Você está na página 1de 9

[1]

DISCIPLINA: POLÍTICA I (SOC1205)

UNIDADE 6 – Mill (John Stuart Mill)


Inglaterra, 1806-1873

Apresentação

Stuart Mill vive na Inglaterra do século XIX, que tem como cenário as mudanças econômicas, sociais e políticas
que decorrem do advento da Revolução Industrial, cujas raízes datam de meados do século XVIII. Sem ter
vivido os primeiros momentos da revolução, Mill compartilha o seu apogeu, assim como a consolidação do
Império Colonial Britânico, reconhecidamente “o mais vasto império de que se tem notícia na história”.
Participa do “surgimento da classe operária, da burguesia industrial e financeira e da universalização de uma
economia de bases monetárias”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.191-2).
Além das transformações econômicas e sociais, também se observam mudanças significativas na política da
Inglaterra do século XIX. Em primeiro lugar, trata-se modernamente de constituir um conjunto de instituições
que canalizem e deem voz à oposição, “criando um sistema legítimo (...) de contestação política”. O que
significa considerar que diante da evidência da finitude da riqueza e dos valores socialmente produzidos
(considerados, assim, enquanto recursos escassos), há que prever a insatisfação que dela resulta, e admitir a
competição que, em maior ou menor grau, impacta sobre o processo político. Torna-se necessário, portanto,
“criar mecanismos para absorver esta competição” de modo a dar voz à insatisfação, evitando “os
componentes desagregadores” e fazendo da oposição “uma alternativa de governo”. Em segundo lugar, torna-
se necessário o “alargamento das bases sociais do sistema político, com a incorporação de setores cada vez
mais amplos da sociedade”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.192).
Ao tempo de Mill, se a construção do sistema de contestação política já avançara, o desafio seria o da
incorporação “da massa de trabalhadores (...) que batiam às portas do sistema político”. (BALBACHEVSKY,
1990, p.192-3). Esta viria a ser a principal contribuição do pensador, reconhecido como “o mais legítimo
representante do movimento liberal inglês” do século XIX. (BALBACHEVSKY, 1990, p.193). De fato, é possível
encontrar no pensamento do autor “algumas das premissas mais importantes do liberalismo econômico, tais
como a limitação à interferência do Estado na vida econômica e a defesa do mercado autorregulável”.
(ABRANCHES, 2011, p.291-2).
Mill nasce em Londres, em 20 de maio de 1806, e é filho de James Mill, “alto funcionário da Companhia das
Índias Orientais e um dos criadores do utilitarismo (ao lado de Jeremy Bentham, principal expoente dessa
corrente de pensamento) ”. Recebe uma educação austera de seu pai que pretendia afastá-lo de todo
“sentimentalismo vulgar”, visando prepara-lo para uma “conduta racional diante da vida”. Aos cinco anos, Mill
[2]

já aprendera grego e aos oito anos, já dominava o latim e a álgebra. Mais tarde, Mill torna-se um crítico de seu
pai e do utilitarismo, construindo sua própria visão a partir dessa crítica. (ABRANCHES, 2011, p.292).
Mill nunca frequentou uma Universidade, mas sua maturidade intelectual pode ser atestada, uma vez que o
pensador, aos dezessete anos já publica o seu primeiro artigo. Conquista uma colocação na Companhia das
Índias Orientais, sob as ordens de seu pai, o que lhe assegura “estabilidade financeira e o tempo necessário
para suas atividades intelectuais”. Em 1865, é eleito como representante por Westminster para o Parlamento,
mas não consegue ser reeleito, vindo a falecer em Avignon, em 08 de maio de 1873. (BALBACHEVSKY, 1990,
p.194).

1. A liberal democracia frente à questão social

A obra de Mill conduz a teoria liberal de uma perspectiva descendente para a ascendente. Na primeira
perspectiva, o grupo social é quem determina as ações humanas na medida em que estas “espelham
características do grupo ou refletem relações entre os grupos”. A segunda, adotada por Mill, corresponde à
concepção individualista que coloca o homem antes da sociedade, “invertendo a relação indivíduo-grupo,
fazendo do último um reflexo do primeiro”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.194-5).
É sob esta ótica que Mill é considerado “o grande representante do pensamento liberal democrático do século
XIX, propondo um conjunto de reformas “que vão desde o voto universal até a emancipação da mulher”.
Observa-se, assim, em sua obra, todo o esforço que é realizado para “responder às demandas do movimento
operário inglês”, opondo-se ao conservadorismo presente “no voto censitário e de cidadania restrita”.
(BALBACHEVSKY, 1990, p.195).
O fundamento do compromisso do autor com a perspectiva liberal democrática “está no reconhecimento de
que a participação política não é e não pode ser encarada como um privilégio de poucos” e que, em sociedades
modernas “o trato da coisa pública diz respeito a todos”, na perspectiva de uma “participação ampliada”. Para
o autor, incorporar os segmentos populares é a única via “para salvar a liberdade inglesa (...) dos interesses
egoístas da próspera classe média”. Assim, para o pensador, o voto não é um direito natural, mas “ uma forma
de poder, que deve ser estendido aos trabalhadores para que estes possam defender seus direitos e
interesses”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.195-6).
É necessário destacar, contudo, que Mill é um forte opositor do que denomina “tirania da maioria”, uma vez
que para o autor, ela equivale à tirania da minoria, uma vez que ambas conduzem à “elaboração de leis
baseadas em interesses classistas”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.196). Um risco, portanto, que pode ameaçar a
própria perspectiva democrática.
Duas medidas são propostas pelo autor para a organização do sistema eleitoral: a primeira seria a adoção do
sistema eleitoral proporcional, visando assegurar “a representação das minorias, mesmo quando estas se
encontrassem dispersas em vários distritos, não representando a maioria em nenhum deles”; a segunda seria
[3]

“a adoção do voto plural”, por meio do qual “os votos seriam contados com pesos diferentes, dependendo de
quem os tivesse dado”. Para Mill, os interesses privados das classes proprietárias e os do trabalhador
assalariado, “tendem a se polarizar em dois grandes blocos”, o que faz com que se torne necessário que o “fiel
da balança esteja nas mãos de um terceiro grupo”. As elites culturais, mais diretamente comprometidas com a
justiça, deveriam ter o peso de seus votos superior a 1. (BALBACHEVSKY, 1990, p.196).

2. Sobre o princípio da utilidade (o utilitarismo inglês)

O pensamento de Mill tem raízes na concepção utilitarista de Bentham e James Mill, para os quais a realidade
da economia de mercado deve ser considerada como “paradigma teórico para a construção de seus modelos
de sociedade e indivíduo”. Assim, para os autores, a natureza humana é “pragmática”: “o homem é um
maximizador do prazer e um minimizador do sofrimento” e a sociedade é o agregado “ de consciências
autocentradas e independentes” em que cada homem “busca realizar seus desejos e impulsos”. Calcula-se o
bem-estar para qualquer homem “subtraindo-se o montante de seu sofrimento do valor bruto de seu prazer” -
tomados aqui “em um sentido quantitativo radical”. A felicidade da sociedade seria obtida por meio do
“somatório dessas operações para cada indivíduo e o bom governo seria aquele capaz “de garantir o maior
volume de felicidade líquida para o maior número de cidadãos”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.197).
Stuart Mill tem como ponto de partida o princípio básico do utilitarismo, uma vez que também vê “no bem-
estar assegurado o critério último para a avaliação de qualquer governo ou sociedade”. Mas, afasta-se dele, ao
apontar a dificuldade de considerar “a felicidade como algo passível de mensuração puramente quantitativa”.
(BALBACHEVSKY, 1990, p.197).

Alterando radicalmente a concepção sobre a natureza humana, propõe que o homem “é um ser capaz de
desenvolver suas capacidades” e necessita desse desenvolvimento. Para o autor, o critério para aferição do
bom governo passa a ser então “o grau em que ele tende a aumentar a soma das boas qualidades dos
governados, coletiva e individualmente”. (MILL, 1981, p.19). E é sob esta ótica que o governo democrático é
considerado como o melhor, uma vez que nele são encontradas “as condições que favorecem o
desenvolvimento das capacidades de cada cidadão”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.197- 8).
Para que a democracia se efetive é necessário, por outro lado, apoiar-se na liberdade individual, fator que
assegura como possibilidade o pleno desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo, permitindo, além
disso, a manifestação da diversidade e do conflito que seriam “como forças motrizes por excelência da reforma
e do desenvolvimento social”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.198).

À medida que os homens tenham o direito de se pronunciar e defender suas ideias


mais caras, por meio de debates, é que esses mesmos homens podem ter acesso
[4]

seguro à verdade, resultando disso o melhoramento e a felicidade da humanidade.


(ABRANCHES, 2011, p.293).

É neste cenário que a democracia popular se apresenta, dividindo opiniões. Stuart Mill coloca-se ao lado de
seus defensores, observando “na extensão da cidadania política não só um direito, mas também um meio de
aperfeiçoamento da humanidade”, e nesta medida, “como um instrumento de melhoria do caráter humano”.
(ABRANCHES, 2011, p.293).

3. Sobre a liberdade

Sob essa ótica, para Mill, a liberdade não é um direito natural, mas “também não é um luxo que interesse
apenas a uma minoria esclarecida”. No seu entender, ela é “o substrato para o desenvolvimento de toda a
humanidade”, uma vez que “torna possível a manifestação da diversidade”, enquanto o ingrediente
indispensável para alcançar a verdade”. Uma sociedade livre, segundo o autor, favorece “o choque das
opiniões e o confronto das ideias e propostas”, criando as condições para que “a justiça e a verdade” se
imponham. Garante-se por meio do conflito, “o progresso e a autorreforma da sociedade”. (BALBACHEVSKY,
1990, p.198).
A liberdade, ao conduzir ao “pluralismo e à diversidade societal”, permite evitar as interferências do Estado
(pela via da “força da lei”, a tirania da maioria) e da opinião pública (a tirania da “opinião prevalecente”),
abrindo caminho para “sistemas abertos, multipolares, onde a administração do dissenso predomine sobre a
imposição de consensos amplos”. (BALBACHEVSKY, 1990, p.198).
Para Mill, é indiscutível o risco da tirania da maioria “quando exercida através de atos das autoridades
públicas”, mas considera a tirania social (aquela exercida pela própria sociedade, pela opinião pública) como
“mais temível do que muitos tipos de opressão política”, uma vez que penetra “muito mais profundamente nos
detalhes da vida, escravizando a própria alma”. Segundo o autor,

não é suficiente, portanto, a proteção contra a tirania do magistrado; necessária


também é a proteção contra a tirania da opinião e dos sentimentos
predominantes, contra a tendência da sociedade para impor, por meios outros que
não penalidades civis, as próprias ideias e práticas, como regras de conduta para
aqueles que discordem delas. (MILL, 1963, p.7).

O risco maior não seria tanto, neste caso, o controle moral da sociedade, “mas o fato de não haver garantias
legais contra sua interferência na liberdade dos indivíduos”. Assim, se em algum momento anterior “procurava-
se limitar o poder do governante contra a liberdade dos súditos”, a tarefa da filosofia política, na atualidade,
“seria buscar um fundamento justo para a limitação do poder do povo sobre si mesmo”. (ABRANCHES, 2011,
p.295). Tal princípio será, para o autor, o da autoproteção:
[5]

“(...) o único fim para o qual a humanidade está autorizada, individual ou


coletivamente, a interferir na liberdade de ação de qualquer fração do seu número
é a autoproteção. O único propósito para o qual o poder pode ser legitimamente
exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada e contra a sua
vontade é o de evitar dano aos demais. O seu bem próprio, seja ele físico ou moral,
não é uma justificativa suficiente”. (MILL, 1990, p.206).

Assim, para o autor,

A única parte da conduta de alguém, pela qual este é responsável perante a


sociedade, é aquela que diz respeito aos demais. Naquilo que concerne meramente
a si mesmo, a sua independência é, de direito, absoluta. Sobre si mesmo, sobre seu
próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano. (MILL, 1990, p.206).

Para Mill, portanto, “afora os atos que poderiam causar danos aos outros, no mais os indivíduos teriam direito
à inteira independência”. O que não impede a inclusão de atos que permitam prevenir que determinada
pessoa siga “um curso que lhe causará danos próprios”.

Vícios privados como consumo desmesurado de bebidas alcoólicas, falta de decoro


na vida sexual, ociosidade etc., poderiam ocasionar prejuízo moral, perda de
credibilidade e isolamento social para o indivíduo, consequências ´naturais´ da
própria falta´, sendo passíveis de interferência por parte de pessoas mais próximas,
como os amigos, por exemplo. Sem que isso seja considerado, contudo, como uma
conduta obrigatória. (ABRANCHES, 2011, p.297-8).

Observe-se, por outro lado, um aspecto fundamental que decorre da defesa da liberdade individual por parte
de Mill, e que diz respeito ao seu reconhecimento dos direitos das minorias. Ao tempo do autor, a Inglaterra
“oferecia inúmeros exemplos de imposição da opinião pública sobre as minorias”. “Perseguições religiosas”,
“leis proibitivas de consumo e venda de bebidas alcoólicas”, mas, sobretudo, sua defesa dos “direitos das
mulheres” coloca Mill em destaque no que se refere às minorias. Assim, o autor defenderá a liberdade ainda
quando esta possa conduzir a escolhas que sejam contrárias à opinião individual de cada um. No que se refere
aos direitos das mulheres, o pensador

critica o `poder quase despótico dos maridos sobre as mulheres´, pedindo a


`remoção desse mal´ por meio da concessão às mulheres dos mesmos direitos que
aos homens e proteção da lei”, tornando-se um dos maiores defensores da ampla
liberdade de opinião associada aos direitos das minorias. (ABRANCHES, 2011,
p.299).
[6]

Observe-se, finalmente que, para o pensador, a liberdade humana compreenderia:

1.“(...) o domínio interno da consciência (...), liberdade de pensamento e sentimento, absoluta


liberdade de opinião e sentimento sobre todos os assuntos, práticos e especulativos, práticos
ou especulativos, científicos, morais ou teológicos”.

2.“(...) liberdade de gostos e ocupações, de construir o plano de nossa vida que se adeque ao nosso
caráter, de fazer como preferirmos, sujeitos às consequências possíveis, tais como possam advir (...)”.

3. “(...) liberdade de associação entre os indivíduos, liberdade para se unir (...), desde que as pessoas
sejam adultas e não constrangidas ou enganadas”. (MILL, 1990, p.208).

4. O Governo Representativo

Mill defende a democracia, considerando-a como a “melhor forma de governo” e procurando conciliá-la com
os princípios do Estado liberal. É nessa perspectiva que o autor se afasta da proposta de uma democracia
praticada de “forma direta” (tal como defendida por J.J. Rousseau) e advoga em favor de uma democracia
representativa. Esta recusa se deve ao temor da “tirania da maioria” e ao possível mal que esta poderia causar
“ao livre desenvolvimento individual e, consequentemente, ao desenvolvimento da humanidade como um
todo”. (ABRANCHES, 2011, p.305).
O autor considera que três condições são indispensáveis para esta forma de governo: “`1) que o povo esteja
disposto a recebê-lo; 2) que esteja disposto e seja capaz de fazer o que for necessário para preservá-lo; 3) que
esteja disposto e seja capaz de cumprir com os deveres e desempenhar as funções que lhe impõem´”. “A
terceira é fundamental para as outras duas”. (ABRANCHES, 2011, p.306).
Para o pensador, uma série de deficiências por parte do povo poderiam torná-lo incapaz de “tirar o melhor
proveito do governo representativo”:

Fortes preconceitos de qualquer espécie, adesão obstinada a velhos hábitos,


defeitos positivos do caráter nacional, e deficiência de cultura mental, se
prevalecerem em um povo, refletir-se-ão fielmente nas assembleias legislativas
(...). (MILL, 1964, p.56)
[7]

A preocupação de Mill em relação à “deficiência de cultura mental”, que pode se refletir “na assembleia
representativa” é que explica sua preocupação com o sufrágio universal e o conduz à proposição do voto
plural. (ABRANCHES, 2011, p.307).
Ainda assim, considerando “a felicidade e melhoramento do povo”, Mill defende o “governo popular”, de
modo a permitir que “o maior número possível de cidadãos” possa participar nas funções públicas. Trata-se de
promover “o autodesenvolvimento dos indivíduos, permitindo-lhes que exerçam suas capacidades morais e
intelectuais”. (ABRANCHES, 2011, p.308). O que seria alcançado, segundo o autor,

por um lado, excluindo o menor número possível do sufrágio; por outro, facultando
a todas as classes de cidadãos (...) a mais ampla participação nos detalhes das
questões judiciárias e administrativas; como pelo julgamento por júri, admissão a
cargos municipais, e acima de tudo pela maior publicidade possível e liberdade de
expressão (...). (MILL, 1964, p.75).

Além da tirania da maioria outro temor do pensador dizia respeito “ à expansão do poder do Estado” que
também poderia trazer prejuízos no que se refere às “liberdades individuais e aos benefícios que essas
liberdades poderiam proporcionar ao autodesenvolvimento pessoal”. Para Mill, “quando os indivíduos passam
a depender do Estado e dos seus funcionários, se o Estado não consegue atender às expectativas, há risco de
revolução”. (ABRANCHES, 2011, p.309). Deste modo, para o autor:

Em países de civilização mais adiantada e de espírito mais insubordinado, o público


acostumado a esperar que tudo faça o Estado por ele, ou pelo menos nada faça por
si mesmo não só sem pedir licença ao Estado para fazer, mas até mesmo como
deve ser feito, consideram naturalmente o Estado responsável por todo o mal que
lhes acontece, e, se o mal ultrapassa a paciência de que dispõem, levantam-se
contra o governo, fazendo o que se chama revolução. (MILL, 1963, p.126).

É sob essa ótica, que Mill escreverá, como contraponto à expansão do poder do Estado:

Não há dificuldade alguma em mostrar-se que a forma de governo idealmente


melhor é aquela em que a soberania ou poder controlador supremo em última
instância se encontra investido no agregado inteiro da comunidade, tendo cada
cidadão não só voz nessa soberania extrema, mas sendo chamado, pelo menos
acidentalmente, a tomar parte realmente no governo pelo desempenho de alguma
função pública, local ou geral. (MILL, 1964, p.39).

Para o autor, a superioridade do governo popular está posta em dois princípios: a “autoproteção” e
“autodependência”. O primeiro teria como substrato que “cada um é único guardião seguro dos próprios
direitos e interesses”. (MILL, 1964, p.40); o segundo, “ que os indivíduos realizam melhor os seus interesses,
desenvolvendo capacidades convenientes, se não ficam na dependência de terceiros”. (ABRANCHES, 2011,
p.311). Mill propõe, nesse sentido, que “em contexto de exclusão política da classe trabalhadora, o parlamento
[8]

fica privado de saber o ponto de vista dessa classe, a qual se tivesse representação estaria em melhores
condições de defender seus interesses”. (ABRANCHES, 2011, p.311).
O pensador analisa a disposição dos indivíduos para participar de uma democracia, classificando os homens em
“tipos passivos e tipos ativos”. O passivo seria “uma pessoa satisfeita com o que tem e que não deseja que
outro tenha aquilo que ele próprio não é capaz de alcançar”. Estas pessoas seriam “incapazes de se
empenharem em qualquer atividade que represente melhoramentos coletivos”. O ativo seria, ao contrário,
uma pessoa empreendedora, “que ao fazer o melhor por si o faz por todos direta ou indiretamente” e que é
favorecido por um governo democrático, na medida em que este lhe permite usufruir de uma “`igualdade de
condições´”. (ABRANCHES, 2011, p.312).
Além de estender os direitos políticos, um governo popular seria também vantajoso para os seres ativos “à
medida em que lhe dá `algo para fazer a favor do público´”. Para Mill,

“(...) é evidente que o único governo capaz de satisfazer inteiramente todas as


exigências do estado social é aquele em que o povo todo participe; que é útil
qualquer participação, mesmo nas funções públicas mais modestas; que a
participação deverá ser por toda a parte tão grande quanto o grau geral de
melhoramento da sociedade permita (...)”. (MILL, 1964, p.49).

Apesar de Mill defender a democracia “e a maior inclusão possível de pessoas no sufrágio”, ele é cético em
relação à participação popular, o que sem dúvida remete “à afluência da classe trabalhadora ao universo da
cidadania política”, opondo-se ao sufrágio universal. É necessário considerar, contudo, que, ainda assim, “o
autor tem em perspectiva a extensão gradativa do sufrágio universal, e não a sua negação”. (ABRANCHES,
2011, p.314-6).
Tendo em vista a maior ampliação possível do sufrágio, Mill propõe que o voto condicionado pelo pagamento
de impostos diretos, em vigor na Inglaterra e que balizava o voto censitário, seja estendido aos mais pobres,
por menor que fosse a taxa cobrada. (ABRANCHES, 2011, p.316-7).
Mas, a maior preocupação de Mill, não era com o voto dos mais pobres, mas com o “voto dos ignorantes”,
“apesar de haver mais chances de que estes se encontrem em maior número entre os pobres”, como o autor
afirma. É nesta perspectiva, que ele defenderá o voto plural nas eleições parlamentares, Além do voto plural e
da representação proporcional, de modo que a democracia fosse aperfeiçoada na direção do sufrágio
universal, era indispensável para Mill “incluir as mulheres na participação política”. (ABRANCHES, 2011, p.318).
Para o autor, tornava-se necessário, deste modo, que, “(...) antes de passar outra geração, o acidente do sexo,
não mais do que o acidente da pele, não se julgue razão bastante para privar o possuidor de proteção igual e
dos justos privilégios de cidadãos”. (MILL, 1964, p.125).
[9]

Referências Bibliográficas

ABRANCHES, Aparecida Maria. John Stuart Mill: a luta contra a opressão. In: FERREIRA, Lier P., GUANABARA,
Ricardo, LOMBARDO, Jorge (Org.), prefácio Candido Mendes de Almeida, Curso de Ciência Política: grandes
pensadores do mundo moderno e contemporâneo, 2ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Elsevier, 2011.

BALBACHEVSKY, E. Stuart Mill: liberdade e representação. In: WEFFORT, Francisco (0rg.), Os Clássicos da
Política. 2ª ed., São Paulo, Editora Ática, vol.2, 1990.

MILL, J.S. Considerações sobre o governo representativo. São Paulo, Ed.IBRASA, 1964.

MILL, J.S. Considerações sobre o governo representativo. Brasília, Ed.UnB, 1981.

MILL, J.S. Sobre a liberdade. São Paulo, Ed. Ibrasam, 1963.

MILL, J.S. Sobre a liberdade. In: WEFFORT, Francisco (0rg.), Os Clássicos da Política. 2ª ed., São Paulo, Editora
Ática, vol.2, 1990.

Você também pode gostar