das palavras de Edwards por ocasião de sua
pregação no funeral:
“Talvez, nunca houve um homem na Nova Inglaterra para quem a
denominação de „um grande homem‟ mais propriamente pertenceu... Ele
foi um amigo muito fiel... Ele estava completamente estabelecido naqueles
princípios e doutrinas religiosas dos primeiros pais da Nova Inglaterra,
comumente chamadas de as doutrinas da graça.” (MURRAY, Iain H.

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Jonathan Edwards: a new biography, Edinburgh: The Banner of Truth
Trust, 1987, p. 314. Minha tradução).
Edwards sentiu a morte de John Stoddard. Hopkins, citado por
Murray, afirma que era seu tio quem fortalecia suas mãos para a obra do
ministério. E tal apreço por seu tio não era diferente do apreço pelo avô.
Segundo Alderi Matos, o reverendo Salomão Stoddard (1643-1729),
avô de Edwards, foi um dos mais importantes líderes e pastores religiosos
puritanos no período colonial. Edwards, sem sombra de dúvidas, foi muito
influenciado por seu avô. A própria doutrina da Ceia, assim como
entendida e ensinada por Salomão Stoddard, era a forma praticada por
Edwards. Ele aceitava o modus operandi de Stoddard. Para seu avô, a Ceia
tinha como uma de suas principais funções ajudar indivíduos que não
tinham segurança de sua salvação. Todos os cristãos duvidosos deveriam
participar da Ceia do Senhor. Stoddard fazia uma distinção clara entre
“profissão de fé” em Cristo e possuir uma segurança de que a fé professada
era uma fé salvadora. Murray afirma que, para Stoddard, não ter certeza de
sua salvação, ou ser um cristão fraco em sua fé e prática, não deveria ser
uma barreira para a participação na ceia. Até mesmo aqueles que não são
regenerados não deveriam ser deixados de fora, isto porque o não
regenerado precisa aprender o que Deus ensina nesta ordenança e professar
o que os cristãos professam.
Murray afirma que a posição de Stoddard, o avô, quanto à
participação na Ceia do Senhor não é muito clara. E, além de não ser bem
definida, estava facilmente susceptível a um mal-entendido. O próprio
Edwards diferiu amplamente de seus primos quanto ao que seu avô
ensinava. Embora Edwards aceitasse a posição de seu avô até os anos de
1743-44, após esse período o notamos estudando o assunto com mais
independência, procurando entender o que as Escrituras ensinam sobre a

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recepção de novos membros à comunhão, bem como na participação da
Ceia. Isso, aproximadamente quinze anos após a morte de seu avô. Para
Murray, Stoddard não quis pormenorizar as qualificações bíblicas para a
completa participação e comunhão na igreja, mas acabou por abrir demais
tal recepção, o que, além de admitir indivíduos estranhos à fé na comunhão,
deixou a seu neto, futuro pastor da igreja, um grande problema a ser
resolvido.
Mais tarde, vemos Jonathan Edwards rejeitando completamente aquilo
que acabou sendo cunhado de Stoddardianismo. Tracy afirma que Edwards
expôs publicamente por duas décadas sua rejeição daquilo que cria e
praticara, enquanto auxiliando seu avô na igreja de Northampton. Por duas
décadas, “Edwards escreveu que os sacramentos eram selos do pacto feito
entre Deus e o homem no momento da conversão”. Edwards, por fim,
quebrou completamente com a inconsistência da forma de administração da
Ceia de seu avô, não fazendo isso sem grandes dores.
Embora tenha rejeitado o que seu avô ensinou e praticou, o que vemos
é um elo muito estreito entre Edwards e seu avô, de quem foi assistente e
sucessor, além de um carinho enorme por seu tio, John Stoddard que, a
despeito de toda a busca de Edwards pela verdade das Escrituras quanto a
Ceia, não deixou de ser, até o último de seus dias, um grande esteio e
inspiração para Edwards.

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O ESTADO DA CIDADE

Edwards, ao longo de sua caminhada como pastor da igreja


congregacional em Northampton, enfrentou grandes desapontamentos com
a sua cidade.
Marsden, um grande especialista americano em Edwards, afirma que,
apesar de Edwards nutrir em seu coração a ilusão de que seus paroquianos
partilhavam de uma vida transformada pelo encontro com a “beleza cheia
de esplendor”, foi duro para Edwards constatar que “dia após dia” os
cidadãos daquela cidade estavam “preocupados com ciúmes, avareza,
cobiças”, tendo Edwards que “suportar suas expressões de mau-humor e
irreverência na medida em que vinham para participar dos momentos de
culto semanal”.
Nesta altura de seu pastorado, Edwards estava tentando entender a
psicologia de sua comunidade. Cidadãos com um grau elevado de distinção
social entre si era algo que crescia em meio aos habitantes de Northampton.
E na igreja não era diferente. Edwards se preocupou com esta infiltração de
ciúmes decorrente de tal diversidade que, ao invés de cooperar para o bem
comum evidenciado na partilha cristã, tornou-se um meio de luta para
alcançar o status de um grupo seleto.
E era neste contexto que os habitantes da cidade estavam acostumados
a se aproximarem da mesa do Senhor para participarem da Ceia. Gerstner
nos conta de um sermão de Edwards intitulado “Aqueles que participam
espiritualmente de Cristo comem a comida dos anjos”. Nesse sermão, nos
conta Gerstner, Edwards “acusa seu povo de negligenciar a Ceia do Senhor,
salientando o quão triste era aquilo uma vez que a Ceia repre-senta o maná
que caiu do céu. Era chamada de comida dos anjos”. Edwards, segundo
Gerstner, continuou a explicar o que atualmente a comida dos anjos era e

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por que Cristo é chamado a comida dos anjos bem como dos santos.
Gerstner acha irônico que o mesmo pastor – Edwards – que acusava seu
povo de vir para a ceia de modo negligente, e também de não virem à Ceia,
seria despedido por sua postura de impedir as mesmas pessoas de
participarem da Ceia.
Em outro sermão, agora expondo Lc 22.19, Edwards comenta acerca
do comportamento de alguns com modos “horrivelmente profanos”. Neste
sermão não publicado mencionado por John Gerstner em seu livro sobre a
teologia bíblica racional de Jonathan Edwards, Edwards acusa tais
paroquianos de observarem a Ceia, mas de negligenciarem perseverar na
santificação e, fazendo assim, que estariam comendo e bebendo
condenação sobre si mesmos.
É, então, por volta de 1744 que Edwards começa a não admitir
algumas pessoas à membresia na igreja a menos que tais pessoas fizessem
uma profissão de verdadeira piedade testemunhando uma experiência da
Graça Salvadora bem como de conhecimento das sãs doutrinas. É nesse
contexto que Edwards começa a entender que a Ceia aberta, assim como
administrada por Stoddard, tinha de estar errada. Os princípios de seu avô
produziam uma igreja que parecia impermeável às verdades da doutrina do
Evangelho. Tracy, comentando isso, assim afirma:

Ele contou para algumas pessoas de sua mudança de coração e


insinuou fortemente em seus novos princípios no Religious Affections
(Afeições Religiosas), mas uma controvérsia pública era evitada pelo fato
de nenhum novo requerente a membresia aparecer até dezembro de 1748.

Marsden comenta que, para Edwards, uma vez que Cristo estava
presente na comunhão com seu povo, “era uma zombaria por aqueles que o

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traíam renovar seus votos, como em um casamento no qual eles nunca
foram fiéis”. Para Edwards, aqueles que se aproximavam da Ceia do
Senhor eram, ou seus discípulos, ou seus assassinos, assim como na
crucificação. Edwards declarava que as pessoas participavam da Ceia, do
corpo e do sangue, tanto “como amigos e discípulos, como canibais
sedentos por sangue”. Marsden comenta que a cerimônia solene do pacto
selaria tanto a comunhão com Cristo como a condenação de Cristo. Com
tudo isso em mente, Edwards começaria uma mudança na tradição
eucarística de Northampton.

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EDWARDS MUDA A TRADIÇÃO EUCARÍSTICA

Edwards estava fortemente desapontado com o fato do Grande


Despertamento pelo qual a igreja passou não a ter trazido de volta à
observância semanal da Ceia do Senhor. Gerstner comenta que, como
Calvino, “Edwards acreditava que a Eucaristia deveria ser observada
publicamente a cada semana”. Edwards, em seu sermão em Lc 22.19, já
mencionado acima, cujo título é “A Ceia do Senhor deve ser mantida e
assistida em memória de Cristo”, partilha sua visão de que o povo de Deus
deveria comemorar mais frequentemente o amor de seu redentor.
A visão de Edwards quanto a Ceia era a seguinte: a admissão à Ceia
deveria ser uma confirmação do batis-mo. Edwards, agora, ensinava que a
Ceia deveria ser para a família do fiel. Era para aqueles que haviam sido
recebidos por uma profissão de fé e, então, para suas crianças em suas
profissões, ou confirmações, de fé. No pensamento de Edwards nunca
havia existido lugar à mesa do Senhor para pessoas que não fossem filhos
do Senhor. Gerstner comenta:

Edwards se refere à Ceia do Senhor e a explica em termos de uma


oferta de carnes ou de cereais. Ele a toma assim para significar
essencialmente a mesma coisa, tendo referência particular à Ceia do
Senhor como um banquete. Neste contexto, ele apela para seu povo que
venha à festa e alimente-se de Jesus Cristo. Este é o tema de um sermão em
João 6.51, também pregado pouco antes do término de seu ministério em
Northampton, intitulado “Todas as bênçãos divinas estão tanto em Cristo
como através de Cristo, como se fossem uma festa provida de sua carne
que foi dada por nós”. Todas as bênçãos, ele explica, são através de Cristo
e em Cristo pela virtude da união com Ele e através da dádiva de Sua

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carne. Os crentes, por assim dizer, alimentam-se de Sua carne que é vida.
Consequentemente, qualquer um que se aproxime de qualquer outra
maneira será reprovado, enquanto todos os outros serão exortados a
festejarem com Ele.

Em um sermão sobre Rm 2.16, Edwards censura alguns ministros do


Despertamento por julgarem o coração de modo muito superficial e rápido,
olhando apenas para breves recitações de certas experiências. O próprio
Edwards chegou a advertir George Whitefield por tal comportamento. Tais
ministros preocupavam-se apenas com o comportamento das pessoas e não
com sua profissão de fé. Edwards afirmou que muitas destas pessoas que
falavam como santos eram, antes, filhos do Diabo. Gerstner comenta que,
para Edwards, “apenas aqueles que fossem visivelmente santos deveriam
ser admitidos à Ceia do Senhor”.
Richard A. Bailey, um doutorando em história americana na
Universidade de Kentucky, em seu artigo Devoted Disciplinarian
(Disciplinador dedicado) ao periódico americano Christian History
(História cristã), escreveu que, apesar de Edwards concordar com seu avô
durante a primeira década de seu ministério, à medida que a chama do
Despertamento começou a se apagar, uma grande preocupação encheu seu
coração. O fato de alguns convertidos não permanecerem interessados em
questões espirituais o fez repensar sua compreensão da verdadeira piedade
e seus efeitos sobre os cristãos.
Edwards entendia, segundo Bailey, que a piedade influenciaria tanto o
coração quanto a mente. Uma vez convencido de que muitas conversões do
Grande Despertamento eram falsas, Edwards “pede à sua congre-gação que
adote uma política mais rigorosa de admissões, o que exigia aos novos
membros uma profissão pública de sua fé antes de serem autorizados a

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participar da comunhão”. Bailey ainda comenta o quanto este movimento
intensificou as tenções dentro da igreja, as quais, finalmente, levaram à sua
demissão.
Edwards entendia que, se houvessem santos que fossem oficializados
como tais, que estes serviriam como modelos para os não convertidos.
Segundo Tracy, conversões bem publicadas seriam um meio excelente para
converter a outros de seus caminhos cheios de ciúmes e invejas. Além
disso, um completo exame da conversão dos santos inibiria a vanglória em
conversas privadas que haviam crescido debaixo do presente sistema de
admissão aberta à Ceia.
Gerstner observa de modo interessante o progresso de transformação
de seus sermões sobre a Ceia. Em um sermão feito em 1732 sobre o texto
de 1Co 11.29, Edwards exorta seus paroquianos a que venham com um
sério desejo pelo bem de suas almas. Há apenas uma exortação a que se
examinem seguida de um apelo a que venham. Gerstner menciona a falta
de clareza quanto ao que Edwards pensava em outro sermão, agora sobre Is
53.7. Neste, Edwards declara que o participante na Ceia do Senhor deve ser
uma pessoa que pensa de si mesmo ser um convertido. Por fim, Gerstner
menciona um sermão sobre Ez 44.9, feito em 1749, agora com outro tom.
Neste, Edwards declara que “esta é a mente e vontade de Deus, que
ninguém deve ser admitido à completa comunhão na Igreja de Cristo, mas
apenas em profissão e diante dos olhos de um julgamento sensato como
sendo verdadeiros santos e pessoas piedosas”.
Segundo Murray, até 1743-44, Edwards admitia indivíduos à
comunhão e membresia da igreja sobre as mesmas bases introduzidas por
seu avô. Somente a partir de então é que Edwards “põe o dedo na ferida da
inconsistência” e começa a levantar questionamentos sobre a admissão de
não regenerados à Ceia. Como Marsden afirma, para Edwards, “tudo

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aponta para a presença real de Cristo. Toda parte do culto de adoração,
incluindo, mais solenemente, a Ceia, que foi desenhada para eliciar um
senso daquela presença espiritual inefável”.
Embora possam ser percebidas algumas diferenças entre os primeiros
e os últimos sermões de Edwards, no que diz respeito à Ceia, não se pode
afirmar que houve grande mudança em sua teologia. Para Edwards, a Ceia
do Senhor sempre foi como uma festa para os filhos de Deus apenas.
Segundo Gerstner, ele estava surpreso pelo Pacto do Meio Termo e pelas
doutrinas das Ordenanças Conversoras de seu avô. Para Gerstner, “estando
incerto de si mesmo, como um jovem homem, ele estudou o assunto
cuidadosamente e apenas quando estava absolutamente certo, ele
compartilhou sua doutrina com clareza”.

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O PACTO DO MEIO TERMO

A fim de entendermos melhor o Pacto do Meio Termo, o qual causava


espanto em Jonathan Edwards, é necessário que vejamos o pano de fundo
histórico daquele século. A igreja Escocesa do século dezoito “esperava”
que pessoas “não escandalosas” fossem regeneradas, presumindo o estado
de convertido de tais pessoas embora exortando que aquilo poderia não ser
assim. Gerstner menciona que o costume das igrejas reformadas daquele
século, especialmente das igrejas europeias, era de receber à Ceia todos os
que conheciam o credo e os catecismos, e não fossem escandalosos em seus
comportamentos.
Já nos Estados Unidos, a “antiga escola presbiteriana” se posicionava
de modo semelhante aos europeus. O pensamento basicamente era este: a
regeneração era entendida como necessária para a participação na Ceia do
Senhor, mas como a regeneração poderia não ser certamente apurada pelo
homem, poderia não ser absolutamente necessária à admissão à Mesa. As
pessoas eram amorosamente consideradas como regeneradas se não fossem
heréticas ou imorais.
É neste contexto que surge, nos Estados Unidos, um problema quanto
ao testemunho das pessoas. Em toda a Nova Inglaterra, se os pais não
fossem membros da igreja, seus filhos não poderiam ser admitidos ao
batismo. Embora muitos pais não se importavam em ficar de fora da
comunhão, os mesmos não admitiam que seus filhos fossem impedidos do
batismo. Gerstner afirma que é neste contexto que o Sínodo das igrejas de
Massachusetts, em 1662, tomou um passo histórico: “eles adotaram o Pacto
do Meio Termo”. Tal pacto consistia em admitir crianças ao batismo cujos
pais nunca, talvez, houvessem sido admitidos à Ceia do Senhor. Nesta
condição, tais pais não estavam admitidos a todos os benefícios da igreja,

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mas a uma parte deles. Gerstner comenta que, tomando tal decisão, os
novos ingleses tornaram-se mais frouxos que os antigos ingleses, os quais
nunca admitiram crianças de não crentes ao batismo.
Edwards em nenhum lugar de seus escritos descreve claramente ser
contrário a tal Pacto. Contudo, o padrão de seu pensamento era
implicitamente contrário a ele. Para Edwards, se os pais não pudessem ser
admitidos à Ceia, seus filhos não poderiam ser admitidos ao batismo.
Quando Edwards admitia uma criança ao batismo, isso se dava pelo fato de
que seus pais tenham tido fé, no ato do batismo. As crianças seriam
posteriormente chamadas a “exibir a mesma fé e confirmar a fé de seus pais
pela sua própria”, segundo Gerstner. “Então, e somente então, seriam elas
também admitidas à Ceia do Senhor.”
Tracy corrobora as afirmações de Gerstner quanto a Edwards rejeitar a
atitude favorável de Stoddard quanto ao Pacto do Meio Termo. Tracy
coloca que Edwards “teria a disposição infinitas evidências das Escrituras
para a necessidade em distinguir entre uma ovelha e uma cabra espiritual
neste mundo”. Para Edwards, o comportamento de seu avô era uma
aberração. Quando Edwards começou a ensinar claramente o povo de sua
congregação contra o Pacto do Meio Termo, “uma controvérsia fatal ao seu
ministério entre eles foi provocada”. A razão desta controvérsia é que, para
Edwards, a pessoa que há de ser admitida à Ceia, e cujos filhos podem ser
admitidos ao batismo, deve professar a Sã Doutrina, viver uma vida externa
moral exemplar, além de afirmar diante de todos uma fé salvadora.
Segundo Gerstner, mais do que isso seria muito, e menos que isso seria
pouco. Embora sua visão tenha prevalecido na Nova Inglaterra, “isso não
se deu antes que ele fosse colocado entre a pedra de moinho inferior e
superior”.

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A CONTROVÉRSIA

Tracy visualiza esse momento como um tempo de grande dor para


Edwards. Em seu livro Humble Inquiry (Humilde Averiguação), Edwards
confessa sua dor em ir contra os princípios e práticas de seu reverenciado
avô, Salomão Stoddard:

Eu fui, anteriormente, de sua opinião, a qual eu absorvi de seus


livros, desde minha infância, e tenho procedido conforme a sua prática...
Em deferência à autoridade de tão venerável homem, a força aparente de
alguns de seus argumentos, juntos do sucesso que ele tinha em seu
ministério, e sua grande reputação e influência, prevaleceram por muito
tempo a fim de suportarem os meus escrúpulos... Está longe de uma
circunstância agradável esta publicação, que é contrária ao que meu
honrado avô tenazmente manteve, tanto do púlpito quanto da imprensa. Eu
posso verdadeiramente dizer, por conta desta e de algumas outras
considerações, que eu me envolvi com grande relutância, e que nunca
comprometi qualquer culto público em minha vida.

Mas, como já dissemos antes, Edwards encontrou na Ceia Aberta de


Stoddard vários erros, além de ser “intransitável nas verdades do
Evangelho”.
Após a morte de John Stoddard (1748), período que Murray aponta
como o início da controvérsia sobre a comunhão, alguns homens
começaram a se levantar de modo hostil contra Edwards. Dentre eles,
citamos Israel Williams, o qual se tornou o “conselheiro confidencial do
partido dos descontentes” na igreja em Northampton.

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Edwards não temeu a postura de tais homens ante sua nova percepção
e entendimento quanto a doutrina da Ceia. Antes, aponta Gerstner, como
um ministro de Cristo, Edwards aceitou a necessidade de fazer um
julgamento pessoal sobre a profissão de fé e comportamento externo de
seus paroquianos. Edwards os observava, julgava, e, só então, concluía
quanto a sua impiedade ou não. Tracy afirma que, para o povo de
Northampton, o maior obstáculo para a aceitação da nova doutrina que lhes
era pregada, se constituía no fato de que as novas regras tornariam Edwards
um juiz sobre as experiências espirituais de cada um deles.
Edwards pretendia uma visibilidade da salvação. Ele redefine a
santidade visível como um critério para a membresia na igreja, e,
consequentemente, para a participação na Ceia do Senhor. Para Edwards,
nas Escrituras, não havia dois tipos de santos, mas apenas pessoas
convertidas e pecadoras, sujeitas à condenação. Em dezembro de 1748,
Edwards diz a um candidato à membresia e à Ceia que ele deveria professar
ser um cristão antes de se tornar um comungante. Tal pessoa, após
consultar outros acerca de tal postura do pastor, recusou. Edwards, naquele
período, escreveu que sabia “que, se eu persistir em meus princípios, eu
devo não continuar mais como o pastor desta igreja”.
De fato, o povo estava receoso quanto as atitudes e desejos de seu
pastor. Dois pastores respeitados tiveram a postura de escreverem em
resposta ao livro Humble Inquiry, onde Edwards apresenta suas propostas.
Rev. Solomon Williams, neto de William Williams, respeitado pastor do
século 18, escreveu que Edwards estava errado em querer julgar a alma das
pessoas. Juntou-se a ele Rev. Peter Clark, “ministro a quem a cidade enviou
um mensageiro pleiteando por um tratado anti-Edwards”, que, além de
entender que Edwards estaria julgando as almas, protestou sobre sua
postura tão contrária a de seu respeitado avô. Ambos estavam tecnicamente

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errados, segundo Tracy, pois em Humble Inquiry bem como em suas cartas
a seus oponentes, Edwards explicitamente nega qualquer habilidade
especial em julgar os corações. Ele invocaria, sim, a profissão de fé pessoal
do indivíduo como o critério para a membresia e Ceia.
De acordo com Edwards, como aponta Tracy, pouca gente na cidade
havia lido seu livro que havia acabado de ser posto à disposição em agosto
de 1749. Além do desinteresse em conhecer realmente o que Edwards tinha
a dizer, aqueles que o seguiram por dois avivamentos agora estavam a
duvidar de sua postura. Tracy diz que a ira contra Edwards tinha pouco a
ver com pontos teológicos. Era de se esperar que tudo isso levasse a sua
demissão, como ele mesmo antevira. Como um ministro não podia ser
despedido sem o julgamento do Conselho, “a chamada e composição de tal
Conselho logo tornou-se outro grande assunto na controvérsia”. Embora
Edwards visse como prematura a formação de um Conselho para julgá-lo, a
situação não poderia levar à outro rumo.
Em uma declaração de Edwards antes de uma reunião do conselho
ministerial, em dezembro de 1749, Edwards admitiu que ele desejava um
veto sobre a membresia da igreja. Mas a igreja o tinha como “um
revolucionário, desnecessário, e completamente inaceitável”. Nos seis
meses que se seguiram, Tracy afirma que “muitas pessoas” pediram, apesar
dos demais, para serem admitidos à igreja e à Ceia e até mesmo
concordaram em fazer uma profissão de fé, mas eles foram proibidos de
fazer isso pelo comitê da igreja.
Murray relata que, em 27 de dezembro de 1749, Edwards entregou ao
Concílio uma declaração pedindo ao mesmo que aconselhasse o povo a
“ouvir-me apresentar as razões de minha opinião do púlpito e a deixarem
de lado toda agitação pública até a Primavera”. Contudo, o Conselho não

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concedeu a Edwards tal oportunidade. Em uma carta a seu amigo Joseph
Bellamy, Edwards escreve:

As coisas estão em grande confusão: o tumulto é amplamente maior


do que quando você esteve aqui, e está aumentando mais e mais
continuamente. O povo tem um grande ressentimento... Tem havido uma
abundância de encontros sobre nossos assuntos desde que você esteve
aqui, encontros da sociedade, encontros da igreja, e encontros dos
Comitês, dos Comitês dos Paroquianos e Comitês da Igreja, Conferências,
Debates, Relatórios, e Propostas elaboradas, e Respostas e Protestos... Eu
tenho sido abertamente reprovado nos encontros da igreja.

Como Marinho Lutero, Edwards possuía o simples desejo de seguir


sua consciência e ser sincero com seu rebanho. Edwards sabia do preço que
teria de pagar por isso. Tracy comenta que Edwards estava “com a maior
expectativa de ser expulso do meu gabinete ministerial, e desprovido de
uma manutenção para a minha família numerosa”. Na mesma carta,
referida acima, Edwards diz:

Eu, portanto, desejo, querido senhor, suas ferventes orações a Deus.


Se Ele é por mim, quem pode ser contra mim? Se Ele é comigo, eu não
preciso temer dez mil do povo. Mas eu conheço minha própria indignidade
de sua presença e ajuda, ainda que humildemente eu creia em sua graça
infinita e toda suficiente.

Edwards não queria causar tumulto entre o povo. Na reunião do


Conselho em fevereiro de 1750, o primeiro assunto foi marcar uma
próxima reunião quando, enfim, dariam cabo ao assunto. Então, o pedido

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de Edwards mais uma vez foi trazido: falar do púlpito ao seu povo.
Contudo, o Conselho mais uma vez se nega a ouvi-lo. Murray comenta as
palavras do próprio Edwards pressentindo uma separação entre “o Pastor e
seu Povo”.
O Conselho, pressentindo que poderia cometer o grave erro de
silenciar Edwards de seus direitos de falar, e de, futuramente, ser acusado
disso, decidiu, ao invés de acatar o pedido de Edwards, deixar para ele a
decisão do que fazer. Edwards, então, marcou o dia de sua pregação:
Eu declaro que julgo ter o direito de pregar acerca do assunto no
Sabbath; mas, para que eu possa fazê-lo de uma forma que ofenda o
mínimo possível, eu devo primeiro fazer um teste se meu povo me ouviria
as Palestras apontadas para aquele fim, e, para tanto, eu proponho ter minha
primeira Palestra na próxima quinta-feira, 15 de fevereiro, às 14 horas; e, se
eu achar que meu povo não gostaria de me ouvir nos dias de Palestra, eu
gostaria de reservar a mim mesmo a liberdade de fazê-lo no Sabbath.
Edwards, então, seguiu seu cronograma de palestras, as quais tinham
conseguido pouco do que ele esperava. Murray aponta para um momento
em que Edwards pede às pessoas que estavam com ele que levantassem
uma de suas mãos. E, para sua surpresa, muitos levantaram. Edwards, por
fim, solicita ao Conselho que permitisse às pessoas de fora do mesmo
participarem de seus encontros. O Conselho dividido, por fim, nega tal
solicitação. Há, de acordo com Murray, no fim do encontro para tratar do
assunto, uma grande desordem no encontro de Conselho, como jamais se
vira antes. Isto se deu em 27 de março de 1750. Em 17 de abril de 1750, o
pedido de Edwards finalmente foi aceito. Todavia, a presença de pessoas ao
encontro do Conselho, que não fossem membros do mesmo, não causou
nenhuma diferença em favor de Edwards.

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A doutrina da ceia e sua demissão de Northampton
A DEMISSÃO

Por fim, no encontro decisivo do Conselho, de 19 a 22 de junho de


1750, veio o pronunciamento da decisão de que, pela maioria dos votos, a
relação entre Edwards e seu povo deveria ser dissolvida.
22 de junho de 1750 marca, então, o fim da carreira pastoral de
Jonathan Edwards. Carreira esta que findou-se por Edwards permanecer
firme em “sua convicção de que somente os santos - os verdadeiramente
eleitos - podiam estar em plena comunhão” e participar da Ceia do Senhor.
Ele permaneceu em Northampton por quase um ano e foi, ironicamente,
contratado para pregar semana após semana, até novembro de 1750. De
acordo com Tracy, Edwards havia comprado algumas propriedades na
cidade que não podiam ser vendidas tão rapidamente. A amargura entre os
amigos de Edwards e a maioria da igreja durou por, aproximadamente, dois
anos, tempo no qual se recusavam em participar da Ceia. Enquanto
Edwards ficava bem informado quanto a postura de seus amigos, tentava
mudar a atitude deles com relação aos outros. Em seu último sermão,
registrado parcialmente por Murray, Edwards revela alto espírito de
altruísmo, além de pedir ao seu antigo rebanho que se lembrasse dele em
suas orações.
Em junho de 1751, Edwards finalmente se mudou. Foi para
Stockbridge, onde serviu como missionário entre os índios e pastor dos
colonos, tempo no qual produziu grande volume de material escrito. Em
1757, Edwards foi convidado para presidir o então Colégio de Nova Jersey,
futura Universidade de Princeton. No ano seguinte, em 22 de março de
1758, devido a complicações resultantes de uma vacina contra varíola,
Edwards morreu.

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CONCLUSÃO

Poderíamos concluir dizendo que Edwards nunca dissociou a doutrina


da vida. Em seu sermão de despedida, Edwards evidencia seu caráter,
mesmo a despeito de toda a injustiça e desrespeito com o qual foi tratado:

Portanto, quero exortá-los sinceramente, para o seu próprio bem


futuro, que tomem cuidado daqui em diante com o espírito contencioso. Se
querem ver dias felizes, busquem a paz e empenhem-se para alcança-la
(1Pe 3.10-11). Que a recente contenda entre os termos da comunhão
cristã, tendo sido a maior, seja também a última. Agora que lhes prego
meu sermão de despedida, eu gostaria de dizer-lhes como o apóstolo Paulo
disse aos coríntios em 2Co 13.11: “Quanto ao mais, irmãos, adeus!
Aperfeiçoai-vos, consolai-vos, sede do mesmo parecer, vivei em paz; e o
Deus de amor e de paz estará convosco”.

Edwards, sendo um grande um exemplo aos pastores da modernidade,


serviu por vinte e quatro anos a igreja em Northampton, Massachusetts.
Todo o problema com sua congregação deveu-se ao exercício de sua
autoridade pastoral. A questão da disciplina e bases para admissão aos
benefícios da igreja tornaram-se numa base de disputa entre a maioria da
congregação e seu pastor. Para expor sua posição, Edwards publicou
Humble Inquiry, cuja tese não foi aceita, nem lida, pela maioria de seus
oponentes. O rompimento da vida com a igreja se deu, então, em 22 de
junho de 1750, após o que, Edwards veio a publicar a maioria de seus
livros. Como bem apontou Turnbull, após todo o período da controvérsia,
veio a tona a revelação da mente brilhante do pregador puritano.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAILEY, Richard A. Devoted Disciplinarian. Christian History, Carol


Stream, v. XXII, n. 1, p.16-18, fev. 2002.

GERSTNER, John H. The racional biblical theology of Jonathan Edwards.


Vol. 3. Powhatan: Berea Publications, 1993

MARSDEN, George M. Jonathan Edwards: a life. New Haven: Yale


University Press, 2003

MATOS, Alderi S. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: Mundo


Cristão, 2007.

MURRAY, Iain H. Jonathan Edwards: a new biography. Edinburgh: The


Banner of Truth Trust, 1987.

TRACY, Patricia J. Jonathan Edwards, Pastor: religion and society in


eighteenth-century Northampton. New York: Hill and Wang, 1980.

WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. Vol. 2. São Paulo: ASTE,


1967, p. 220. 60

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eighteenth-century. Northampton. New York: Hill and Wang, 1980.

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SOBRE O AUTOR

Wilson Porte Jr.

Ministro da Convenção Batista Brasileira servindo como pastor na


Igreja Batista Liberdade em Araraquara-SP. Bacharel em Teologia pelo
Seminário Bíblico Palavra da Vida e Mestre em Teologia (M.Div.) pelo
Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper da Universidade Presbiteriana
Mackenzie.

FONTE: Revista Teologia Brasileira


CAPA: 5 SOLAS

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