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Documento Científico
Departamento Científico de
Aleitamento Materno
Amamentação e Sexualidade
Como todas as funções do corpo, a possibi- te. Quando deu à luz seu segundo filho, preten-
lidade de uma mulher amamentar um bebê está dia amamentá-lo e evitar uma ama de leite, mas
relacionada aos demais fatores que a constituem sintomas semelhantes aos que ocorreram com o
como indivíduo: psíquico, social e cultural. Nes- primeiro filho voltaram a aparecer, e com maior
se sentido, torna-se fundamental que o pediatra intensidade. Como último recurso, seus médicos
que acompanha uma família durante a fase de recomendaram que ela visse Freud e pudesse
aleitamento materno esteja orientado quanto às ser submetida à hipnose, técnica com a qual ele
dificuldades derivadas de fatores alheios ao fun- iniciou suas investigações em psicanálise, mas
cionamento do organismo, mas que podem impe- abandonou posteriormente por mostrar-se inefi-
dir que suas funções vitais sejam comprometidas. caz para que as mudanças conquistadas fossem
duradouras. Essa intervenção possibilitou à mu-
Freud (1893), ainda no início de suas pesqui-
lher amamentar satisfatoriamente seu bebê até
sas que fizeram dele o fundador da psicanálise,
os 8 meses. Um ano mais tarde, ao nascer seu ter-
foi chamado por uma família cuja mulher não
ceiro filho, novamente os sintomas apareceram e
conseguia amamentar seu segundo filho, apesar
mais uma vez foi necessária a hipnose para con-
de expressar grande desejo em fazê-lo. Ela ha-
seguir amamentar seu bebê. Dessa última vez, a
via tentado sem sucesso amamentar o primeiro
mãe confessou a Freud seu descontentamento
filho, mas fora acometida de alguns sintomas que
por constatar que a hipnose poderia ter conse-
inviabilizaram seu intento, como a pouca produ-
guido o que ela sozinha, com toda a sua vontade,
ção de leite e dores quando o bebê era colocado
não havia conseguido.
para mamar, além de inapetência e insônia. Nessa
ocasião, após 15 dias de tentativas em vão, optou Esse caso ilustra como os fenômenos intrapsí-
por delegar a amamentação a uma ama de lei- quicos têm influência significativa no desem-
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Amamentação e Sexualidade
penho da função materna de amamentar, tantas colo. Em função disso, muitas mulheres que ama-
vezes sugerida como simples e natural. Mesmo mentam perdem seus desejos sexuais e outras
quando a mãe está fortemente empenhada e caminham em direção ao desmame precoce por
disposta, fatores psíquicos inconscientes podem não conseguir atribuir aos seios uma outra fun-
interferir no aleitamento materno, dificultando e ção que não a de atributo sexual. As sensações
até mesmo impedindo-o. sexuais que podem surgir em virtude do seio re-
presentar uma importante zona erógena podem
Depois de Freud, muitos autores como Badin-
inibir a amamentação pelo desconforto moral
ter (1985), Deutsch (1951), Klein (1997), Langer
que desencadearia. Entretanto, para Deutsch
(1981), Soifer (1980), Winnicott (1994), Maldo-
(1951) algumas mulheres psiquicamente mais
nado (1976), Monteiro (2003), Feliciano (2009),
livres para o desempenho de suas funções ma-
dentre outros, se ocuparam em pesquisas rela-
ternas tendem a aceitar tais sensações e incor-
cionadas à influência de fatores psíquicos nas di-
porá-las como inerentes ao processo de lactação
nâmicas da maternidade e lactação. Atualmente,
e perfeitamente aceitas por seu psiquismo. A
com todo o desenvolvimento da psicanálise e os
mesma autora afirmou estar convencida de que a
recursos para compreender a complexidade da
maior parte dos problemas de lactação estaria re-
mente, podemos tê-la como um trunfo importan-
lacionada a fatores psíquicos que, analogamente
te na compreensão de dinâmicas familiares e da
ao fisiológico, seriam uma espécie de cordão um-
dupla mãe e bebê que chegam aos consultórios,
bilical psíquico que ligaria o seio materno à boca
ambulatórios e maternidades com impossibilida-
do bebê. Para ela, o conflito entre as tendências
des de praticar o aleitamento materno.
egoísticas e as forças altruístas da maternidade
O objetivo deste documento científico é abor- estariam subjacentes às dificuldades ou ao su-
dar alguns fatores de ordem psíquica que a ama- cesso da lactação.
mentação desencadeia nas pessoas envolvidas,
que nem sempre são levados em consideração
nas consultas pediátricas de acompanhamento
O Seio e as Turbulências
durante o período de amamentação.
Identitárias Femininas
O principal elemento que se torna um im-
bróglio no aleitamento materno é o fato de que
Um dos primeiros sinais que marca a entrada
o seio que produz o alimento do bebê também
da menina no mundo adulto é o crescimento dos
ocupa um importante papel na sexualidade adul-
botões mamilares, que desponta como anúncio
ta, por seu caráter de zona erógena que participa
do processo de tornar-se mulher. O crescimento
ativamente dos jogos eróticos de um casal.
dos seios, que em geral vem acompanhado da
Do ponto de vista fisiológico, uma zona eróge- menarca, consolida a identidade feminina no que
na concentra uma quantidade de inervações sen- tange à concretude corporal. Na contrapartida psí-
soriais que provocam no organismo a excitação quica, essa etapa do desenvolvimento traz à tona
sexual preparatória para o coito. Essa característi- uma série de conflitos que tumultuam o universo
ca do corpo se associa a uma representação cultu- mental da menina, desde a estranheza de um cor-
ral e psíquica que acompanha cada dupla, família po novo, com novos estímulos e necessidades, ao
e sociedade como um fator importante que define efeito que sua nova imagem produz em seu meio
o sucesso ou insucesso da amamentação. social. É uma experiência que mistura muitos afe-
tos que incluem o medo pelo desconhecido e a
Para algumas mulheres, existe uma dissocia-
dor do luto pela infância que fica para trás.
ção muito marcante entre maternidade e sexuali-
dade, fincada na imagem da mãe santa e assexu- Após esse período de abalo na identidade da
ada que permeia as mais diversas culturas, com menina na qual o seio é o aliado mais significati-
ícones como os quadros de virgens com bebês ao vo, percorre-se um período no qual o seio da mu-
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lher adulta é símbolo de sedução e sensualidade. mulher e ser mãe. Entretanto, algumas delas não
Essa marca é tanto pessoal quanto compartilhada conseguem a integração dos dois aspectos iden-
pelos olhares ao seu redor. Somente por ocasião titários e muitas vezes vivem apenas um deles em
de uma gestação é que se dá um novo abalo em detrimento do outro, reprimindo-o. Em alguns ca-
sua relação com o seio, marcando nova etapa de sais, essa dinâmica é compartilhada pelo homem,
vida e identidade social. fazendo com que o casal não retome a vida sexu-
al, adotando um papel maternal exagerado que
Para nossa cultura ocidental o seio está as-
deserotiza a relação. Ou quando a mulher não
sociado ao atrativo erótico, dos mais importan-
tem um casal constituído com o pai da criança
tes da vida sexual de um casal. As sensações no
abandona sua vida sexual mantendo-se ancorada
mamilo são fortes aliadas na excitação genital. O
unicamente na relação com o filho, o que de certo
mesmo seio que o bebê vai mamar.
modo sobrecarrega a criança e dificulta seu de-
As terminações nervosas não mudam nas senvolvimento psicoemocional, repercutindo em
duas situações. O que muda é a representação outras áreas do desenvolvimento.
psíquica e todo o engendramento mental que vai Mas, tão importante quanto ser capaz de viver
permitir que a mulher, na amamentação, trans- e entregar-se à maternidade é poder conservar a
forme as sensações de seu mamilo em um prazer sensualidade e o desejo. Algumas mulheres ao se
de natureza diferente do erótico. Os afetos des- tornarem mães se encantam a tal ponto que ani-
pertados pela maternidade tornam o contato de quilam sua feminilidade sensual, adotando um
amamentar uma experiência de ternura e amor. papel exclusivamente maternal. Essa é uma das
Não é um mecanismo mental simples e só terá causas frequentes de conflitos de casal e divór-
êxito se essa mulher teve um desenvolvimento cios, além de ser uma atitude que sobrecarrega
psicoemocional satisfatório e contar com recur- a criança e impede que ela possa estar livre psi-
sos mentais para tal. A condição de que essa or- quicamente para suas relações sociais. Frequen-
ganização aconteça está relacionada a toda sua temente, esses engendramentos psíquicos entre
história e marcas que ela nem mesmo pode aces- mãe e filho aparecem quando a criança recusa-se
sar conscientemente e à sua atual vivência na re- a receber outros alimentos que não o leite mater-
lação com seu parceiro amoroso e a criança. no, ou não se adapta à escola e à companhia de
É fundamental para o aleitamento materno outros adultos, mantendo-se numa relação fusio-
que a mulher possa ser capaz de diferenciar emo- nal com a mãe.
cionalmente os dois tipos de estímulos em seus É certo que no período puerperal é esperado
mamilos, sensual e maternal. Alguns dos impe- que haja um tempo de reorganização do impacto
dimentos se dão em razão de a mulher associar que a nova configuração familiar e novos papéis
a sucção do bebê à estimulação erótica tanto do impõem. Contudo, é frequente que essa desorga-
contato da mucosa do bebê com o seio, quanto nização inicial se cristalize numa escolha que não
das contrações uterinas reflexas ao ato de sugar, integra as duas faces da identidade masculina e
o que torna insuportável amamentar, pelo caráter feminina. Alguns casais chegam a adotar o “ape-
incestuoso que adquire e a aterroriza, como ilus- lido” de mãe e pai entre si.
trado em Monteiro (2009): “A dor, as rachaduras
do seio, os abcessos mamários e o isolamento que Em pesquisa sobre as dinâmicas psíquicas de-
levam a mãe a se desligar do ambiente e da crian- sencadeadas pela amamentação realizada com
ça, respondem ao conflito inconsciente entre um mulheres durante o primeiro semestre de vida de
desejo sexual incestuoso e a tendência repressiva seus bebês, houve consenso sobre esses confli-
oposta.” Sofier (1980). tos mencionados anteriormente e ilustrados por
depoimentos como: parece que ele (o marido) cor-
Observa-se uma turbulência identitária na tou a parte mulher e ficou só a mãe. Eu sinto que
mulher, que precisa integrar os papéis entre ser ele me olha como se fosse mãe, não como mulher;
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Amamentação e Sexualidade
eu não voltei ainda a ser mulher, então acho que a aspecto de sensualidade que vinha representan-
partir do momento que eu voltar a ser mulher, nos- do, para que se conserve o casal amoroso e não
so relacionamento vai começar a ser de homem e apenas o casal parental.
mulher. Acho que, por enquanto, eu sou mãe e ele
Alguns homens não conseguem ver a mulher
é o pai... não marido e mulher.” (Monteiro, 2003)
como mãe e também parceira sexual, porque a
A possibilidade de “se dividir” entre mulher imagem materna fica associada à representação
sensual e mulher maternal depende fundamen- da mãe assexuada de sua infância. Quando me-
talmente da relação vivida pela mulher com a nino esse era o recurso psíquico ilusório que o
sua própria mãe e as construções imaginárias protegia da dor de reconhecer o lugar importante
que se constituíram e que agora se impõem na que seu pai ocupava junto à sua mãe. A criança
vida com seu próprio bebê. As mudanças corpo- deseja ser o único amor da mãe. Aos poucos e
rais e amamentação são derivadas desse mundo dolorosamente a maturidade emocional aceita a
intrapsíquico. Como afirma Felice (2000): “As realidade de não ser o centro da vida materna, e
mudanças corporais devidas à gravidez, parto e é uma das mais importantes aquisições mentais
amamentação podem conflitar com os desejos do indivíduo.
narcísicos da mulher de preservar o corpo como
No cenário aparentemente dual entre a mãe
objeto de atração erótica”. Em outras palavras, a
e o bebê, muitas vezes o pai sente-se preterido e
mulher que não pode doar seu corpo em amor
sem lugar, o que transtorna toda a dinâmica fami-
a um bebê pelo medo de perder seus atributos
liar, incluindo a própria amamentação e às vezes
revela insegurança que advém de sua infância
o desempenho do papel de pai. Embora haja de
muito precoce.
fato uma dualidade mãe e bebê, a possibilidade
de entrega plena da mulher e condições psíqui-
cas para viver a proximidade quase fusional que
O Seio no Universo
o bebê precisa, vai depender também do quanto
Mental Masculino
pode contar com o apoio do pai da criança.
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seja um período de dor e luto. É um afastamento em ser excluída da dualidade do prazer comparti-
gradual que tem seu apogeu no desmame. lhado entre o casal, a tal tão disseminada ideia de
Édipo que ficou banalizada no discurso simplista
Se o homem não é capaz de ajudar a mulher
da paixão da criança pelo seu progenitor.
nesse distanciamento numa espécie de inter-
dição e reivindicação da mulher ao seu lado, a Na verdade, em psicanálise o conceito de édi-
dupla mãe e bebê “se perde” numa vivência de po tem como função simbólica nomear a dor de
estagnação que vai desgastando e exaurindo a quem fica excluído de um prazer compartilhado,
todos. vivência que constitui a capacidade de se relacio-
nar em sociedade. De fato, é na relação com os
pais que a criança vive esse sentimento em cará-
ter inaugural. E é importante para ela que os pais
O Casal
possam sustentar o casal e tolerar a dor que ad-
vém para a criança. Algumas vezes os pais, con-
Por muitas razões psíquicas, não é incomum doídos com o sofrimento que inconscientemente
que o casal que tem um bebê sofra dificuldades traz à tona sua própria vivência de infância, ten-
para lidar com as mudanças descritas acima em re- tam desfazer os limites, incluindo a criança em
lação às suas identidades e aos vários significados todos os espaços e com isso abandonam a vida
que o seio adquire. Não é possível abordar neste a dois.
documento a pluralidade de fatores que estão im-
A suspensão da vida sexual faz parte de um
plicados em termos mentais, pois são derivados
período de adaptação pelo qual passa a família, e
de toda a constituição do psiquismo e suas dinâ-
que envolve o corpo da mulher em seus hormô-
micas. Mas se o profissional está atento à influên-
nios que precisam ser reorganizados. Antigamen-
cia desses elementos, poderá perceber quando
te falava-se em “quarentena”, que era uma forma
questões dessa natureza são impeditivas para que
simbólica de caracterizar essas adaptações. Não
a amamentação flua e se consolide durante o tem-
há um tempo preciso para isso; naturalmente
po necessário ao desenvolvimento do bebê.
acompanha o desenvolvimento do bebê, o resta-
Durante o primeiro mês após o parto, ante belecimento do corpo materno e a familiaridade
a todas as mudanças descritas acima, mãe e pai da nova constituição familiar. Mas se o casal não
vêm-se sobrecarregados emocionalmente e con- retoma sua vida sexual, cria-se um estado mútuo
fusos com o universo desconhecido. Além disso, de hostilidade e frustração que nem sempre é
essas vivências trazem à tona as experiências consciente. Instala-se uma tensão na dinâmica
infantis muito precoces com todas as marcas de familiar.
tabu que a sexualidade carrega.
O grande desafio de um casal após o nasci-
A sociedade ocidental traz em seu imaginário mento dos filhos é poder integrar as faces mater-
a antiga marca de mãe-santa que está nas raízes na e feminina na mesma pessoa, tanto do ponto
de nossa cultura, derivada da Virgem Maria e das de vista da mulher quanto do homem. A ama-
demais marcas religiosas judaico-cristãs. O de- mentação não é a causa dessa desorganização da
sejo sexual e a eroticidade ficaram segregados identidade sexual do casal, mas a coincidência de
e atribuídos a mitos como Lilith, que teria sido a ser o seio a parte do corpo da mulher que viabili-
primeira mulher de Adão, porém por ser insub- za a amamentação e também uma das principais
missa e “tentadora” fugiu do Éden. zonas erógenas femininas impõe um conflito que
agudiza essa desorganização do casal.
Ao lado dessas representações culturais, so-
ma-se o imaginário infantil no qual os pais tor- A falta de espaço para a sexualidade do ca-
nam-se assexuados aos olhos dos filhos. É uma sal vai fatalmente desencadear conflitos tanto
solução psíquica que resulta da dor da criança intrapsíquicos quanto relacional. Mas na maior
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Amamentação e Sexualidade
parte das vezes o casal não se dá conta de que nascimento, delegando a uma babá ou familiar o
a causa de brigas, incômodos e dificuldades na cuidado com a criança, o que representa o terror
dinâmica familiar e com a criança têm a sexuali- inconsciente à aproximação das vivências primi-
dade represada como raiz inconsciente. tivas e imaturas do bebê. Essa angústia também
se faz representar no pai que nunca está presen-
Muitas vezes, todos esses conflitos incons-
te nas consultas ou na rotina da criança, alegando
cientes ficam camuflados no aparente cuidado e
excesso de trabalho, o que se desdobra na solidão
preocupação com o bebê. Alguns casais relatam
da mãe não apenas para lidar com seus próprios
que a criança, muitas vezes já crescida, só aceita
conflitos, mas pela sobrecarga que as tarefas com
dormir abraçada à mãe, numa espécie de barrei-
o bebê e amamentação lhe impõem.
ra contra a aproximação do homem, o que muito
frequentemente causa ressentimentos e ame- Observar detalhes em como a mãe se apre-
açam o relacionamento. A atitude da criança de senta em seus cuidados pessoais também pode
recusa na verdade é um conluio com os conflitos ajudar a diagnosticar a necessidade de uma in-
intrapsíquicos do casal. Crianças pequenas são tervenção mais ativa do pediatra e eventualmen-
extremamente sensíveis às angústias parentais te de um psicólogo. Mulheres que passam a se
e reagem a elas tanto em contraposição quanto descuidar da aparência, mas que em contrapar-
como aliados. tida esmeram-se na apresentação dos bebês em
roupas e acessórios, pode sinalizar a substituição
Assim, a própria amamentação pode tornar-se
da autoestima que passa a ser transferida ao fi-
um escudo da reaproximação do casal quando ela
lho, como expressão de seu próprio eu (Szejer &
ocupa um espaço que parece excessivo nas ne-
Stewart, 1997).
cessidades fisiológicas da criança. É importante
que o pediatra esteja atento a esses manejos de- Toda a intensidade desse momento inicial
correntes dos conflitos mentais para não se aliar assume um estado depressivo saudável, conhe-
a esses engendramentos e poder intervir como cido como baby blues. A vulnerabilidade, espe-
ajuda familiar. cialmente da mãe que se desdobra em choros
contínuos e chamados frequentes ao pediatra
pelos mais simples motivos, precisa ser tolera-
O Papel do Pediatra da e compreendida como uma expressão e des-
carga emocional. A passagem desse estado a um
quadro depressivo mais preocupante é tênue,
Pela proximidade da família puérpera com o demandando atenção e proximidade do pediatra
pediatra, torna-se imprescindível que esse pro- para que não haja medicalização ou preocupação
fissional esteja atento ao processo de readap- precoce, que impede o processo natural de aco-
tação e construção das novas identidades tanto modação psíquica.
de cada um dos pais quanto do casal e da família
ante a chegada de seu novo membro. O homem também vive seu baby blues, ainda
que com uma roupagem diferente do da mulher.
No primeiro mês de vida da criança é espe-
Para ele, a quem culturalmente foi ensinado ser
rado que todas essas questões mencionadas an-
forte e não chorar, as reações de sua depressão
teriormente sejam visíveis e façam parte desse
ficam por conta de uma fragilidade somática que
momento de rupturas e nova reorganização. Do
faz com ele adoeça ou se acidente com mais fre-
mesmo modo, é importante que o pediatra es-
quência, ou ainda seja tomado de um torpor e
teja atento a uma postura aparentemente sem
cansaço excessivo (Szejer & Stewart, 1997).
transtornos e conflitos, o que significa uma im-
possibilidade do casal de entrar em contato com À medida em que o tempo passa, a tendência
essas turbulências. A exemplo disso está o retor- é a estabilização de todo esse cenário familiar e
no muito precoce da mãe à sua rotina anterior ao individual de cada um. Ao perceber uma cristali-
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zação desse quadro ou ameaças mais significati- Obviamente que é preciso criar condições e
vas de desmame precoce ou outros indicadores políticas públicas que permitam que a mulher
de dificuldades mais expressivas, uma conversa possa ser livre para escolher amamentar em pú-
aberta com os pais pode ajudá-los a se reorga- blico ou preferir um lugar mais reservado. En-
nizarem. Outras vezes é importante reconhecer tretanto, é fundamental estar atento que não se
que as tensões são mais profundas e pedem aju- trata de uma questão banal, nem para os que as-
da de um profissional de saúde mental que tra- sistem à cena, nem para os envolvidos com ela.
balhe especificamente com famílias de crianças Saber disso ajuda a favorecer ações que tenham
pequenas, entre 0 e 3 anos. como prioridade as necessidades do bebê.
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Amamentação e Sexualidade
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Diretoria
Triênio 2016/2018