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1590/0103-166X2015000400010
Fernanda SAVIANI-ZEOTI 1
Eucia Beatriz Lopes PETEAN2
Resumo
Este estudo teve como objetivo verificar as possíveis diferenças nos comportamentos de apego materno-fetal, bem
como nos níveis de ansiedade e depressão apresentados por gestantes com e sem risco na gravidez, durante o segundo
trimestre gestacional. Participaram da pesquisa 25 mulheres com gravidez sem risco e 23 com gravidez de risco, sendo
que quatro delas tiveram fetos malformados. A Escala de Apego Materno-fetal e os Inventários de Ansiedade e Depressão
de Beck foram utilizados. Os resultados mostram que não há diferenças no nível de apego materno-fetal entre os dois
grupos de gestantes, os quais apresentaram valores máximos. Os índices de ansiedade e depressão mostraram-se mais
elevados, mas não estatisticamente significativos, entre as gestantes de risco, principalmente para aquelas que tinham
suspeita de fetos malformados. Conclui-se que a gravidade da realidade vivida por essas mães implica em níveis mais
elevados de ansiedade e depressão, porém, não impede a formação da relação de apego entre elas e seus filhos.
Palavras-chave: Ansiedade; Depressão; Gestação; Relações materno-fetais.
This study aimed to determine possible differences in the maternal-fetal attachment behavior and in the levels of
anxiety and depression during the second trimester of pregnancy in women with or without pregnancy complications.
Twenty-five women with normal, healthy pregnancy and 23 with high-risk pregnancy, among which there were 4
with malformed fetuses, participated in this study. The Maternal-Fetal Attachment Scale and the Beck Anxiety Inventory
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1
Universidade de Franca, Faculdade de Psicologia, Curso de Psicologia. Av. Dr. Armando Salles Oliveira, 201, Pq. Universitário, Franca,
SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: F. SAVIANI-ZEOTI. E-mail: <fernandaszeoti@gmail.com>.
2
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Psicologia e Educação.
Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Artigo baseado na tese de F. SAVIANI-ZEOTI, intitulada “Apego materno-fetal e indicadores emocionais em gestantes de baixo e alto
risco: um estudo comparativo”. Universidade de São Paulo, 2011.
Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 675
A gravidez é um evento considerado biolo- grande parte, pela interpretação dos movimentos
gicamente natural, entretanto é um período de im- fetais (Maldonado, 1997; Piccinini et al., 2004).
portante vulnerabilidade emocional em que senti- Cranley (1981) sugere também que nessa
mentos ambivalentes são vivenciados. É uma fase época se inicia mais claramente o que chama de
de transição que envolve a necessidade de reestru- apego materno-fetal, definido como “a intensidade
turação e reajustamento em várias dimensões, prin- com que as mulheres se engajam em comporta-
cipalmente no que diz respeito à mudança de iden- mentos que representam uma afiliação e uma inte-
tidade e uma nova definição de papéis (Antunes & ração com sua criança que vai nascer” (p.282). O
Patrocínio, 2007). Essas mudanças, geralmente, têm apego, além de influenciar a qualidade de todos os
início com a confirmação da gravidez, e podem se laços futuros, é crucial para o desenvolvimento do
prolongar por um tempo posterior ao parto, de acor- bebê, especialmente daqueles doentes e/ou prema-
do com a vivência de cada mulher. turos.
Segundo Piccinini, Gomes, Moreira e Lopes Tarelho e Perosa (2001) referem que houve
(2004), “a relação da mãe com seu filho já começa um aumento no interesse de pesquisar o apego
desde o período pré-natal, e se dá, basicamente, durante o período fetal, pois pouco se sabe sobre o
através das expectativas que a mãe tem sobre o que ocorre com o vínculo mãe/feto durante o pro-
bebê” (p.223). Além disso, essas expectativas são cesso da gravidez, especialmente quando há inter-
mais frequentes e intensas quando os movimentos corrências. Pais diante de um prognóstico fetal ruim
do bebê anunciam sua existência real, fazendo com parecem perder a autoconfiança em como cuidar
que a mãe sinta o feto e aumente suas expectativas do filho, apresentam sentimentos de desesperança,
referentes a ele. falta de controle e fantasias de morte e ressurreição.
Esse momento em que os movimentos fetais “Esses sentimentos podem levar a um desligamento
ficam mais perceptíveis corresponde ao chamado do feto, a não pensar nele e, posteriormente, a uma
segundo trimestre gestacional, entre o 4º e o 6º esquiva do contato com o recém-nascido” (Tarelho
mês de gravidez. Psicologicamente, nessa época, a & Perosa, 2001, p.80).
mulher começa a mudar o seu conceito sobre o No estudo realizado por Vasconcelos e
feto, que passa de um ser que é parte de si mesma, Petean (2009), 22 gestantes, que receberam a notí-
para um bebê vivo, que logo será um indivíduo cia de uma malformação fetal após realização de
F. SAVIANI-ZEOTI & E.B.L. PETEAN
na Tabela 2. Os resultados mostram que 100,0% Nota: *Incluindo uma gestante com suspeita de gravidez com malformação
delas apresentou grau máximo de apego. Já com fetal. 679
Este estudo teve como objetivo avaliar os No que diz respeito à depressão, índices mais
níveis de apego materno-fetal, ansiedade e depres- elevados também foram apresentados pelas gestan-
são de gestantes com gravidez considerada de risco tes de risco. Porém, na maioria das participantes
e gestantes com gravidez sem risco. A maioria das com hipertensão arterial, idade avançada e histórico
mulheres deste estudo apresentaram índices de de aborto espontâneo, os índices de depressão não
ansiedade e depressão entre mínimo e leve, sendo ultrapassaram o nível leve, não sendo considerado
que as com gravidez de risco apresentaram valores passível de atendimento clínico. Mesmo assim,
mais altos quando comparadas ao outro grupo. É ressalta-se a importância do acompanhamento
provável que o fato delas estarem expostas a uma emocional nesses casos. De acordo com Alami, Kadri
situação incerta, como alterações na própria saúde e Berradas (2006) e Furber, Garrod, Maloney, Lovell
e McGowan (2009), mesmo um nível leve de
depressão influencia de forma negativa a mulher
Tabela 3 grávida que, pode apresentar menos práticas saudá-
F. SAVIANI-ZEOTI & E.B.L. PETEAN
Correlações das médias de depressão, ansiedade e apego dos dois veis, como boa alimentação e exercícios apro-
grupos de participantes (Ribeirão Preto, 2010) priados, podendo, também, desenvolver mais deses-
Gestantes perança durante a gestação (Lindgren, 2001).
Médias
Sem risco Com risco
Nesse sentido, Brandon et al. (2008) e Ossa,
Apego 87,6 (máximo) 90,9 (máximo) Bustos e Fernandez (2011), afirmam que níveis de
p = 0,5
depressão podem sugerir uma maior vulnerabilidade
Depressão 09,2 (mínimo) 13,1 (leve)
p = 0,1 emocional devido à presença de risco para a mãe,
Ansiedade 10,8 (leve) 14 (leve) seu bebê ou ambos. Pereira e Lovisi (2008) salientam
p = 0,3 que essa condição durante o período gestacional
680 Nota: p ≤ 0,05: Nível de significância. pode se constituir em forte fator de risco à depres-
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