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A Vida de Darwin Quando menino, Charles Darwin dava poucas indicações de vir a ser o arguto

e zeloso cientista que o mundo iria conhecer. Na verdade, esperava-se que ele não fosse senão
um ocioso cavalheiro, preocupado apenas com os esportes. Em seus primeiros anos de vida,
mostrou-se tão pouco promissor que o seu pai, um médico abastado, chegou a se preocupar
em ver o jovem Charles ser a desgraça da família. Embora nunca tivesse gostado da escola nem
ido bem nos estudos, Charles cedo mostrou interesse pela história natural e por colecio nar
moedas, conchas e minerais. Enviado pelo pai à Universidade de Edimburgo para estudar
medicina, ele a achou maçante. Percebendo que Charles ia mal, o pai decidiu que o jovem
deveria tornar-se clérigo.

Darwin passou três anos na Universidade de Cambridge, e descreveu a experiência como


tempo perdido, ao menos do ponto de vista acadêmico. Em termos sociais, foi uma época
maravilhosa, que ele considerou o período mais feliz de sua vida. Colecionava besou ros,
caçava e passava boa parte do tempo bebendo, cantando e jogando cartas com um grupo de
colegas que ele mesmo considerava dissipados e pouco dotados intelectualmente. Um de seus
instrutores, o destacado botânico John Stevens Henslow, promoveu a nomeação de Darwin
como naturalista a bordo do navio H.M.S. Beagle, que o governo britânico preparava para uma
viagem científica ao redor do mundo. Essa famosa excursão, que durou de 1831 a 1836,
começou em águas sul-americanas, rumou para o Taiti e a Nova Zelândia e voltou para a
Inglaterra pela Ilha de Ascensão e pelos Açores. A viagem deu a Darwin a oportunidade ímpar
de observar uma imensa variedade de plantas e formas de vida animal, e ele coletou uma
vasta quantidade de dados. Essa jornada modificou o caráter de Darwin. Deixando a vida de
diletante e amante dos prazeres, voltou à Inglaterra como um cientista sério e dedicado, com
uma paixão e um objetivo na vida — promulgar sua teoria da evolução. Em 1839, Darwin se
casou; três anos mais tarde, mudou-se com a esposa para Down, uma cidadezinha a cerca de
vinte e cinco quilômetros de Londres, para poder concentrar-se em sua obra sem as distrações
da vida da cidade. Sempre mal de saúde, continuou a ser acometido por problemas físicos,
queixando-se de vômitos, flatulência, furúnculos, eczema, vertigens, tremores e ataques de
depressão. Ao que parece, os sintomas eram neuróticos, provocados por qualquer mudança
em sua rotina diária. Sempre que o mundo exterior se fazia presente, impedindo-o de
trabalhar, ele tinha um ataque. A enfermidade tornou-se um recurso útil, protegendo-o das
questões da vida diária e propiciando-lhe a solidão e a concentração de que precisava para
criar sua teoria. Um escritor denominou o problema de saúde de Darwin uma “doença
criativa” (Pickering, 1974). 126 A teoria da evolução proposta por Charles Darwin criou
condições para o surgimento da psicologia funcional, que estudava o papel adaptativo da
consciência em vez do seu conteúdo. Desde a época do seu retorno com o Beagle, Darwin
estava convencido da validade da teoria da evolução das espécies. Por que, então, esperou
vinte e dois anos antes de apresentar sua obra ao mundo? A resposta parece estar em sua
atitude extremamente conservadora, um requisito de temperamento para um bom cientista.
Darwin sabia que sua teoria era revolucio nária e desejava ter certeza de que, quando ele a
publicasse, ela tivesse provas suficientes em seu apoio. Por isso, agiu com meticulosa cautela.
Só em 1842 Darwin sentiu-se preparado para escrever um breve sumário de trinta e cinco
páginas sobre o desenvolvimento de sua teoria. Dois anos mais tarde, ele o expandiu,
redigindo um ensaio de duzentas páginas, mas ainda não estava satisfeito. Continuou a
conservar suas 127
idéias para si, partilhando-as apenas com Charles Lyell e com o botânico Joseph Hooker. Por
mais quinze anos ele continuou a trabalhar com os seus dados, conferindo, elaborando,
revisando, para ter certeza de que, quando finalmente a publicasse, a teoria fosse inatacável.
Ninguém sabe quanto tempo mais Darwin teria demorado se não tivesse recebido, em junho
de 1858, uma carta esmagadora de um certo Alfred Russel Wallace, um jovem natura lista.
Este, enquanto convalescia de uma doença nas Índias Orientais, fizera o esboço de uma teoria
da evolução espantosamente semelhante à de Darwin, embora não apoiada no volume de
dados que Darwin acumulara. Wallace dizia que fizera o trabalho em três dias! Em sua carta,
pedia a opinião de Darwin sobre a sua teoria e a sua ajuda para conseguir publicá-la. Podemos
imaginar o que Darwin sentiu diante disso, depois de mais de duas décadas de um trabalho
penoso e cansativo. Darwin tinha outra característica que não é incomum entre cientistas:
ambição pessoal. Mesmo antes de sua viagem no Besgle, ele escrevera em seu diário que tinha
a “ambição de ocupar um lugar justo entre os homens de ciência”. E também escrevera: “Eu
gostaria de atribuir menos valor a essa insignificância que é a fama” e “Destesto a idéia de
escrever para conseguir a prioridade, mas por certo ficaria aflito se alguém publicasse as
minhas doutrinas antes de mim” (Merton, 1957, pp. 647-648). Com invejável honestidade,
contudo, Darwin refletiu sobre a carta de Wallace e decidiu: “Parece-me difícil ter de perder a
prioridade depois de tantos anos, mas não posso ter a certeza de que isso altere a justiça do
caso... Seria uma desonra para mim publicar agora” (Merton, 1957, p. 648). Os amigos de
Darwin, Lyell e Hooker, sugeriram que ele lesse o trabalho de Wallace e partes do seu próprio
livro a ser publicado numa reunião de Linnean Society em 1 de julho de 1858. O resto é
história. Todos os 1.250 exemplares da primeira edição de A Origem das Espécies foram
vendidos no dia da publicação. O livro gerou uma comoção e uma controvérsia imediatas, e
Darwin, embora sujeito a muitos insultos e críticas, conseguiu a “insignificância que é a fama”.

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